segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Marcelo Calero*

Toda sorte do mundo E que seja um trabalho em consonância com a enorme densidade de sua história artística. Agora, o que ela vai ter como desafio é, primeiro, o de marcar sua gestão dentro desse contexto Bolsonaro, um contexto de profundo antagonismo com a área cultural.

Sempre falo que a cultura deve ser vista como vetor social e econômico principalmente em um País tão diverso e com tanta riqueza de manifestações culturais, como é o caso do Brasil. Acho que a gestão Bolsonaro começa com uma visão muito profissional que foi dada pelo (secretário) Henrique Pires e, depois, no entanto, foi para esse viés cada vez mais ideológico.

Se não conseguir reverter essas nomeações, já começa sua gestão de maneira totalmente enviesada. Estou falando da Casa de Rui Barbosa, da Funarte, da Ancine, da Fundação Palmares, obviamente, e da Biblioteca Nacional. A revisão dessas nomeações é fundamental para que a gente saiba se, de fato, essa gestão vai conseguir trazer algo de novidade em termos de relacionamento com o setor.

*Marcelo Calero, é deputado federal (Cidadania (RJ), foi ministro da Cultura do governo Temer. Declaração ao jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2 – “Começar de novo”, domingo, 26/1/2020.

Demétrio Magnoli - Regina e o Padre Bernardo

- O Globo

Logo, ela será tachada de ‘imoral’, ‘esquerdista’

O historiador comunista Perry Anderson tinha 29 anos quando, em 1968, clamou por uma espécie de “revolução cultural” na sua Grã-Bretanha: “Sem teoria revolucionária, escreveu Lenin, não pode existir movimento revolucionário. Gramsci adicionou: sem uma cultura revolucionária, não haverá teoria revolucionária.” Há coisas que a atriz Regina Duarte deve aprender antes de concluir sua “temporada de testes” na Secretaria da Cultura.

Só chamamos de presepada o monólogo plagiário de Joseph Alvim porque seu edital do Prêmio Nacional das Artes cingia-se ao valor insignificante de R$ 20 milhões. Goebbels, o original, operava à frente da Câmara de Cultura do Reich, que controlava orçamentos bilionários e tinha o poder de decidir quais produtores culturais seriam autorizados a trabalhar. Na ideia de submeter a cultura ao Estado (isto é, ao Partido) encontra-se um dos muitos traços comuns entre os totalitarismos de direita e de esquerda.

A URSS stalinista pretendia erigir uma “cultura proletária”, na forma do realismo socialista, sobre as ruínas da “cultura burguesa”. A Alemanha nazista almejava criar uma cultura autenticamente “ariana” sobre as cinzas da “arte degenerada”. O imitador tropical caído, “um secretário da Cultura de verdade”, queria “atender o interesse da população conservadora e cristã”, segundo Jair Bolsonaro. Regina pisa sobre as brasas ardentes do desejo governamental de concentrar um poder ilimitado: o de definir o pensamento, as emoções, as sensibilidades e os comportamentos dos brasileiros.

A cruz dos templários, um dos signos do espaço cênico montado por Joseph Alvim, fala tanto ou mais que as linhas do plágio direto. Ironicamente, os templários, uma ordem militar cruzadista, foram dizimados pela Inquisição, esse primeiro grande projeto de dominação cultural.

A Igreja queimava bruxas para, por meio do exemplo, disciplinar as mentes. Jules Michelet explica: “A Missa Negra, em seu primeiro aspecto, pareceria ser essa redenção de Eva, maldita pelo cristianismo. A mulher desempenha todos os papéis no sabá. É o sacerdote, é o altar, é a hóstia de que todos comungam. No fundo, não será ela o próprio Deus?”. A fogueira cumpria as funções de um edital de Joseph Alvim: a supressão definitiva dessa Eva sem rumo, desse Deus sem Igreja. Regina sabe disso, suponho, pois nem sempre foi a doce “namoradinha do Brasil”.

Cacá Diegues - Cinema mais televisão

Não foram poucos os lançamentos da Globo Filmes que se tornaram sucessos artísticos e de bilheteria

A Globo Filmes é o braço cinematográfico do Grupo Globo. É ali que se ajuda a produzir e lançar filmes brasileiros com o apoio de nossa maior e mais competente empresa de televisão. Uma empresa que, há décadas, vem consolidando um formato de audiovisual que ela mesma inventou. Um formato que se tornou tendência popular majoritária de uma possível cultura brasileira contemporânea.

Quando a Globo Filmes nasceu, em meados dos anos 1990, criada por Daniel Filho, realizador bem-sucedido de filmes e novelas, era difícil determinar com exatidão seu papel, num cinema brasileiro que retomava a produção interrompida por Collor e o fim da Embrafilme. Havia, da parte dos cineastas, a desconfiança de uma estratégia para o monopólio de imagem e som no Brasil. E, da dos criadores da televisão, a dúvida sobre em qual braço se apoiariam no deslocamento para a nova aventura. Se no de uma fórmula de dramaturgia, estrelas populares e modo de produção, vitorioso no baita sucesso das novelas; ou se no sonho da experiência, fundado no mito da liberdade do cinema.

A primeira produção da Globo Filmes foi “Orfeu”, filme produzido por Renata Magalhães e Paula Lavigne, com dedicação absoluta de Daniel Filho, lançado pela Warner, em 1998. O filme inaugural reacendia o eterno debate sobre a prioridade do cinema brasileiro — se a de público ou de estima, do número de ingressos vendidos ou de prêmios recebidos. Uma discussão que a prática plural da Globo Filmes tornaria desnecessária.

Fernando Gabeira - A China está próxima

- O Globo

Política ambiental destrutiva quase sempre vem com desinteresse pela segurança biológica

Ainda adolescente comprei meu primeiro manual de jornalismo. Seu autor, Fraser Bond, trazia algumas boas lições práticas. Mas de uma de suas lições, jamais me convenceu. Bond dizia que a morte de um cão na sua rua é mais notícia do que um terremoto na China.

Nada estremece mais seu argumento do que a aparição do coronavírus em Wuhan, a sétima cidade da China, e casos já registrados em vários países do mundo. Ele usou o exemplo do terremoto porque certamente ainda não havia tanta integração no mundo quanto agora, o que transforma a segurança biológica numa agenda internacional inescapável.

O Brasil, como todos os outros países, está em alerta. Isso é essencial num momento em que não é novo. O surgimento de vírus devastadores tem sido uma constante, possivelmente pela degradação do meio ambiente.

É correto olhar para a China neste momento. No entanto, para não desapontar Fraser Bond, não podemos esquecer o que acontece perto do nós.

Foi com esse espírito que levantei semana passada algumas dúvidas sobre o que acontece em Rondônia, mais precisamente no Presídio Monte Cristo. Segundo as notícias, ali quase 100% dos prisioneiros sofriam de sarna. Mas recentemente a situação se agravou, e os prisioneiros têm uma doença que dá a eles a sensação de estarem sendo comidos por dentro.

Era necessário que o governo criasse um núcleo médico capaz de diagnosticar essa doença e tratá-la imediatamente.

Marcus André Melo* - O debate institucional

- Folha de S. Paulo

As três vidas do debate institucional no país

A agenda do debate no país sofreu forte inflexão: os determinantes institucionais da ingovernabilidade —que eram seu elemento vertebrador— foram abandonados. O diagnóstico implícito é de que os problemas não estão ancorados no desenho institucional. As instituições entram na análise apenas com referência a uma elusiva métrica de sua robustez ou debilidade.

Desde a constituinte, a díade presidencialismo/governabilidade passou a ocupar nossa imaginação e inteligência políticas. A combinação de presidencialismo, multipartidarismo, partidos fracos e federalismo robusto —ao que se agregou a legislação eleitoral e sobre financiamento de campanhas— era vista como receita para a ingovernabilidade.

Para alguns analistas, no entanto, o exitoso caso americano (presidentes fracos, partidos fortes) mostrava que o presidencialismo não era constitutivamente instável. O problema seria executivos fortes e partidos fracos, como na América Latina.

Mas essa visão foi superada pelo argumento, que se tornou canônico entre nós, de que um presidente constitucionalmente forte, que controla a agenda congressual, é a âncora da governabilidade, e não seu calcanhar de aquiles. O multipartidarismo não seria um problema.

Houve assim inversão conceitual: o presidente-refém dá lugar ao presidente-demiurgo. O argumento, no entanto, mostrou-se incompleto: a gestão das coalizões pelo presidente importa, e o equilíbrio do jogo das relações Executivo-Legislativo depende também do Judiciário e de instituições de controle lato sensu. Afinal, a extensa delegação de poderes ao Executivo foi acompanhada de igual delegação para estas instituições.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro é um Uber?

- Folha de S. Paulo

O voto da elite no presidente pode ter sido um serviço prestado às pressas para fugir da esquerda

Na primeira coluna do ano, perguntei se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo era fascista.

Na semana passada, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, respondeu que sim, a entidade apoia Bolsonaro oficialmente. A Fiesp já havia apoiado governos antes, mas nunca com esse grau de engajamento.

Skaf entregou a Fiesp a Bolsonaro porque quer seu apoio na eleição estadual de 2022. Aparentemente, concluiu que o eleitorado paulista é como a economia global, um lugar onde sua turma não tem chance de competir sem apoio do governo federal.

Não chega a ser novidade que candidatos a cargos eletivos façam conchavos. A questão relevante é se Skaf é representativo do resto da elite econômica. O apoio do empresariado brasileiro a Bolsonaro é sólido? Ou foi só uma gambiarra de última hora para derrotar a esquerda em 2018?

Leandro Colon – A ineficiência do MEC

- Folha de S. Paulo

O ministro mais falastrão é o que transformou a pasta em palco de ineficiência

O discurso de que a meritocracia seria um pilar do governo Bolsonaro tem falhado no Ministério da Educação, uma das pastas mais importantes da Esplanada.

Faltam argumentos defensáveis em relação à gestão de Abraham Weintraub. Se o critério de meritocracia fosse sério, ele já teria sido demitido do cargo. O ministro mais falastrão é também o que transformou o MEC em um palco de ineficiência.

Os graves erros na correção das notas do Enem e as falhas no Sisu mancham um exame nacional que se consolidou, ao longo dos anos, como a ferramenta de ingresso de jovens nas universidades federais.

No ano passado, foram 5,1 milhões de inscritos na prova. Apenas 11,5% deles tinham acima de 30 anos. Dos participantes, 2,8 milhões foram isentos de pagar a taxa de inscrição devido a critérios de baixa renda.

O Enem é realizado, portanto, por uma maioria de jovens de famílias pobres que encontram no exame uma chance de ascensão profissional e, sobretudo, social. O governo não tem o direito de falhar com eles.

Ações judiciais foram protocoladas em resposta aos problemas. Além do susto e da frustração em receber notas erradas, o estudante se deparou com o acesso ineficaz ao Sisu.

Mathias Alencastro* – Brexit e a nova direita

- Folha de S. Paulo

Para fidelizar novos conservadores, Boris Johnson não tem alternativa senão abrir cofre público

Num gritante contraste com a tensão insustentável dos últimos meses, o brexit será efetivado no final desta semana num ambiente de relativa indiferença.

Depois de uma vitória triunfal na eleição parlamentar de dezembro, Boris Johnson tem o horizonte limpo pela frente, e todos parecem ter esquecido a briga épica dos últimos três anos.

Nesse contexto pacificado, o regresso com força do gasto público surge como um inesperado desdobramento. Apelidado de “Boris, o construtor” pela imprensa, o premiê já anunciou um fundo de 80 bilhões de libras (R$ 437 bilhões) para desenvolver a infraestrutura, novos subsídios a empresas e um aumento de 6,2% no salário mínimo.

À primeira vista, Boris Johnson parece estar correndo para consolidar a sua hegemonia. O último pleito, marcado pela conquista inesperada dos principais bastiões tradicionais da oposição, mudou o mapa eleitoral dos conservadores.

Os novos deputados representam os ingleses das regiões periféricas das cidades médias do Norte e das Midlands. Tradicionalmente trabalhistas, os eleitores dessas regiões, traumatizados por uma década de austeridade, cederam à promessa de que o brexit marcaria o começo de um novo tempo de prosperidade.

Entrevista | A democracia está bem, diz ex-senador Pedro Simon às vésperas de seus 90 anos

Um dos líderes do movimento pelas Diretas diz que Bolsonaro fala demais e critica falta de consistência de Luciano Huck

Paula Sperb | Folha de S. Paulo

XANGRI-LÁ (RS) - Os carros passam mais devagar em frente à casa de varanda ampla a poucas quadras do mar. A baixa velocidade é para que consigam enxergar o morador, o ex-senador Pedro Simon (MDB), que completa 90 anos na próxima sexta-feira (31).

O gaúcho responde aos acenos levantando o braço. Foram ao menos dez cumprimentos em uma hora de entrevista, incluindo os apertos de mão na beira da praia de Rainha do Mar, em Xangri-lá, onde "veraneia" há pelo menos 50 anos.

Seu aniversário será celebrado no dia 1º, em Capão da Canoa, mesma cidade litorânea onde liderou a passeata das Diretas-Já em 1984, com cerca de 50 mil pessoas em um domingo de verão.

Nascido em Caxias do Sul, onde iniciou sua vida política como vereador, foi deputado estadual, governador, ministro e senador. De 1979 a 2015, Simon só não se elegeu para o Senado quando foi eleito governador.

O emedebista tem viajado pelo Brasil para realizar palestras gratuitas para estudantes. Seu livro de cabeceira é a Bíblia, que alterna com leituras sobre atualidades. Incentivado pela mulher Ivete Fülber Simon, ele pratica pilates, vai à academia e sobe e desce seis lances de escadas do seu apartamento, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre.

Lembrado especialmente por sua atuação pela redemocratização, Simon acredita que, sob o governo Jair Bolsonaro, a "democracia está bem". Diz que votou em branco pela primeira vez em 2018 e negou ter dado "apoio crítico" a Bolsonaro, como o MDB gaúcho no segundo turno.

• Depois de sua luta pela redemocratização, como o senhor avalia o Brasil de hoje? A democracia vai bem ou mal?

A democracia está bem. Tivemos os governos do PT, que todo mundo se assustava. "O Lula, que vai implantar o comunismo, o não sei o quê", diziam. Sob o ponto de vista institucional, ele se saiu bem.

Teve o [Fernando] Collor, um cara todo complicado, cassado pelo impeachment. Saiu o impeachment, a normalidade democrática continuou. O Itamar [Franco] foi um governo espetacular. Veio o Lula, o afastamento da Dilma [Rousseff], que não foi por corrupção, foi por não cumprir regras da administração pública.

Agora veio o Bolsonaro. Sob o ponto de vista institucional, estamos bem. Sinceramente, estamos bem. As reformas estão saindo, é altamente positivo. Uma das coisas que gostei do Bolsonaro, quando assumiu, foi convidar o [Sergio] Moro e dizer: "Vai ser meu ministro da Justiça e da Segurança, ele vai ter plena e total [autonomia] e pode até ser meu filho [investigado], eu compreendo". Agora, no dia a dia que estamos vivendo, a coisa está um pouco diferente. O filho do Bolsonaro [Flávio] está em uma confusão enorme e, em função disso, o Bolsonaro não está tendo mais aquela firmeza que ele tinha com relação ao Moro.

• O que o senhor pensa sobre Bolsonaro?

Ele fala demais e fala equivocado. Ele diz algumas coisas que não precisava dizer.

Ele criou um problema com os israelitas, falou que ia transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Ele fez a confusão com o presidente norte-americano, que matou o general do Irã. Essas confusões que ele faz, ele não está sendo feliz.

Carlos Pereira - Há vacina contra iliberalismos?

- O Estado de S.Paulo

O Brasil possui anticorpos contra antígenos iliberais tanto de esquerda como de direita

É paradoxal o comportamento iliberal de líderes políticos eleitos democraticamente que, uma vez no poder, tentam subverter e enfraquecer as instituições democráticas.

O que diferencia e qualifica regimes democráticos são as respostas que sociedades e instituições ofertam a tentativas de líderes populistas de usurpá-los.

No Brasil, vários presidentes eleitos apresentaram comportamentos iliberais.

Fernando Collor, por exemplo, vilipendiou direitos de propriedade ao confiscar a poupança de milhares de brasileiros. Lula, por sua vez, interferiu nas agências reguladoras e tentou reduzir sua independência. Ameaçou controlar a mídia por meio do “novo marco regulatório dos meios de comunicação”. Dilma tentou dar nova roupagem ao controle da mídia via regulação econômica. Lula também defendeu o controle externo da Justiça como forma de abrir a “caixa-preta” do Poder Judiciário. Haddad falava abertamente em controle social do Ministério Público e do Judiciário.

Como a chegada do PT à Presidência foi marcada por grande esperança, iniciativas iliberais ficaram camufladas e só se tornaram explícitas quando os sucessivos escândalos de corrupção vieram à tona. Até hoje os atos iliberais do petismo têm sido tolerados com base na crença de que as políticas de inclusão social os justificavam. Raciocínio semelhante pode ser atribuído ao governo Collor, com os efeitos de controle da hiperinflação de curto prazo.

Bruno Carazza* - Não podemos importar propina

- Valor Econômico

Liberar licitações para estrangeiros exige cuidados

Na sua segunda passagem por Davos, Paulo Guedes demonstrou mais uma vez que as teorias antiglobalistas passam longe do Ministério da Economia. Depois de ter costurado um acordo sem precedentes entre o Mercosul e a União Europeia, o governo brasileiro anunciou a intenção de aderir ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na cabeça de Guedes não há espaço para teses obscurantistas que influenciam outros setores importantes do governo, como o Itamaraty e até mesmo o Palácio do Planalto. Para o todo-poderoso da Economia, a aceitação dos parâmetros e normas ditados por organismos multilaterais como a OMC e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é o passaporte para o Brasil alcançar “a primeira divisão” da economia internacional.

Na prática, liberar gradativamente o multibilionário mercado das licitações federais, estaduais e municipais para empresas estrangeiras significa abrir mão de um poderoso instrumento de estímulo à produção nacional. Não é à toa que apenas um grupo limitado de países desenvolvidos faz parte desse acordo da OMC, como os membros da União Europeia, EUA, Japão, Canadá, Austrália e Coreia, além de poderosos entrepostos comerciais como Singapura, Hong Kong e Taiwan.

Estimativas indicam que as compras e contratações do setor público movimentam entre 10% e 13% do nosso PIB. As firmas brasileiras, obviamente, sempre buscaram reservar para si a exclusividade desse mercado, e na última década ainda ampliaram sua vantagem com a introdução de regras de conteúdo nacional e margens de preferência.

Mas Paulo Guedes acredita que, para o país atrair mais investimentos externos e se integrar às cadeias globais de negócios, o preço a ser pago é a exposição do empresariado local a uma maior concorrência estrangeira. No seu estilo direto de dizer, afirmou que o Brasil não pode ser uma “fábrica de bilionários à custa da exploração dos consumidores”.

Sergio Lamucci - Um mundo cada vez mais endividado

- Valor Econômico

Com juros baixos, dívida global deve continuar a crescer

Num mundo marcado juros extremamente baixos, o endividamento global atinge níveis cada vez mais elevados. No terceiro trimestre de 2019, a dívida de famílias, governos, empresas não-financeiras e bancos dos principais países desenvolvidos e emergentes alcançou o recorde de US$ 253 trilhões, o equivalente a 322% do PIB, de acordo com números do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês). A expectativa é de que o endividamento siga em alta em 2020, batendo em US$ 257 trilhões no primeiro trimestre, impulsionado pelos juros baixos e por condições financeiras relaxadas, apontam os analistas do IIF.

Por enquanto, não há temores de problemas imediatos relacionados a esses níveis globais de endividamento, mas eventuais aumentos dos juros ou movimentos mais expressivos de moedas podem causar estresse nos mercados, como destacou o presidente do IIF, Tim Adams, ao repórter Daniel Rittner, do Valor, em entrevista no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na semana passada. Como parte das dívidas das empresas está denominada em divisas estrangeiras, pode haver estragos em caso de desvalorizações cambiais fortes e abruptas.

Um estudo recente de economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) trata do endividamento público em cenários de juros baixos e em que frequentemente é negativa a diferença entre a taxa de juros e a taxa de crescimento da economia. O relatório recomenda às autoridades cautela quanto a níveis elevados de dívida, mesmo quando o custo de tomar dinheiro emprestado é baixo.

Philip Stephens* - O populismo esquenta a luta climática

- Valor Econômico

Os liberais encabeçando a ofensiva pela redução das emissões de carbono estão preparados para financiar essas mudanças?

“Todos sabemos o que fazer, mas não sabemos como nos reeleger depois que o tivermos feito.” Jean-Claude Juncker, então primeiro-ministro de Luxemburgo, fez o doloroso e presciente alerta em 2013. De fato, os programas de austeridade que se seguiram à crise mundial estimularam uma tempestade populista da qual a velha política ainda não se recuperou. A história corre o risco de se repetir com o combate às mudanças climáticas. Como Juncker poderia dizer agora, os políticos sabem o que fazer, mas é melhor que tomem cuidado com os “gilets jaunes” (os “coletes amarelos” da França).

O êxito dos movimentos populistas que desestabilizaram antigos governos da Europa tem raiz na percepção - que não é apenas uma meia verdade - de que o fardo de socorrer as elites responsáveis pela crise financeira recaiu sobre parte mais pobre da sociedade. O maior peso da austeridade incidiu sobre os que haviam ficado para trás, não sobre os banqueiros. Agora, pense na redução das emissões de carbono. É o mesmo grupo que está mais à frente na linha de fogo, as pessoas de baixa renda, vivendo em vilarejos e cidades do interior.

A pergunta que me faço é se os liberais encabeçando a ofensiva pela redução das emissões de carbono estão preparados para financiar as grandes transferências de renda necessárias para torná-la politicamente sustentável

Ainda que Donald Trump tenha marcado presença em Davos, acabou-se o que era uma “guerra de mentirinha” contra as mudanças climáticas. De uma forma ou de outra, o aquecimento mundial vai remodelar nossas economias e sociedades. A opinião pública não vai mais deixar os políticos se limitarem a um punhado de fazendas eólicas e a incentivos tributários para veículos elétricos.

Incêndios florestais enormes na Austrália, geleiras derretendo na Groenlândia e mudanças enervantes nos padrões climáticos em quase todos os lugares do mundo desarmaram aqueles que negavam o aquecimento mundial, a não ser os mais obstinados. Basta perguntar ao primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, que até há pouco tempo exultava em seu papel como principal chefe de torcida das empresas carvoeiras australianas.

Entre a tutela e o diálogo

Marcelo Godoy | O Estado de S. Paulo / Aliás (26/1/2020)

Reeditado em uma época propícia, o livro ‘Exército e Nação’, de Gilberto Freyre, discute o papel das Forças Armadas para a República

Um livro tem seu destino vinculado aos seus leitores. É conhecida a máxima de Terenciano. Se o destino das obras não se separa dos que o folheiam também não se afasta de seu tempo e dos significados que assumem geração após geração. Quando lançado em 1949, Nação e Exército, de Gilberto Freyre, refletia, nas palavras do cientista social Oliveiros Ferreira, “a necessidade de os civis construírem uma ideologia, um mito que justificasse seu constante ir e vir aos quartéis para que os militares os ajudassem a resolver suas pendências”.

O mito é o do Poder Moderador do Exército na República, propalado por Gois Monteiro, que traduziu a realidade nacional de 1889 a 1979, quando os atos institucionais deixaram de ter validade. Um poder moderador que, a exemplo do imperial, devia pressupor a inviolabilidade de quem o exerce, não estando sujeito a responsabilidade alguma. Um mito que, hoje, alguns teimam em reeditar por meio do artigo 142 da Constituição.

O Exército fez – como observa Oliveiros em Elos Partidos – intervenções sem conta na vida política da República, embora devesse, na prática, ter sido um instrumento de Estado a serviço dos governos.

Não o foi. Em vez disso, fez com que o pêndulo oscilasse em 1945, em 1954 e em 1964 em uma direção e em 1955 e 1961 em outra. Freyre escrevera em 1948 sua conferência na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), que originou o livro. Fazia três anos que os militares haviam derrubado, em 29 de outubro de 1945, o ditador Getúlio Vargas, encerando o Estado Novo.

O sociólogo, então deputado federal eleito pela UDN (União Democrática Nacional), fora vítima do arbítrio do governo Vargas – preso e espancado pela polícia. Para o Mestre de Apipucos, “diante de uma situação tal qual a que se vem definindo no Brasil – a de um Exército organizado ao lado de atividades civis que continuam, quase todas, desorganizadas – a solução é (...) a de procurarmos imitar o exemplo do Exército, organizando tão bem quanto ele as demais forças nacionais”. E conclui: “Forças de que ele possa continuar a ser o coordenador em épocas de desajustamento mais agudo entre regiões ou entre subgrupos nacionais”.

O que a mídia pensa – Editoriais

Nunca esquecer- Editorial | Folha de S. Paulo

Aniversário de 75 anos da libertação de Auschwitz ocorre em ambiente de intolerância

Após os horrores do Holocausto terem sido revelados, ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), Theodor Adorno escreveu um epitáfio famoso sobre aquele período: “Depois de Auschwitz, escrever poesia é barbaridade”.

O filósofo alemão falava do complexo de prisão e extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia ocupada pelos nazistas. Há exatos 75 anos, tropas soviéticas libertaram o campo, que se tornou símbolo do regime de Adolf Hitler.

A assertiva de Adorno é precisa: poucos momentos da história humana se equiparam em desolação à aniquilação sistemática e industrial de 6 milhões de judeus, além de integrantes de outras minorias.

Só em Auschwitz, foram cerca de 1 milhão de mortos. Em um evento alusivo à libertação do campo, realizado na quinta (23) em Jerusalém, um alerta coube ao presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.

“Eu gostaria de dizer que os alemães aprenderam com a história de uma vez por todas. Mas não posso dizer isso quando o ódio está se espalhando”, disse Steinmeier.

Poesia | Ferreira Gullar - Pela rua

Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.

Sem qualquer esperança
te espero.
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
e o coração dispara.
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
e se esvai nas nuvens.

A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.

A noite se ergue comercial
nas constelações da Avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
solto ao fumo da gasolina queimada.