sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. (Palmas.)

A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. (Palmas.)

Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. (Muito bem! Palmas.)

Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (Muito bem! Palmas.)

A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Muito bem! Palmas prolongadas.)

Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina. (Palmas.)

*Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, em discurso de promulgação da Constituição de 1988, Brasília, 5/10/1988

José de Souza Martins* - O neossimbolismo do poder

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Uma das fotos do presidente e coadjuvantes no Dia da Pátria confirma a desvalorização dos símbolos para acentuar pessoas

Para as ciências humanas, este é um momento peculiar de revelações do que somos como povo e como sociedade. As mudanças sociais e políticas que ocorreram nos últimos meses nos mostraram o que de nós não víamos.

Nossos impasses, insuficiências e esperanças aparecem no banal do dia a dia. A pátria simbólica está na composição de uma foto e na escolha política da distribuição de quem e como nela aparece. Caso do retrato de figurões no desfile do Dia da Pátria. Ele revela o que são, e não sabem, os fotografados que personificam as instituições. Os escolhidos a dedo para ladear o governante tornam-se nele atores do nosso simbolismo milenarista, do tempo em que tínhamos religião e fé. Na mudança dessa composição, na sucessão histórica dos governos, o poder nos diz o que vem a deixar de ser e o que está se tornando.

Na comparação de diferentes episódios de valor social e simbólico equivalentes, maiores são as revelações. A foto de Ulysses Guimarães a assinar a Constituição de 1988 com uma prosaica caneta esferográfica, dessas que se compra na rua, destoou significativamente das de outros momentos de igual importância.

A caneta com que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea lhe foi oferecida pelo povo, mediante subscrição pública: era de ouro, prata e pedras preciosas. Também o era a caneta com que o marechal Deodoro assinou o projeto da primeira Constituição republicana.

César Felício - Um voto de desconfiança

- Valor Econômico

Congresso já tinha respondido a Moro; agora foi o STF

O alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que potencialmente pode anular sentenças proferidas no âmbito da Operação Lava-Jato só deve ser conhecido na próxima semana. Há uma primeira vítima clara, contudo, chamada Sergio Moro. Para quem quer ser um integrante da corte suprema na próxima vaga que se abrir, é uma derrota e tanto.

O escândalo provocado pela divulgação dos diálogos de Moro com integrantes da Força-Tarefa, obtidos pelo site “The Intercept” em circunstâncias obscuras, chega plenamente ao estágio das consequências concretas. Se Moro foi contido na troca de mensagens, o mesmo não pode se dizer dos procuradores de Curitiba e quem paga a fatura política é o ministro. A aprovação do projeto de lei do abuso pelo Legislativo e a derrubada dos vetos presidenciais já havia sido uma resposta. Ontem ficou transparente o troco do Supremo. O ministro Gilmar Mendes deixou no ar o que motivava a decisão, em uma menção indireta a integrantes da Força-Tarefa. “Chamam-nos de vagabundos, falam mal do ministro Fachin, ultrapassam todos os limites, mentindo, e nós temos que honrar a Lava-Jato?! Precisamos honrar as calças que vestimos!”

É provável que a decisão do STF seja delimitada de modo a não ter um efeito disruptivo na cena política brasileira. É provável que dias, quando não semanas, ou quem sabe meses, sejam consumidos de forma febril nesta discussão. O fato é que não se tratou ontem, em termos políticos, naturalmente, de um julgamento a favor de alguém. O que houve foi um voto de desconfiança.

MDB
O MDB hoje é uma sombra do que já foi, mas o emedebismo segue saudável e mais vivo do que nunca. Desaparece a sigla como elemento central da política brasileira, mas, sobrevive o princípio, a razão de existir que tornou o partido protagonista do chamado presidencialismo de coalizão.

O que um dia foi o MDB hoje é representado pela soma deste partido com o Centrão, o DEM e o PSDB congressual. É um eixo moderador, ou diluidor, das vontades presidenciais: tudo que sai do Palácio do Planalto de uma forma transforma-se em outra depois de passar no Congresso dominado pelo emedebismo. O conceito formulado pelo filósofo Marcos Nobre para explicar a dinâmica política nos governos FHC, Lula e Dilma no primeiro mandato mostra sua resiliência.

Claudia Safatle - Os planos de Guedes e a resistência ao liberalismo

- Valor Econômico

População quer pagar menos impostos, mas não aceita diminuição da oferta de serviços públicos

O programa econômico liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, pegou carona na campanha do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, mas não levou a chancela dos votos que o elegeram. Isso provavelmente explicaria, por exemplo, o porquê de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ter descartado a privatização da Eletrobras por aquela casa, na semana passada. A razão, disse ele, é que 48 senadores do Norte e do Nordeste não apoiam o projeto.

No mesmo momento, Alcolumbre também rejeitou qualquer hipótese de ver aprovado um pedido de “fast track” para as privatizações, conforme anunciado pelo ministro. Por esse mecanismo, as vendas de estatais seriam autorizadas em bloco de forma a acelerar etapas das privatizações. “Será caso a caso”, sustentou o presidente do Senado.

Nos grandes valores, como liberdades individuais e direitos civis, pode -se dizer que há uma forte aderência da sociedade com a agenda liberal.

Há, porém, uma distância considerável entre o liberalismo econômico, que preconiza a redução do Estado, e as aspirações populares. A sociedade brasileira credita ao Estado papel fundamental na diminuição da alarmante desigualdade que vigora no país e almeja acesso universal à saúde e educação de boa qualidade. Esse acesso é que dará aos mais pobres condições de competir com os mais abastados por uma vida melhor.

Nos planos de Guedes, que serão colocados em uma proposta de emenda constitucional (PEC) a ser apresentada em duas semanas, constam os três D: desindexar, desvincular e desobrigar o Orçamento da União. Essa é a PEC do pacto federativo. Posteriormente o governo apresentará a PEC da reforma tributária.

Sabe-se que 94% do Orçamento é destinado ao pagamento de despesas obrigatórias (aposentadorias, pensões e folha de salários dos servidores, dentre outras). E sabe-se, também, que parte relevante dessas despesas é indexada ao salário mínimo e à variação do INPC (Índice de Preços ao Consumidor).

Além do crescimento vegetativo, as despesas obrigatórias crescem de forma autônoma pela indexação. A soma de ambos resulta em um gasto adicional de R$ 62,1 bilhões no Orçamento de 2020.

Geraldo Brindeiro*- O procurador-geral da República e o STF

- O Estado de S.Paulo

A missão de ambos é cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do País

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como o procurador-geral da República, são nomeados pelo presidente da República, após a aprovação pelo Senado Federal, em conformidade com o sistema de checks and balances, inerente ao regime presidencialista, instituído no Brasil desde o início da República, nos moldes do modelo originário dos Estados Unidos da América. Os justices da Suprema Corte americana, assim como o attorney general e todos os membros do gabinete, são nomeados pelo presidente dos Estados Unidos após advice and consent do Senado.

O procurador-geral da República , antes da Constituição de 1988, era nomeado, como os ministros do Supremo Tribunal Federal, dentre brasileiros natos “maiores de trinta e cinco anos , de notável saber jurídico e reputação ilibada”, o que prevaleceu em todas as Constituições republicanas anteriores. O exame de tais requisitos constitucionais era feito – como ainda é – pelo presidente da República e pelo Senado Federal durante a sabatina. Mas o procurador-geral da República era demissível ad nutum, isto é, livremente destituído do cargo pelo presidente, tal como os ministros de Estado. Na vigência da Constituição de 1891, contudo, o procurador-geral da República era um ministro do próprio Supremo Tribunal designado pelo presidente da República para exercer o cargo.

A Constituição de 1988 manteve o sistema inerente ao regime presidencialista, mas estabeleceu que o procurador-geral da República deve ser nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira do Ministério Público da União maiores de 35 anos, para mandato de dois anos, permitida a recondução, somente podendo ser destituído mediante a autorização prévia da maioria absoluta do Senado Federal. Ao procurador-geral da República e aos demais membros do Ministério Público são asseguradas pela Constituição independência funcional e as mesmas garantias e vedações da magistratura. Nos Estados Unidos, todos os membros do gabinete, incluído o attorney general, podem ser livremente destituídos pelo presidente. No Brasil, os ministros de Estado são livremente nomeados e destituídos pelo presidente da República, mas não o procurador-geral da República.

Eliane Cantanhêde - Matar e morrer

- O Estado de S.Paulo

Há um Fla-Flu macabro, mas as crianças e os policiais são vítimas do mesmo sistema

Em 2019, Ágatha é a quinta criança morta por bala perdida no Rio de Janeiro. Em 2018, foram 87 policiais mortos no País em serviço e em decorrência de confrontos nas ruas. Também em 2018, 104 policiais cometeram suicídio em meio a tragédias, tensão, medo, impotência diante da violência.

E o que faz o nosso Brasil tão varonil? Repete o Fla-Flu macabro da época do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em que as vítimas viram réus e até uma juíza espalhava as mais ofensivas, indignas e grosseiras fake news contra... a assassinada!

Criou-se novamente agora uma guerra insana pelas redes sociais. Defensores de Ágatha, das crianças mortas e suas famílias despedaçadas destilam ódio contra policiais. Do outro lado, grupos policiais, ligados à polícia ou simplesmente anacrônicos e intrinsecamente violentos têm a coragem – e a desumanidade – de relevar as mortes e desqualificar a dor das famílias.

Em que mundo nós estamos? Ou melhor, que país é esse? É tão difícil compreender e admitir que Ágatha, os policiais mortos, os que se suicidaram e todas as famílias e suas comunidades são vítimas? Além de respeito, merecem enorme solidariedade e um grito de todos os grupos pela paz, democracia, empatia, solidariedade. E pela responsabilidade do Estado.

Elena Landau* - Lá como cá

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro confirmou na ONU desacertos das suas políticas internas e externas

Em seu discurso na ONU, Bolsonaro foi ele mesmo. Em tom quase belicoso confirmou, com orgulho, os desacertos das suas políticas internas e externas. Mais um constrangimento que se junta à lista que marca sua presidência. A lista é longa e ampla nos temas, do desrespeito aos direitos humanos à negação da ciência, o festival é assustador. A começar pelo pouco apreço à vida dos seus “inimigos” – dos esquerdistas aos presos comuns –, refletido nas suas homenagens a ditadores e torturadores, e o aplauso à degola em presídios.

Bolsonaro transforma em inimigos todos que divergem de suas convicções. Há limitação à liberdade de expressão, abandono do compromisso com um estado laico e demonização da mídia, nacional e internacional. Revela enorme preconceito com sua obsessão com homossexualidade e questões de gênero. Na cultura, ele ignora artistas reconhecidos, como fez com o prêmio Camões dado a Chico Buarque, ou na indiferença com a morte de João Gilberto. Como o exemplo vem de cima, o diretor da Funarte se sentiu à vontade para ofender Fernanda Montenegro. Na sua visão, os comunistas estão por todos os lados, crescendo de forma inversamente proporcional à piora da avaliação do governo.

O presidente vai radicalizando no discurso autoritário, se recolhendo ao grupo que, quase religiosamente, ainda o apoia. Aos amigos, tudo. Cargos são distribuídos sem critério além da fidelidade absoluta, gerando o que se vê na condução dos Ministérios da Educação, Relações Exteriores e Meio Ambiente. Para a família não há limites. A ocupação do governo com pautas pessoais é evidente. A intervenção nos órgãos de fiscalização, como Coaf, Receita e PGR, ou a tentativa de afastar o diretor-geral da Polícia Federal, foram feitas quando tais instituições chegaram próximas dos seus. Não enrubesceu ao indicar o filho como embaixador, apesar do seu despreparo, confirmado pelas rotineiras postagens nas redes sociais.

Almir Pazzianotto Pinto* - Internacionalização da Amazônia

- O Estado de S.Paulo

Em matéria de preservação ambiental o Brasil não está em condições de ditar regras

O interesse externo pela Amazônia ficou evidente no livro O Ano 2000 – Uma incursão no perturbador futuro próximo, realizada com científica frieza, de Herman Kahn e Anthony J. Wiener, editado no Brasil em 1968 pela Ed. Melhoramentos, com prefácio de Roberto Campos. No capítulo dedicado à exploração de energia nuclear, escrevem os autores: “Entre outras fontes de energia estão (como indica estudo ainda não publicado do Instituto Hudson) numerosas represas pequenas de rios sul-americanos. Assim, parece que o Rio Amazonas poderia ser represado com relativa facilidade. Isto não só criaria uma ilha ‘mediterrânea’, como também poderia produzir cerca de 75 milhões ou mais de quilowatts de capacidade, que poderia ser usada na produção de eletricidade a um custo de alguns milésimos de dólar por quilowatt-hora (ou cerca de um terço da capacidade total atual dos EUA, por uma fração do seu custo)” (fl. 111). O livro despertou imensa curiosidade e transformou os autores em celebridades, hoje esquecidas.

A primeira tentativa concreta de penetração estrangeira na região ocorreu na segunda metade do século 19, quando o governo americano soube de projeto desenvolvido pelo governo boliviano de construção de ferrovia destinada à exportação de borracha pelo Oceano Atlântico. A magistral biografia de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, escrita por Álvaro Lins, contém esta breve informação: “Foi curta e sem acontecimentos a estada de Rio Branco em Berlim. Na sua correspondência oficial com o Ministério do Exterior só aparece a sua intervenção oficial no caso do Acre, que resolveria pouco depois no Rio.

O capitalismo internacional pretendia apoderar-se do Acre, por intermédio de um sindicato, como se fosse uma colônia africana. Capitais norte-americanos e ingleses estavam em ação em La Paz. Noticiara-se também que o chanceler alemão recebera um dos diretores do sindicato e lhe prometera auxílio ou apoio de banqueiros alemães. Em entrevista com o Barão de Richthofen, secretário de Estado, Rio Branco informa-o de que a fronteira entre o Brasil e a Bolívia não estava ainda demarcada e pede que o governo alemão não se intrometa em tão desagradável negócio” (Rio Branco, Companhia Editora Nacional, SP, 1965, pág. 248).

Luiz Carlos Azedo - Lava-Jato “sub judice”

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Lula pode ser um dos beneficiados pela decisão do Supremo, pois sua defesa também pediu anulação das condenações nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia“

Por 6 a 3, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) endossou a tese de que réus delatados, na última etapa do processo, devem apresentar alegações finais após os réus delatores. Faltam votar o ministro Marco Aurélio, que teve de se ausentar da sessão plenária, e o presidente da Corte, Dias Toffoli, que adiantou seu voto a favor do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, mas suspendeu o julgamento e anunciou que apresentará, na próxima quarta-feira, uma proposta de modulação dos efeitos da decisão em relação aos demais processos.

A suspensão do julgamento deixa “sub judice” 32 sentenças da Lava-Jato, nas quais foram condenados 143 réus. A decisão tem como paradigma a anulação, pela Segunda Turma do STF, da sentença do ex-juiz Sérgio Moro que havia condenado o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine a 11 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A defesa dele havia alegado que o executivo não teve respeitado o seu direito de defesa porque não apresentou suas alegações finais após as dos réus delatores.

Há duas questões a serem definidas pelo Supremo quanto ao alcance da decisão: primeiro, se a regra vale para todos os réus condenados nessas circunstâncias; segundo, caso não seja tão ampla, em que condições deve ser aplicada. Por exemplo, no caso de a defesa ter solicitado se manifestar depois dos delatores e o pleito não ter sido acolhido, o que restringiria bastante o alcance da jurisprudência.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser um dos beneficiados pela decisão do Supremo, pois sua defesa também pediu anulação das condenações nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Lula está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância no primeiro caso. Na hipótese de ser beneficiado, deverá aguardar em liberdade um novo julgamento, após as alegações finais. Tal situação tende a provocar grande radicalização política.

Mesmo que adote o critério mais amplo, a decisão do Supremo não absolverá ninguém, determina apenas que o julgamento seja retomado a partir das alegações finais. A vantagem para os réus, além de eventual libertação até o novo julgamento, é o fato de que os prazos para prescrição dos processos estarão correndo e, alguns casos, os julgamentos ocorreram quase no prazo limite para a prescrição.

Rubens Glezer* - Debate sobre efeitos de decisão expõe preocupação política do Supremo

- Folha de S. Paulo

Julgamento teve pouca análise constitucional e muito debate sobre o problema da corrupção no Brasil

Os ministros do Supremo Tribunal Federal passaram de ilustres desconhecidos a figuras públicas de alta repercussão em apenas poucos anos. Essa aproximação com a opinião pública se deu principalmente por julgamentos envolvendo questões penais, começando com o mensalão e chegando à Lava Jato.

Nesse período, o Supremo passou da glória à infâmia: ministros deixaram de ser tema de máscaras de Carnaval para se tornarem objeto de insulto em espaços públicos. Essa relação com a opinião pública parece constantemente assombrar o Supremo, que por sua vez não parece saber como administrá-la: a cada julgamento relevante parece que é o próprio STF que ocupa o banco dos réus.

O problema mais recente passa por decidir a condição de réus que estão sendo delatados por outras pessoas que também são rés no mesmo processo. Mais especificamente, saber se, no momento das alegações finais, o réu delatado deve se manifestar depois do réu delator.

A dúvida surge porque a lei que trata das delações premiadas não focou a condução do processo penal, de modo que não há regra específica sobre o tema. Porém, como o processo penal tem sempre que ser conduzido de acordo com determinados valores fixados na Constituição, coube ao STF dizer se o respeito a tais valores exige uma atenção específica na relação entre réu delatado e corréu delator.

Os valores no caso são os princípios do direito ao contraditório e à ampla defesa, que exigem, dentre outros, que a defesa sempre se manifeste depois de qualquer acusação.

O julgamento poderia ter sido sobre a interpretação desses princípios constitucionais e como a relação da delação premiada deve ser organizada no processo penal. Uma parte do julgamento até chegou a ser conduzida nesse sentido, mas rapidamente se tornou um debate sobre os problemas da corrupção no Brasil e de como ela é combatida. O apelo às consequências da decisão passou a ser uma constante nos debates a partir da metade da sessão.

Igor Gielow - Maior derrota da Lava Jato mudará configuração política do país

- Folha de S. Paulo

Se condenação de Lula acabar sendo revista, aliados veem vantagem para Bolsonaro

Ainda é preciso saber o tamanho do estrago que a decisão do Supremo Tribunal Federal fará na prática sobre condenações da Operação Lava Jato, algo que será definido na modulação do julgamento da tarde desta quinta (26).

Mas uma coisa parece inexorável: salvo uma excepcional reação nas ruas do país em favor da Lava Jato, algo que as últimas manifestações indicaram ser improvável, a ação judicial e policial que mudou a paisagem política do Brasil recebeu seu maior golpe e dificilmente recuperará o ímpeto original.

Isso não significa que não haverá novas fases, com camburões e cenas midiáticas a que os brasileiros se acostumaram desde 2014. Em outras ocasiões, os integrantes da Lava Jato se mostraram diligentes em mostrar força dado o apoio com que contavam no imaginário popular.

Mas o Supremo colocou um freio no voluntarismo, de resto já bastante esvaziado, da turma de procuradores, policiais e juízes curitibanos. Haverá choro e ranger de dentes, mas talvez só isso.

A partir daqui, ainda sob o impacto das revelações do modus operandi da força-tarefa pelos vazamentos do The Intercept, o escrutínio sobre todos os procedimentos tenderá a ser redobrado. Se outros julgamentos acabarem sendo anulados e refeitos pelo tecnicismo encontrado em Brasília acerca dos delatores, muita energia será gasta antes de a operação retomar um norte.

Reinaldo Azevedo - Golpistas do Estado de Direito perdem

- Folha de S. Paulo

A tese essencial de Edson Fachin, felizmente, saiu derrotada

Já se formou uma maioria no Supremo em favor da Constituição e do Estado de Direito. A frase deveria soar estranha, absurda, mas vivemos tempos em que tudo é permitido. A Lava Jato perdeu mais uma.

A questão agora é saber quais condenações serão anuladas.

Por 6 votos a 3, os ministros decidiram que as alegações finais do réu delatado têm de ser entregues depois das do réu delator. Divergiram, para a surpresa de ninguém, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Marco Aurélio ausentou-se da sessão, e Dias Toffoli, presidente da corte, preferiu suspendê-la. Ainda não votaram. Leiam nas reportagens deste jornal com os devidos detalhes. Quero aqui chamar a atenção para argumentos que invadem o terreno do surrealismo jurídico.

A tese essencial de Edson Fachin, felizmente, saiu derrotada. O relator se agarra ao fato de que inexiste lei que discipline a questão. É verdade! Ocorre que o inciso LV do artigo 5º da Constituição prevê o princípio da ampla defesa.

Como exercer a ampla defesa aquele que nem sabe exatamente do que está sendo acusado? Fachin poderia estar brincando, mas não está. Sua luta contra fundamentos do Estado de Direito é para valer.

E tem parceiros de ofício, como Luiz Fux, próximo presidente da corte, e Roberto Barroso. Ora, ignorar cláusula pétrea da Constituição alegando inexistência de uma lei beira o deboche.

Fábio Fabrini - Crise conjugal

- Folha de S. Paulo

Faz oito meses que Davi Alcolumbre (DEM-AP) derrotou Renan Calheiros (MDB-AL) na disputa pela Presidência do Senado. Surfou no apoio recebido do Planalto e de colegas eleitos na onda bolsonarista.

De lá para cá, o que se deu foi um jogo de trocas favoráveis às partes, mas elas agora estão em crise.

Davi se aliou à velha guarda do MDB, partido que tradicionalmente comandava a Casa, e buscou formar uma bancada para dar sustentação às pautas do governo Bolsonaro, inclusive as mais absurdas.

Tem sido ele um dos principais articuladores da candidatura nepotista de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o 03, à Embaixada do Brasil nos EUA.

Como em Brasília não há almoço grátis, o Planalto retribuiu à moda da velha política: cedeu cargos no Cade para Davi negociar com os pares.

Quando entra setembro, um novo senador se apresenta, postando-se contra os interesses do governo, especialmente aqueles que contrariam o corporativismo do Congresso.

É um outro homem, que agora critica o presidente por governar contra o presidencialismo de coalizão, apanha dos colegas bolsonaristas e até recebe elogios de Renan.

Num dia, pedalou a votação da reforma da Previdência, prioridade do Executivo, para barganhar emendas.

Vinicius Torres Freire – A confiança desanimada dos empresários

- Folha de S. Paulo

Desânimo não é tão grande quanto em meados do ano, mas está em níveis ruins de 2018

Este 2019 pode terminar sem choque político doméstico relevante para a economia, inédito desde 2013. A perturbação maior vem do ruído de fundo ou da algazarra contínua de Jair Bolsonaro e trupe.

Ainda do ponto de vista de negócios e dinheiro, uma incerteza preocupante é a durabilidade desse improviso de “parlamentarismo branco”, que estabiliza de modo precário um sistema político em que o governo não tem política parlamentar organizada.

Mesmo sem choques, a confiança dos empresários anda baixa, menor que no final do ano passado ou no começo deste. A exceção é a construção civil, um tanto mais feliz por ter saído das profundas mais fundas do inferno da recessão.

Nas medidas da FGV Ibre, a confiança na indústria é a menor do ano, na média trimestral. A recuperação das fábricas fica para o ano que vem. No comércio, a confiança cresce em relação ao segundo trimestre ruim, mas é menor que no final de 2018 e no começo de 2019.

Como já se disse por aí e por aqui, a animação com um novo presidente se dissipou rapidamente e foi ao fundo em meados do ano, quando havia cheiro de recaída de recessão no ar. Neste terceiro trimestre, a confiança voltou para níveis apenas conformados.

Merval Pereira - Criatividade jurídica

- O Globo

O criminalista Alberto Toron, experiente e criativo, tirou da cartola a tese que iguala os delatores à acusação

Há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes, o que é perfeitamente normal.

O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado.

O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e os réus não poderiam ser separados, pois isso prejudicaria a narrativa dos fatos criminais que os envolveram.

Sua tese foi vitoriosa, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos, e foi fundamental para a condenação da maioria dos envolvidos.

Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas.

Nelson Motta - A era da ira

- O Globo

Quem acredita que com FH, Lula, Dilma, e até Temer, o Brasil esteve à beira do socialismo, como disse Bolsonaro na ONU, ou não sabe o que é socialismo ou não sabe o que é Brasil. Para ele, socialismo, comunismo, é tudo a mesma merda: vermelho é vermelho, pô. Ele é verde e amarelo. Verde-oliva.

Como os soldados japoneses que ficaram perdidos na selva e só foram resgatados 20 anos depois do fim da Segunda Guerra, Bolsonaro ressurge das brumas da Guerra Fria vendo comunistas e conspirações contra ele e sua família em toda parte. Fala coma certeza de que ninguém na Assembleia Geralda ONU leu jornais, ouviu rádio, viu televisão e navegou na internet nos últimos 50 anos.

Chegou a ser covardia tripudiar sobre a devastada Venezuela e a alquebrada Cuba como exemplos do fracasso do comunismo, e covardia maior não mencionara terrivelmente comunista China e seu espetacular sucesso internacional, nossa querida maior parceira comercial. Talvez a China seja a síntese do melhor do comunismo e do capitalismo, enquanto o Brasil parece sempre adotar a pior parte do socialismo estatizante e do capitalismo liberal m amador no Estado. Questão de gestão.

A melhor parte do progresso do Ocidente não veio pela colonização, mas pelo comércio internacional e o trânsito de ideias. Substituir o internacionalismo pelo patriotismo provinciano estimula competições e guerras e implanta aerado cada um por sie todos contra todos, sob alei domais forte.

No Brasil, nunca o “nós contra eles” foi tão exacerbado, e nefasto, num momento em que um terço da população adora Bolsonaro, um terço detesta, e um terço não gosta nem desgosta. Nesse equilíbrio precário, que pode mudar rapidamente, todo mundo depende de todo mundo, e nenhuma oposição pode fazer nada sozinha. Talvez por isso não faça nada.

Pode ser que a economia, o emprego e os salários algum dia melhorem, que haja alguma ordem e progresso, mas muito tempo vai passar até que fechem as feridas e os ressentimentos dessa era da ira.

Bernardo Mello Franco - O ministro da Deseducação

- O Globo

O ministro Abraham Weintraub pisou no acelerador dos factoides. Ontem ele chamou professores de “zebras gordas”. Reclamou até do nome da pasta que comanda

O ministro Abraham Weintraub não tem medo do ridículo. Desde que assumiu o cargo, ele se especializou em produzir cenas de pastelão. Numa delas, dançou com um guarda-chuva aberto dentro do gabinete. Em outra, tropeçou na matemática ao tentar fazer uma conta simples com bombons.
Para a sorte do olavete, não é preciso fazer o Enem para virar ministro da Educação. Ele já demonstrou dificuldades sérias com o português, ao escrever “suspenção” num documento oficial. Também revelou pouca intimidade com a literatura: confundiu Kafka, o escritor, com cafta, o acepipe.

Sem qualificação para o posto, o ministro descobriu outra fórmula para segurar a cadeira. Passou a produzir polêmicas em série, numa gincana para acumular pontos com a militância bolsonarista. A tática consiste em dizer absurdos para desviar o foco de notícias negativas. Em abril, ele declarou que as universidades públicas eram locais de “balbúrdia” e “gente pelada”. Queria camuflar o corte de verbas para o ensino superior.

Míriam Leitão - Um comunista na terra do meio

- O Globo

Governador Flávio Dino (PCdoB-MA) confia no diálogo entre opostos políticos e busca caminho para a esquerda que alie ajuste e gasto social

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tenta encontrar um caminho do meio na política extremada do Brasil. Admite que a esquerda perdeu a bandeira do combate à corrupção, diz que várias sentenças da Lava-Jato são justas, mas condena os abusos. “Não podemos ter um vale tudo, ou um ‘os fins justificam os meios’ em nenhum tema nacional”. Na economia, diz querer ajuste fiscal e aumento dos investimentos sociais. Apesar de ter sido pessoalmente criticado pelo presidente Bolsonaro, afirma que o “diálogo federativo continua”.

Nas finanças do estado, o governador — que diz torcer pela aprovação do “Plano Mansueto” — elevou a situação fiscal do Maranhão para a classificação B em 2017. Depois, caiu para C. Perguntei a ele por que perdeu a nota se havia elevado a arrecadação em 7% em 2018:

— O aumento da arrecadação foi fruto da eficiência, mas houve, por causa da crise, uma queda das transferências federais. Eu pago de encargos da dívida R$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, é preciso reverter indicadores sociais historicamente negativos. Todo bom investimento público vira no dia seguinte pressão sobre o custeio. Não tínhamos nenhuma escola integral, hoje temos 49. Abri oito grandes hospitais, fiz mil obras nas escolas, porque o déficit era enorme. Tinha escola de barro, de taipa, de palha.

Dora Kramer - A celebrada nova fase do Parlamento era de vidro e se quebrou

- Revista Veja

Congressistas voltam à velha prática de legislar em causa própria

A desmoralização do Congresso Nacional foi fruto de um trabalho árduo de suas excelências por décadas a fio de submissão aos mandos do Palácio do Planalto e de obediência militante aos desmandos cometidos em causa própria. Uma obra assim não se desfaz num repente. Tanto é que as pesquisas recentes não apontam melhoria na imagem do Parlamento, a despeito da mudança de comportamento no início da atual legislatura.

Sábia, a opinião pública preferiu aguardar o caminhar da carruagem antes de acreditar numa efetiva correção de rumos. O que parecia uma nova fase revelou-se como mera encenação, encerrada assim que a Câmara aprovou a reforma da Previdência, passando a bola ao referendo do Senado. Pelo visto, com o intuito de dar por enterrado o ativismo congressual em prol de uma agenda voltada para a sociedade, de curta duração.

Rubens Ricupero - ‘I want to be alone’

- Revista Veja

O discurso belicoso de Jair Bolsonaro na ONU rompe com a tradição de evitar discussões sobre assuntos internos diante de estrangeiros

Nos primeiros dez anos da ditadura militar, o embaixador João Augusto de Araújo Castro, crítico da política externa brasileira, dizia que o país tinha o complexo de Greta Garbo, a estrela de filmes como A Dama das Camélias. Era uma referência à frase da atriz: “I want to be alone”. O Brasil votava nas instâncias internacionais em linha seguida só pelos Estados Unidos, pelo Portugal salazarista, pela África do Sul do apartheid e por Israel. Assim como Greta Garbo, o Brasil queria ficar sozinho. Hoje, voltamos a manifestar esse complexo. Se a meta da diplomacia do presidente Jair Bolsonaro for o isolamento, o discurso proferido no último dia 24 na ONU atingiu plenamente o objetivo: o país se apequenou, ficou isolado na extrema direita do espectro ideológico. Do ponto de vista de um diplomata profissional, a performance do nosso presidente na Assembleia-Geral foi uma aula de antidiplomacia, o oposto do que deve ser um discurso de um líder mundial que busque melhorar a imagem e construir amizades.

A linha de Bolsonaro não me surpreendeu. Tudo o que o presidente havia dito antes, que iria até de maca para a ONU, mostrava uma atitude de provocação, de acordo com o segmento de eleitores mais radicais, aqueles 15% que formam seu núcleo duro de apoio. O discurso foi a expres¬são de uma diplomacia belicosa, de valentia em defesa da soberania nacional. Em diplomacia, a forma e o tom são quase tão importantes quanto o fundo. No discurso de Bolsonaro, tudo é agressivo: o tom duro, ríspido, a cara fechada, nenhum sorriso, nenhum senso de humor.

O fundo se parece ao do retrato formado pelas palavras de Trump: defesa da soberania, denúncia do globalismo, ataques ao socialismo, ao comunismo, à mídia, invocação de Deus, apelo ao eleitorado religioso. A semelhança provém da mesma matriz ideológica que inspirou os dois textos: o movimento de Steve Bannon, um dos consultores do discurso brasileiro. A diferença está nos inimigos escolhidos: o discurso de Trump é “briga de cachorro grande”, investe contra a China e o Irã; o de Bolsonaro briga com a Venezuela de Maduro e a decadente Cuba de nossos dias.

Antes do evento, eu até me perguntava se seria possível a Bolsonaro piorar sua imagem, que já estava no fundo do poço. Nisso me enganei. Ele confirmou diante do público externo tudo de pior que até então os comentaristas diziam dele. Ele se revelou no seu pior aspecto, até na apologia da ditadura militar, na sua insensibilidade aos grandes temas diplomáticos mundiais, ambientais e de direitos humanos. Da mesma forma que Trump, nem sequer mencionou o tema central desta Assembleia-Geral: o perigo do aquecimento global causado pela ação humana. Não me parece que ele se importe com as consequências prejudiciais para os interesses políticos e econômicos do Brasil de sua postura externa. Ao se voltar para o eleitorado brasileiro, Bolsonaro demonstra estar muito mais preocupado com sua possibilidade de reeleição. O que ele teme é a perda de popularidade, a desilusão dos eleitores, os riscos ao seu poder dentro do Brasil. Para ele, o perigo está aqui dentro, não lá fora. É uma postura imediatista que descarta ou subestima os danos para exportadores, para o agronegócio e para a reputação do país.

Ricardo Noblat - Fardas encharcadas de sangue

- Blog Veja

Quem matou Ágatha? E quem autorizou matar?
Ao mesmo tempo em que justificou o silêncio de Jair Bolsonaro a respeito do assassinato da menina Ágatha, de 8 anos, no Rio, porque “isso aí é um problema do governador” e o presidente não pode ficar “se intrometendo” em questões dos Estados, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, resolveu se intrometer na questão. E para quê?

Para lamentar com palavras fortes a morte à bala da sexta criança somente este ano no Rio? Não. Para prestar solidariedade sincera à família? Também não. Para cobrar uma investigação rigorosa do episódio? Outra vez não. O general intrometeu-se para pôr em dúvida o depoimento do motorista da Kombi escolar que transportava a menina quando ela foi atingida por um tiro de fuzil.

O motorista disse que não havia no local da morte tiroteio entre policiais e bandidos. Mas disse também que havia um policial, e que ele atirou em um motoqueiro, e que foi esse disparo que matou Ágatha. O general afirmou que o depoimento do motorista “não é necessariamente verdadeiro”. Que ele não pode ter certeza sobre o que disse por que “essas coisas são complicadas”.

E em seguida explicou: “Você está dirigindo uma viatura, toma um tiro por trás, e já sabe quem foi? Complicado. A tendência, quando você toma um tiro em um veículo em que você está, a primeira coisa é se abaixar, entrar até de baixo do banco. Essas coisas são complicadas”. Heleno lembrou que a polícia concluiu que será impossível saber de que arma saiu a bala assassina.

O caso de Ágatha havia sido comentado antes pelo general Hamilton Mourão, então no exercício da presidência da República, enquanto Bolsonaro, na ONU, vociferava contra países europeus, as ditaduras da Venezuela e de Cuba, a “imprensa sensacionalista” e o cacique Raoni chamado por ele de “peça de manobra”… De quem? Ora, da esquerda.

Na última segunda-feira, quando o corpo de Ágatha ainda estava sendo velado, Mourão levantou a hipótese de que familiares da menina poderiam ter sido pressionados por traficantes a negar a existência de confronto entre policiais e bandidos na hora e no local em que ela foi morta. Por que o empenho dos dois generais em livrar policiais da suspeita de terem matado Ágatha?

Por que tamanha falta de empatia com pessoas que sofrem com a morte de mais um inocente? Seria uma questão de farda? De corporativismo militar? De pouco caso com a aplicação da lei quando ela pode atingir a companheirada? O coração dessa gente bate num compasso diferente dos corações comovidos com mais uma tragédia destinada a ficar impune?

Antes de ser alvo de ataques de Carlos Bolsonaro, Mourão era tido como a voz da sensatez dentro do governo. Depois deu meia volta volver e passou a falar só o que agrada ao capitão. Ficou manso como um cordeiro de desfile militar. De Heleno, admita-se que é coerente com o que sempre pensou. Esvaziado de poderes, virou um acompanhante de luxo de Bolsonaro.

O STF sempre dará um jeito (em desfavor de Lula, é claro)

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A garantia da democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

O jornalismo está sob ataque em quase todo o mundo, numa ofensiva de proporções e intensidade inéditas na história. Trata-se de um fenômeno particularmente dramático por ocorrer não apenas em países com escassa tradição de liberdade, mas também em nações que se orgulham de seu patrimônio democrático.

Há um sem-número de países cujos governantes vêm se empenhando em desacreditar a imprensa e os jornalistas de forma sistemática, numa campanha que tem como propósito aniquilar o entendimento comum sobre o que é a verdade e o que é a realidade. O objetivo, a esta altura óbvio, é desqualificar as críticas aos que exercem o poder e dar a esses líderes condições de construir sua própria “verdade” – com a qual todos têm de concordar, sob pena de serem considerados “inimigos do povo”.

Essa expressão, comum em regimes autoritários para calar a oposição e justificar a segregação e a aniquilação física dos dissidentes, foi usada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para se referir a jornalistas, como lembrou, em artigo publicado recentemente, o publisher do jornal The New York Times, Arthur Gregg Sulzberger.

Huck só deve entrar na briga ‘mais perto da eleição’, diz Freire

Sonia Racy | O Estado de S. Paulo

O fator Huck
Roberto Freire, presidente do Cidadania, disse à coluna que Luciano Huck não vai deixar a Globo “tão cedo” e só deve se filiar (ao partido), caso encare 2022, “mais perto da eleição”. O ex-senador e ex-PPS foi um dos convidados de jantar que o apresentador ofereceu semana passada a lideranças políticas em sua casa, no Rio.

À mesa estavam também FHC, o governador gaúcho Eduardo Leite, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Armínio Fraga, os ex-ministros Mendonça Filho e Raul Jungmann e o deputado federal Daniel Coelho – além de Eduardo Mufarej, do RenovaBR, e Leandro Machado, do Agora!

O fator 2
À coluna, alguns dos presentes se mostraram unânimes ao resumir o cenário: Huck seria o nome capaz de quebrar a polarização da disputa de 2022. Eles têm mostrado pesquisas para convencê-lo a entrar em cena.

O apresentador tem promovido encontros desse tipo com o mais variado mailing. Ao que consta, não vai parar. Angélica dá o ar da graça, sem participar da conversa – mas mostra simpatia pela ideia de o marido entrar na política.


Carlos Drummond de Andrade - Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.