segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal. Em meu tempo a questão central era a inflação; hoje é crescimento e emprego. Sem corrupção. No começo era o verbo. Novamente, com gestos e ações os caminhos abrem-se. A eles!


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, no Twitter, 10/11/2019

Fernando Gabeira - Último capítulo sem surpresas

- O Globo

Não basta ser contra a mineração nas terras indígenas, é necessário apresentar uma visão estratégica para a Amazônia

Não foi uma boa para mim lá embaixo, pensava eu quando o carro alcançava a Rodovia Reginaldo Rossi, saindo de Porto de Galinhas para Recife. O trabalho duro transcorreu bem. Mas as notícias pareciam me espancar. A mais importante delas, a decisão do Supremo de acabar com a prisão para condenados em segunda instância.

Já escrevi muito sobre isso. Sabia que esse seria o resultado. Achei até que Toffoli se esforçou no jogo de cena para buscar uma atenuante. Mas era a pura e simples queda da prisão em segunda instância que estava em jogo. Com essa decisão e também com o bloqueio de investigações sobre atividades financeiras, demos um passo atrás, depois de tanta esperança popular no combate à corrupção.

Que sentido tem argumentar de novo? Agora é esperar as consequências, não apenas na inquietação popular, mas também na vida política em geral. Não voltamos à estaca zero. Mas foi uma guinada que interessa àqueles que ainda esperam enriquecer com dinheiro público.

Como se não bastasse, a grande pancada, Bolsonaro atingiu três vezes minhas convicções, isso num prazo de 24 horas. No campo da cultura, promoveu um diretor de teatro que ofendeu Fernanda Montenegro. O governo não reconhece os grandes talentos nacionais porque está envenenado pela luta ideológica.

Bolsonaro decidiu ainda que vai mandar um projeto de mineração nas terras indígenas. Compreendo que os militares veem uma vantagem estratégica na exploração de minério na Amazônia. Tenho uma visão estratégica diferente; além do mais, venho de Minas. Aprendemos a dizer: olhem abem as montanhas. Não só no sentido de cuidar delas. Mas de olhar mesmo porque elas desapareceram.

Segundo a Constituição, será preciso uma lei complementar para autorizar esse passo. Romero Jucá tentou muito. E não conseguiu ao longo dos anos em que tive a oportunidade, entre outros, de combater essa ideia.

Rosiska Darcy de Oliveira - A linguagem da democracia

- O Globo

Os palavrões e grosserias com que o presidente da República ofende a população desde a sua posse empalidecem se comparados à agressividade do deputado Eduardo Bolsonaro ameaçando reeditar o AI-5 em caso de “radicalização da esquerda”. Comparável só os elogios recorrentes do próprio presidente ao coronel Brilhante Ustra. Trata-se, em ambos os casos, do elogio de uma ditadura que a democracia proscreveu. Alguém ainda duvida da empatia de pai e filho com o regime autoritário?

Ambos usam palavras como armas com que ferem a dignidade das vítimas do AI-5 e da tortura e a de todos os democratas, não só os que viveram aqueles tempos tenebrosos, também os que hoje não renunciam a um futuro com liberdade.

A ameaça é a expressão máxima de uma escalada de brutalidade verbal que vem se acumulando no debate político, sobretudo no campo virtual, transformado em praça de guerra. Envenena o espaço público, contamina a vida privada, divide famílias, separa amigos.

Cacá Diegues - Minha redação do Enem

- O Globo

Ingresso faz do cinema uma diversão fina de shoppings, uma das mais relativamente dispendiosas do mundo

Se eu fosse um dos 4 milhões de jovens que fizeram o Enem este ano, teria exultado com o tema escolhido para a redação, “A democratização do acesso ao cinema no Brasil”. Tem a ver com minha atividade profissional. Mas também, ao contrário do que muita gente pensa, deu à rapaziada a oportunidade de falar, como em redações de anos anteriores, do horror que foi a ditadura que começou em 1964 e durou 21 anos.

Começaria minha redação tecendo oportunos comentários sobre o comportamento do atual governo. Nosso presidente anuncia filtros para impedir a produção de filmes indesejáveis, mas não me lembro de ter havido essa censura prévia durante a ditadura.

Nossos filmes produzidos com o apoio da Embrafilme, subordinada ao Ministério da Educação e Cultura, eram cortados ou interditados, depois de prontos, pelo Ministério da Justiça, do qual fazia parte o Serviço de Censura. Antes de serem realizados e finalizados, nunca ouvi dizer.

Esse sistema de filtros, com que o presidente nos ameaça, só existe ou existiu em regimes como os da Alemanha Nazista, da União Soviética, da Espanha de Franco e semelhantes. Talvez vigore em países como Turquia, Coreia do Norte, Hungria, Venezuela e mais onde não haja liberdade para se dizer o que se pensa.

Marcus André Melo* - Por que a polarização favorece populistas?

- Folha de S. Paulo

Eleitorado polarizado tem menor capacidade de punir abusos contra a democracia

Há crescente reconhecimento que a polarização contribui para o sucesso eleitoral de regimes iliberais. O argumento é intuitivo: as alternativas ao centro adquirem menor saliência em contextos polarizados. Mas haverá evidências empíricas que deem sustentação a esta conjetura?

Regimes iliberais caracterizam-se pelo pouco apreço pelos checks and balances e pela democracia representativa que veem como um arranjo no qual interesses escusos —as elites, os banqueiros, os comunistas— conspiram contra a coletividade.
A constatação de que a ascensão de tais regimes se dá pelo voto é trivial: importa entender o paradoxo subjacente.

Há três argumentos rivais. O primeiro sustenta que o surgimento desses regimes reflete a crescente prevalência de valores iliberais.

O segundo, que muito eleitores são incapazes de diferenciar candidatos e governantes que infringem normas e práticas democráticas, em seu país ou fora dele, dos que não o fazem.

O terceiro, que o voto reflete um trade off entre normas democráticas e preferências partidárias.

A evidências contrariam as duas primeiras hipóteses: na vasta maioria dos países, a democracia desfruta de apoio majoritário (que supera 80% do eleitorado em países como a Venezuela). Há robustas evidências de que o eleitorado é capaz de identificar abusos contra a democracia e que ocorre o trade off .

Celso Rocha de Barros* - Lula está em São Bernardo

- Folha de S. Paulo

Enquanto o petista estava na prisão, a democracia brasileira se deteriorou muito

Lula está livre, está em São Bernardo. Em um quadro de radicalização criado pelo bolsonarismo, muita gente tem medo de que a entrada em cena de um líder carismático de esquerda crie a mobilização popular que Bolsonaro sonha reprimir com um novo AI-5.

Antes de discutir se a radicalização vai ou não aumentar, alguns esclarecimentos são necessários. Tem gente razoável com medo de radicalização, e radicalização é ruim mesmo. Mas boa parte dos apavorados é da turma que, nos últimos três anos, apostou em um impeachment e dobrou a aposta elegendo um defensor do Ustra. Se esses forem os moderados, estamos mal.

E a tentativa de dizer que Lula e Bolsonaro representam riscos iguais para a democracia é ridícula. Lula nomeou ministros do Supremo que decidiram contra ele e contra o PT diversas vezes. Sob Bolsonaro, PGR passou a significar “Pra Gaveta Rápido”.

Lula lidou com imprensa hostil por oito anos e, à exceção do episódio vergonhoso contra Larry Rohter, limitou-se a xingar a mídia. Bolsonaro trabalha o dia inteiro para estrangular financeiramente a imprensa livre.

Vinicius Mota - Notas sobre Lula livre

- Folha de S. Paulo

Ex-presidente e Bolsonaro iniciam uma maratona, numa relação de ganha-ganha

1. A Lava Jato minou o establishment político-partidário e ascendeu ao Executivo com Moro, mas agora paga por suas extravagâncias. O acerto de contas não acabou.

2. Bolsonaro também lucra com a poda das asas de autoridades investigativas, que chegaram à sua família e tangenciam o tema das milícias.

3. A relação entre Bolsonaro e Lula é do tipo ganha-ganha. Lula acumula forças ao criticar o presidente, que fica mais forte ao alvejar o petista e assim por diante. O ar se rarefaz para os que estão no meio, como Rui Costa, Ciro, Huck, Doria e Moro.

4. Lula melhorou muito sua condição política e tem boas chances de ser reabilitado para eleições no curto prazo. Parece ainda complicado seu caminho até 2022, no entanto.

Fernando Henrique critica aumento da polarização no País

Ex-presidente disse no Twitter que "sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal"

Isadora Duarte | O Estado de S.Paulo

Em sua primeira manifestação pública após a soltura de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou o Twitter para comentar o atual ambiente político brasileiro neste domingo, 10. "A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal", afirmou.

O ex-presidente tucano também citou o cenário econômico. "Em meu tempo a questão central era a inflação; hoje é crescimento e emprego. Sem corrupção. No começo era o verbo. Novamente, com gestos e ações os caminhos abrem-se. A eles!”, finalizou.

Neste sábado, 9, o segundo dia de Lula fora da prisão, a polarização deu o tom de falas das lideranças do PT e do PSL. Em discurso para apoiadores no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula ligou o presidente Jair Bolsonaro a milicianos, chamou o ministro da Economia, Paulo Guedes, de “destruidor de sonhos” e disse que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é “mentiroso”.

Bolsonaro, por sua vez, chamou o petista de “canalha”. Ao deixar o Palácio da Alvorada no sábado para comparecer a um churrasco, o presidente comentou a soltura de Lula, afirmando que “ele está solto, mas continua com todos os crimes nas costas”.

Denis Lerrer Rosenfield* - Lula e Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Diria que a libertação do ex cabe como uma luva na estratégia do presidente

O Supremo Tribunal, em mais uma decisão contraditória com outra decisão anterior sua relativa à prisão em segunda instância, termina por criar uma insegurança jurídica que contribui para piorar a sua imagem perante a sociedade. A libertação de Lula da Silva, assim como a de outros criminosos, aparece como uma amostra de que a impunidade segue valendo para os ricos, para os que têm condições de pagar recursos inesgotáveis em cada uma das quatro instâncias do Judiciário. Infelizmente, conforme a tradição penal brasileira, os pobres serão os mais prejudicados, por não terem recursos para pagar advogados caros que atuam por anos, se não décadas, para os seus clientes. Os “garantistas” conseguiram fornecer, assim, uma grande garantia: o crime compensa para os poderosos!

Do ponto de vista político, algumas considerações se impõem imediatamente. A primeira é que os grandes ganhadores da decisão do STF são Lula e o presidente Jair Bolsonaro, ou seja, o petismo e o bolsonarismo. Como ambos agem segundo a concepção do político baseada na distinção entre “amigo e inimigo”, o “nós contra eles”, numa luta que adquire contornos existenciais, como se a eliminação do outro devesse ser a regra, eles vão surgir como os principais protagonistas das eleições de 2022. Entrarão na arena um de olho no outro, como se nenhuma outra alternativa fosse possível. Pode-se, nesse sentido, esperar um acirramento dessa disputa nas redes sociais.

A segunda é que convém observar que Lula continua impedido de se candidatar, pois a decisão do Supremo versa somente sobre a prisão após condenação em segunda instância, não tem por ora nenhuma repercussão no que diz respeito à Lei da Ficha Limpa. Lula pode manifestar-se politicamente, mas não pode ser candidato. Isso significa que deverá atuar por intermédio de um candidato laranja, o que diminui em muito a possibilidade de êxito eleitoral para o PT. Dito isto, Lula exerce um tipo de liderança carismática, muito abalada pela corrupção no exercício do Poder, mas ainda assim importante do ponto de vista político.

Malu Delgado - Campos políticos aguardam ‘tamanho’ de Lula

- Valor Econômico

Ex-presidente buscará tradicionais aliados, mas espera-se que ele amplie diálogo com lideranças

Todas as correntes políticas brasileiras passaram os últimos dois dias observando os discursos iniciais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A forma como Lula, solto na última sexta-feira, vai se reinserir no jogo político não está clara nem para seu próprio campo. Está evidente que num primeiro momento Lula apela para a junção mais fácil e segura, do PT com o PCdoB e o Psol, mas ele deixou claro a aliados que seu movimento será bem mais amplo. Foram esses os três partidos de esquerda citados por Lula tanto no discurso que fez no acampamento ao lado da sede da Polícia Federal de Curitiba quanto no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Mas a expectativa, sobretudo de alas mais moderadas da esquerda, é que Lula de fato esteja disposto a dialogar com lideranças de centro que não foram atraídas para o polo de poder do presidente Jair Bolsonaro.

A movimentação de Lula, na avaliação de políticos que lhe conhecem bem, vai se dar muito nos bastidores, até porque o petista tem ciência da desarticulação do campo da centro-esquerda e a noção exata de onde a base petista foi corroída. “A maior qualidade do Lula é ser um extraordinário operador político. Ele sabe que não dá para tomar um avião no saguão de Congonhas, mas dá para tomar no saguão do aeroporto de Recife. Sabe perfeitamente onde sua base estreitou e vai reconstruir o PT, sua base, e a liderança na esquerda tradicional”, aponta um político que conviveu de perto com o ex-presidente. Essa leitura ressalta a dificuldade de diálogo que Lula terá com Ciro Gomes (PDT). Para os centristas, Lula vai sufocar Ciro. Para políticos da centro-esquerda, os dois serão obrigados a se entender em algum momento, pois não há espaço para Ciro se mover neste grupo do centro progressista, que tem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um mentor.

Segundo um aliado do petista, quem apostar no Lula sectário vai errar: “Creio que ele vai tentar liderar uma articulação que dispute um pouco o centro”. Esse diálogo “mais ao centro”, na avaliação da esquerda, será possível não necessariamente no campo partidário institucional, mas via lideranças políticas descontentes com Bolsonaro e que só não se desgarram do atual governo por absoluta falta de opção. “Tem um monte de gente solta neste meio, que foi polarizado pelo lulismo no apogeu, depois polarizado pelo bolsonarismo, e hoje estão todos vagando por aí, meio zumbis. São os políticos que se descolaram do bolsonarismo e ainda não encontraram uma alternativa”, diz um integrante da centro-esquerda. Esses zumbis seriam lideranças do MDB, do PP, do PR, do PSD, entre outros, que integraram a base de governos petistas.

César Felício - Foi dada a largada para a eleição de 2022

- Valor Econômico

Lula assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro

A eleição de 2022 começou. Na realidade, já tinha começado quando o presidente Jair Bolsonaro, no terceiro mês de seu governo, se colocou como candidato à reeleição. Mas foi no sábado, com o discurso do recém saído da cadeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a eleição presidencial ganhou seu contorno.

Não está claro se o ex-presidente pretende repetir o recuo tático que Cristina Kirchner fez na Argentina, ao indicar um preposto para concorrer em seu lugar logo no começo da corrida eleitoral, agregando forças que haviam se afastado dela nos últimos anos. A outra possibilidade é Lula confiar que a pressão das circunstâncias políticas levarão a uma revisão da norma da Lei da Ficha Limpa que hoje o torna inelegível. O que é certo é que Lula já assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro. E deste posto de controle ele não abrirá mão.

O ex-presidente bateu em Bolsonaro do início ao fim. “Este país tem 210 milhões de habitantes não podemos deixar que os milicianos acabam com ele”, disse. Reconheceu a legitimidade do mandato de Bolsonaro, afastando da plateia qualquer veleidade de se lançar às ruas pelo impeachment. Lula quer brigar nas urnas. Associou o ministro da Economia, Paulo Guedes, à crise social que abala o Chile, ao citar que os fundamentos da política econômica do atual ministro são inspirados em linhas de ação desenvolvidas na ditadura de Pinochet. Acenou à classe média, ao lembrar que a taxa de juros cai, mas a do cheque especial e do cartão de crédito, não. Não é preciso usar palavrão para se referir a Bolsonaro, porque ele já é um palavrão.

Lula busca unir oposição com crítica a Guedes

Política econômica será o principal alvo de críticas do petista

Por Cristiane Agostine e André Guilherme Vieira | Valor Econômico

São Bernardo do Campo (SP) – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende unificar a oposição ao governo Jair Bolsonaro em torno das críticas à política econômica, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Nos dois discursos feitos depois dos 580 de prisão, Lula indicou que sua estratégia para buscar o apoio da população, sobretudo dos mais carentes, será focada nos ataques ao aumento da pobreza, do desemprego, à precarização das relações de trabalho, à redução do poder de compra do trabalhador e às novas regras para a aposentadoria.

Lula tem reunido dados econômicos do governo Bolsonaro e deve comparar indicadores como emprego e renda aos das gestões petistas, para buscar argumentos contra a atuação de Guedes.
O ex-presidente começará hoje a despachar com aliados políticos em reuniões na capital paulista e deve definir uma agenda prévia das viagens que pretende fazer pelo país, especialmente para o Nordeste. A tônica de seus discursos Brasil afora deve ser o aumento da desigualdade social e do trabalho informal, registrado pelo IBGE.

Com as críticas à política econômica, Lula buscará o apoio do centro político. O petista deve tentar se reaproximar do ex-governador Ciro Gomes (PDT), com um discurso crítico à reforma da Previdência e ao “desmonte” de estatais. Um aliado do ex-presidente diz que Lula está aberto ao diálogo, mas observa que, “tem de ser uma via de mão dupla” e Ciro tem que estar disposto a participar de uma frente ampla de centro-esquerda.

No sábado, o ex-presidente teria conversado com o apresentador Luciano Huck. Os dois teriam combinado de marcar uma reunião, quando se falaram por telefone logo depois que Lula viajou de Curitiba a São Paulo em um jato da companhia de táxi aéreo de Huck fretado pelo PT. 

Francisco Lopes* - A mensagem das ruas

- Valor Econômico

No Chile, o resultado final foi uma maioria da população revoltada com a forma inábil com que a crise foi administrada

Esses movimentos de protesto nas ruas, como recentemente no Chile ou no Brasil de 2013, geram muitos questionamentos sobre qual seria realmente a mensagem das ruas. Como interpretar o que estão dizendo sobre a situação política e econômica do país? Só que o sociólogo Mark Granovetter (American Journal of Sociology, maio 1978) demonstrou que muitas vezes esses protestos não têm mensagem alguma.

Para explicar esta surpreendente conclusão Granovetter considera o caso hipotético de duas pequenas cidades muito semelhantes. Ambas têm um grupo de cem estudantes reunidos na praça principal para reclamar da decisão do prefeito de aumentar o custo do transporte. Jovens naturalmente tendem a estar sempre insatisfeitos com o mundo e cheios de ideias românticas sobre como transformar a realidade. No caso específico, os estudantes estão zangados com o novo preço da passagem e frustrados por não participarem diretamente do processo político.

Pode-se sentir no ar que existe a possibilidade da situação sair do controle. Não obstante, os estudantes são em geral pessoas civilizadas que entendem que o diálogo é sempre melhor que a violência. Podemos imaginar que cada um deles se encontra dividido, de forma consciente ou não, entre dois comportamentos: ou ficar furioso e demonstrar sua revolta destruindo tudo que estiver à frente ou ficar calmo e protestar pacificamente.

Há que se notar, porém, que a decisão de cada um será pelo menos em parte uma resposta ao que os outros estiverem fazendo. De fato a escolha entre partir para a violência ou ficar calmo obedece a uma regra geral de que quanto maior for o número de pessoas fazendo arruaça, maior será a probabilidade de que outra pessoa também faça. Num movimento de protesto que descamba para violência, até pessoas sensatas podem ficar doidas. Nesse caso o protesto parece ganhar uma energia primitiva própria, que pode minar mesmo convicções fortemente estabelecidas contra gestos de destruição física, além de distorcer as estimativas individuais dos riscos envolvidos.

Ricardo Noblat - O carrasco de Evo Morales foi ele mesmo

- Blog do Noblat | Veja

O triste destino do primeiro indígena presidente da Bolívia

Foi Evo Morales que cavou o buraco em que se meteu ao tentar se eternizar no poder. Mas fora da legalidade, nenhuma solução será aceitável para superar a crise política que convulsiona a Bolívia.

A Constituição previa que Morales governasse até duas vezes consecutivas. Ele contornou a Constituição e governou três. Por fim, deu um jeito para disputar pela quarta vez um novo mandato.

Então convocou um plebiscito para que os bolivianos dissessem se isso seria desejável – eles responderam que não. Morales driblou o plebiscito e arrancou da Justiça uma permissão para disputar.

A Organização dos Estados Americanos declarou que foi fraudulenta a eleição que daria a Morales mais um mandato. Quando ele concordou em chamar uma nova eleição já era tarde.

Não tinha mais condições para governar. Perdera o apoio de aliados tradicionais como a Igreja Católica e a Central que reúne os sindicatos de trabalhadores. Perdera também o apoio das ruas.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Eles contra eles – Editorial | Folha de S. Paulo

Lula deve acentuar polarização que também beneficia Bolsonaro; perde o debate

Há muito mais dúvidas do que certezas a respeito do futuro político e jurídico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —agora livre, mas ainda inelegível, alvo de processos e sujeito a novas jurisprudências.

Fato é que o cacique petista se mostra disposto a empregar sua versão mais messiânica no esforço de despertar uma oposição de esquerda carente de ideias e lideranças. Seus primeiros movimentos fora da cela o confirmam.

No imediato reencontro com palanques e microfones, Lula atacou os inimigos imagináveis: o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro Sergio Moro, claro, mas também milicianos, a reforma da Previdência, Donald Trump e, como seu antípoda, a imprensa.

Ao mesmo tempo, retoma a glorificação de feitos de seu governo —deixando de lado o contexto do período e, mais ainda, os desdobramentos da gestão de sua sucessora.

Poesia | Murilo Medes - Candiga de Malazerde

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.