terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Merval Pereira - De olho comprido

- O Globo

Agenda política e judicial será engolida pela campanha municipal, que vai dar indicações sobre a presidencial

A mais longa campanha presidencial já havida no país entra em seu segundo ano em plena efervescência. Sim, porque o próprio presidente Bolsonaro inaugurou uma nova maneira de lutar pela reeleição, assim como já havia, com sucesso, criado uma de vencer eleição presidencial sem partido, sem dinheiro, sem base política.

Semelhante a ele só Fernando Collor em 1989, com uma diferença gritante: Collor saiu de governador de Alagoas para a campanha presidencial, também sem partido, e base política, mas com dinheiro e conexões sociais nos grandes grupos empresariais dos principais centros urbano, como Rio e São Paulo.

Sobretudo com uma exposição pública pelos factoides que criou como caçador de marajás e adversário dos usineiros, representantes regionais dos privilegiados Brasil afora. A farsa que se descobriu depois é da mesma categoria da que vai sendo descoberta em relação a Bolsonaro.

Este teve a seu favor a exposição nos novos meios digitais, entendeu a nova fase das campanhas assim como Collor foi o primeiro a fazer do programa eleitoral gratuito um espaço de criações tecnológicas inéditas naquele tipo de mídia.

Carlos Andreazza - A morte e a morte de Onyx Lorenzoni

- O Globo

Bolsonaro empilha corpos de auxiliares para erguer a trincheira com que se blinda

Já escrevi, neste jornal, sobre a “lógica do fusível” de Jair Bolsonaro: a forma utilitária, fritadora mesmo, autoritária e patrimonialista sempre, como dispõe de colaboradores, com frequência tornados defuntos de conveniência, a depender dos interesses circunstanciais da nova corte.

O presidente não delega responsabilidades. Distribui culpas. Não dispensa ineficientes — se fiéis. Demite insubmissos — ainda que competentes. Como cobra adesão incondicional para não amaldiçoar um novo traidor (um novo Santos Cruz), coleciona colaboradores com vocação para o servilismo — o que equivaleria a um suicídio moral houvesse princípios nesta beira de precipício. Eles pulam. São os cadáveres da sabujice; geralmente desqualificados gratos pela migalha de cargo recebida, gente oportunista cujo ressentimento, condição fundamental do caráter bolsonarista, é instrumentalizado pelo projeto de poder.

(Há também os que sempre foram o que são, como o general Augusto Heleno, sobre quem se depositou expectativa de moderação — de equilíbrio — inconsistente com a natureza daquele que fora, certamente não obrigado, ajudante de ordens de Sylvio Frota.)

Em campanha, em batalha, constante, Bolsonaro empilha corpos de auxiliares para erguer a trincheira com que se blinda; mantém mortos-vivos como para-raios das sequelas de seus atos e como atrativos ao entretenimento dos que considera inimigos. A imprensa, por exemplo — cuja função, segundo o presidente, entre outras atividades para não deixar o Brasil renascer, é tombar ministros. “Se não conseguem derrubar esses zumbis, longe de me tocarem estarão” — pensará um governante especialmente suscetível a teorias da conspiração.

A estratégia walking dead explica por que ficam no governo finados como Marcelo Álvaro Antônio e Abraham Weintraub. O primeiro, fulminado por denúncias de corrupção. O segundo, por rara incompetência. São a banha — a espessa camada de gordura — que protege Bolsonaro.

José Casado - Milícias na eleição

- O Globo

Acabou-se a discrição na trapaça

O Rio é um lugar onde armas de guerra dividem a paisagem com o mar, as palmeiras e os trens suburbanos. É, também, a terra onde mais florescem as milícias armadas.

Nos palácios celebram-se liturgias de leniência com a expansão da influência desses grupos em instituições públicas. Eles garantem votos. Em troca, recebem apoio aos negócios.

Acabou-se a discrição na trapaça. Pela primeira vez, o Rio poderá ter um candidato a prefeito com origem miliciana atestada em juízo.

Jerônimo Guimarães Filho, 71 anos, pioneiro de bandos na Zona Oeste, está em campanha pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB). Foi vereador pelo MDB por oito anos, até ser condenado por crimes como uma chacina de nove pessoas.

Jerominho, como é conhecido, nega tudo. Depois de uma década na cadeia, parece querer legitimar as alianças das milícias. Seu reduto é a Zona Oeste. Estava preso, em 2008, quando elegeu a filha vereadora. Na época, ela habitava uma cela no presídio de Catanduvas (PR), a 1,4 mil quilômetros da Câmara do Rio.

Bernardo Mello Franco - A volta do complexo de vira-latas

- O Globo

Bolsonaro já fez diversos comentários ofensivos a índios e negros. Ontem ele divulgou um vídeo que menospreza os brasileiros em geral. É a volta do complexo de vira lata

Jair Bolsonaro é um governante com pouco apreço pelos governados. O presidente já fez diversos comentários ofensivos a índios e negros. Ontem ele divulgou um vídeo que menospreza os brasileiros em geral.

A gravação é estrelada por um jornalista que deixou a televisão e virou porta-voz informal do governo. Numa palestra, ele sugere que o Brasil deveria “trocar de população” com o Japão.

“Com este subsolo, este clima, alguém teria dúvida de que os japoneses transformariam isso aqui em primeira potência do mundo em dez anos?”, pergunta. Em tom de piada, ele sugere que os brasileiros não fariam o mesmo no Japão. “Lá, eu não quero pensar”, ironiza.

O discurso reforça a ideia preconceituosa de que os brasileiros seriam preguiçosos e avessos ao trabalho. Mesmo assim, ganhou o aval do presidente. “Essa é para assistir algumas vezes e compartilhar”, ele tuitou.

Miguel De Almeida* - A guerra santa em marcha

- O Globo

Novos estudos recorrem às obras cristãs carregadas de proselitismo fundamentalista para reconstituir mundo apagado

Assim como ocorreu com o desafortunado Marx, o pobre Cristo também padeceu na mão de seus seguidores. Ambos passaram por lipoaspiração, retoques e tiveram conceitos e idiossincrasias enfiadas em suas bocas.

São dois das maiores vítimas de fake news na história da humanidade.

Ainda sequer baixara à sepultura, o corpo nem esfriara, e os rascunhos de Marx já estavam nas mãos de Engels, parceiro de farra, para serem ordenados, aparados e ajustados à causa imediata. Depois, o Partido Socialista alemão faria expurgo em Marx e Engels para ajustá-los aos interesses (e preconceitos) de seus dirigentes políticos.

Do mesmo jeito que aquele idiota jogou uma bomba na produtora do Porta dos Fundos, evocando a defesa de Cristo, em nome também de Cristo os primeiros séculos de nossa história surgem recheados de histéricos, mal-intencionados e outros punguistas que, infelizmente, modelarão o que hoje é apresentado como ideal cristão. E, usando seu santo nome em vão, tal esse flanelinha fascista, preconceitos foram construídos, superstições ganharam corpo, e o medo (ou pavor) se transformou em instrumento de convencimento e poder — demônio, inferno…

Alvaro Gribel* - O discurso não entra na balança

- O Globo

Em mensagem enviada ao Congresso ontem à tarde, na abertura do ano legislativo de 2020, o presidente Jair Bolsonaro falou que o “mundo voltou a confiar no Brasil” e que o “viés ideológico deixou de existir nas relações com o exterior”. Para o seu azar, na mesma hora, o Ministério da Economia divulgava uma queda de 11% na corrente de comércio em janeiro, sobre o mesmo período do ano passado. Houve retração das exportações, das importações e déficit de US$ 1,7 bilhão na balança comercial. Na bolsa, até o dia 30 de janeiro, a saída de estrangeiros chegou a R$ 17 bilhões, e o dólar, que ontem fechou em queda, na última sexta-feira bateu recorde nominal.

Ajuda Federal 
O Espírito Santo, que tem as contas mais equilibradas do país, vai precisar da ajuda do governo federal para lidar com as chuvas. O governador Renato Casagrande anuncia hoje R$ 114 milhões para obras de reconstrução e prevenção, após já ter liberado R$ 100 milhões. O dinheiro, contudo, não será suficiente. Casagrande entregou um relatório de recuperação ao ministro Gustavo Canuto, do Desenvolvimento Regional, com gastos estimados em R$ 667 milhões. A situação só não é pior porque o estado tinha recurso em caixa, após o resultado financeiro positivo em 2019. O Espírito Santo registrou dez mortes e 13 mil desalojados após as chuvas. “Temos capacidade para responder a emergências, mas a recuperação vai depender da ajuda da União”, explicou o governador.

Ricardo Noblat - Os mortos-vivos do governo Bolsonaro vagam arrastando correntes

- Blog do Noblat | Veja

O improviso como arte grosseira de governar

Alguns estão mais vivos do que os outros, embora com a aparência de que também não chegarão ao fim do governo. O menos morto deles é o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública. Em novembro, quando se abrir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, poderá ser despachado para lá. Ou só no próximo ano quando a segunda vaga se abrir.

Sobre Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional, é cedo para dizer que sua data de vencimento está à vista. Quando ele perdeu o comando da Agência Brasileira de Inteligência para um delegado do gosto dos filhos do presidente, perdeu a maior força que tinha. Virou uma espécie de dama de companhia de Bolsonaro. Uma dama de luxo.

Mas enquanto tiver o apoio dos seus ex-colegas de farda, e a saúde permitir, ficará onde está. Os generais da ativa confiam no seu bom senso. Reconhecem nele a capacidade de barrar decisões bizarras que passam pela cabeça de Bolsonaro com frequência. Seu lugar já despertou a ambição de outras pessoas. Hoje, ninguém mais o inveja. Salvo um acidente, só sairá se quiser.

Luiz Carlos Azedo - Imposto do desemprego

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, ontem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou suas prioridades para 2020, focadas na agenda econômica: reforma tributária, MP do Contribuinte Legal, independência do Banco Central, privatização da Eletrobras, promoção do equilíbrio fiscal e novo marco regulatório do saneamento. As propostas foram bem recebidas no Congresso, que começou o ano politicamente esvaziado. O ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, cuja pasta foi esvaziada, fez uma entrega protocolar da mensagem. Bolsonaro estava em São Paulo, com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, outro que anda em baixa no governo, para inaugurar um colégio militar.

A única proposta de caráter social entre as prioridades do governo é o Programa Verde Amarelo, cujo objetivo é combater o desemprego. O grande jabuti é o desconto de 7,5% de contribuição no seguro-desemprego. Lançada em novembro passado, a proposta já está sendo ironizada no Congresso, onde é chamada de imposto do desemprego, e deve ser rechaçada pela Câmara, ainda mais num ano eleitoral, como aconteceu com outras propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, como a recriação da contribuição sobre operações financeiras e o chamado “imposto do pecado”, a supertaxação do cigarro e da bebida, rechaçada pelo próprio presidente Bolsonaro.

O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego, que possibilitaria uma arrecadação de R$ 12 bilhões em cinco anos. Em compensação, o período de recebimento do seguro-desemprego passaria a contar para a aposentadoria. O Programa Verde Amarelo mira o desemprego, com regras que flexibilizam a legislação em relação ao trabalho aos domingos e feriados, às férias e ao 13% salário. É destinado a trabalhadores que recebam até 1,5 salário-mínimo, em contratos de 2 anos. Estima-se que 500 mil pessoas poderão ser contratadas com a mudança.

Outra proposta do programa é a concessão de R$ 40 bilhões para até 10 milhões em microcrédito, destinados a pequenos empreendedores. De acordo com o governo, os recursos serão direcionados à população de baixa renda, aos “desbancarizados” e aos pequenos empreendedores formais e informais. Outra meta é reinserir no mercado de trabalho 1 milhão de pessoas afastadas por incapacidade, pela via da reabilitação física e habilitação profissional. Também está prevista a contratação de 380 mil pessoas com necessidades especiais.

Ranier Bragon – Fica para outra hora

- Folha de S. Paulo

Texto mantém foco na economia e não aborda o que move o bolsonarismo raiz

Um fantasma rondava o Brasil no final de 2018. A eleição de Jair Bolsonaro e a vitória da onda conservadora também na escolha dos novos deputados federais e senadores representavam uma perspectiva de anos sombrios nos tapetes verdes e azuis do Congresso Nacional.

O Escola sem Partido, por exemplo, despontava com força aparentemente irresistível a sugerir uma era em que o “Deus acima de todos” seria mais do que uma mera retórica de palanque.

O ano de 2019 no Legislativo teve a economia como prioridade. A depender dos sinais dados nesta segunda-feira (3) na solenidade de retomada dos trabalhos do Congresso, 2020 irá pelo mesmo caminho.

Hélio Schwartsman - Lula e a verdade

- Folha de S. Paulo

É dever da imprensa conferir a consistência de suas declarações

“Que é a verdade?”, inquiriu Pôncio Pilatos. Ninguém respondeu. A pergunta é difícil. Ouso dizer que encerra um dos problemas mais cabeludos da filosofia. Mesmo a mais simplesinha e formalista das definições, que equipara a verdade à “adequação da proposição ao objeto”, já consumiu enorme quantidade de tinta e de argumentos e não há sinal de que os filósofos possam chegar a um consenso.

Apesar disso, ao contrário de alguns pós-modernistas, penso que não devemos desistir. Dá para afirmar que a proposição “a Terra é o terceiro planeta a contar do Sol” é verdadeira. Com qualquer outro número ordinal, será falsa. Obviamente, esse critério vale apenas para alguns tipos específicos de juízo, que nem são os mais interessantes —mas é o que temos.

Analisemos, à luz dessas ideias, a polêmica do ex-presidente Lula com a Folha a respeito da veracidade de declarações que ele deu após sua libertação. Por razões de espaço, fixo-me num único caso, o da Globo. Lula tem todo o direito de criticar a cobertura que a emissora fez da Vaza Jato, mas deveria medir melhor as palavras. Se ele diz que a Globo só mencionou o Intercept duas vezes, e essa afirmação —cujo conteúdo empírico é claro e facilmente verificável— não corresponde aos fatos, é forçoso concluir que o ex-presidente falseou a verdade.

Pablo Ortellado* - Lição de Porto Alegre

- Folha de S. Paulo

Pacote concede tarifa zero a trabalhadores formais e tarifa social a demais usuários

A Prefeitura de Porto Alegre apresentou à Câmara de Vereadores um ambicioso pacote de mobilidade urbana que pode revolucionar o financiamento do transporte público. O conjunto de medidas concede tarifa zero para os trabalhadores com carteira assinada e estabelece uma tarifa social de menos de R$ 2 para o restante da população (e menos de R$ 1 para os estudantes).

A iniciativa de maior impacto é a introdução de uma taxa de mobilidade urbana que substituiria o vale-transporte. Os trabalhadores não teriam mais descontados 6% do salário, e as empresas pagariam à prefeitura uma taxa mensal por empregado menor do que gastam hoje com o vale-transporte (mas a base de arrecadação seria maior, porque empresas com empregados mais bem remunerados que optam por não ter vale-transporte passariam a pagar).

A medida daria tarifa zero para qualquer viagem de ônibus dos trabalhadores formais (aproximadamente metade da força de trabalho). Além disso, a tarifa teria uma redução de R$ 2,35, e o fim do desconto do vale-transporte daria aos trabalhadores mais pobres um acréscimo de 6% na renda.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Schumpeter, o Dinheiro e a Moeda

- Valor Econômico

A dita “financeirização” não é uma deformação do capitalismo, mas um "aperfeiçoamento" de sua natureza

Reconhecido pelos senhores dos mercados depois da crise financeira de 2008, o economista keynesiano Hyman Minsky, falecido em 1996, escreveu em 1992 um artigo intitulado “Schumpeter and Finance”. O artigo narra a temporada de Minsky em Harvard na companhia de Paolo Sylos-Labini, então jovem economista italiano, mais tarde referência no mundo acadêmico ao escrever o clássico Oligopólio e Progresso Técnico.

Os dois chegaram a Harvard para a temporada 1948-49. Labini aportou a Harvard depois de algum tempo em Chicago. “Como completei minha graduação em Chicago, Labini e eu compartilhamos nossas opiniões sobre Chicago e Harvard em animada discussão”. Minsky graduou-se em matemática em 1941. Do mestrado (1947) ao PhD (1954), foi supervisionado por Schumpeter, Wassily Leontief e Alvin Hansen. Schumpeter morreu em janeiro de 1950.

Os alunos da pós-graduação de Harvard, em sua maioria, desdenharam as palestras de Schumpeter. Consideravam Schumpeter ultrapassado. Juntar-se a ele no estudo de economia seria considerado diletantismo. Na era da formalização matemática, o modelo de Schumpeter não era tratável.

A visão de Schumpeter concebe as economias capitalistas como sistemas em evolução, sistemas que existem em seu movimento histórico em resposta a fatores endógenos. As sociedades são bestas evolutivas que não podem ser congeladas no tempo e reduzidas a fórmulas matemáticas estáticas. “Nenhuma doutrina, nenhuma visão que reduza a economia ao estudo da sustentação de equilíbrio pode ter uma relevância duradoura”. Schumpeter lançou uma mensagem: “A história não leva ao fim da história”.

Mohamed El-Erian* - O grande choque do coronavírus

- Valor Econômico

Epidemia amplia vulnerabilidades e poderá solapar o crescimento global

A preocupação com o coronavírus na semana passada foi um bom exemplo do cabo de guerra que vem acontecendo nos mercados financeiros há algum tempo: entre o sentimento positivo e as crescentes incertezas econômicas de longo prazo.

Até agora, pelo menos, essa disputa tem sido decidida em favor dos preços de ações cada vez mais altos. Mas os investidores precisam decidir se querem optar por mais do mesmo, continuando a implementar uma cartilha de investimentos que os vem servindo bem, ou se querem tratar o surto viral pelo que ele é - um grande choque econômico que poderá solapar o crescimento global e tirar o mercado de seu condicionamento de “comprar na queda”.

Ao entrar em 2020, os investidores se depararam com o desafio de equilibrar tecnicidades de curto prazo do mercado com fundamentos mais fracos e ao fazer isso, com os bônus soberanos fornecendo pouca proteção, dado os níveis baixíssimos - e em alguns casos, negativos - dos rendimentos nos países avançados.

O surto de coronavírus amplia duas vulnerabilidades: o crescimento global estruturalmente fraco e a menor eficácia dos bancos centrais. Está ficando mais difícil para os mercados tratar essas fragilidades como algo além do horizonte imediato, especialmente com a série de outras incertezas que não ficam muito atrás, como a recorrência das tensões comerciais, a crescente percepção do impacto das mudanças climáticas, choques tecnológicos, polarização política e mudanças demográficas.

Cristian Klein - Bolsonaristas e Bolsonaro na contramão

- Valor Econômico

Tom pessimista do presidente sobre criação do Aliança indicaria desinteresse em participar da corrida municipal

O efeito da eleição municipal sobre a corrida presidencial, dois anos depois, é algo que não encontra comprovação conclusiva na literatura política, embora a sabedoria convencional sempre tenha tratado uma como preparação de terreno para a outra. A relação de causa e consequência não é tão direta, pelo menos para cargos majoritários, vide a ascensão de Bolsonaro, em 2018, despido de qualquer estrutura prévia de poder local espalhada pelo país. Foi na disputa à Prefeitura do Rio, em 2016, aliás, que a família do presidente da República teve a única derrota eleitoral em 24 disputas, contando o pai, os três filhos e a ex-mulher Rogéria Bolsonaro.

Hoje, a derrota de Flávio Bolsonaro, que ficou em quarto lugar, parece ter sido o prenúncio da ascensão do bolsonarismo, mas foi encarado naquele momento como um resultado sem maior significado político. O próprio Jair Bolsonaro foi contrário à candidatura, pois temia tanto um fiasco quanto uma vitória. Não queria dar explicações sobre um eventual fracasso da gestão do filho durante a campanha à Presidência. A história se repete. Bolsonaro é ele acima de tudo e esse comportamento em 2016 já indica qual será sua participação na corrida municipal deste ano.

A peleja de 2020, porém, traz um elemento complicador. Diferentemente de 2016, há centenas de destinos eleitorais que dependem dos rumos que Bolsonaro irá tomar. Se não mergulhou na campanha de Flávio a prefeito, Bolsonaro dá sinais de que também não o fará agora para os candidatos que buscam sua chancela e, mais urgente, precisam de uma legenda por onde concorrer. Muitos são deputados estaduais e federais já prejudicados pela impulsividade de Bolsonaro que levou ao rompimento de sua turma com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar. Bolsonaro e Flávio, detentores de cargos majoritários, já deram no pé e saíram da sigla. Mas aos parlamentares que querem concorrer a prefeito restam apenas três ou quatro alternativas, quase todas ruins ou improváveis. Eis as principais:

Daniel Rittner - O protecionismo está de volta na Argentina?

-Valor Econômico

Restrições já afetam 52% das vendas do Brasil ao país vizinho

O governo Alberto Fernández deu as primeiras sinalizações de uma abordagem mais protecionista do comércio exterior na Argentina. A política de abertura quase irrestrita do ex-presidente Mauricio Macri cede espaço à tentativa de preservar setores da indústria considerados estratégicos, seja pela quantidade de empregos que geram, seja pelo valor dos insumos importados que usam na produção, com potencial de estrago nas contas externas.

Aos fatos: o número de produtos submetidos ao regime de licenças não automáticas de importação subiu de 847 para 1.126 linhas tarifárias. A mudança saiu no “Boletim Oficial” de 9 de janeiro e parece atingir uma esfera relativamente limitada de bens.

O efeito concreto, no entanto, é bem mais amplo do que sugere esse olhar inicial. A consultoria Ecolatina, uma das mais respeitadas de Buenos Aires, nota que, em valores, o aumento é muito maior. Antes, o mecanismo alcançava US$ 8 bilhões em compras no exterior (contando o fluxo entre janeiro e novembro de 2019). Agora será aplicado sobre importações que somaram US$ 14 bilhões no mesmo período - uma variação de 75%.

Há uma série de detalhes preocupantes. A validade das licenças não automáticas, uma vez concedidas pelo governo, caiu de 180 para 90 dias. Se o frete de um produto demora ou ele fica retido no desembaraço aduaneiro, há chances enormes de perder o prazo e começar todo o procedimento burocrático do zero. Havia 7% de tolerância - em valor e em peso - entre a licença dada e o efetivamente importado. A diferença diminuiu para 5%. Para complicar: pedidos de informação e de documentos, que antes eram por meio eletrônico e tinham dez dias úteis como limite para resposta, deixaram de circular por meio digital e não têm mais prazo.

Eliane Cantanhêde - Em guerra

- O Estado de S.Paulo

O coronavírus é grave e ameaça, mas, por ora, não há motivo para pânico no Brasil

Desde pelo menos o governo do general Ernesto Geisel, no início da transição da ditadura para a democracia, o Brasil tem uma cultura de saúde pública exemplar e quadros de sanitaristas respeitados no mundo todo. Logo, é capaz de reagir à altura numa ameaça global como o coronavírus, que vem da China e se espalha por todos os continentes.

Aliás, a política de saúde pública de Geisel e seu ministro, sanitarista Paulo Almeida Machado, era baseada na interiorização, no olho no olho, nos “médicos de pés descalços” da... China! O regime brasileiro era obviamente de direita, e o chinês, comunista. Mas pesou menos a ideologia e mais a saúde de massas. Assim foram definidas a política e as equipes que influenciam gerações até hoje.

Na época, o Ministério da Saúde era voltado especificamente para a saúde pública: atenção às famílias, aos bebês, crianças e idosos, planos de vacinação em massa – prevenção, enfim. Hospitais eram outro departamento. Daí, talvez, o gap atual entre as duas frentes.
Graças a essa história, e posteriormente ao ministro José Serra, no governo FHC, o Brasil, país continental e tão desigual, virou referência no combate à pior epidemia da era moderna, a aids. Tanto que, já com Lula e George W. Bush, o Brasil e os EUA trocaram informações, acordos e ações na África, onde a aids fez milhões de mortos.

É por isso que, agora, não há motivo para pânico no Brasil. A situação é preocupante, com a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarando emergência internacional e o governo brasileiro replicando com emergência nacional. Mas todas as medidas possíveis estão sendo tomadas: a detecção de casos suspeitos, o monitoramento, as pesquisas. Todo o ambiente da saúde, no ministério, nos órgãos de pesquisa, na área privada, é de alerta e presteza.

Pedro Fernando Nery* - Crentefobia

- O Estado de S.Paulo

Evangélicos ainda parecem muito longe de obter os privilégios da Igreja Católica

Amanpour é uma das mais reconhecidas jornalistas do mundo. Seu programa na americana PBS recebeu no sábado Petra Costa, nossa documentarista buscando o Oscar para 'Democracia em Vertigem'. Petra relacionou a eleição de Bolsonaro a “enormes ondas de evangélicos que são contra os direitos dos gays, feminismo e pessoas de cor”. A apenas 3 dias das eleições Bolsonaro passou a crescer “exponencialmente”. É que fake news sobre rituais satânicos e bebê-diabo envolvendo a vice de Haddad teriam feito muitos mudar o voto no último minuto: “Ninguém sabia que havia uma onda”.

Para Petra, os evangélicos parecem ser uma massa de zumbis preconceituosos e manipuláveis. Como esses idiotas podem votar, estão ameaçando a democracia.

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Uma menina estuprada por anos decidiu se matar. Subiu em uma árvore para ingerir veneno, mas uma experiência religiosa (ou “um amigo imaginário” segundo ela) a faz desistir e sobreviver. O relato novamente é ridicularizado, agora em uma marchinha de carnaval, festejada por feministas como Zélia Duncan. Mexeu com uma, mexeu com todas. Mexeu com Damares, vamos mexer também. Ainda nos últimos dias, o advogado Kakay atacou com grosserias a ministra por suas ideias, aproveitando para ofender seus pais.

O machismo do bem é liberado, porque a ministra tem um defeito insanável: Damares é crente.

*
Fora da bolha das nossas elites intelectuais, Damares é a ministra mais popular do governo depois de Moro. Pesquisas sérias se dedicam a entender o grupo que ela representa, as tais “enormes ondas de evangélicos”.

Ana Carla Abrão* - Primeiro dia do resto das nossas vidas

- O Estado de S.Paulo

Após os longos dias de recesso, o que se espera é a retomada das reformas

O ano legislativo começou ontem (mas de fato hoje). Após os longos dias de recesso, o que se espera é a retomada da agenda de reformas, numa ansiedade que se divide entre o ritmo e a ordem de prioridade que será dada às reformas que já estão no Congresso Nacional e às outras que o governo promete apresentar nos próximos dias.

As três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que chegaram ao Senado Federal no final do ano passado precisam ser apreciadas e urgentemente discutidas e votadas. Uma delas até atende pelo nome de “emergencial”, tamanha a necessidade que se tem de que seus dispositivos sejam discutidos e aprovados rapidamente. Afinal, será essa PEC a responsável por definir um outro padrão fiscal, exigindo mais responsabilidade e zelo com os gastos públicos no âmbito do governo federal, mas principalmente por Estados e municípios em casos de emergência fiscal – situação em que se encontra boa parte dos entes subnacionais brasileiros.

No mesmo pacote estão a PEC dos Fundos e a PEC do Pacto Federativo. A primeira traz alguma flexibilidade (e racionalidade) ao já conhecido excesso de vinculações dos recursos públicos. São tantos fundos com tantos recursos carimbados, que ao final sobra dinheiro em alguns potes enquanto falta em outros. Como resultado, tem-se um descolamento entre as necessidades da população e a disponibilidade de recursos que gera, ao final, um grande desperdício de recursos em detrimento do atendimento de necessidades básicas lá na ponta, onde as demandas da população estão.

Paulo Hartung* - No fomento de novas lideranças, a chance do Brasil

- O Estado de S.Paulo

País não merece ser refém de uma arcaica vida política com visões estreitas de mundo

Na arena política, o País experimenta uma carência que descora a democracia e empalidece o horizonte nacional. Há muito o Brasil não vem sendo capaz de renovar substancialmente o conjunto de suas lideranças. Na superação dessa comprometedora falha republicana se encontra exatamente uma das melhores chances de promovermos um outro tempo para a Nação, distante dos erros do passado, antenado nas questões do presente e conectado às oportunidades do futuro.

Há décadas o País atravessa um deserto quanto ao surgimento de líderes que inspirem, pautem e ensejem o novo, a inovação e a vanguarda em termos socioeconômicos e político-culturais. Uma demanda que, se não bastasse o acúmulo gigantesco de dívidas históricas quanto à prosperidade compartilhada, é radicalmente potencializada pelo terremoto político, tecnológico e comportamental que redesenha o planeta sem forma nem esboço.

O Brasil preparou muita gente de todas as posições políticas no entorno de 1964. Depois veio o vácuo instaurado pela ditadura militar. Com a redemocratização o País voltou a formar lideranças em todos os campos do pensamento político – é daí que venho, meu treinamento foi na luta pela volta das liberdades. Nesse meio tempo se instalou um vazio quanto ao surgimento de líderes políticos.

As motivações desse hiato podem ser inúmeras, desde o tsunami sociotécnico e cultural que varre o planeta, passando pela ocorrência de tormentosos escândalos de corrupção mundo afora, até o ataque ideológico à política democrático-republicana como via de se projetar e constituir a dignidade humana sob os paradigmas da liberdade, igualdade, fraternidade, diversidade e sustentabilidade.

O que a mídia pensa – Editoriais

Operação contra milícias acerta ao investigar agentes da própria polícia – Editorial | O Globo

Grupos paramilitares costumam ter ramificações no Executivo, no Legislativo e nas forças de segurança

Na quinta-feira da semana passada, uma operação do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio, prendeu, com apoio da Polícia Civil, 33 pessoas acusadas de integrar milícias que controlam as comunidades de Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste. A relevância se explica menos pelo número de encarcerados — que não é desprezível — e mais pelo prejuízo a esses grupos paramilitares, presentes em praticamente todas as regiões do estado.

Chamada de Intocáveis 2, por ser um desdobramento da de janeiro do ano passado, que pôs na cadeia quase cem pessoas, a ação tem o mérito de seguir o rastro do dinheiro para prender chefões do crime organizado, minando o poderio financeiro das quadrilhas, que financia a sua expansão.

É verdade que as duas operações ainda não conseguiram prender o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos chefes da organização criminosa que atua em Rio das Pedras e na Muzema — ele está sendo procurado também pela polícia da Bahia, para onde teria fugido. Mas foram bem-sucedidas em desarticular os esquemas que dificultam a investigação das quadrilhas e garantem sua sobrevivência.

Poesia | Fernando Pessoa - O Esplendor

E o esplendor dos mapas,
caminho abstrato para a imaginação concreta,
Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha.
O que de sonho jaz nas encadernações vetustas,
Nas assinaturas complicadas (ou tão simples e esguias)
dos velhos livros. (Tinta remota e desbotada aqui presente para além da morte)
O que de negado à nossa vida quotidiana vem nas ilustrações,
O que certas gravuras de anúncios sem querer anunciam.
Tudo quanto sugere, ou exprime o que não exprime,
Tudo o que diz o que não diz,
E a alma sonha, diferente e distraída.
Ó enigma visível do tempo, o nada vivo em que estamos!