segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Será que estaremos condenados nas próximas eleições presidenciais a votar em polos agarrados a ideologias mofadas? Ou teremos capacidade para unir o centro democrático e progressista para retomar, com a vitória nas urnas, o rumo de grandeza que o País necessita e merece?


* Sociólogo, foi presidente da República. ‘Falta rumo’, O Estado de S. Paulo, 6/10/2019

Fernando Gabeira - Não há como tirar as crianças da sala

- O Globo

Quem combate Greta ou se assusta com seu tom talvez não tenha ainda uma ideia nítida de como as coisas vão se complicar

Na semana passada, escrevi um artigo sobre o Supremo. As coisas de sempre, bloqueio de investigações financeiras, o flerte com o autoritarismo. Mas, com tanto problema interno no Brasil, deixei de lado algo que talvez possa contribuir: a passagem de Greta Thunberg pela ONU e as reações que ela suscitou no Brasil.

Muitos estranharam o fervor da adolescente. Mas ela vem de uma cultura em que, apesar do grande avanço material, a religião ainda tem um peso. A religião é um dos temas resilientes. Ela nunca desaparece, comunistas e liberais são constantemente apontados como adeptos de uma religião secular.

Isso é secundário diante do agravamento da crise ambiental. Ela não só está produzindo personalidades como Greta, mas influencia também as crianças do mundo inteiro. As praias de Alagoas, depois do vazamento de óleo, foram limpas por crianças de escolas primárias, e seu discurso era bastante consciente da gravidade do problema.

Adultos costumam se irritar com a precocidade política. Esquecem, no entanto, que estão diante de um tema singular, diferente dos outros. Crianças o tomam como seu porque entendem que o próprio destino está em jogo. Têm, portanto, legitimidade.

Cacá Diegues - Não estamos sós

- O Globo

É preciso que o presidente também respeite, ouça e atenda as minorias que não votaram nele. Essa é a base da democracia

A grande mídia e as redes sociais não deram muita bola para o caso, mal o anunciaram. Mas três procuradores da República entraram, no dia 1º de outubro, com uma Ação Pública contra o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Os procuradores Antonio do Passo Cabral, Jaime Mitropoulos e Sérgio Gardenghi Suiama alegam censura e improbidade administrativa no recente cancelamento, por parte do ministro, de edital da Ancine para produção de filmes, que o presidente da República havia condenado com argumentos homotransfóbicos.

Os procuradores propõem a ação por considerar que o cancelamento do edital, além de ser um ato grave de censura, é também um irresponsável dispêndio de recursos públicos. Para atender o presidente, que havia declarado que não tinha cabimento fazer filmes com aqueles enredos, o ministro discrimina cidadãos brasileiros, suas ideias e opções pessoais, ferindo as garantias de liberdade de expressão que estão em nossa Constituição.

Mas é também um ato ímprobo, na medida em que o ministério já havia dispendido, do dinheiro público que financiava o concurso, R$ 1.786.067. Por causa de capricho pessoal do poder, gastou-se esses quase um milhão e oitocentos mil reais em vão, deixando ao relento profissional 600 produtores e cineastas que haviam investido tempo, além de recursos artísticos e materiais, para alinhar seus projetos. Tudo isso por causa de quatro títulos de filmes que não haviam agradado ao chefe.

Demétrio Magnoli - O dilema do impeachment

- O Globo

Legitimidade fornecida pelo voto popular tem limites, definidos pelas leis mais vitais

O impeachment de Donald Trump estava fora dos planos dos líderes do Partido Democrata. A mudança de curso não se deveu às pressões incessantes da ala esquerda do partido, mas à notícia explosiva de que o presidente chantageou o governo da Ucrânia na tentativa de manchar a reputação de Joe Biden, possível antagonista nas próximas eleições. Não havia outra saída: era deflagrar o processo ou renunciar à última linha de defesa da democracia.

O impeachment foi inscrito na Constituição dos EUA — e replicado na lei maior de diversas nações — para remediar atos dos governantes que ameaçam os alicerces da polis . Trump classificou a iniciativa democrata como “um golpe destinado a tirar o poder do povo”, num curioso eco do grito lançado pelo PT. A mensagem veiculada pelo instrumento do impeachment é essencialmente antipopulista: a legitimidade fornecida pelo voto popular tem limites, definidos pelas leis mais vitais. Em tese, os parlamentares jamais usarão o remédio final como arma nas disputas partidárias normais.

Até o escândalo da Ucrânia, a sombra agourenta do impeachment de Bill Clinton protegeu Trump. No caso de Clinton, a maioria republicana na Câmara conduziu o processo a partir de desvios menores ligados ao affaire Monica Lewinsky. Os eleitores identificaram a natureza partidária da estratégia e puniram os republicanos nas eleições legislativas de 1998.

O impeachment de Dilma Rousseff situa-se a meio caminho entre os casos de Clinton e Trump. A violação da lei orçamentária pelas pedaladas fiscais, um desvio menor à luz de padrões brasileiros, provavelmente não redundaria no afastamento do cargo. Mas, na encruzilhada fatal, Sergio Moro deu publicidade ao diálogo no qual a presidente alçava Lula ao Ministério com o aparente propósito de obstruir procedimentos judiciais. Então, o chão ruiu sob seus pés.

Formalmente, Dilma caiu da bicicleta. De fato, foi destronada por um ato de obstrução de Justiça, crime maior. Contudo, atrás do apoio popular majoritário ao impeachment, estava a crise econômica gerada por insustentáveis políticas voluntaristas, numa atmosfera envenenada pelo escândalo de corrupção na Petrobras. O impeachment pertence ao universo da política: em sistemas democráticos, o presidente só é derrubado quando perdeu as condições mínimas para governar.

Carlos Pereira - Lava Jato 2.0

- O Estado de S.Paulo

Ajustes à Operação Lava Jato antes de arrefecê-la tendem a qualificá-la

Um dos questionamentos mais recorrentes entre alunos e pesquisadores do sistema político brasileiro se refere aos limites da atuação das organizações de controle no Brasil. Essa preocupação é extremamente relevante em função da escolha da maioria dos legisladores, desde a constituinte de 1988, em delegar amplos poderes para as organizações de justiça, especialmente o Judiciário e o Ministério Público. O temor seria o de que essas organizações teriam ficado tão independentes ao ponto de estarem “fora de controle”.

A exposição quase que visceral de sucessivos escândalos de corrupção e a subsequente atuação das organizações de controle impondo perdas não triviais para os envolvidos nesses escândalos reforçaram ainda mais as justificativas para que essas organizações se fortalecessem e se tornassem cada vez mais independentes.

O ponto de virada para que isso acontecesse parece ter sido o julgamento do mensalão, quando o desempenho do STF punindo envolvidos no escândalo alinhou-se com a preferência da maioria da população. Cristalizou-se a percepção de que ninguém estaria acima da lei, com a imposição de perdas judiciais a políticos, burocratas e empresários ricos e poderosos.

Uma série de inovações institucionais pós mensalão (lei da ficha limpa, lei da transparência, lei anticorrupção, lei da delação premiada, lei da leniência, decisão do STF de implementar a pena após condenação em segunda instância judicial colegiada, etc.) criou condições para o sucesso subsequente da Operação Lava Jato, que, apesar das várias iniciativas para enfraquecê-la, vem conseguindo resistir. Na realidade, a surpresa para muitos reside justamente na grande resiliência organizacional e institucional até o momento.

Cida Damasco - Reformas com justiça

- O Estado de S.Paulo

Quadro social mostra que acertar as contas é crucial, mas não é tudo

Da fartura de dados incluídos na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada na sexta-feira pelo IBGE, emerge um quadro preocupante de carências sociais no País. Só para começar, vamos a três das principais conclusões desse levantamento. De 2008/2009 para 2017/2018, a proporção de famílias das classes mais pobres, que recebem até dois salários mínimos por mês, aumentou de 21,6% para 23,9%. Além disso, quase 20% da renda do País está em poder de apenas 2,7% das 69 milhões de famílias consideradas pelo IBGE. E tem mais: gastos de consumo, saúde, educação, transporte e outros itens de “manutenção” das famílias engoliram 96% dos orçamentos – tornando praticamente inexistente o espaço para investimentos.

São números e números comprovando o que se assiste, há bom tempo, em várias dimensões da “vida real” no Brasil. Lojas com vendedores na porta em busca de consumidores arredios, filas quilométricas de candidatos a empregos, qualificados ou não, e, mais dramático ainda, um contingente cada vez maior de moradores de rua vivendo em “acampamentos” sob viadutos, em qualquer canto da cidade.

Analistas escoram-se em alguns indicadores de atividade mais recentes, para mostrar que a economia pode estar engatando um novo ciclo de crescimento, embora as projeções para a alta do PIB neste ano mantenham-se abaixo de 1%. Porém, mesmo que essa visão mais otimista acabe prevalecendo, a pesquisa do IBGE deixa evidente que é preciso um crescimento maior e, por mais tempo, para que as carências sociais sejam significativamente reduzidas.

Nesse quadro, as discussões sobre os efeitos das reformas econômicas em andamento no País ganham um significado maior. Como se pode ver, não basta “acertar as contas” dos orçamentos públicos, como muitas vezes sugerem discursos áridos de especialistas – ainda que acertar as contas seja uma etapa essencial do processo. É preciso ir bem mais longe e mirar na justiça social.

Mario Vargas Llosa* - Esperança no Peru

- O Estado de S.Paulo

Dissolução do Congresso é um passo à frente da democracia peruana

Fez muito bem o presidente do Peru, Martín Vizcarra, em dissolver o Congresso e convocar novas eleições para 26 de janeiro, data que acaba de ser confirmada pelo Tribunal Eleitoral. E bem fizeram as Forças Armadas e a polícia reconhecendo a autoridade do chefe de Estado. Não é frequente na história do Peru que as forças militares apoiem um governo constitucional como o que Vizcarra preside. O “normal” é contribuírem para derrubá-lo.

A decisão de fechar o Congresso foi rigorosamente constitucional, como demonstraram vários juristas eminentes e como explicou ao grande público, com sua lucidez característica, uma das melhores e mais corajosas jornalistas do Peru: Rosa María Palacios. A Constituição autoriza o chefe de Estado a fechar o Congresso se este negar duas vezes um voto de confiança, e obriga o presidente a convocar imediatamente eleições para substituir o Parlamento destituído.

Ambas as exigências foram cumpridas. Não se trata de um golpe de Estado, como quer fazer crer a aliança pró-fujimorista, que tinha maioria simples no Congresso e o havia transformado em um circo grotesco de foragidos e semianalfabetos, com poucas (e respeitáveis) exceções. Por isso, centenas de milhares de peruanos saíram às ruas, em todas as cidades importantes do país, aplaudindo Vizcarra e comemorando a medida tomada em nome da liberdade e da legalidade das quais a maioria parlamentar de apristas e fujimoristas debochava.

Como sempre, por baixo e por trás das discussões legais que sustentam as instituições de uma democracia, existem interesses pessoais, muitas vezes, ignóbeis, que costumam prevalecer. Para isso, existem a liberdade de expressão e o direito de crítica, que, bem exercidos, fazem os esclarecimentos e as denúncias necessários, estabelecendo as prioridades e tirando das trevas a verdade e a liberdade nas quais seus inimigos quiseram escondê-las.

Nesse caso, sem a menor dúvida, ambos os valores estão representados pela decisão de Vizcarra. Os verdadeiros inimigos da verdade e da liberdade são aqueles que até agora emporcalharam até extremos inconcebíveis o Congresso da república, convertendo-o num instrumento da vingança de Keiko Fujimori contra Pedro Pablo Kuczynski, que a derrotou nas urnas em eleições presidenciais que ela acreditava ganhas - assim diziam as pesquisas.

Bruno Carazza* - A batalha final

- Valor Econômico

Uma reportagem e dois livros explicam para onde vamos

Em maio de 2016 a Operação Lava-Jato estava na sua 29ª fase, quando prendeu João Cláudio Genu. Velho conhecido dos tribunais - havia sido condenado no mensalão -, dessa vez o ex-tesoureiro de campanhas do PP (hoje Progressistas) recebia a visita dos homens da Polícia Federal por ter organizado a distribuição do dinheiro desviado da Petrobras para os políticos do seu partido.

Àquela altura, a operação estava a pleno vapor. Nas semanas anteriores, Moro condenara Marcelo Odebrecht; o ex-presidente Lula havia sido alvo de um mandado de condução coercitiva para explicar seu relacionamento com o megaesquema de corrupção; a PF acabara de descobrir a central de propinas da maior empreiteira do país; e o marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais do PT, teve sua prisão decretada.

Alex Ribeiro - O excesso de otimismo do BC com as reformas

- Valor Econômico

Para Campos, mercado ainda não absorveu realizações do governo

Setores do mercado financeiro estão vendo um excesso de otimismo do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com o andamento das reformas e o seu potencial efeito na economia. Essa visão cor-de-rosa, para alguns, poderá influenciar as decisões de política monetária, levando a maior redução dos juros.

Campos, num evento sobre novas tecnologias, reconheceu a diferença de visão dentro e fora do BC. “Às vezes, vou fazer apresentações, e as pessoas falam: ‘As reformas não estão andando’”, relatou. “Eu falo: gente, como que não está acontecendo nada?” Para ele, por um problema de comunicação, “o mercado não está absorvendo todas as coisas que estão sendo feitas”.

Ele listou iniciativas do próprio BC e do governo. “Vamos pegar o mundo da abertura comercial, a gente fez acordo com a Europa”, disse. “Temos um plano para baratear o gás. Temos um plano para aumentar a competição no ‘business’ de petróleo. Passamos a lei de saneamento. Vamos olhar a infraestrutura: quantas concessões o ministro [da Infraestrutura] Tarcísio [Gomes de Freitas] já fez?”

Para analistas econômicos mais puristas, Campos não deveria se assumir como parte do governo. O presidente do BC, segundo essa visão, deve manter uma boa distância e receber as decisões governamentais como fatos exógenos nas decisões sobre juros, da mesma forma que um choque agrícola ou de petróleo.

Quando o BC se tornar sócio da agenda mais ampla de política econômica, surgem dúvidas se está subordinando a ela as decisões de política monetária.

Campos, na verdade, está assumindo dois chapéus diferentes. Um é o papel tradicional de chefe do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. O outro é de quem participou da formulação do programa econômico de Bolsonaro na campanha eleitoral e, já no BC, assumiu a liderança na agenda de reformas financeiras.

José Henrique Mariante - Censura nunca mais

- Folha de S. Paulo

Problema de censores com sexo fazia plateia gargalhar no meio de cena violenta

Quem foi criança durante a ditadura deve se lembrar. Pouco antes de o filme começar, surgia na tela um documento onde se lia no alto: Ministério da Justiça, Departamento de Polícia Federal, Divisão de Censura de Diversões Públicas. De um lado havia um brasão da República e do outro uma faixa verde e amarela, cores que se intuía, pois o documento era reprodução em preto e branco.

A projeção durava alguns segundos de silêncio. No cinema, era a senha para também ficarmos quietos, não por respeito ao momento grave e sim pela expectativa do início do filme. O tempo era curto, mas meus olhos sempre conferiam as principais informações: o nome da obra, o nome em inglês quando o filme era americano, o campo para a “justificação de impropriedade”, tipo “cenas de sexo”, e a assinatura do censor, à mão, “Solange M.T. Hernandes”.

Dona Solange tinha letra redonda e firme. Imaginava-a como uma professora igualmente redonda e brava. Afinal, ela assistia a um monte de coisas antes da gente para ver se era adequado. Até cenas de sexo.

Celso Rocha de Barros* - Laranjal financiou Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo

O esquema de laranjas do PSL deu dinheiro para a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. A revelação da suspeita, feita com base em investigação da Polícia Federal, foi publicada na Folha deste domingo (6). O operador do esquema seria o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que também teria desviado dinheiro para sua própria campanha. Álvaro Antônio foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais na última sexta-feira (4).

Se fosse governo de esquerda, caía. Não é governo de esquerda. Mas a crise entre bolsonarismo e lavajatismo deve se acentuar.

As revelações publicadas pela Folha foram feitas pela Polícia Federal. Bolsonaro está em guerra contra a Polícia Federal porque ninguém lá desistiu de investigar Flávio Bolsonaro e Queiroz. A Polícia Federal agora mostrou que não vai se deixar intimidar facilmente, e tenta exercer sua autonomia enquanto ainda a tem.

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo, e o quanto o lavajatismo dos bolsonaristas era só oportunismo. Pois é, também acho que era só sacanagem.

As revelações de ontem também podem criar novas tensões entre Bolsonaro e o PSL. Segundo o podcast “Papo de Política” da última quinta-feira, já havia um risco real de Bolsonaro sair do PSL. Essa probabilidade, agora, cresceu ou diminuiu?

Leandro Colon – A PF de Moro e os fatos

- Folha de S. Paulo

Suspeita de caixa dois coloca em xeque liberdade de polícia comandada por ministro da Justiça

Aos fatos. Um homem de confiança do ministro do Turismo citou, em depoimento à Polícia Federal, as campanhas de Marcelo Álvaro Antônio a deputado e a de Jair Bolsonaro ao Planalto como possível destino da verba que deveria bancar as chapas de mulheres do PSL.

Em planilha apreendida pela PF, nomeada como "MarceloAlvaro.xlsx", há referência ao fornecimento para a campanha de Bolsonaro com a expressão "out" —pagamento "por fora", segundo os investigadores.

As informações acima foram publicadas neste domingo (6) pela Folha. A reportagem é de Camila Mattoso e Ranier Bragon, que descobriram e revelaram o laranjal do PSL e o envolvimento do ministro filiado ao partido do presidente da República.

Marcus André Melo* - Crise no Peru, mal-estar no Brasil

- Folha de S. Paulo

As instituições importam frente ao 'choque Odebrecht'

O Peru viveu uma crise constitucional: o país teve dois presidentes, um eleito pelo voto popular e outro entronizado pelo Parlamento. Entre nós a arbitragem do conflito constitucional tem sido feita pelo STF. Iniciativas do Executivo tem sido anuladas ou rejeitadas pelos demais Poderes; os atores acatam as decisões.

O caso peruano dá margem a equívocos dado o desconhecimento de seu sistema de governo: a variante presidencial-parlamentar de semipresidencialismo. Não há nada exótico aqui —o semipresidencialismo está presente em quase um quarto dos países; é o modelo escolhido pela maioria dos países que se democratizaram nas duas últimas décadas. Do total de 14 países pós-comunistas, 12 adotaram o sistema; das 12 novas democracias africanas, 7 são semipresidencialistas.

Nesse sistema há um presidente eleito pelo voto popular e um gabinete responsável perante à Assembleia. Na variante presidencial-parlamentar, o primeiro ministro é responsável perante tanto à Assembleia quanto o presidente; na premiê-presidencial apenas perante à primeira. Muitos analistas defendem o sistema por evitar crises em situações em que um presidente é minoritário.

Ao contrário do regime de Weimar ou Áustria, no Peru o presidente sofre restrições quanto à dissolução do Parlamento: só pode fazê-lo caso duas iniciativas suas, apresentadas como moções de confiança, sejam derrotadas no Parlamento (o presidente francês só pode faze-lo uma única vez por ano). E foi o que aconteceu.

A fragmentação partidária tem gerado alta rotatividade: os mandatos dos premiês tem duração média de cinco meses.

O confronto virulento entre Poderes explica-se por razões semelhantes ao que aconteceu no Brasil: o choque da exposição de corrupção sistêmica, levando ao impeachment de um presidente, ao suicídio de outro, além da prisão da filha de um ex-presidente, convertida em líder da oposição e candidata presidencial em duas eleições.

Ricardo Noblat - Em julgamento, a Lava Jato

- Blog do Noblat | Veja

E o jornalismo também
Nada mais fácil do que detectar erros quando se olha a História pelo retrovisor. Tanto mais se o que está em exame é algo perecível como o jornalismo produzido enquanto os fatos se sucedem.

Não reconhecer os erros, porém, e não cavoucar para saber por que aconteceram é a forma mais segura de repeti-los no futuro – do mesmo modo ou de modo pior ainda.

A história da Operação Lava Jato começou em 17 de março de 2014. Investigava-se então uma rede de postos de gasolina em Brasília usada para lavar dinheiro de origem ilícita.

Menos de dois anos depois, investigava-se o maior escândalo de corrupção da história do país que derrubaria um governo e mandaria para a cadeia agentes públicos, empresários e políticos.

A face oculta da operação só começou a se tornar conhecida de junho para cá com a revelação de conversas hackeadas de procuradores que envolveram até o ex-juiz Sérgio Moro.

O acervo de conversas está longe de se esgotar. Mas o que já foi mostrado põe em dúvida algumas verdades que antes pareceram irrefutáveis ou que foram aceitas como tais.

Não é cedo para que se pergunte: se tivéssemos, nós jornalistas, de contarmos outra vez a história da Lava Jato nos valeríamos dos mesmos métodos e escreveríamos o que já publicamos?

Diga-se a favor de Moro e dos procuradores da Lava Jato que eles nunca esconderam que precisavam do apoio da imprensa para convencer a opinião pública do acerto de suas ações.

Diga-se também, e nesse caso a favor da verdade pura e simples, que cumprimos esse papel sem maiores questionamentos. Ouvir o outro lado não significa abrir espaço para o benefício da dúvida.

Comportamo-nos na maioria das vezes como meros repetidores da voz que vinha do alto, e receptadores dos vazamentos administrados para que se construísse a narrativa desejada.

Se não procedemos assim por desonestidade, foi por pressa e incúria. Comodismo e preguiça. Desejo de acreditar na versão atraente que nos caía no colo e aumentaria nossa audiência.

Entre as muitas frases célebres e duras sobre o exercício do jornalismo está uma que cito de memória: “O jornalismo serve para separar o joio do trigo e publicar o joio.” Não creio nisso.

Prefiro acreditar em duas outras:
“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. (George Orwell)

“O jornalismo é antes de tudo e, sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter”. (Cláudio Abramo)

Revisitar pelo menos parte da história da Lava Jato seria a melhor maneira de nos reconciliarmos com o que sempre nos propusemos a fazer: buscar a verdade, por mais que ela pareça inalcançável.

No meio do caminho, a Constituição

O que a mídia pensa – Editorial

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O ‘Estado empresário’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo tem participação direta e indireta em 637 empresas, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Economia na quinta-feira passada. Até agora, o governo, em seus projetos de privatização, trabalhava com o número de 133 estatais, entre controladas e subsidiárias. Ou seja, o desafio de promover a ampla desestatização prometida na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que o previsto – e, a julgar pela lentidão do processo até agora, o governo poderá ter grandes dificuldades para conduzir o programa de privatização a um desfecho ótimo.

“É um Estado empresário”, disse o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, ao apresentar o balanço. A União tem participação minoritária em 43 empresas. As demais companhias relacionadas têm o BNDES e o Banco do Brasil como sócios.

No caso do BNDES, a injeção de recursos públicos em empresas privadas teve como objetivo declarado estimular o desenvolvimento de setores então considerados estratégicos. Assim surgiram algumas das companhias chamadas de “campeãs nacionais”, famosas nos governos petistas por receber vultosos investimentos estatais para fazer delas grandes competidores internacionais e, em contrapartida, gerar muitos empregos no Brasil. Como se sabe, essa estratégia beneficiou basicamente os controladores das empresas.

Socialistas ampliam poder no Congresso português, mas dependerão de alianças

Partido de António Costa amplia domínio no Parlamento e vê seu principal adversário perder cadeiras; primeiro-ministro deve manter a chamada ‘geringonça’, apelido dado à coalizão que desde 2015 conseguiu diminuir o déficit público e o desemprego no país

Redação, O Estado de S.Paulo

LISBOA - O Partido Socialista (PS) de Portugal, do atual primeiro-ministro, António Costa, venceu neste domingo, 6, as eleições legislativas no país com uma vantagem ampla sobre os adversários, mas insuficiente para conquistar a maioria no Parlamento.

Com 98,98% dos votos apurados, segundo dados do Ministério de Administração Interna, o PS ficou com 36,65% da preferência do eleitorado, o que lhe rendia 106 das 230 cadeiras do Parlamento. O Partido Social-democrata (PSD), o principal de oposição, tinha com 27,90% (77 cadeiras).

Na prática, Costa precisará recorrer aos demais partidos de esquerda do Parlamento para governar, como fez em 2015. Ele então foi derrotado nas urnas, mas assumiu o governo após convencer o Bloco de Esquerda e a coalizão entre o Partido Comunista de Portugal e Os Verdes e se juntarem a ele.

Naquela ocasião, o grupo ganhou o apelido pejorativo de “geringonça” e seus adversários diziam que a aliança se desintegraria em pouco tempo. Quatro anos depois, a geringonça é motivo de orgulho para Costa. E ele se tornou algo raro na Europa: chefe de um governo socialista em um país com economia robusta. Em contraste, na vizinha Espanha, Pedro Sánchez, o primeiro-ministro socialista interino, enfrentará novas eleições em novembro, depois de meses de negociações infrutíferas para que fosse confirmado no cargo pelo Parlamento.

Poesia | Thiago de Mello – Os estatutos do homem (Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.