quinta-feira, 26 de março de 2020

Merval Pereira - Um presidente sozinho

- O Globo

Um movimento de desobediência civil está instalado no país desde o primeiro panelaço, que foi se espalhando por estados e regiões

O presidente Bolsonaro, por escolha própria, está completamente isolado. Não tem partido, não tem o apoio dos governadores, não tem diálogo dentro do Congresso. Já não governa mais. Um movimento de desobediência civil está instalado no país desde o primeiro panelaço, que foi se espalhando por estados e regiões à medida que ele se demonstrava inapto para exercer a presidência da República, especialmente num momento de grave crise de saúde pública como o que estamos vivendo. Os governadores, em maior ou menor grau, já anunciaram que não seguirão as orientações do governo se colidirem com as normas da Organização Mundial da Saúde. A população, mostram as pesquisas, apoia essa prudência.

Como é espontâneo por sua natureza tosca, Bolsonaro revelou em entrevistas o que lhe aflige, o efeito da crise econômica que certamente virá recair sobre o seu governo. Não se mostra capaz de enxergar além do horizonte puramente eleitoral, e isso demonstrou ontem na reunião de governadores do sudeste, ao levar a discussão para o campo politico-eleitoral, descompensado com as críticas que acabara de receber de maneira dura, mas respeitosa, do governador de São Paulo João Doria.

Que Doria é candidato a presidente da República em 2022, ninguém desconhece. Mas, no momento, ele está se comportando como um líder diante da crise da Covid-19 que se abate principalmente sobre o Estado que governa. Bolsonaro, mesmo que vislumbre por trás dessa postura de Doria uma máscara que procura esconder sua intenção eleitoral de se contrapor a ele, mostrou-se um desastrado ao escancarar sua irritação diante de um adversário que sabe jogar o jogo político, expondo suas deficiências.

A preocupação de Bolsonaro tem razão de ser, pois com seu comportamento irresponsável diante da crise, está se abrindo um amplo caminho para o tal candidato de centro que se apresente como alternativa aos radicalismos de esquerda e direita.

Ascânio Seleme - Um egoísta isolado

- O Globo

A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua

Jair Bolsonaro é um homem só. Abandonado por aliados de primeira hora, esquecido pelos que se aproximaram por oportunidade, diminuído pelo Congresso, afastado por governadores e cada vez mais execrado pela maioria dos brasileiros. Com mais de 60 anos, ele deveria estar isolado socialmente para não se contaminar com o coronavírus. Mas o presidente conseguiu construir para si próprio uma ilha política que antes só foi vista durante os meses que antecederam o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Nem Dilma, nos seus piores dias, esteve tão solitária quanto Bolsonaro hoje.

A responsabilidade por essa solidão é inteiramente sua. Bolsonaro não pode culpar o Supremo, o Congresso ou a imprensa, embora tente sempre. Foi ele que se colocou nessa situação. Sua descida para o fundo do poço foi acontecendo aos poucos, mas desde o começo deu para perceber que era uma descida inexorável. Agora, no auge da maior crise sanitária dos últimos cem anos, estamos encrencados com um presidente isolado, agitado, que produz barulho e se afasta cada vez mais da lucidez.

O pronunciamento absurdo da terça-feira, a entrevista tresloucada na porta do Alvorada e a gritaria ofensiva na reunião com os governadores de ontem mostram um homem desequilibrado, que já não consegue raciocinar livre dos preconceitos que constroem o seu caráter. Bolsonaro é um egoísta. Ele claramente não está interessado na saúde dos brasileiros. Seu negócio é confundir as pessoas, tentando colocar no colo de outros os problemas econômicos e políticos que vão resultar da pandemia que assalta também o Brasil.

Bernardo Mello Franco - Bloco do Ele Sozinho

- O Globo

Diante da epidemia, o presidente optou pelo isolamento. Esperar sensatez de Bolsonaro é perda de tempo, mas ele parece ter batido seu próprio recorde de irresponsabilidade

O presidente foi para escanteio. No momento mais crítico de seu mandato, Jair Bolsonaro fez uma opção pelo isolamento. Deu as costas à ciência, à medicina, à classe política e aos eleitores assombrados com o coronavírus.

No pronunciamento tresloucado de terça, o capitão fez um libelo contra a razão. Na contramão do mundo, atacou a política de quarentena e incentivou os brasileiros a voltarem às ruas, expondo-se ao risco de contágio.

Esperar sensatez de Bolsonaro é perda de tempo, mas ele parece ter batido seu próprio recorde de irresponsabilidade. O Conselho Nacional de Saúde classificou o discurso como “criminoso”. “Sua fala prejudica todo o esforço nacional para que o SUS não entre em colapso”, resumiu.

O presidente foi à TV com um objetivo claro. Diante de uma crise anunciada, ele tentou empurrar a culpa da recessão para os governadores. A manobra parece ter fracassado. Bolsonaro não convenceu o povo, que continuou em casa, e produziu uma união de quase todos os estados contra o Planalto.

As declarações de Ronaldo Caiado ajudam a ilustrar o desastre da ofensiva. Símbolo da direita ruralista, o governador de Goiás desfilava como o aliado número um do presidente. Ontem ele usou uma frase de Barack Obama para detonar o capitão. “Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude”, sentenciou.

Luiz Fernando Veríssimo – Panelaços

- O Globo

Fala do presidente foi inacreditável

A inacreditável fala do presidente na terça-feira acabou com a profissão de intérprete de panelaços, criada na era Bolsonaro & Filhos. Um intérprete de panelaços era quem distinguia um panelaço de outro, já que os panelaços tanto podiam ser a favor ou contra o governo, e um panelaço no Leblon não era igual a um panelaço em outro lugar.

Até pouco tempo era fácil interpretar panelaços, ouvidos sempre em zonas de alto poder aquisitivo ou alta classe média. Não havia dúvida sobre quem estava nas janelas e nas sacadas dos edifícios, batendo em frigideiras, travessas e surdos improvisados, em apoio ao governo que tinha ajudado a eleger com seu barulho. Hoje os panelaços são feitos nos mesmos edifícios, supõe-se que pelas mesmas pessoas, mas acompanhados de gritos de “Fora Bolsonaro!”, o que só prova como são volúveis nossas elites, como é difícil fazer sociologia a curto prazo no Brasil e, principalmente, a falta que faz um bom intérprete de panelas para nos orientar.

Míriam Leitão - Política de governadores

- O Globo

Esta crise é a maior e a mais complexa que o país enfrenta em muitas décadas e tem no comando o mais insensato dos presidentes da República

O presidente Jair Bolsonaro criou uma crise federativa no meio de um pandemia e de um colapso econômico. Como se fossem poucos os males que nos assolam. Era previsível. Desde o começo do governo, Bolsonaro tem mantido distanciamento dos governadores, criou conflitos com alguns deles, discriminou grupos regionais, e principalmente jamais manteve diálogo. “É de se contar nos dedos da mão as audiências que concedeu aos administradores dos estados”, diz Renato Casagrande, do Espírito Santo. Os governadores, em compensação, criaram consórcios regionais, escolheram porta-vozes, formaram grupos de Whatsapp e têm mantido intensas conversas.

Esta crise é a maior e a mais complexa que o país enfrenta em muitas décadas e tem no comando o mais insensato dos presidentes. O conflito de ontem entre Bolsonaro e os governadores do Sudeste era previsível. Ao longo dos 15 meses em que governa o Brasil, Bolsonaro nunca quis liderar a federação. Vê as decisões dos estados como se fossem usurpação dos seus poderes. Tratou o Nordeste com preconceito porque teve menos percentual de votos por lá. “Daqueles governadores de Paraíba”, ele disse no meio de uma crítica a Flávio Dino, do Maranhão. Recentemente, fez uma escalada de ataques a Rui Costa, da Bahia. Tirou os governadores da Amazônia do Conselho do Fundo da Amazônia. E o presidente entrou em disputas de egos com outros governadores do Sudeste.

Era de se esperar que Bolsonaro provocasse uma grande crise ontem. Seu desastroso pronunciamento da véspera foi recebido com repulsa entre a população, que a demonstrou em panelaços. Ele colocou a vida dos brasileiros em risco ao estimular o relaxamento do que está apenas começando, o período de distanciamento social. Seu método sempre foi criar uma polêmica para desviar a atenção de um erro que cometeu. Só que, desta vez, os dois fios desencapados se misturaram. A crise explodiu por causa da sua fala, deliberadamente marcada para a véspera da reunião com os governadores do Sudeste. E ao ser contestado ele dobrou a aposta, repetindo a sua tese baseada em nenhuma evidência científica e no seu tosco conhecimento da economia.

Todos os bons economistas do país estão dizendo a mesma coisa. Primeiro proteger a vida humana. E elevar o gasto público para financiar a saúde, para socorrer as outras unidades da federação, para criar uma rede de proteção social eficiente e ampla, e para sustentar as empresas. O presidente que trata a sua ignorância dos assuntos econômicos como se fosse um biombo para fugir de perguntas, estava ontem falando que era preciso relaxar a quarentena que mal começou para salvar a economia.

Carlos Alberto Sardenberg - Errado está o presidente

- O Globo

Relaxar a quarentena nem reduz gasto público, nem evita a recessão. E mata mais brasileiros

O pacote americano de apoio à economia chega a cerca de 10% do PIB. Se o governo brasileiro aplicasse um programa proporcional, teria de gastar R$ 730 bilhões. Não vai dar. Mas muito pode ser feito.

A crise apanhou o Brasil em pleno processo de recuperação do equilíbrio das contas públicas — o ajuste fiscal. O objetivo, desde a queda de Dilma, tem sido o de reduzir a despesa com a sequência de reformas iniciada com a Lei do Teto de Gastos e depois com a reforma da Previdência.

Mas ninguém lida com uma calamidade — uma pandemia, uma guerra — fazendo corte de gastos. É justamente o contrário. Trata-se de aumentar a despesa pública duas vezes, uma para cuidar da calamidade, outra para amenizar os efeitos econômicos da crise e as providências para contê-la.

A rigor, nunca houve dúvidas entre economistas e políticos sérios a respeito disso. Os Estados Unidos gastaram uma fortuna para derrotar a Alemanha e o Japão e, depois, outra fortuna para levantar a Europa devastada. Ninguém pensou em poupar dinheiro.

A pandemia do coronavírus é uma calamidade jamais vista. Logo, todos os governos sérios estão gastando dinheiro com dois objetivos: primeiro, conter a doença, com o isolamento social, e tratar dos doentes e, segundo, apoiar pessoas e empresas afetadas pela parada na economia. A diferença está na rapidez e na eficiência com que os diversos governos estão fazendo isso.

Luiz Carlos Azedo - O soldado mais lento

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social da Saúde, o ministro Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro”

Reza a cartilha da infantaria que o ritmo da coluna depende do soldado mais lento, o comandante apenas orienta o rumo da marcha, pois, se acelerar demais, a tropa se dispersa pelo caminho. Formado numa unidade de elite — a Brigada de Paraquedista —, o presidente Jair Bolsonaro conhece os manuais, mas foi treinado para lutar na retaguarda do inimigo, sem front de batalha definido, improvisando muito para chegar aos objetivos. É mais ou menos o que está fazendo na crise do coronavírus, depois de se dar conta de que estava sendo o soldado mais lento, em vez de comandar a coluna.

O bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria, que está no epicentro da epidemia, ontem, desnudou as preocupações de Bolsonaro no surpreendente pronunciamento de terça-feira à noite, no qual atacou governadores, prefeitos e a imprensa e criticou a política de distanciamento social: as eleições de 2022. O presidente da República viu na atuação de Doria uma ameaça ao seu projeto de reeleição, porque se deu conta de que a recessão é inevitável, não somente por causa da política de isolamento social: o Brasil já vinha num voo de galinha, frustrando as expectativas geradas pela sua própria eleição, em 2018.

Bolsonaro resolveu mirar a retaguarda dos governadores e prefeitos: os 40 milhões de pessoas ameaçadas de ficarem desempregadas, falidas ou sem nenhuma outra atividade, em razão da crise. A recessão, que está vindo a galope, chegaria de qualquer maneira, porque estamos diante do que pode ser a maior crise da economia mundial desde a Grande Depressão. Se não descobrirem logo uma remédio eficaz para os contaminados e uma vacina que imunize os demais, será inevitável, a não ser que haja uma ação coordenada dos governos das principais economias para mitigar os efeitos da retração global.

Seu discurso teve muita repercussão nas redes sociais e atingiu plenamente o alvo: jogou a culpa da recessão futura nos governadores e prefeitos. Bolsonaro lida com a morte como uma contingência inevitável. Prefere um ciclo breve de epidemia, com uma taxa de letalidade em torno de 3% a 5%, do que uma recessão dessa mesma ordem. Bolsonaro não é médico, que também lida racionalmente com a morte, mas com uma visão humanista, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um aliado de primeira hora, que, ontem, rompeu com o presidente da República e questionou a autoridade de Bolsonaro para tomar decisões de ordem sanitária.

Entretanto, Bolsonaro faz política pelas redes sociais, que reagiram sob seu comando. Os partidários do presidente ganharam uma nova narrativa, saíram da defensiva e partiram para cima dos governadores e prefeitos, melhorando muito o nível de aprovação de Bolsonaro, que havia despencado nesse ambiente das redes sociais. A aposta no confronto aberto, porém, politizou a epidemia e manteve o clima de polarização eleitoral na sociedade, ainda que de forma completamente extemporânea.

Roberto Dias - Epidemia de poderes

- Folha de S. Paulo

Federação brasileira passa por um imenso teste de estresse

Um boneco sem cabeça, puxado por pernas e braços por várias crianças para diferentes lados. Eis o Brasil do coronavírus. Nossa federação, que já nasceu grande e sobreviveu a poucas e boas, passa por um imenso teste de estresse.

Na origem do problema, um presidente isolado, que leva à TV muita bile e pouco bom senso. Que esmerilha no cinismo ao dizer que resgatou “nossos irmãos em Wuhan” —aqueles que antes ele não queria buscar porque “custa caro”. Jair Bolsonaro ainda convence alguns, mas são cada vez menos numerosos.

O vazio de liderança acabou ocupado pelos governadores. O coronavírus foi mágico. As 27 unidades da federação, que há décadas não se entendem sobre quase nada, de uma hora para outra começaram a fazer as mesmas coisas.

O ministro Luiz Henrique Mandetta resolveu ser demolidor de obra pronta. Agora acha que as quarentenas foram iniciadas cedo demais. Alinhando-se com fé ao chefe, critica o fechamento de igrejas: “Rezem, só não se aglomerem”.

Bruno Boghossian – Bolsonaro oferece o pânico

- Folha de S. Paulo

Presidente oferece o pânico e não apresenta nenhuma saída para a economia

No fim dos anos 1980, Jair Bolsonaro se lançou candidato a vereador após ser absolvido da acusação de planejar atentados a bomba em quartéis, num julgamento controverso. Mais de três décadas depois, ele decidiu usar outro tipo de terrorismo como estratégia política.

Ao ignorar recomendações de especialistas por medidas de distanciamento contra o coronavírus, o presidente afirmou que o caos reinará se a economia não voltar logo ao normal. Nesta quarta (25), ele disse que o governo não terá como pagar funcionários públicos, supermercados serão saqueados e o país corre risco de uma ruptura democrática.

“Se nós não acordarmos para a realidade, daqui a poucos dias poderá ser tarde demais”, declarou.

Por semanas, o presidente ancorou uma campanha de negação dos riscos do coronavírus, criticando o que chamava de pânico e histeria. Agora, ele agiu rápido para instrumentalizar o desespero a seu favor.

Bolsonaro só consegue enxergar a ruína de um dos lados dessa crise. Ele continua minimizando as chances de contaminação em massa e do colapso de sistemas de saúde. Reconhece apenas a ameaça de desmoronamento econômico, em nome de ganhos políticos individuais.

Mariliz Pereira Jorge – O espertão

- Folha de S. Paulo

Não há nada mais perigoso do que um ignorante que se acha inteligente

Foi-se o tempo em que Jair Bolsonaro dizia não entender de assuntos estratégicos do governo e que teria um ministério formado por especialistas capazes de tomar medidas técnicas. Sabemos, já há algum tempo, que era fachada. Depois da posse, o presidente desautorizou seu estafe, inclusive seus superministros Guedes e Moro, em diversas ocasiões, optando por caminhos puramente ideológicos.

A novidade é que ele nem disfarça que segue os conselhos que recebe da ala radical do governo, sem consultar ministros, sempre ao sabor do seu humor. E isso ficou evidente em seu pronunciamento aloprado, que contrariou Henrique Mandetta, o titular da Saúde, e tudo o que manda o bom senso no momento. Com exceção de seu núcleo duro de apoiadores, o restante do país acompanhou estupefato o rosário de mentiras, de distorções, de achismos e de irresponsabilidades. O mais assustador é que ele parecia confortável, muito satisfeito com a mensagem que tinha para dar e seguro ao dizer tanta besteira em rede nacional.

Maria Hermínia Tavares* - O que vale nesta hora

- Folha de S. Paulo

Solidariedade social deve ser o eixo das reformas necessárias

Em menor ou maior grau, a solidariedade é um sentimento próprio da condição humana —sem ela, a espécie não teria sobrevivido. Por isso mesmo, é dela que se deve depender em momentos cruciais como os que hoje vivemos nos quatro cantos do mundo desde a eclosão da pandemia do coronavírus.

Com um porém: nas sociedades contemporâneas, o que faz diferença é menos o altruísmo individual, conquanto necessário, do que a solidariedade coletiva expressa nos sistemas de proteção social e nos princípios de justiça de que resultam.

Trata-se da solidariedade institucionalizada, de um lado, entre as gerações; de outro, entre os que têm muito e os que nada têm. Previdência social, atenção à saúde, seguro-desemprego, formas diversas de garantia de renda mínima são o fundamento de um dos pilares daquilo que o filósofo norte-americano John Rawls (1921-2002) denominou de estrutura básica da sociedade.

No mundo desenvolvido, robustos sistemas de proteção social nasceram da avassaladora crise de 1929, da devastação provocada pela 2ª Guerra Mundial e da universalização do direito de voto, no mesmo período. Assim surgiram o New Deal nos Estados Unidos e os diversos modelos europeus de Estado de Bem-Estar. Frutos da inédita convergência de liberais, conservadores e social-democratas, tornaram-se a marca distintiva destes últimos. Também no Brasil, o colapso de 1929 e a Revolução de 30 impulsionaram a criação de um sistema embrionário de proteção social, que ganhou musculatura sob a Constituição de 1988.

Fernando Schüler* - Como em um filme de Pasolini

- Folha de S. Paulo

É falsa dicotomia imaginar contradição entre 'salvar vidas' e 'proteger a economia'

Bolsonaro dobra a aposta. Não se sabe exatamente baseado em que tipo de evidências, o presidente joga sua autoridade e o que lhe resta de credibilidade na tese de que a pandemia será passageira, no Brasil, e terá menos letalidade do que o quase-consenso da comunidade médica vem apontando.

O recente relatório apresentado pelo Imperial College, em Londres, aponta que, em um quadro em que nada de substancial for feito, a pandemia pode gerar mais de dois milhões de mortes nos Estados Unidos e pouco mais de meio milhão na Inglaterra.

O relatório fez com que o governo britânico adotasse decisões mais duras e incentivou a escalada de medidas de isolamento, no plano global. A Índia, com seus 1,3 bilhão de habitantes, entrou em lockdown nacional por 21 dias, tendo registrado apenas um quarto do número de mortes já identificadas no Brasil, em função da Covid-19.

Há uma tendência global nesta direção. O The New York Times, em editorial, fez um apelo ao presidente Trump para que lidere uma reclusão americana por duas semanas, de forma a interromper a espiral de contágio e permitir medidas mais focalizadas, daí para diante.

O mundo pode estar errado e Bolsonaro pode estar certo. Há uma vaga aposta na transmissão mais lenta, em climas quentes, e na ideia de que gente jovem e saudável dificilmente terá problemas, caso for contaminada.

Isto é obviamente equivocado. Bolsonaro não tem base técnica para fazer este tipo de afirmação e não deveria fazê-lo. Alguém pode chegar à Presidência da República seguindo sua intuição, andando na contramão e agindo de modo errático. Mas nada disso funciona para combater uma pandemia desta gravidade.

Vinicius Torres Freire - A melhor ideia econômica na epidemia

- Folha de S. Paulo

Plano seria fazer empréstimos a empresas, com dinheiro público, juro quase zero e a perder de vista

Muitas empresas vão faturar pouco ou nada na paralisia causada pela guerra contra o coronavírus. Seja por determinação de governos ou por medo das pessoas de sair às ruas ou gastar, o consumo vai cair. Sem um colchão, essas empresas vão cair e quebrar, óbvio.

Um paliativo é emprestar-lhes dinheiro para que atravessem o deserto da crise catastrófica. Mas bancos não vão dar crédito à multidão de empresas sob risco de quebrar, menos ainda para pequenas. Mesmo que o empréstimo caísse do céu, como empresas frágeis pagariam a conta, multiplicada por juros bancários escorchantes, em uma economia deprimida?

É impossível. Qual a alternativa?

Economistas sortidos sugerem que os fundos venham do Estado, que também assumiria eventuais calotes. É uma ideia apresentada pelos economistas Arminio Fraga, Vinicius Carrasco e José Alexandre Scheinkman, em artigo nesta Folha, e por Nelson Barbosa, em sua coluna neste jornal, por exemplo. Economistas do governo estudam medida assim. Precisam se mexer. LOGO.

No plano de Barbosa, bancos que assim o desejarem podem participar desse programa de empréstimos, em princípio para pequenas e medias empresas. Por que o fariam? Porque o Banco Central obrigatoriamente compraria essas dívidas, tornando-se o credor de fato. Os bancos seriam apenas operadores do negócio, tarefa pela qual seriam remunerados.

Maria Cristina Fernandes - A carta da renúncia

- Valor Econômico

A costura de uma renúncia, como saída, passa pela anistia aos filhos

A tese do afastamento do presidente viralizou nas instituições. O combate à pandemia já havia unido o país, do plenário virtual do Congresso Nacional ao toque de recolher das favelas. Com o pronunciamento em rede nacional, o presidente conseguiu convencer os recalcitrantes de que hoje é um empecilho para a batalha pela saúde da nação. Se contorná-lo já não basta, ainda não se sabe como será possível tirá-lo do caminho e, mais ainda, que rumo dar ao poder em tempos de pandemia. A seguir a cartilha do presidiário Eduardo Cunha, seu afastamento apenas se dará quando se encontrar esta solução. E esta não se resume a Hamilton Mourão.

Ao desafiar a unanimidade nacional, no uniforme de vítima de poderes que não lhe deixam agir para salvar a economia, Bolsonaro já sabia que não teria o endosso das Forças Armadas para uma aventura que extrapole a Constituição. Era o que precisaria fazer para flexibilizar as regras de confinamento adotadas nos Estados. Duas horas antes do pronunciamento presidencial, o Exército colocou em suas redes sociais o vídeo do comandante Edson Leal Pujol mostrando que a farda hoje está a serviço da mobilização nacional contra o coronavírus.

Pujol falou como comandante de uma corporação que tem a massa de seus recrutas originários das comunidades mais pobres do país, hoje o foco de disseminação mais preocupante para as autoridades sanitárias. Disse que agirá sob a coordenação do Ministério da Defesa. Em nenhum momento pronunciou o presidente. Moveu-se pela percepção de que uma tropa aquartelada hoje é mais segura que uma tropa solta. Na mão inversa do trem desgovernado do discurso presidencial daquela noite.

Quando já estava claro que descartara o papel de guarda pretoriana, Pujol reforçou a importância do combate ao coronavírus: “Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. Vinte e quatro horas depois, o vídeo ultrapassava 500 mil visualizações, mais do que o dobro do efetivo do Exército.

Ribamar Oliveira - EUA podem emitir moeda. E o Brasil?

- Valor Econômico

Governo brasileiro vai apelar para a venda de reservas cambiais?

Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade, já dizia, em 1917, o senador americano Hiram Johnson (alguns atribuem a frase ao grande dramaturgo grego Ésquilo).

Parodiando o senador, em uma recessão, a primeira vítima são os impostos. Quando os empresários começam a encontrar dificuldades em seus negócios, com retração acentuada das vendas, a primeira coisa que fazem é deixar de cumprir suas obrigações tributárias. Este é o principal problema que os governos estaduais, municipais e federal vão enfrentar nos próximos meses, pois, com a queda da receita tributária, terão muito menos recursos para realizar as ações de combate à pandemia do novo coronavírus.

Terão que contar com a ajuda financeira da União. E de grande monta. Mas e o governo federal, onde encontrará recursos?

O que está no horizonte é uma retração brutal da atividade econômica no Brasil e no mundo, provocada, principalmente, pela quarentena a que está sendo submetida grande parte da população. Setores industriais importantes estão parando. E, para completar, o comércio está fechado. Como observou uma importante fonte do governo, “quando o setor de serviços para, acabou”. A expectativa, portanto, é de forte queda da arrecadação federal, estadual e municipal. Em que proporção isso vai acontecer, ainda é uma incógnita.

A receita tributária registrada em março não será um bom indicador, porque os pagamentos de tributos têm certa defasagem. A maior parte dos tributos é paga no mês seguinte ao da competência.

Ricardo Noblat - Mourão começa a dar as cartas

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro em seu labirinto
Que líder político de peso saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro depois do que ele disse e fez nas últimas 48 horas? Que economista capaz de ser ouvido com atenção pelo país? Que médico de referência? Que religioso reconhecidamente digno de sua condição? Ninguém saiu. Só os estúpidos de sempre. E a massa cada vez menor dos enganados por ingenuidade ou oportunismo.

O vazio das ruas país afora foi a manifestação mais contundente da divergência entre os brasileiros e o seu presidente. Ninguém achou prudente suspender o confinamento só porque Bolsonaro considerou-o desnecessário, um exagero, que prejudicará a economia. E porque outra vez chamou os governadores que baixaram a medida de “destruidores de empregos”.

Todos os governadores adotaram a medida. Nenhum ficou de fora. Os chefes de Estado de quase 60 países adotaram a medida. O modelo de quarentena varia de acordo com a gravidade da situação em cada um deles. Com o início da quarentena na Índia, há ao menos 2,8 bilhões de pessoas vivendo sob algum tipo de restrição. Isso significa um de cada três habitantes do planeta.

Em três meses, o coronavírus infectou mais de 420 mil pessoas e matou pouco mais de 20 mil. No Brasil, até ontem, havia 2.555 casos confirmados e 59 mortos. A pandemia só começará a perder sua força quando mais de 50% da população mundial tiver sido contaminada. Levará muito tempo. De resto, o vírus se espalhará em ondas. Essa é apenas a primeira onda.

Confinamento serve para impedir que o vírus se dissemine veloz, o que provocaria em todos os países alcançados por ele o colapso relâmpago do sistema médico de atendimento a vítimas. Colapso haverá como se vê na Espanha, com 3.434 mortos, e na Itália com 7.503. A Espanha ultrapassou a China em número de mortos. A França prorrogou o confinamento por mais três semanas.

William Waack - Sopa para o azar

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro escorregou feio na falsa disputa entre saúde da economia e saúde das pessoas

No Brasil, a ideia de morrer pela coletividade é um conceito distante. A complacência com a morte e a violência é o que expressa melhor um traço da nossa sociedade – basta observar como nós, brasileiros, conseguimos conviver com taxas horrendas de criminalidade há tanto tempo. Enquanto nos orgulhamos e exaltamos a nossa cordialidade, bom humor e alegria de viver.

Com decisiva ajuda do presidente Jair Bolsonaro, mas não só dele, o debate sobre a crise do coronavírus e suas consequências aqui descambou para um ácido maniqueísmo entre saúde das pessoas versus saúde da economia. Debate que, no fundo, mal encobre uma falsa dicotomia. Não dá para separar uma coisa da outra.

No extremo lógico do argumento abraçado por Bolsonaro vamos chegar a uma questão ética que ele provavelmente nem percebe, e que está contida na expressão “darwinismo social”. Simplificando bastante, significa tolerar que os mais frágeis sucumbam, pois assim determinam as “leis” da evolução social – além da noção (pouco difundida na nossa sociedade) do “bem comum”.

Bolsonaro e a defesa que faz da “saúde da economia” (simploriamente, ele deixou-se identificar com um lado na falsa dicotomia) espelham o fato de a sociedade brasileira tolerar a convivência com brutalidade (e desigualdade e miséria), mas, como cálculo político, traduz um perigoso erro de leitura da realidade. Pois, em política, mesmo com nossas notórias hipocrisias, ninguém conseguirá sobreviver associado à noção de que os mais frágeis precisam perecer pelo bem comum da economia.

Zeina Latif - Bom senso

- O Estado de S. Paulo

O momento pede união. O medo de errar e ser julgado não pode paralisar gestores

A polarização da sociedade migrou para quem é a favor ou contra o confinamento social. De um lado, quem se preocupa com as perdas humanas diante do colapso iminente do sistema de saúde; de outro, quem teme a recessão. O presidente, por sua vez, estimula a polarização ao defender que tudo deveria “voltar à normalidade”.

Não há como ser binário. O isolamento é inevitável diante da rápida transmissão da doença. A questão é como fazê-lo de forma racional e cuidadosa. É o chamado confinamento vertical.

O debate é necessário porque parece elevado o risco de um isolamento prolongado, a julgar pelo ritmo de crescimento de infectados, certamente subnotificado.

A definição de regras e critérios precisa partir do governo federal, coordenando os entes da federação.

As recomendações devem se basear em análise de custo-beneficio de cada opção disponível, contando com o trabalho conjunto de profissionais da área de saúde, economistas, prefeitos e subprefeitos, e líderes de diferentes segmentos da sociedade e do setor produtivo.

Fácil falar, difícil implementar.

Celso Ming - Bolsonaro opta pelo confronto e pela ruptura

- O Estado de S.Paulo

O presidente é incapaz de coordenar a guerra contra a pandemia do novo coronavírus

A irresponsabilidade do presidente Bolsonaro manifestada no pronunciamento de terça-feira em rede nacional não está nas teses subjacentes que defende ou ataca, mas no seu comportamento, que desorganiza e divide, e na sua incapacidade de coordenar a guerra contra a pandemia.

O ponto de vista dele, de acabar com o isolamento (lockdown) e de reabrir imediatamente as escolas e o comércio, chegou a ser inicialmente adotado pela Inglaterra. Mas os resultados dessa abordagem foram tão desastrosos que seus dirigentes tiveram de voltar atrás. Também o presidente Trump, dos Estados Unidos, assopra o mesmo trombone. Avisou que tudo deve voltar à normalidade na Páscoa da Ressurreição (dentro de 18 dias), justamente quando, pelas advertências do governador de Nova York, Andrew Cuomo, os serviços de saúde do seu Estado deverão entrar em colapso.

Essa estratégia, de deixar rolar a pandemia e de deixar que os mortos enterrem seus mortos, só poderia dar certo se o Brasil adotasse a política da Coreia do Sul, de aplicar testes em massa para, aí sim, isolar os infectados – e apenas eles – e deixar que a vida siga. Mas não temos essa possibilidade. Só haverá testes para cerca de 9% da população.

Eugênio Bucci* - Por que, em vez da doença, eu prefiro a cura como metáfora

- O Estado de S.Paulo

É hora de doar tudo o que pudermos a quem não tem, é hora de bater panela...

Susan Sontag viu nas doenças do nosso tempo, o câncer e a aids, metáforas poderosas para pensarmos sobre as mentalidades que nos aprisionam e nos fazem cativos de preconceitos e medos irracionais. Acertou no nervo. Seus livros A Doença como Metáfora e Aids e suas Metáforas viraram clássicos instantâneos. Mas agora, diante da pandemia da covid-19, em que a civilização foi inteira para a enfermaria – e em parte para a UTI –, a metáfora que olha para nós com ares de esfinge não está na doença, mas na cura.

Sim, eu bem sei que a cura não existe. Não há vacina. Não dispomos de remédios específicos e comprovados, a despeito da propalada cloroquina presidencial. Por enquanto não há um fármaco que aniquile o coronavírus. Quando muito, a medicina nos socorre combatendo os sintomas e os médicos nos apoiam para ganhar tempo, enquanto o corpo, como diria Voltaire, trata de neutralizar a moléstia.

Não há solução individual para ninguém. Uma pessoa que desenvolva um quadro grave da doença terá de contar com os paliativos hospitalares, de um lado, e, de outro, com o próprio organismo para restabelecer o corpo. É só o que temos. Na dimensão coletiva, porém, podemos recorrer a um arranjo coletivo para enfrentar a enfermidade com eficácia. Individualmente, somos indefesos, mas agindo em conjunto, socialmente, podemo-nos proteger. As esperanças que podemos ter são esperanças coletivas. É por aí que começa a metáfora da cura (da cura que ainda não há, mas já é metafórica).

José Serra* - Contra a covid-19

- O Estado de S.Paulo

Medidas devem ser voltadas não só para a saúde, mas ter impacto positivo na economia

O quadro imposto pela “crise do coronavírus” exige respostas imediatas. Para começar, a coordenação das diferentes iniciativas tomadas no País precisa considerar o que está sendo feito no resto do mundo. Debelar a covid-19 e amenizar os efeitos sobre a renda das famílias é árdua tarefa. Por isso tenho sugerido a adoção de um protocolo socioeconômico para tratar do problema, incluída a criação de um fundo específico para tornar viáveis eventuais aportes realizados por pessoas físicas e jurídicas.

A escalada do número de contaminados levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma pandemia. Torna-se compulsório o acompanhamento sistemático do volume de contagiados com e sem sintomas; hospitalizados graves ou não; e, lamentavelmente, o número de mortos. Até ontem, antes de fecharmos este artigo, o Brasil tinha 2.433 casos confirmados e 57 mortos.

A situação é inédita: restrições à circulação de pessoas, mercadorias e serviços; interrupção das atividades de trabalho e lazer; fechamento da maioria das empresas de comércio e elevação dos gastos públicos. As consequências das restrições impostas demonstram que não é só uma gripe. A pandemia afeta, sobremaneira, a saúde econômica global e não é preciso aqui reiterar os desastrosos resultados na indústria, no comércio e no sistema financeiro mundial. É imperativo, portanto, que Poderes e autoridades brasileiras se unam na busca de alternativas que mitiguem as dificuldades que enfrentamos e que aumentarão muito daqui em diante.

José Pastore - Como achatar a curva do desemprego?

- O Estado de S.Paulo

Para evitar tamanha catástrofe, é imperioso acionar medidas para salvar empresas, empregos e empregados no mais curto prazo - o que exige recursos gigantescos.

Os epidemiologistas estão lutando para achatar a curva dos contagiados pelo coronavírus. Os analistas do trabalho, igualmente, buscam medidas para achatar a curva dos desempregados. Isso para viabilizar o oxigênio para os doentes e a renda para os desempregados.

O confinamento prolongado provocará uma devastação ciclópica na economia brasileira. Os mais atingidos serão os que trabalham por conta própria e como empregados nas pequenas empresas do setor terciário – prestadores de serviços pessoais, profissionais do entretenimento, dos restaurantes, agências de viagens, hotéis, transporte, varejo em geral e também os que vivem do trabalho por conta própria. As pequenas empresas não dispõem de gordura financeira para pagar salários e encargos sociais quando não geram renda. Muitas demitirão antes de quebrar; outras quebrarão antes de demitir.

As medidas convencionais para postergar as demissões (redução de jornada, banco de horas, férias coletivas, layoff, etc.) se exaurem depressa no meio de um tsunami gigantesco como este. Muitas demissões já estão ocorrendo. Como na pandemia, o desemprego vai disparar se as dispensas dobrarem a cada dois dias.

Para evitar tamanha catástrofe, é imperioso acionar medidas para salvar empresas, empregos e empregados no mais curto prazo. Isso exige recursos gigantescos. Rodrigo Maia sugere R$ 500 bilhões para um orçamento de guerra. Armínio Fraga adverte que o dinheiro deve ser direcionado prioritariamente para as pequenas empresas de modo desburocratizado, rápido e quase automático. 

Na crise, Bolsonaro é contra o que seu próprio governo faz – Editorial | Valor Econômico

É desastroso que falte equilíbrio, espírito público e inteligência ao Executivo em um momento como esse

O presidente Jair Bolsonaro coloca milhares de vidas em risco e contra uma pandemia de alto poder destrutivo se colocar em prática os esboços de pensamentos que despejou em cadeia nacional de rádio e TV na noite de anteontem. Com sua ignorância soberba, Bolsonaro pretende desmobilizar as quarentenas espalhadas por todo o país, conduzir todos os brasileiros de volta ao trabalho, isolando do convívio social idosos e pessoas com doenças crônicas. É uma guinada irresponsável de 180 graus na linha de ação do ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que não deve seguir à frente do ministério se Bolsonaro executar suas intenções.

Bolsonaro é anárquico, imprevisível, temperamental e indisciplinado - em resumo, tudo que o Brasil não precisa neste momento de um presidente. Mandetta segue orientações que arregimentam o consenso possível entre os especialistas sobre como enfrentar a pandemia. Bolsonaro, nas poucas vezes em que abriu a boca para comentar o que seu próprio governo estava fazendo contra a covid-19 foi para desdenhá-la, criticar a histeria da imprensa e minimizar “gripinha” - que até ontem matou 57 pessoas no Brasil. Agora, inspirado pelo também imprevidente e falastrão presidente dos EUA, Donald Trump, resolveu que todo o esforço construído para tentar evitar o caos em um já deficiente sistema de saúde, está errado e precisa ser reorientado.

Diante de uma terrível ameaça, o presidente precisa saber ouvir as melhores opiniões disponíveis, definir rumos, traçar metas, estabelecer prioridades e empenhar-se para alcançar os objetivos. O estilo “deixa que eu chuto” de Bolsonaro é o contrário disso. Desde os primeiros sinais da covid-19, não deu atenção ao problema, nem procurou se informar e aprender sobre o assunto. Com o vírus entre nós, enciumou-se do trabalho de Mandetta, e dias depois, disse para espanto geral da nação que todos estavam errados - inclusive os governadores de São Paulo e Rio, Estados onde estão a maioria dos infectados e onde ocorrem o maior número de mortes.

Isolar-se é a pior escolha de Bolsonaro – Editorial | O Globo

O presidente deve ter objetivos políticos, mas romper com os estados prejudica a população

O presidente Bolsonaro conseguiu expor de forma contundente as características de imprevisibilidade, de radicalismo e de agressividade, em 24 horas, de terça para quarta. E conseguiu dar uma forte dimensão política à mais grave crise de saúde pública no país — se forem considerados os efeitos paralisantes da epidemia do coronavírus na sociedade, com graves reflexos na economia e no campo social. Não são aconselháveis tais comportamentos a qualquer homem público, em nenhum momento. Se for um presidente da República, em um momento de comoção como este, ampliam-se as incertezas.

Parecia que a dimensão da ameaça do vírus, dada pela violência e rapidez com que a doença surgiu na China e se espalhou pelo mundo, tinha induzido Bolsonaro a tomar a decisão acertada de trabalhar com os governadores. Um entendimento básico para que ações fortes que o Executivo precisa executar a fim de evitar o derretimento da economia — logo, dos empregos e dos salários — cheguem à população, com prioridade aos segmentos mais pobres, muitos dos quais não estão incluídos em programas sociais. Sem que seja esquecida, por óbvio, a ajuda ao setor formal da economia, as empresas.

O presidente fizera reuniões por videoconferência com governadores do Norte e Nordeste, e depois com os do Sul e Centro-Oeste, em que foram acrescentados pedidos ao conjunto de medidas anunciadas anteriormente pelo Planalto. Na terça, véspera do encontro com os governadores do Sudeste, entre eles adversários políticos do presidente, João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), Bolsonaro mudou o script e, à noite, em rede nacional, mostrou novamente a face do irascível. Foi contra a palavra de ordem mundial, adotada até pelo seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de que as populações devem cumprir isolamento social para romper a cadeia de transmissão do vírus.

Presidente, retire-se – Editorial | Folha de S. Paulo

Equipes técnicas da Saúde e da área econômica deveriam liderar a gestão da crise

Diante da magnitude dos esforços necessários para mitigar os efeitos devastadores da epidemia do coronavírus sobre a saúde e a economia do Brasil, será preciso encontrar meios de anular, e logo, a capacidade de Jair Bolsonaro de estorvar a mobilização de guerra necessária para atravessar, com os menores danos possíveis, este episódio dramático da vida nacional.

Nesta terça (24), em cadeia de rádio e TV, ele mostrou mais uma vez que não aprende nem se cala.

Não aprende as lições da ciência e dos técnicos em saúde pública de todo o mundo e de seu próprio governo. Não se cala para evitar a propagação das estultices que povoam a sua mente apalermada.

Tudo o que o Brasil não precisa neste momento é de um presidente que estimula a divisão e atrapalha a coordenação de diagnósticos e estratégias municipais, estaduais e federais contra a doença e o empobrecimento num país continental de 210 milhões de habitantes.

O país tampouco pode perder tempo com brigas políticas entre o chefe de Estado e governadores, entre Executivo e o Congresso.

Manter o máximo de pessoas em casa nesta primeira fase, ao mesmo tempo em que se expande a capacidade das emergências hospitalares, será crucial para diminuir as mortes evitáveis.

Investir desde já na ampliação da testagem rápida, da busca ativa de infectados e do estoque de drogas que venham a se mostrar eficazes reduzirá o ônus para a saúde e a economia numa segunda etapa, quando os confinamentos mais duros forem levantados.

A brutalização da verdade – Editorial | O Estado de S. Paulo

A ameaça representada pelos arroubos de Bolsonaro vai muito além da saúde pública. Ele parece desejar o confronto de modo a criar clima para soluções autoritárias

O presidente da República, Jair Bolsonaro, fez um pronunciamento absolutamente irresponsável na noite de terça-feira, em cadeia nacional de rádio e TV. Em vez de usar esse recurso poderoso para anunciar alguma medida importante para conter a epidemia de covid-19, ou mesmo para confortar os brasileiros confinados há dias em suas casas, Bolsonaro, sob o argumento de que é preciso reativar a economia, incitou os cidadãos a romper a quarentena e voltar à “normalidade” – contrariando as recomendações de especialistas de todo o mundo e do próprio Ministério da Saúde. Ao fazê-lo, o presidente passou a ser, ele mesmo, uma ameaça à saúde pública. Por incrível que pareça, os brasileiros, para o bem do País, devem desconsiderar totalmente o que disse o chefe de Estado. A que ponto chegamos.

Mas a ameaça representada pelos arroubos de Bolsonaro vai muito além da questão da saúde pública. O presidente parece desejar ardentemente o confronto – com governadores de Estado, com o Congresso, com a imprensa e até com integrantes de seu próprio governo –, de modo a criar um clima favorável a soluções autoritárias. À sua maneira trôpega, Bolsonaro, ao reiterar ontem as alucinadas declarações que dera na noite anterior, disse: “Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago, se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem. Ninguém sabe o que pode acontecer no Brasil. Sai (da normalidade democrática) porque o caos faz com que a esquerda se aproveite do momento para chegar ao poder. Não é da minha parte, não, fique tranquilo”.

Assim, Bolsonaro usa a epidemia de covid-19, cujas dimensões e letalidade ainda são desconhecidas e que tanta aflição tem causado ao País e ao mundo, para alimentar seu inconfessável projeto de poder – cuja natureza cesarista já deveria ter ficado clara para todos desde o momento em que o admirador confesso de notórios torturadores do regime militar se tornou presidente da República.

Esse projeto se assenta na brutalização da verdade. Para o bolsonarismo, os fatos reais não existem, salvo quando enunciados por Bolsonaro. Assim, se o presidente diz, sem nenhum respaldo na realidade, que a covid-19 é uma “gripezinha” causada por um vírus “que brevemente passará” e que a culpa pelo “pavor” da sociedade é da imprensa, que semeou uma “verdadeira histeria”, então esses passam a ser os “fatos” – em detrimento das inúmeras evidências em contrário. No mesmo dia em que Bolsonaro qualificava a covid-19 de “resfriadinho”, os organizadores da Olimpíada de Tóquio anunciaram o adiamento do evento para o ano que vem – apenas a mais recente das muitas medidas drásticas tomadas mundo afora por dirigentes conscientes de seu papel nessa crise planetária. “É sério. Leve a sério você também”, disse a chanceler alemã, Angela Merkel, em dramático pronunciamento na TV a respeito da necessidade de isolamento social.

Armênio Guedes – 50 anos da Resolução Política do CE da Guanabara do PCB (março de 1970)

Apresentação*

Em 1970, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) vivia um momento de grandes dificuldades políticas. E não era diferente a situação dos comunistas da antiga Guanabara, cujo Comitê Estadual havia sido eleito em 1967, na conferência preparatória do VI Congresso do Partido.

A derrota do movimento de massas em 1968/69 e a promulgação do AI-5, que liquidou os últimos restos de liberdades existentes no país após o golpe de 1964, colocaram as correntes políticas e o movimento operário e popular perante uma situação nova e complexa. As formas de luta e de organização que as forças democráticas deviam adotar a partir de posições necessariamente defensivas, de resistência, impostas por derrotas sucessivas após 64 e principalmente no período que se seguiu ao insucesso político de 68, nem sempre foram assimiladas com a rapidez que a situação do país exigia. Faltaram para isso a todas essas organizações – e entre elas o PCB – lucidez e agilidade políticas.

Muitos – pessoas e organizações –, levados pelo desespero e pela falta de perspectiva, se deixaram arrastar, com base numa análise falsa, para as posições da luta armada e do uso indiscriminado da violência, como formas únicas e exclusivas de ação política no combate para liquidar a ditadura. A um tal comportamento não estiveram alheios militantes e setores do PCB, que posteriormente dele se desligaram. Em 1970, apesar da condenação do VI Congresso ao "foco guerrilheiro" e a outras formas de luta que não apresentavam caráter de massa, ainda tinham influência nas fileiras do PCB muitas das ideias defendidas pelos "foquistas". Parcialmente influenciados por tais ideias, muitos membros do PCB vacilavam em realizar esforços para reconstruir o movimento de massas e, assim, colocar em prática a linha de resistência ao processo de fascistização do país, executado pelo regime mais abertamente após a adoção do AI-5. Essa não era certamente uma tarefa simples nas condições de repressão e terror então existentes; mas era o único caminho possível e viável para a resistência e o gradativo avanço das forças democráticas.

Raimundo Santos* – 50 anos da resolução do PCB da Guanabara (1970)

O leitor tem diante de si um texto expressivo do exemplo brasileiro de um partido revolucionário – o PCB – que se converte em partido da política. Os comunistas do PCB assentaram neste país uma tendência à identificação “sem reservas com o Estado democrático de direito, sem o abandono de objetivos reformistas muito além do status quo”, como propõe Habermas às esquerdas. O PCB caminhou muito nessa direção antes do exílio do Comitê Central de meados dos anos 1970, ocasião em que parte dele intensificaria sua aproximação com essa cultura política de esquerda. Relembremos alguns registros: 1) bem distante, Caio Prado, opondo-se ao queremismo de Vargas, tornou-se conhecido defensor da redemocratização no final do Estado Novo; 2) há textos pecebistas que valorizam o tempo democratizante subseqüente à eleição de JK; 3) as Teses e a resolução do V Congresso de 1960 descrevem cenários de governos reformista-democráticos concretizáveis mediante a política de frente única; 4) em maio de 1965, o PCB aprovou resolução pondo no centro da resistência ao regime militar a defesa das liberdades; e 5) a resolução do Comitê Estadual do PCB da Guanabara, de março de 1970, ora incluída nesta coletânea, é ponto alto nessa evolução.

Esse texto avalia o percurso do regime de 1964, especialmente o novo curso reacionário trazido pelo Ato Institucional n. 5 de 13 de dezembro de 1968. Elaborada para se “ter domínio”, mediante previsão e perspectiva, do terreno sumamente adverso dessa época, a resolução traz uma precisa análise de conjuntura, construída por quem lera os escritos de Marx e Engels sobre a França de 1848 a 1853.[1] O seu redator tanto compreendia bem as observações dos clássicos sobre as formas do Estado Capitalista (republicana, bonapartista) quanto sabia o crucial que era o tema da cena política. Esta última questão sempre desafiou os publicistas revolucionários quando buscavam, na superfície da vida corrente, visualizar a presença do econômico, da determinação “mais estrutural”, dizia-se então, a perpassar maior alcance ao agir imediato e às ações parciais.

Cabe aqui um parêntese para aludir às intervenções de Alberto Passos Guimarães por ocasião do V Congresso de 1960. Este autor extraía do tema da “etapa” um modo especial de conceber a revolução na circunstância brasileira. A distinção das fases revolucionárias – o curto, o médio e o longo termo, este pertencente ao domínio da doutrina – importava numa questão, sustentava Passos Guimarães, decisiva conquanto habilitava o PCB como ator real. Já o publicista de 1970 se impunha este desafio: a partir da caracterização do regime militar enrijecido depois de 1968, divisar, para a conjuntura e o futuro próximo, contornos de movimentos, visíveis e latentes, da(s) cena(s) política(s), indicativos de possibilidades para a ação oposicionista.

Aqui entrava o tema das formas da “dominação estatal de classe” (sic).[2] O publicista presente na resolução de 1970 centralizava sua atenção na “máscara de ferro” (expressão de Werneck Vianna para o Estado Novo) do regime de 1964. Chamá-lo de “fascista” não expressa doutrinarismo, pois não se tomava contorno ortodoxo da conceituação (o fascismo como decorrência o grande capital, imposto à margem da sua história política). Ao contrário, dizia-se na resolução, cifrar as esperanças do fim da ditadura no primarismo (“que vê as esperanças do êxito de uma política revolucionária unicamente no caos e na catástrofe da política econômica das classes dominantes”) só levava à ilusão de uma “derrota fácil” (sic) do regime e ao imobilismo.

Roberto Freire divulga nota oficial em homenagem aos 98 anos do PCB

Portal do Cidadania

O presidente Nacional do Cidadania, Roberto Freire, divulgou nota oficial nesta quarta-feira (25) em homenagem aos 98 anos do Partido Comunista Brasileiro, fundando em 25 de março de 1922.

Leia abaixo:

“Nota Oficial – 98 anos do PCB

Eram poucos os que em 1922 sonharam grande e tinham sede de justiça. Assim o poeta Ferreira Gullar narrou a origem do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, o nosso Partidão. Hoje trocamos o comunismo pela cidadania. Reinventados sim, mas também orgulhosos de nossa jornada e da memória dos nossos camaradas que tombaram na luta contra as ditaduras.

O tempo não para. As mudanças se sucedem. Mas uma essência segue perene. No DNA do Cidadania, permanece sequenciada aquela mesma sede de justiça do PCB de 98 anos atrás. No presente, o maior desafio é olhar para frente e decidir como avançar neste momento grave de pandemia, com a nação à deriva, desgovernada por um presidente desequilibrado e negacionista.

Pois então a realidade faz seu chamado: chegou a hora de sermos muitos. De trabalhar de sol a sol na tarefa de formar uma maioria democrática capaz de liderar os rumos do Brasil. Uma maioria com sensibilidade social para compartilhar os valores mais enraizados do nosso povo, sem abrir mão, porém, do respeito à diversidade e da inteligência econômica mais eficiente.

Formamos no Cidadania uma síntese entre a experiência e a renovação. Estamos prontos, assim, para combater a desigualdade e ampliar as oportunidades no país, agindo sempre solidariamente. Como em 1922, continuamos a sonhar grande.

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania