sexta-feira, 10 de julho de 2020

Merval Pereira - Relações perigosas

- O Globo

Como o ‘gabinete do ódio’ atuou durante os primeiros meses de governo, eventuais crimes estarão ligados ao presidente

Os assessores de Bolsonaro membros do chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, principalmente Tercio Arnaud Tomaz, assessor-especial, são a partir de agora os principais obstáculos para a permanência dele à frente do governo, superando a ameaça que Queiroz representa.

Prevalecia entre os assessores jurídicos do Planalto a tese de que Bolsonaro não corria perigo de impeachment devido às apurações da rachadinha, mesmo que seu nome aparecesse diretamente ligado à prática, porque os fatos aconteceram antes de ele assumir a presidência da República, e o presidente não pode ser julgado pelo que ocorreu antes de seu mandato.

Como, no entanto, o chamado “gabinete do ódio” atuou durante os primeiros meses de governo, os eventuais crimes cometidos estarão diretamente ligados ao próprio presidente. Por outro lado, os processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão relacionados à interferência das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na campanha presidencial e invasões de sites contra Bolsonaro.

A relação de Tercio Arnaud Tomaz com o presidente Bolsonaro vem de pelo menos 2015, muito antes de o projeto presidencial ter tomado corpo. Ele foi, aliás, o criador de memes que viralizaram na internet, na página "Bolsonaro Opressor”, criada em 2015, depois aperfeiçoada para “Opressor 2.0”, que publicava críticas violentas contra adversários do presidente, e Bolsonaro usando aqueles óculos de memes quando dava alguma declaração considerada bombástica, ou respondia a uma acusação de modo peremptório.

Ricardo Noblat - Presidente não se acanha e sai em defesa de criminosos digitais

- Blog do Noblat | Veja

Em nome da liberdade da imprensa dele
O que notícia falsa tem a ver com liberdade de expressão? Nada. Por falsa, a notícia só causa prejuízo às pessoas que as recebem, acreditam nelas e ajudam a disseminá-las. Seus autores escapam impunes porque quase sempre são anônimos.

Favor não confundir notícia falsa, criada com o propósito de enganar e estimular o ódio, com notícia errada. Jornalista, quando erra, é obrigado a admitir o erro e a corrigir-se. Se não o faz, perde credibilidade, seu maior ativo, e pode ser processado.

O presidente Jair Bolsonaro, embora enfermo, fez questão de protagonizar, ontem, mais uma de suas lives no Facebook – logo onde… E saiu em defesa das pessoas que tiveram suas páginas cassadas pelo Facebook por publicaram notícias falsas.

Uma dessas pessoas é seu assessor especial, uma das cabeças do chamado “gabinete do ódio”, que trabalha ao lado de sua sala no terceiro andar do Palácio do Planalto. Depois do seu filho Carlos, é o marqueteiro digital favorito de Bolsonaro.

Em termos mais brandos, Bolsonaro voltou a criticar a imprensa e a desafiá-la a apresentar uma única notícia falsa que ele ou a sua turma divulgou (e o kit-gay, hein?). E no seu papel favorito de vítima da esquerda que quer derrubá-lo, afirmou a certa altura:

– Não podemos perder essa liberdade da imprensa. Isso me elegeu presidente da República.

“Essa liberdade da imprensa”, salvo interpretação errada, seria a liberdade de seus seguidores de o defenderem, mesmo valendo-se de notícias falsas. Por que ele e seus filhos foram contra a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news?

Por que andam tão assustados com o inquérito conduzido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes que investiga a postagem de notícias falsas? Se forem inocentes como dizem ser, por que se portam como aliados de criminosos digitais?

Luiz Carlos Azedo - O exemplo de Rondon

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental”

Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney, ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92. Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de sobrevivência da humanidade.

Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas, negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas, como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a legislação existente no país servir de referência para políticas de sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).

Cláudio Gonçalves Couto* - A agenda negativa da antipolítica

- Valor Econômico

Luta anticorrupção é importante, mas pode iludir

O cientista político Leonardo Avritzer, professor da UFMG, acaba de publicar, pela editora Todavia, um livro eletrônico voltado a discutir a conjuntura política brasileira. Intitula-se “Política e antipolítica: a crise do governo Bolsonaro”. Na página 28 ele define o termo que dá nome à obra: “A antipolítica é a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no país. A antipolítica constitui uma negação de atributos como a negociação ou a coalizão. Ela se estabeleceu no Brasil a partir da suposta luta anticorrupção”.

Sua análise é precisa. O rechaço à corrupção - algo indispensável numa sociedade civilizada - não constitui, por si só, uma agenda política. Ou, ao menos, uma agenda positiva. Por isso mesmo, a antipolítica pode também ser chamada de política negativa.

O grande sociólogo Max Weber usou essa expressão ao tratar de um parlamento que hostilizava governantes sem apresentar proposições exequíveis; ou seja, denominou como política negativa a atuação de quem não assumia a responsabilidade por dirigir o Estado, influenciar no governo. Retomei a ideia há sete anos, num texto publicado no Estadão (“Política negativa”, politica.estadao.com.br/ noticias/geral,politica-negativa- imp-,1555767). Nele, analisei a então candidata Marina Silva e sua negação do presidencialismo de coalizão, da necessidade de negociações e da formação de alianças - o que apelidava de “velha política”.

Marina, porém, foi a versão benévola daquilo que o atual presidente encarna de forma perversa. Já desde antes de 2018 e mesmo após a posse, Bolsonaro nega não só o presidencialismo de coalizão e as negociações partidárias (“Nós não vamos negociar nada! Chega de patifaria!”), mas as próprias instituições do Estado Democrático de Direito, como o Congresso, a corte suprema, a autonomia dos governos subnacionais e a legitimidade da oposição e da imprensa crítica - acusadas de antipatrióticas.

José de Souza Martins* - Autoritarismo oportunista


- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Direitismo e fascismo não são apenas opção eleitoral pela direita, mas também disposição para transgredir normas como as normas sanitárias de resistência à pandemia

Sempre que há no país um “surto” de autoritarismo, como no Estado Novo, na ditadura de 1964 ou no regime bolsonarista, nossa reação tem sido a de buscar para ele explicação em traços, supostamente excepcionais, de personalidade de quem chega ao poder em nome da vocação autoritária. Como se fosse mero defeito de caráter do governante, que impõe ao povo, tido como manso e democrático, sua vontade pessoal.

A personalidade autoritária é um fenômeno social e duradouro porque sobrevive e até se robustece nos períodos democráticos da história social. Os direitos sociais e políticos são tratados pelos oportunistas do autoritarismo como brechas de penetração na organização do Estado para subvertê-la. E revogá-los. Está acontecendo agora.

Historicamente, devemos essa nossa característica à escravidão e aos regimes de trabalho teoricamente livre, mas opressivo, que os sucederam. A opressão escravista criou entre nós estruturas peculiares de personalidade básica, de prontidão autoritária, tanto no mando quanto na sujeição. O que em outros países foi ou tem sido objeto de estudos preventivos de antropólogos, psicólogos e sociólogos. Aqui não.

Martin Wolf - O que as guerras comerciais nos contam

Financial Times | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

“A guerra no comércio exterior é frequentemente apresentada como guerra entre países. Não é: é conflito principalmente entre banqueiros e donos de ativos financeiros, de um lado, e consumidores comuns, do outro - entre os muito ricos e todos os demais.”

A ideia resume bem “Trade Wars Are Class Wars”. Seus autores, Matthew Klein e Michael Pettis, argumentam que os desdobramentos que estão sendo vistos no comércio exterior e nas finanças só podem ser compreendidos no contexto das patologias domésticas das principais economias. O resultado são graves desequilíbrios internacionais, dívidas insustentáveis e crises financeiras monstruosas.

É um enredo que importa a todos. As fundações desse excelente livro estão na teoria do “subconsumo”, proposta em 1902 pelo analista britânico John Hobson e retomada nos anos 1930 no trabalho de John Maynard Keynes. Agora, mais uma vez, volta a ser relevante.

“Por décadas, os custos de captação reais têm ficado abaixo das previsões de crescimento econômico real de longo prazo e permanecem em torno de zero”, destacam. Essa combinação de taxas de juros muito baixas com fraqueza na demanda mundial e baixa inflação é um sintoma cabal de subconsumo ou, no palavreado moderno, de “excesso de poupança”. A explicação dada por Klein, comentarista do semanário “Barron’s”, e Pettis, professor da Universidade de Pequim, é que há um movimento de maior transferência de renda para as pessoas mais ricas, que não gastam o que ganham. Esse é o quadro geral. Mas é o relacionamento entre as economias nacionais que produz esse quadro geral.

O ponto crucial é que não se pode analisar o que vem acontecendo nas economias isoladamente. Além disso, o balanço geral de bens e serviços é explicado por poupança, investimento e fluxos de capital, não pela balança comercial bilateral, como pensa Donald Trump.
Some-se a isso também, como argumentam Klein e Pettis, o fato de que “desequilíbrios financeiros agora determinam desequilíbrios comerciais”. Para ajustar-se aos déficits estruturais resultantes, a oferta doméstica de bens e serviços comercializáveis em países deficitários, como os EUA, precisa ser espremida. Os efeitos cruéis disso sobre a classe trabalhadora industrial estão bem exemplificados em outro importante livro recente, “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” (de Anne Case e Angus Deaton).

Raul Jungmann* - Eleições nos EUA e o Brasil

- capitalpolítico

Joseph Robinette – “Joe” Biden Jr -, foi senador democrata por 36 anos pelo seu estado natal, Delaware, o sexto mais jovem a chegar ao Senado dos Estados Unidos, e um dos que registram menor patrimônio pessoal. Sua área de atuação abrange os temas das Relações Internacionais, Meio Ambiente, Segurança Pública e Justiça. Foi durante anos presidente da poderosa Comissão de Relações Exteriores e também de Justiça.

Nessa última, presidiu sessões de ampla cobertura, como a indicação de Clearence Thomas à Suprema Corte, em 1991 que, confuso com as prolixas perguntas de Biden, acusou-o de lhe atirar “beanballs” – bolas venenosas, na gíria do beisebol. Hoje, Joe Biden está 14 pontos à frente de Donald Trump em pesquisas de opinião e em números de votos para o colégio eleitoral, que é o que conta nos EUA.

Se ganhar, escreve a pergunta sobre os reflexos no Brasil da sua vitória. As três últimas declarações dele sobre o país foram negativas, indicando que tão cedo os democratas esquecerão o apoio do Presidente Jair Bolsonaro a Trump e a suas políticas. Como em Washington é tido como provável que os democratas venham a controlar o Senado, além da Câmara, e que Biden buscará alinhar-se com o Congresso em política externa e comercial, a vida do atual governo brasileiro não será fácil.

Dora Kramer - O velho anormal

- Revista Veja

Como Bolsonaro reagirá se os acenos de paz não surtirem o efeito desejado?

Não é nada dito, escrito ou sacramentado, mas dá para sentir no ambiente um quê de crise de abstinência com a nova fase do presidente da República que completaria um mês dentro alguns dias não fosse a volta dele ao velho normal quando a Covid-19 o pegou: infringiu medidas de prevenção, ofendeu a saúde alheia, fez propaganda enganosa de medicamento e outra vez foi arrogante no afã de se mostrar como um ser humano acima dos comuns.

Ainda assim permanece no ar um aroma de desagrado com a privação daquele combustível tóxico. A coisa é de parte a parte. Os devotos de Jair Bolsonaro se remoem ao pé do altar aos muxoxos, obrigados a desligar o modo gritaria. Os militantes do lado oposto mal disfarçam a torcida pela volta das exorbitâncias do capitão, a fim de recuperar o oxigênio necessário ao funcionamento da dinâmica do revide permanente.

Os demais, creio que a maioria, quedam-se entre aliviados e desconfiados da durabilidade da pele de cordeiro que ganha alguma sobrevida devido ao isolamento forçado por obra do caráter igualitário do vírus. Bolsonaro não estará impedido de aprontar via internet. Terá mais tempo de sobra para isso. Mas pelo menos não ficará zanzando por cercadinhos e cercanias distribuindo gotículas infectadas a quem se dispõe ou é obrigado por dever de ofício a privar da proximidade presidencial.

Um alento. Insuficiente, porém, para uma reabilitação. Seja para recuperar a confiança do público fora do nicho dos 15% de fiéis, seja para reparar os prejuízos causados pelo estilo espalha-brasas. Sendo perigosa e até ingenuamente otimista, digamos que o presidente venha a aderir de forma permanente a uma relativa moderação.

Bernardo Mello Franco - Um amor correspondido

- O Globo

Em cerimônia no Planalto, Jair Bolsonaro abriu o coração para o ministro João Otávio de Noronha. “Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista”, desmanchou-se. O flerte foi correspondido. Fisgado pelo capitão, o presidente do STJ se tornou seu fiel escudeiro no Judiciário.

Noronha não nega fogo. Em fevereiro, ele derrubou decisões de duas instâncias que barravam a posse do chefe da Fundação Palmares. Em maio, repetiu o expediente para livrar Bolsonaro de apresentar exames médicos à imprensa.

Em junho, o jornal “O Estado de S. Paulo” informou que o ministro atendeu aos desejos do presidente em 87,5% dos pedidos ao tribunal. Ele prestou muitos favores, mas nenhum se compara ao de ontem: um habeas corpus salvador para Fabrício Queiroz.

Numa canetada no plantão judiciário, Noronha mandou soltar o faz-tudo da família Bolsonaro. Com isso, removeu a principal ameaça à sobrevivência política do governo. Preso, o ex-PM era pressionado pela família a negociar uma delação. Solto, manterá o silêncio que protege o clã presidencial.

Míriam Leitão - O risco de parar a pesquisa da Covid

- O Globo

A quarta fase da maior pesquisa já feita sobre o coronavírus, a que é coordenada pela Universidade Federal de Pelotas, deveria ter ido para a rua ontem. Mas não foi. O Ministério da Saúde não respondeu sobre a continuidade do financiamento. As informações que os pesquisadores trouxeram até agora são valiosas: a taxa de infecção é seis vezes maior do que o notificado, criança adoece na mesma intensidade que os adultos, o índice entre indígenas é cinco vezes maior do que no resto da população. No Rio Grande do Sul, a pesquisa é financiada pelo setor privado e já garantiu oito fases. O pior problema da ciência no Brasil é o financiamento, que é pouco e inconstante.

No meio da pandemia, a ciência tem respondido de forma rápida e trazido resultados importantes para o país. Chega a ser emblemático o fato de que na manhã seguinte ao Dia da Ciência, comemorado na quarta-feira, uma pesquisa essencial para o país tenha sido interrompida. A coleta de dados foi feita com intervalos de 14 dias. O país e o mundo estão exigindo respostas rápidas e claras da ciência nesta pandemia. O que é este momento? Perguntei para o professor Pedro Hallal, da Universidade de Pelotas, que coordena a pesquisa.

— A pandemia nos colocou desafios que a gente precisava enfrentar. O tempo da ciência não é o tempo que a sociedade precisa dela, e a gente nem sempre se comunica da maneira que chega às pessoas. Temos respondido a esses dois desafios. A gente anuncia os resultados 72 horas depois de terminada a coleta de dados. E temos melhorado nossa comunicação, porque a ciência não podia dialogar apenas com ela mesma — disse Pedro Hallal.

Bruno Boghossian - A elite aperta Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Produtores viram a boiada passar por 18 meses e agora cobram preço alto do governo

Na campanha de 2018, o empresariado deu um cheque em branco a Jair Bolsonaro. Durante um encontro com presidenciáveis daquele ano, um representante do lobby da construção civil reclamou que as leis de preservação da natureza eram "uma parafernália". Sob aplausos, o candidato prometeu "vencer os problemas ambientais" se fosse eleito.

Nenhum patrão pode se dizer surpreso com as ações do governo nessa área. Os produtores sabiam que a devastação prejudicaria a reputação do Brasil e faria mal aos negócios. Ainda assim, eles preferiram apostar num presidente que queria afrouxar restrições e carregava um ministro ultraliberal como amuleto.

Um ano e meio depois, essa parceria passou a ameaçar o caixa das empresas. Em junho, investidores que administram mais de R$ 20 trilhões avisaram que podem retirar seus ativos do país se não houver medidas sérias contra o desmatamento.

Apesar do alerta, auxiliares de Bolsonaro fizeram pouco caso. Em vez de trabalhar contra a destruição, decidiram tratar o problema como uma questão de marketing. Culparam a imprensa e planejaram gastar dinheiro em propaganda no exterior.

Reinaldo Azevedo - Torço para Bolsonaro viver e pagar

- Folha de S. Paulo

Quero que o presidente responda pelos crimes tipificados no Código Penal e na lei do impeachment

André Mendonça, ministro da Justiça, já confundiu crime com liberdade de expressão. Assim, não me surpreende que confunda liberdade de expressão com crime.

Há menos de um mês, passou a mão na cabeça de delinquentes que dispararam fogos de artifício contra o Supremo, simulando um ataque armado. Agora, quer enquadrar Hélio Schwartsman, articulista da Folha, na Lei de Segurança Nacional porque este afirmou em artigo que torce para que Jair Bolsonaro morra em decorrência da Covid-19.

Eu não torço. Quero que responda pelos crimes tipificados no Código Penal, na lei 1.079 e no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional para punir indivíduos, não países, por crimes de guerra, de genocídio, de agressão e contra a humanidade.

No dia seguinte ao ataque ao STF, o ministro divulgou uma nota simpática aos agressores: “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.” Chamava “povo” aos lunáticos golpistas e reconhecia a soberania da súcia sobre a Constituição. Eram dias anteriores à prisão de Fabrício Queiroz, marco da conversão de Bolsonaro à democracia. Aposto que a ida do primeiro-amigo do presidente e das milícias para a prisão domiciliar vai baixar o índice de apreço do ogro pelas instituições.

Mendonça tratava crime como liberdade de expressão e ainda convidava o agredido a um mea-culpa. E quer agora enquadrar Schwartsman no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, o que, além de evidenciar a sua falta de credenciais democráticas, levanta suspeita sobre a sua sanidade jurídica. A referida disposição pune crimes de calúnia e difamação contra presidentes de Poderes. Desejar a morte de alguém pode não ser fofo. Mas calúnia e difamação não é. A acusação é tão exótica que nem errada chega a ser.

Hélio Schwartsman - Esperando o japonês da Federal

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro poderá encrencar-se se ministro conseguir emplacar sua tese

O ministro da Justiça, André Mendonça, diz que pedirá a abertura de um inquérito para que eu seja investigado por violação ao artigo 26 da velha LSN dos tempos dos militares, que imaginávamos já ter ido para a reserva.

Não sei bem o que há a investigar. Acreditava que o texto falasse por si só. Mas vou colaborar, prestando esclarecimentos. O artigo foi escrito na manhã do dia 7/7, num processador Word. Eu me encontrava sobre o deck da piscina sem nenhuma companhia que não a de uma incontrolável matilha de cães. Ah, o computador era um Dell.

É preciso muita criatividade jurídica para ver na minha coluna original alguma calúnia ou difamação, que é o que possibilitaria o uso do artigo 26. E o ministro Mendonça, sempre cioso de agradar ao patrão, deveria ser mais cauteloso. Se conseguir emplacar sua tese de que desejar a morte de alguém é crime, então seu chefe poderá encrencar-se. Bolsonaro, afinal, torceu pela morte de Dilma, “infartada ou com câncer”, e defendeu o fuzilamento de FHC.

Ruy Castro* - Bolsonaro não quer compaixão

- Folha de S. Paulo

Não será surpresa se, ao se decretar 'recuperado', ele zombar dos que lhe desejaram saúde

Alguns leitores perceberam que há meses não me refiro ao ocupante do Planalto como “Presidente Jair Bolsonaro”. Trato-o como Jair Bolsonaro e dispenso-me do “Sr.” —afinal, ele não se comporta como tal. Basta-me ser compulsoriamente presidido por ele, o que já é suficiente para asco, e isso não implica ter votado ou não em seu adversário —porque há 31 anos não voto em ninguém. A última vez foi no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, e meu candidato não chegou ao segundo turno. Antes que me perguntem, informo que não foi o Enéas, embora, se eleito, ele não seria tão nefasto quanto o elemento que hoje dita a destruição do Brasil.

Da mesma forma, ao me referir aos filhos de Bolsonaro, não me ocorre fazer como alguns colegas e tratar um deles, Carlos, por “Carlucho”. É um apelido benigno demais para indivíduo tão perigoso —o mais perigoso dos três que, em nome do pai, controlam o ministério, inspiram a operação das fake news, conspiram contra as instituições, falam grosso com o Exército e comandam o país a partir do porão. O nome “Carlucho” sugere algo vindo da infância e é difícil imaginar os filhos de Bolsonaro tendo infância.

Claudia Safatle - Quem paga pelo aumento do Fundeb?

- Valor Econômico

Cerca de 70% do fundo deve ser usado para pagar salários

A proposta de emenda constitucional que perpetua o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deve ser votada na próxima semana pela Câmara dos Deputados. A PEC 15/2015, embora apresente avanços na política de financiamento e distribuição de recursos para educação básica, traz sérios riscos fiscais para os três níveis de governo - União, Estados e municípios - e excessiva constitucionalização de temas que bem poderiam compor a legislação ordinária.

Criado com prazo de vigência até dezembro deste ano, o Fundeb tem por finalidade melhor distribuir os recursos da educação básica entre os municípios brasileiros.

A PEC dobra, até 2026, a complementação de verbas da União, que sobe de 10% para 20% do total dos aportes dos Estados e municípios, de forma gradual, a começar com 12,5% no ano que vem.
Uma despesa, hoje, de cerca de R$ 16,4 bilhões cresce para R$ 20,5 bilhões no próximo ano e para R$ 45,4 bilhões em 2026, perfazendo R$ 413,6 bilhões em dez anos.

A proposta da relatora, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), não define a fonte de receitas que financiará essa nova despesa e desconsidera as mudanças demográficas do país.

A PEC eleva dos 60% atuais para 70% o montante do Fundeb que deve ser destinado a pagamentos de salários dos profissionais da educação. Mas veda a possibilidade de o fundo financiar também o pagamento dos aposentados e pensionistas do setor. Pelas contas feitas no Ministério da Economia, isso vai resultar em aumentos de quase 13% ao ano na folha de pagamentos da educação publica.

Vinicius Torres Freire - Um banqueiro caminha na esteira do Brasil

- Folha de S. Paulo

País precisa de governança e trocar gasto ruim por saúde e investimento, diz executivo

A situação é meio desesperadora, mas o país vai ter uma folga de um ano para se organizar, diz o ex-presidente de um grande banco. A contragosto, fala por quarenta minutos enquanto caminha na esteira. Não quer dar entrevista porque não quer se meter na confusão em que está o país.

Que “folga” é essa? A taxa básica de juros deve ficar negativa por uns dois anos, pois a economia está deprimida e as taxas mundiais devem ajudar, também negativas, isso se o país não fizer besteira. O banqueiro refere-se ao fato de que a Selic, definida periodicamente pelo Banco Central, está menor do que a inflação e assim deve ficar pelo menos até fins 2021.

Que “besteira” o país faria? O governo gastar mais. Só isso, basta manter o “teto”? Não, esse é o mínimo, o fundamental (evitar o gasto), para que o país não comece a explodir no ano que vem. O detonador da explosão seria o sinal de que a dívida pública vai continuar a crescer sem limite, o que provocaria alta de juros, do dólar e desorganização geral das expectativas.

Para o banqueiro, algum aumento de imposto será inevitável, no mínimo para financiar algum programa de renda básica, pois “muita gente” vai ficar na pobreza e sem emprego por “muito tempo”. Mas o aumento de imposto financiaria então despesa extra, que está para bater no “teto” constitucional. Não é contraditório? O banqueiro diz então que se pode fazer uma concessão provisória em 2021, como no caso do estado de calamidade deste ano, desde que exista um programa profundo de ajuste fiscal.

Rogério L. Furquim Werneck* - A incerteza como ela é

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Resistir à tentação de atribuir probabilidades arbitrárias a cenários imprevisíveis

Esmagados, como estamos agora, por opressiva incerteza sobre o que nos reserva o futuro, é hora de ler o instigante livro de Mervyn King e John Kay, Radical uncertainty (Incerteza radical), recém-lançado nos EUA e no Reino Unido.

Mervyn King presidiu o Banco da Inglaterra por dez anos, entre 2003 e 2013, período em que lhe coube administrar a difícil travessia da grande crise de 2007-2008. É professor da New York University e da London School of Economics. John Kay é um microeconomista, professor de Oxford e renomado colunista do Financial Times.

O argumento central do livro não chega a ser novo. Seu mérito está em destacar e dar novo alento à crucial distinção entre os conceitos de risco e de incerteza, ressaltada por dois grandes economistas da primeira metade do século passado, Frank Knight e John Maynard Keynes.

Nessa distinção, o conceito de risco estaria restrito a situações em que possíveis desfechos futuros e suas respectivas probabilidades fossem previamente conhecidos. Já o termo incerteza ficaria referido a situações em que não se conhecem as probabilidades nem mesmo os possíveis desfechos futuros relevantes.

O que os autores arguem no livro é que, já há várias décadas, economistas vêm ignorando essa distinção e se permitindo tratar incerteza como risco. E, nessa transgressão, vêm sendo alegremente seguidos por estrategistas, analistas políticos e toda sorte de especialistas e consultores.

Trata-se de livro excepcionalmente bem escrito, de leitura agradável, em larga medida acessível a leitores sem formação técnica específica, em que os autores fazem uso intenso e engenhoso de uma profusão de casos concretos e situações amplamente conhecidas para reforçar intuições e dar respaldo a seus argumentos.

Eliane Cantanhêde - Missão impossível

- O Estado de S.Paulo

Difícil convencer investidores de boas ações e intenções do Brasil no meio ambiente

Com Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) sentados à mesa e deitando falação, como os investidores internacionais podem acreditar em boas intenções e ações do Brasil na defesa da Amazônia e das comunidades indígenas? Araújo ironiza a defesa do ambiente como “climatismo”, “coisa da esquerda”. Salles sofre uma repulsa geral por só pensar em “passar a boiada”. E o presidente Jair Bolsonaro acha tudo isso uma bobajada que atravanca o progresso.

Assim, há dúvidas quanto ao resultado da reunião de ontem do vice Hamilton Mourão, Tereza Cristina (Agricultura), Araújo e Salles com grandes investidores. No mundo de hoje, que governos, empresas e financiadores arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam, desrespeitam comunidades ancestrais? (E cultura, educação, saúde...)

É difícil e constrangedor pedir recursos a estrangeiros (ontem) e ao grande capital nacional (hoje) se... os R$ 33 milhões do Fundo da Amazônia estão mofando no BNDES, só 0,7% dos R$ 60 milhões da Operação Verde BR2 foram usados e o ministro do Meio Ambiente é alvo da Justiça, MP, Ibama, ICMBio e da torcida do Flamengo.

É difícil e constrangedor dizer que vai tudo bem, obrigada, se o desmatamento da Amazônia cresce há 13 meses seguidos e isso significa, como todo o mundo, literalmente, sabe, devastação no ato e queimadas depois. Sem falar de Cerrado, Mata Atlântica e das pujantes riquezas naturais brasileiras, ameaçadas por ideologia, ignorância e achismos.

Simon Schwartzman* - O ‘normal’ da educação

- O Estado de S.Paulo

Que ‘normal’ é esse? Queremos voltar a ele? Os problemas são enormes e vão se agravar

Com as escolas fechadas, o ensino à distância tentando salvar um ano praticamente perdido, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica expirando, o Enem adiado para 2021 e o governo federal sem rumo, todos se perguntam quando, finalmente, poderemos voltar ao normal. Mas que “normal” é esse, será que tem volta, e queremos voltar a ele?

O fato é que, antes da epidemia, estávamos muito longe do que se poderia chamar de minimamente “normal”. Nos anos da bonança das exportações, que coincidiu com os governos do PT, os gastos com educação aumentaram, o acesso ao ensino médio e superior cresceu, mas, com as boas exceções de sempre, a qualidade do que é ensinado e aprendido continuou muito ruim. Com a crise econômica iniciada em 2015, os recursos públicos para a educação começaram a escassear e foram dedicados cada vez mais a pagar os salários dos professores das redes públicas, sobrando muito pouco para outras coisas. No ensino superior público, as matrículas aumentaram, mas os investimentos foram interrompidos e o grande subsídio ao setor privado, na forma de isenções fiscais e de um gigantesco sistema de crédito educativo sem garantias, se tornou inviável.

Hoje as crianças têm escolas para onde ir, mas começam a abandonar na adolescência, a grande maioria sem adquirir o mínimo de competências para entender o mundo e se colocar no mercado de trabalho. Em 2019, 70% dos jovens de 25 anos de idade havia conseguido completar o ensino médio, com os outros 30% ficando pelo caminho. Dos que chegam até aí, menos da metade consegue entrar num curso superior, com outros ficando sem nenhuma qualificação profissional. Para entrar no ensino superior é preciso passar pela corrida de obstáculos do Enem, em que 5 milhões a 6 milhões de pessoas disputam a cada ano menos de 400 mil vagas para as universidades federais. Para os demais resta a alternativa de pagar uma faculdade privada ou conseguir um crédito educativo ou uma bolsa de estudos, cada vez mais escassos. E continua.

Fernando Gabeira* - Um consenso amazônico

- O Estado de S.Paulo

Há esperanças de uma composição com o enfoque conservador, em defesa da região

Numa semana em que esperava olhar um pouco para a frente, com Bolsonaro mais quieto, eis que ele contrai o novo coronavírus e retoma todo o seu discurso de negação e irresponsabilidade. Ele se contaminou na semana em que vetou a obrigatoriedade das máscaras em lojas, templos e presídios, contrariando a orientação científica internacional.

Fica difícil olhar para a frente com o caos criado no Ministério da Educação. Como retornar às aulas em escolas públicas sem um plano adequado? Algumas não têm sequer saneamento básico. E grande parte dos alunos não se pode integrar ao ensino a distância por falta de meios.

Mas o futuro, de certa maneira, pede passagem, na voz dos investidores internacionais e dos grande grupos econômicos do Brasil: eles não aceitam mais a política ambiental do governo para a Amazônia. Há quem ache estranha a procedência desse apelo pela floresta.

A ecologia, sobretudo nos Estados Unidos, sempre foi vista como uma dimensão da luta anticapitalista. Os próprios partidos verdes sempre se voltaram para a esquerda na suas alianças, muitos considerando o socialismo como o horizonte de suas aspirações.

Mas esse consenso de que ecologia e capitalismo não se encontram nunca vem sendo quebrado há muito por filósofos conservadores, como o inglês John Gray, por exemplo. O primeiro contato que tive com sua agenda verde para o conservadorismo foi em 1993, no livro Para Além da Nova Direita, uma crítica ao neoliberalismo. Gray formulava uma agenda para a Grã-Bretanha e partia do princípio de que havia muitas convergências entre o pensamento conservador e os teóricos verdes. Na verdade, ele acha que o berço de algumas ideias aceitas pelos ecologistas podem ser encontradas em pensadores como Edmund Burke.

Deve-se rastrear o dinheiro público no ‘gabinete do ódio’ – Editorial | O Globo

Auditoria no Facebook alerta sobre o financiamento de crimes cometidos pelo bolsonarismo na rede social

O inquérito aberto no Supremo sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, para investigar a origem de fake news e ameaças contra a Corte e seus juízes, sempre preocupou os Bolsonaro. Ao sair do governo, o ex-ministro Sergio Moro disse que o presidente se referiu a esses temores em pressões que fez para interferir na Polícia Federal, o braço operacional nesses inquéritos. A instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso sobre o mesmo tema é outro motivo de medo, a ponto de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ter tentado, sem sucesso, que o Supremo suspendesse a CPMI.

Não deviam imaginar que o perigo mais imediato estava em uma auditoria interna pedida pelo Facebook a um centro independente de pesquisa no meio digital, com implicações legais, o DRFLab, de Washington, e que levou a rede social a anunciar quarta-feira que estava desmontando extensa malha de 88 páginas e contas controladas pelo entorno do presidente Jair Bolsonaro. Era o “gabinete do ódio”, denunciado no final do ano na CPMI pela deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo no Congresso, ex-aliada próxima dos Bolsonaro.

O estudo encomendado pelo Facebook confirma a denúncia, cita operadores de contas e páginas falsas criadas para reverberar as bandeiras bolsonaristas, a fim de dar a impressão de haver uma militância maior do que a real, e ainda implica, além dos filhos do presidente — um senador, Flávio, um deputado e um vereador, Carlos, de cujos gabinetes saíram operadores do esquema — o próprio Jair Bolsonaro.

Autores de fake News – Editorial | Folha de S. Paulo

Antes tarde que nunca, Facebook mostra elo entre bolsonaristas e ataques na rede

São impressionantes as revelações feitas pelo Facebook sobre a proximidade entre a família Bolsonaro e contas falsas utilizadas para ataques políticos e desinformação.

Impressionantes, mas não surpreendentes. O chamado “gabinete do ódio” já é personagem da cena política há um bom tempo. Faltava demarcar sua ligação com as mentiras e ataques que circulam anonimamente pela internet.

Antes tarde do que nunca, o Facebook demonstrou essa relação. Listou seis pessoas como responsáveis por operações de ataque político e desinformação. Uma delas é Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial de Jair Bolsonaro e oriundo do gabinete de seu filho Carlos.

Segundo as informações divulgadas nesta semana, Tomaz foi responsável por ataques a figuras como o ex-juiz Sergio Moro e ministros do STF, além de difundir desinformação sobre a Covid-19. Controlava uma conta anônima com quase meio milhão de seguidores e 11 mil posts no Instagram.

São implicados também auxiliares dos outros dois filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro. Foram removidas 73 contas ligadas a assessores da família e de aliados. Muitos dos posts eram feitos em horário de expediente.

A rede – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os efeitos daninhos da rede de fake news próxima a Bolsonaro comprometem o viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública

Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete de Jair Bolsonaro, fora montado um núcleo de “assessoramento de comunicação” composto por ex-assessores parlamentares ligados a dois filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e blogueiros que durante a campanha eleitoral de 2018 ganharam a simpatia do “Zero 2” e do “Zero 3” ao criarem perfis e páginas nas redes sociais cujo conteúdo era amplamente favorável ao então candidato à Presidência e bastante hostil a quem quer que fosse considerado “inimigo” da família, fossem pessoas ou instituições. Naquela ocasião, o País tomou conhecimento da existência do “gabinete do ódio”.

Na quarta-feira passada, o Facebook desencadeou uma operação de combate às fake news e ao discurso de ódio que atingiu em cheio essa rede de apoio ao presidente Bolsonaro na internet. Embora não tenha revelado dado novo – tanto a existência como a forma de atuação do “gabinete do ódio” já eram amplamente conhecidas –, a ação da empresa teve o efeito prático de retirar do ar 35 perfis, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram, empresa que, como o WhatsApp, é controlada pela holding Facebook. Com essas contas e páginas fora do ar, que juntas tinham quase 2 milhões de seguidores, o alcance das ofensas e das falsas informações que circulam por meio das redes sociais haverá de cair substancialmente.

O caráter global da operação do Facebook desfaz quaisquer suspeitas em relação ao possível direcionamento da ação contra alvos políticos predeterminados. Redes similares em vários países – pelo menos 11 – foram atingidas, inclusive nos Estados Unidos, onde pessoas que assessoraram o presidente Donald Trump também tiveram suas contas apagadas.

Trilha das fake news leva a um gabinete do Planalto | Editorial | Valor Econômico

A evolução dos inquéritos caminha na direção de ligar a máquina de destruir reputações a orientações que partem do gabinete do ódio

Há uma relação inicial entre alguns dos detentores das 73 contas falsas que foram retiradas pelo Facebook na quarta-feira e os que estão aparecendo no inquérito do Supremo Tribunal Federal para apurar responsáveis por fake news e financiamento de movimentos contra a democracia. Rastros dos filhos do presidente, Carlos e Eduardo Bolsonaro, aparecem nas duas. O Supremo procura a trilha do “gabinetes do ódio” e o Facebook cancelou, sob alegação de propagação do ódio e ataques a inimigos políticos, páginas e contas feitas por Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República. Ele é ligado ao vereador Carlos Bolsonaro, investigado no Rio por empregar “funcionários fantasmas” na Assembleia Legislativa do Rio.

Assim como existe uma densa zona de sombra sobre a atuação dos Bolsonaro nas redes sociais e de seus apoiadores fanáticos, próximos ou não do presidente, no submundo das redes sociais. Respeitados os limites dados pela lei, todos eles podem despejar seu extremismo de direita à luz do dia, sem serem importunados. Não é isso, porém, o que ocorre. “As pessoas por trás da atividade coordenaram entre si e utilizaram contas falsas como parte central de suas operações para se ocultar”, disse Nataniel Gleicher, diretora de cybersegurança do Facebook. Anonimato, contas e páginas falsas, pessoas fictícias e identidades forjadas foram detectadas e removidas.

A bolsonaronewss, segundo o Facebook, é administrada por Tércio, e tinha 492 mil seguidores. Ele já era um expert na rede digital eleitoral montada pelos filhos de Bolsonaro. De lá, Tércio foi parar no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete presidencial. A suspeita, que a ação do Facebook realça, é de que funcionários de governo como ele e colegas do “gabinete do ódio” usam tempo de serviço, pelo qual são bem remunerados pelos contribuintes, para um trabalho que nada tem a ver com funções públicas.

Poesia | Pablo Neruda - Se cada dia cai

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.