quinta-feira, 23 de julho de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (homens-massa ou homens-coletivos) IV

Nota IV. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.


*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, volume 1, p. 95-6 Civilização Brasileira, 2006

Merval Pereira - Sinal de alerta

- O Globo

A derrota do governo foi acachapante, a PEC foi aprovada nos dois turnos praticamente por unanimidade na Câmara

A derrota do governo na votação da emenda constitucional do fundo de desenvolvimento da educação básica (Fundeb) não pode ser reduzida apenas a uma vitória política da Câmara, tem um significado maior. Um governo que passou seu primeiro ano e meio demonizando a política, e de repente dá meia volta volver sem uma explicação lógica - embora ela esteja ligada aos inquéritos que investigam o presidente e sua família em diversas áreas do Judiciário -, não pode ter a garantia de apoio tão forte quanto aquele que luta por um programa. Na verdade, o Congresso abraçou esse programa fundamental para a educação incentivado pela ação de organismos da sociedade civil.

A perpetuação do novo Fundeb, e o aumento da participação do governo nos repasses financeiros impostos pela Câmara, são típicos de um programa social que visa o futuro do país, não de um governo que passa mais de ano sem interceder no debate político que já vinha se desenrolando no Congresso, e tenta melar decisões tomadas após amplas discussões parlamentares.

A derrota do governo foi acachapante, a PEC foi aprovada nos dois turnos praticamente por unanimidade na Câmara, com apenas 7 votos contra no primeiro turno e 6 contra no segundo. O governo havia proposto aumentar o repasse da União de 10% para 23% do total dos recursos do Fundeb, com aumento escalonado a partir de 2022. O próximo ano ficaria sem verba destinada ao Fundeb, o que seria uma irresponsabilidade diante da necessidade de recuperar o ensino quase paralisado no ano da pandemia.

Ascânio Seleme - O Brasil é melhor assim

- O Globo

Sem as asneiras do capitão, o governo continua sendo ruim, mas deixou de ser ele próprio um elemento desestabilizador da harmonia entre os demais poderes

Há 37 dias os brasileiros não ouvem uma ameaça ou uma bravata do presidente da República. A última foi em 17 de junho, na véspera da prisão do queridinho Fabrício Queiroz, quando Bolsonaro falou a apoiadores na porta do Alvorada sobre a quebra de sigilos de parlamentares da sua base. Ele reclamou do Supremo Tribunal Federal pela medida e acrescentou: “Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser posto no devido lugar”. Foi o seu último rompante antidemocrático. Seu isolamento em razão da contaminação pela Covid-19 também contribui para o silêncio.

Desde então não ocorrem mais aquelas rotineiras e ridículas manifestações a favor do fechamento do Congresso e do Supremo e pela intervenção militar com Bolsonaro no poder. Se havia alguma dúvida, ela não existe mais. Era mesmo o presidente, seus três zeros e o resto da sua turma do ódio que incentivavam e indiretamente organizavam aquelas aglomerações em frente à rampa do Planalto. Com o capitão mudo, os “manifestantes” recolheram suas bandeiras e faixas e sumiram. Também não se ouve mais falar dos “300 do Brasil”, que não eram nem 30 e tinham como líder a patética Sara Giromini.

Luiz Carlos Azedo - Viver é muito perigoso

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Com 82,7 mil mortes no Brasil, as cidades reabrem o comércio, as pessoas circulam em transportes lotados e calçadas apinhadas — o risco de contaminação aumentou”

A frase antológica que intitula a coluna, do jagunço Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, nunca foi tão universal. No romance, repete-se muitas vezes, como as referências aos redemoinhos e ao diabo. “Hoje, sei. E sei que em cada virada de campo, e debaixo de sombra de cada árvore, está dia e noite um diabo, que não dá movimento, tomando conta. Um que é o romãozinho, é um diabo menino, que corre adiante da gente, alumiando com lanterninha, em o meio certo do sono. Dormi, nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo que é bonito é absurdo — Deus estável.”

A situação que os brasileiros estão passando em meio à pandemia do coronavírus é como ter um pesadelo acordado. Estamos numa travessia marcada pela incerteza, na qual um vírus terrível vive à espreita. Sair às ruas é um risco, ao qual cada vez mais pessoas estão submetidas, seja pelo número de infectados assintomáticos que circulam, seja pela necessidade de voltar ao trabalho para sobreviver. Ontem, batemos recorde de casos da covid-19 registrados em 24 horas. Segundo o Ministério da Saúde, foram nada menos que 67,8 mil diagnósticos positivos, somando 2,227 milhões de casos confirmados. O recorde anterior, em 19 de junho, era de 54 mil casos. As mortes por covid-19 registradas nas últimas 24 horas foram 1.284. Subiu para 82.771 o número de óbitos pela doença no país.

Ricardo Noblat - Nada mal que os militares se rendam em definitivo à democracia

- Blog do Noblat | Veja

O partido verde oliva deverá crescer nas eleições
Mal na foto, ameaçado de não se reeleger por ter feito uma administração considerada desastrosa até aqui, o prefeito do Rio Marcelo Crivella está à procura de um general que aceite ser vice na sua chapa. Só assim poderá então se apresentar aos eleitores em novembro como o candidato mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, quando nada por amor à farda.

Há generais disponíveis, nos quartéis ou em suas casas, capazes de aceitar um convite do prefeito. De repente, no país onde um ex-capitão afastado do Exército por conduta antiética se elege presidente da República, os militares afinal descobriram que a política pode lhes fazer muito bem. E que a democracia não é um regime tão ruim assim quanto lhes pareceu no passado.

Deveriam agradecer a Bolsonaro pela lição. Deputado federal durante quase 30 anos, ele se elegeu baixando o cacete na política e negando que fosse político. Prometeu jogar no lixo a Velha Política, para em menos de dois anos começar a distribuir cargos com políticos que possam apoiá-lo. Mas não só com eles. Dobrou o número de militares em cargos antes destinados a civis.

Natural que vez por outra, um militar que melhorou de vida graças ao ex-capitão enfrente aborrecimentos. Como aconteceu com o general Braga Neto, ministro e chefe da Casa Civil. Quis empregar uma filha na Agência Nacional de Saúde Suplementar com um salário de 13 mil reais, uma ninharia, por suposto. Desistiu. Configuraria um caso de nepotismo, previsto em lei.

William Waack - O ‘lavajatismo’ está órfão

- O Estado de S.Paulo

Com os heróis da Lava Jato encurralados, um fenômeno político perde força

A frase que ressoa com força no topo da Procuradoria-Geral da República e entre vários ministros do STF é a seguinte: “A Lava Jato não vai acabar, mas vai acabar o lavajatismo”. Como toda encarniçada luta política, também nesta briga-se, em primeiro lugar, por impor uma narrativa.

A que vigora entre quem tem força política ou posição institucional para enfrentar a “Lava Jato” é a de que a força-tarefa de Curitiba se desenvolveu como grupo político com agenda própria e capacidade de dominar decisões das esferas políticas, nisto incluindo Executivo e Legislativo. Mas, para sorte do País, o grupo de procuradores, juízes e policiais da Lava Jato se perdeu no meio do caminho, e cabe agora dar um jeito nisso.

Os principais expoentes da força-tarefa enxergam exatamente o contrário. Em especial a decisão de terça-feira do presidente do STF de impedir buscas no gabinete do senador José Serra em Brasília – atendendo à queixa do próprio presidente do Senado – foi por eles qualificada como tentativa de “dificultar a investigação de poderosos contra quem pesam evidências de crimes” (Deltan Dallagnol, procurador da força-tarefa).

José Nêumanne* - Bolsonaro conduz a Pátria para as trevas de onde veio

- O Estado de S.Paulo

Presidente serve a espertinhos que o mantêm no poder a despeito de nossa agonia

Jair Bolsonaro nada fez de relevante em dois anos como vereador no Rio de Janeiro, nem em 28 como deputado federal do mais baixo clero por várias legendas que nunca nada revelaram sobre seu projeto político. Foi eleito presidente da República em 2018 precisamente pelo que ele não fez: dos 13 candidatos era o único cujo nome não fora citado em nenhuma delação premiada da Operação Lava Jato, que devassou o maior escândalo de corrupção da História do Brasil, dito petrolão. E nada foi revelado contra sua honra no famigerado caso anterior, chamado de mensalão. Seus maiores cabos eleitorais foram os corruptos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, incluídos os tucanos, que fingiram ser oposição tão completamente que até eles mesmos acreditaram.

Não é possível calcular quanto de sua votação de 57 milhões, 797 mil e 847 votos no segundo turno se deveu à decisão de afastar dos cofres da República Lula, seus asseclas e seus aliados de conveniência. Nem é viável calcular qual teria sido a participação do fervor anticorrupção dos que o sufragaram desde o primeiro turno para impedir que os suspeitos, investigados, acusados e condenados por Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Justiça Federal paralisassem a devassa. Inédita na História, esta levou o maior empreiteiro de obras públicas e o mais popular contratador delas à barra dos tribunais e à cadeia. O próprio vencedor passou o recibo dessas evidências ululantes ao nomear Sergio Moro, o ex-juiz que condenou Lula e Marcelo Odebrecht, para o Ministério da Justiça, e Paulo Guedes, liberal da escola de Chicago e avesso aos economistas socialistas, populistas, cepalinos e keynesianos que mandaram na Fazenda após a queda da ditadura militar.

Ricardo Mendonça - O recuo da militância virtual bolsonarista

- Valor Econômico

Alexandre Moraes não se intimidou com os memes e as ameaças

Na manhã de 28 de maio, na porta do Alvorada, um enfurecido Jair Bolsonaro disse a repórteres e a uma pequena plateia de simpatizantes que “ordens absurdas não se cumprem”. O tom da voz foi aumentando. “Não teremos outro dia igual ontem. Chega! Chegamos num limite”, advertiu. Teve até palavrão. “Acabou, p...! [...] Acabou! Não dá para admitir mais a atitude de certas pessoas individuais.”

A irritação era em relação a uma operação da Polícia Federal deflagrada na véspera: Buscas e apreensões em endereços de 17 bolsonaristas suspeitos de financiar e disseminar informações falsas pela internet. Não houve prisões naquela ocasião. Entre os alvos estavam os empresários Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (Smart Fit e Bio Ritmo); os blogueiros Allan dos Santos e Bernardo Kuster, donos de perfis muito populares na extrema-direita; e o ex-deputado federal Roberto Jefferson, o chefão do PTB que foi condenado no mensalão e, mais recentemente, ressignificado no bolsonarismo.

O “certas pessoas individuais” da bronca presidencial era o ministro Alexandre de Moraes, do STF, não citado nominalmente. Relator do inquérito que apura produção de “fake news” e ameaças à corte, foi ele que autorizou as buscas do dia 27.

Bruno Boghossian – Um presidente que encolheu

- Folha de S. Paulo

Portaria do Alvorada deixa de ser ritual relevante e se transforma em gabinete de vereador

Na entrada do Palácio da Alvorada, pouca gente deu atenção quando Jair Bolsonaro fez propaganda do governo na aprovação de novos recursos para a educação. O presidente tentou assumir o crédito pela proposta do Congresso e criticou o PT, mas seus apoiadores só queriam saber de negócios pessoais e da política municipal.

Os passeios em frente à residência oficial eram um ritual político importante para Bolsonaro, mas a pauta dos últimos encontros sugere que aquela claque enxerga o presidente como um vereador do interior.

Mesmo em isolamento, Bolsonaro manteve o hábito de conversar com o grupo. Nesta quarta (22), uma mulher pediu ajuda para reabrir uma lotérica. O presidente argumentou que já havia editado um decreto que garantia o funcionamento desses estabelecimentos. A apoiadora explicou que o problema era particular, uma disputa com seu ex-marido.

Maria Hermínia Tavares* - O preço do descaso

- Folha de S. Paulo

Os que lutaram pela democracia adotaram políticas fortes de reforma da educação

Minha mãe era professora dos anos iniciais do ensino fundamental —à época chamado primário. Sempre trabalhou em escolas públicas. Sua carreira, que começou nos anos 1930 e terminou três décadas depois, está registrada em fotografias.

Todas se parecem nos arranjos: uma fileira de crianças sentadas, seguida de duas outras de meninas em pé. Minha mãe, no centro ou ao lado do grupo. Nas imagens, as crianças são brancas, sem exceção. Apenas nas duas últimas podem se ver umas poucas cabecinhas negras.

A escola dos tempos de dona Dinah era pública, mas não universal. Deixava de fora um número imenso de pobres e negros. Em 1960, mais de 3/4 da população brasileira tinham até três anos de estudo; só 20% dos jovens dos 12 aos 15 concluíam o quarto ano. Foi nisso que deu o duradouro descaso das elites pela educação do povo.

Fernando Schüler* - O lado sombrio do mundo melhor

- Folha de S. Paulo

Cancelar não tem a ver com justiça, mas com poder; em regra, é feito para causar dano moral e profissional ao divergente

Tentaram “cancelar” Steven Pinker. Ele é um intelectual com jeito de roqueiro das antigas. Linguista em Harvard, autor de alguns livros monumentais (“Os Anjos Bons de Nossa Natureza” e “Iluminismo Agora”). Sua ideia-força é a de que estamos melhorando, como civilização, seja na redução global da violência, respeito a direitos, incidência da guerra. Isso irrita muita gente.

Uma carta assinada por um grupo de acadêmicos pedia à Associação Americana de Linguística (LSA) sua destituição das listas de membros prestigiados. O caso virou símbolo (e uma ótima síntese) do que define a cultura do cancelamento.

Em primeiro lugar era um grupo grande. Algumas centenas de assinaturas. Para cancelar você precisa de muita gente. Gente gritando, como nas antigas praças de execução pública. A carta contra Pinker também fazia questão de dizer que não era um cancelamento. Perfeito. Ninguém cancela dizendo que está cancelando. A turba está apenas fazendo “justiça”.

Bernardo Mello Franco – Provas da omissão

- O Globo

O governo de Jair Bolsonaro cruzou os braços diante da pandemia que já matou quase 83 mil brasileiros. O presidente fez piada com o vírus, desprezou a dor das famílias, sabotou as medidas de isolamento e forçou a saída de dois ministros da Saúde. Depois entregou a pasta um general que aceitou o papel de fantoche e cumpre suas ordens sem reclamar.

Ontem o Tribunal de Contas da União revelou um novo pedaço dessa história. O governo segurou mais de dois terços da verba emergencial liberada para combater a doença. Dos R$ 38,9 bilhões previstos, o ministério só gastou R$ 11,4 bilhões até 25 de junho. Isso significa que 71% dos recursos ficaram retidos nos cofres da União.

Além de não gastar o que precisa, o governo sonegou dinheiro que deveria ser destinado a estados e municípios. Segundo o ministro Benjamin Zymler, a auditoria concluiu que os repasses federais “não seguem nenhuma lógica identificável”. Difícil saber se isso se deve a uma administração caótica ou a uma retaliação a adversários políticos.

Luis Fernando Verissimo - Retratações

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Você não constrói a sociedade mais desigual do mundo sem que isso seja uma obra de anos, deliberada, com a notória ausência de qualquer tipo de grandeza moral

O vice-presidente Hamilton Mourão, comentando a declaração do Gilmar Mendes sobre o envolvimento dos militares no que, a cada nova contagem de mortos pelo coronavírus, mais se parece com um genocídio, disse que, se Mendes tivesse grandeza moral, deveria se retratar. Entende-se a reação dos militares à declaração do ministro do STF, que se referia ao fato de o Ministério da Saúde estar ocupado de cima a baixo por militares que, presume-se, pouco entendem do assunto, mas estão na linha de frente contra a peste mortal assim mesmo. Já na guerra de palavras entre Forças Armadas e um ministro do Supremo, talvez o problema esteja na escolha das palavras.

Ninguém gosta de ser chamado de cúmplice de um massacre, Gilmar. E Mourão, antes de reclamar da falta de grandeza moral de alguém, lembre-se que jamais se ouviu qualquer tipo de autocrítica das Forças Armadas brasileiras pelos desmandos da ditadura.

José Serra*- É urgente atualizar o regime do petróleo

- O Estado de S.Paulo

Não podemos deixar o futuro das próximas gerações perdido no fundo do mar

A aprovação do novo marco legal do saneamento básico abriu caminho para uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia, por meio de novos investimentos e de aumento da produtividade. Dentre as pautas prioritárias, destacam-se, além do novo marco legal das ferrovias, a reforma do setor elétrico e a do mercado de petróleo e gás natural.

Neste último caso, é crucial atualizar o marco regulatório do pré-sal, permitindo que os leilões a serem realizados em 2021 recuperem a competitividade em relação a outros países. Mudanças no marco legal do petróleo começaram em 1997, com a Lei do Petróleo, que criou o regime de concessão. A descoberta do pré-sal levou o governo Lula a criar, em 2010, o novo regime de partilha, que concedeu à Petrobrás o monopólio da operação e a participação de, no mínimo, 30% nos leilões de campos do pré-sal.

Em 2013 foi realizado o primeiro leilão do pré-sal, com a oferta do campo de Libra, com potencial estimado entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris. O resultado ficou muito aquém das expectativas, sem a participação maciça de empresas estrangeiras. Sem concorrência, apenas um consórcio apresentou oferta e o governo recebeu o mínimo estipulado nas regras: um bônus de assinatura (BA) de R$ 15 bilhões e 41,65% do petróleo produzido, descontados os custos de produção. Ficou evidente que as regras criadas pelo novo regime anularam a atratividade da área em oferta.

Zeina Latif* - Afundando na armadilha da renda média

- O Estado de S.Paulo

A educação de qualidade é variável-chave para um país sair da armadilha da renda média

É mais fácil um país pobre tornar-se um país de renda média do que este se tornar rico. Os economistas Homi Kharas e Indermit Gill, do Banco Mundial, identificaram essa dificuldade e a denominaram como “armadilha da renda média” em 2007.

Muitos países conseguiram sair da pobreza por meio de políticas governamentais para elevar o estoque de capital da economia. Foi o caso do Brasil. No entanto, o mesmo receituário não seria suficiente para tornar o país rico, independentemente das restrições fiscais. No século 21 ainda menos, por conta do avanço tecnológico.

As dificuldades são de duas naturezas. A primeira é mais técnica: o investimento em infraestrutura e capital instalado gera crescimento do PIB, mas em intensidade decrescente ao longo do tempo. Ficar rico exige passos além: ganhos de produtividade, o que depende de muitas variáveis.

A segunda dificuldade é política. É necessário um arranjo institucional mais sofisticado – envolvendo a academia, imprensa, órgãos públicos e privados – para se construir consensos sobre políticas pró-crescimento. Boa vontade dos governantes é essencial, mas não basta.

Ribamar Oliveira - Aumento da carga está no horizonte

- Valor Econômico

Novas despesas estão sendo contratadas, o que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária

A condição básica para viabilizar uma reforma tributária é a percepção de que ela não resultará em aumento da carga de impostos. Do contrário, ela não avançará. Infelizmente, há sinais concretos no horizonte de que o peso dos tributos sobre os ombros dos contribuintes brasileiros poderá ficar ainda maior.

O que fortalece o pessimismo sobre os rumos da reforma tributária é que novas despesas estão sendo contratadas, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Nos próximos dias, o Senado também deverá aprovar. Com as novas regras do Fundeb, a participação da União no financiamento da educação infantil e nos ensinos fundamental e médio crescerá de 10% para 23% até 2026. Já em 2021, ela aumentará de 10% para 12%.

Para a União, a despesa deverá passar dos atuais R$ 15 bilhões por ano para R$ 34,5 bilhões por ano, ao final de um período de seis anos, de acordo com estimativa do economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado. Ou seja, a despesa anual vai mais do que dobrar. É um gasto obrigatório adicional, que está sendo programado sem o corte de nenhum outro.

Vinicius Torres Freire – O bode de Guedes e o salame tributário

- Folha de S. Paulo

Reforma tributária fatiada do governo causa o tumulto previsto e pode emperrar mudança

Como era previsível, a primeira fatia do salame tributário oferecida pelo governo federal não caiu bem. Paulo Guedes propôs trocar o PIS/Cofins por uma Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Se fosse alteração isolada, causaria a confusão habitual de rediscussões de impostos, de quem paga mais ou menos, motivo que emperra a mudança desse imposto desde 2014.

O plano Guedes causa mais tumulto porque, se a ideia é fazer reforma “ampla”, não dá para discutir PIS/Cofins sem tratar do peso de outros impostos sobre as empresas.

Há quem diga que a CBS com alíquota alta é um bode na sala, a ser trocado por uma CPMF. O bode de Guedes, no entanto, já mastiga o sofá e faz sujeira sobre o tapete.

Antes de prosseguir, convém lembrar que:

1. quem recolhe o imposto não é quem o paga. Quanto mais um bem ou serviço for de difícil substituição, mais fácil repassar o aumento de tributação para o consumidor (pense-se no caso de comida, água, luz). Se existe substituto ou a opção de não consumir, é possível que a empresa tenha de engolir parte do aumento do custo ou, caso o repasse, perca mais faturamento;

2. não é possível calcular aumento de carga tributária com base apenas na alíquota do imposto. Mudanças em tributos mudam comportamentos. Podem tornar empresas inviáveis, permitir o surgimento de outros negócios e incentivam as firmas a criar um modo de se livrarem do tributo. Um projeto tributário não faz sentido sem simular essas transformações.

Celso Ming - A proposta de reforma tributária do governo

- O Estado de S.Paulo

É um equívoco cobrar maior abrangência do projeto de reforma tributária do governo federal. A proposta é propositalmente limitada, que é para não assustar ou, então, para dar ideia da complexidade do que seria uma reforma como ela deve ser.
Desta vez, o governo não foi além da ideia de unificar dois tributos federais, o PIS e a Cofins, num único que agora vem com a denominação de Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).

Não tem nada a ver com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como alguns se apressaram em afirmar. Além da simplificação e da eliminação de inúmeros regimes especiais, tem dois grandes méritos. O primeiro permite que a CBS recolhida pelos fornecedores (e que vai para o preço) seja descontada ou sirva como crédito no pagamento do tributo na etapa seguinte. O outro é o que acaba com a maroteira da cobrança “por dentro”, ou seja, de calcular o imposto não apenas sobre o preço, mas sobre o preço acrescido do próprio tributo, a indecência tributária que o consumidor vê acontecer na conta de luz.

A decisão dessa fusão prevê trâmites menos complicados porque dispensam reforma da Constituição. Mas as pauladas mais dolorosas ainda não aconteceram. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê outras quatro: a reforma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que poderá se transformar em IVA do governo federal; a eliminação de descontos do Imposto de Renda, como despesas com saúde e educação; a taxação de dividendos, que pretende acabar com a pejotização (contratação de funcionários transformados em empresas pessoais), mas também torpedeia a renda de profissionais liberais, terapeutas, arquitetos e consultórios médicos; e a tal taxação do comércio eletrônico, cujo objetivo declarado é substituir os encargos trabalhistas, com objetivo de desonerar a folha de pagamentos das empresas. E é nesse último item que aparece a ameaça da CPMF com outro rótulo.

Míriam Leitão - Temores dos contribuintes

- O Globo

Reforma fatiada impede a visão do todo e se for aprovada em etapas provocará aumento de carga tributária para alguns setores

Ao dar os próximos passos da reforma tributária, que apresenta em partes, o governo quer encontrar o bolso da classe média. O Imposto de Renda Pessoa Física perderia suas deduções, e provavelmente terá mais uma alíquota. Está também em estudo a taxação de dividendos, no projeto de que a empresa pague menos, mas seu sócio pague mais. E o sonho da equipe é fazer um imposto tipo CPMF e com isso reduzir os tributos sobre folha salarial. O fatiamento impede a visão do todo e, portanto, cria mais resistência. Os cálculos das consultorias mostram aumento de carga.

Uma empresa de software pediu à consultoria Mazars para fazer a conta dos efeitos sobre o seu negócio. Segundo Luiz Carlos dos Santos, diretor responsável pela área tributária, a empresa pagará mais imposto.

— Para essa empresa de software que simulamos, na conta final, ela teria em torno de 3% a 5% de aumento de carga. Isso ela teria que tirar da margem, podendo até inviabilizar investimentos em novos produtos — disse Santos.

Há outro ponto que é difícil saber como vai funcionar, que é a exigência às plataformas digitais para que paguem caso o fornecedor não recolha a CBS, numa espécie de contribuinte substituto.

— Mercado Livre, iFood, Rappi, qualquer plataforma vai ser responsável pela nota, em caso de o vendedor não emitir. Você acessa o iFood e compra no bar da esquina alguma coisa, e ele não emite a nota fiscal. A responsabilidade passa a ser da plataforma. Hoje, a plataforma só paga o tributo pela comissão que ela ganha desse pequeno comércio. Ela poderia ter que pagar pela receita do pequeno comércio. A constitucionalidade disso é até discutível, por obrigar uma plataforma a emitir nota por um produto que outro vendeu. Uber, 99, esses aplicativos de transporte têm regimes especiais e ficam de fora. Se comprar pela Amazon, e o produto vem do exterior, a Amazon lá fora vai ter que ter um cadastro na Receita e recolher a CBS. Algumas plataformas podem deixar de achar interessante ficar no Brasil — disse Luiz Carlos dos Santos.

Vitória da boa política – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com o avanço do Novo Fundeb, o País dá importante passo em direção a um futuro melhor, a despeito da inação do presidente

A Câmara dos Deputados deu mais uma mostra de que não tem faltado ao País quando o que está em discussão são projetos de grande interesse nacional. Em rápida sucessão, graças a um acordo entre os partidos, a Casa aprovou em dois turnos a proposta de emenda à constituição (PEC) que torna permanente o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta o porcentual de contribuição da União dos atuais 10% para 23% até 2026, de forma escalonada. O texto seguiu para o Senado e deverá ser votado na semana que vem. Não é esperado que os senadores façam alterações de mérito.

A aprovação da PEC foi celebrada por especialistas em educação, organizações da sociedade civil, como o Todos Pela Educação, e pela maioria dos governadores, que antes de o texto ir a plenário assinaram um manifesto em favor do relatório da deputada Dorinha Seabra (DEM-TO). Foi uma vitória da boa política, do diálogo em prol do melhor para o Brasil.

Com as mudanças no fundo aprovadas pelos deputados, estima-se que mais 17 milhões de alunos serão beneficiados pelo novo aporte de recursos nas redes de ensino de Estados e municípios. Esses recursos devem proporcionar valorização salarial dos profissionais de educação, melhoria da infraestrutura de escolas e creches e, portanto, desenvolvimento das condições de aprendizado de milhões de crianças e adolescentes. É do futuro do País que a PEC trata.

A metamorfose – Editorial | Folha de S. Paulo

Resta saber se a paz relativa no Planalto é aquela que antecede a tempestade

Perto de completar seu 19º mês de mandato, a Presidência Jair Bolsonaro parece ter derivado para um estágio de acomodação relativamente diverso do qual iniciou a jornada, após os terremotos políticos que a aventura provocou.

A aprovação na Câmara dos Deputados da emenda constitucional que estende e amplia o Fundeb —que custeia a instrução de crianças e adolescentes no país— consolida a imagem de um governo pouco preocupado com questões estruturais da política pública.

A entrada tardia e estabanada na discussão do Ministério da Economia, e não da ausente pasta da Educação, deu-se pela urgência de cavoucar recursos para o que o governo entende agora ser sua tábua de salvação: a extensão, a título de alguma ampliação do Bolsa Família, do chamado auxílio emergencial.

Uma proposta tardia, tímida e injusta – Editorial | O Globo

Reforma tributária enviada ao Congresso pelo Executivo arrisca ser outra oportunidade perdida

Faz mais de ano o Executivo anuncia que divulgaria em questão de dias sua proposta de reforma tributária. Foram tantas as idas e vindas, tantas as promessas e recuos, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu em Brasília a alcunha jocosa de “ministro semana que vem”. Pois enfim a semana que vem chegou. Os presidentes da Câmara e do Senado receberam anteontem a proposta inicial do governo para transformar a convoluta estrutura de impostos que vigora no Brasil.

Além de tardia, foi uma proposta tímida. Na “primeira etapa” — outras três estão previstas —, propõe apenas a unificação de PIS e Cofins num só imposto, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). É pouco. Duas propostas que tramitam na Câmara e no Senado preveem simplificação maior, reunindo entre cinco e sete tributos num só. Numa costura política improvável até pouco tempo atrás, secretários estaduais da Fazenda passaram a apoiar até a inclusão do ICMS num novo imposto sobre o valor agregado, pondo fim à guerra fiscal.

Em vez de trabalhar pela convergência das duas propostas de emenda constitucional que já tramitam no Congresso, o Executivo preferiu seguir o caminho aparentemente mais fácil do projeto de lei que unifica apenas os dois impostos, provavelmente acreditando que apresentar algum avanço seria melhor do que nada. Seria mesmo, se avanço houvesse. A proposta enviada ao Congresso representa, contudo, um risco concreto de retrocesso.

Fundeb não atende Bolsonaro, mas recursos para ensino básico aumentam – Editorial | O Globo

Dinheiro também irá para creches, um gasto importante, e educação sai ganhando

A tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que torna permanente o Fundeb reflete a importância relativa que a Educação tem para o governo Bolsonaro. O fundo, que redistribui recursos da Federação e da União para sustentar a rede de ensino básico, vence este ano e, mesmo assim, o Ministério da Educação (MEC) se manteve ao largo das discussões no Congresso, enquanto a pasta, sob controle do dito “núcleo ideológico” bolsonarista, do qual o ministro Abraham Weintraub aparecia como seu mais festejado representante, era usada de base na tal “guerra cultural”.

Origem de 40% dos recursos da educação básica, o Fundeb terminou enfim sendo aprovado terça-feira na Câmara, em dois turnos — por ser PEC, são necessários mais outros dois no Senado. O apoio quase absoluto obtido dos deputados indica que se chegou a uma base ampla de consenso, garantindo uma passagem tranquila pelo Congresso até o quarto e último turno de votação, pelos senadores.

A constatação feita pelo Planalto de que o abono de emergência conquistou apoio para Bolsonaro entre os mais pobres, compensando a perda de popularidade do presidente junto aos mais ricos, despertou no governo a preocupação com os chamados “programas sociais”. Que têm a sua importância, como o Bolsa Família, que consegue levar renda até a base da pirâmide social, sem maiores desvios.

A negociação para a aprovação do Fundeb não permitiu que o fundo fosse usado pelo governo para transferir recursos ao Renda Brasil, que Bolsonaro lançará encorpado pelo Bolsa Família. Como o Fundeb não está limitado ao teto de gastos, o governo o utilizaria para turbinar o seu programa social, parte da estratégia de Bolsonaro para tentar se reeleger em 2022. Não se discute a relevância do apoio a creches — um elo vital na educação —, como deseja o governo Bolsonaro.

Novo Fundeb traz avanços, mas vinculação é retrocesso – Editorial | Valor Econômico

A melhoria da qualidade pode não ocorrer, as metas podem se frustrar, mas os salários subirão, aconteça o que acontecer

Se dependesse dos ministros da Educação escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro, a educação básica ficaria sem financiamento no ano que vem. O principal veículo dos recursos, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico), vence este ano, sua prorrogação vinha sendo discutida desde 2015 no Congresso, mas o novo governo simplesmente se ausentou das discussões - preferiu se concentrar em outras, tolas, como ideologia de gênero, comunismo nas escolas etc. O Fundeb foi prorrogado pelo esforço da Câmara, que aprovou por esmagadora maioria a PEC 15, que vai agora ao Senado.

Com um ministro recém-empossado e acometido de covid-19, o governo chegou tarde nas discussões, tentou adiar o aumento de suas contribuições ao Fundo previstas no projeto da Câmara e acabou arrancando um naco dos recursos para a educação infantil para um Bolsa Brasil que ainda não existe. Na educação e saúde, cruciais para o futuro dos brasileiros, o governo de Bolsonaro tem as piores notas de um histórico já execrável.

Moacyr Luz: 'Samba sem aglomeração é como gol sem abraço'

Músico projeta a volta do Samba do Trabalhador contando com bom senso do público para manter distância e sob rígidas normas sanitárias: ‘um copo de cerveja numa mão e um de álcool gel na outra’

Maria Fortuna | O Globo

Já são 30 músicas compostas por Moacyr Luz nesta quarentena — algumas inspiradas pelo coronavírus. Há parcerias com Fagner, Jorge Aragão, Sombrinha, Toninho Geraes entre outros. Há também 12 canções inéditas que ele acaba de gravar no disco de Douglas Lemos, nome que, aos 27 anos, desponta entre os novos talentos do samba.

Toda essa urgência em compor em meio à pandemia tem a ver com o medo de morrer que se abateu recentemente sobre Moa, de 62 anos. Ele ainda não se recuperou da perda do parceiro Aldir Blanc, em maio — com ele, aliás, tem cinco parcerias inéditas (ouça a última delas, “Palácio de lágrimas”, abaixo).

Mas o comandante do Samba do Trabalhador, que acontece há 15 anos no Renascença Clube, no Andaraí, espanta o baixo a astral e manda avisar: assim que for seguro, a roda que é patrimônio cultural do Rio vai voltar. É possível que seja já no mês que vem, quando está previsto (dia 14) o início da 6ª fase do Plano de Retomada da prefeitura. Ela inclui a liberação de shows com 1/3 da capacidade total da casa, entre várias outras normas. Tudo ainda depende, no entanto, da curva da Covid-19. O que é certo, por ora, é a live que o grupo faz no próximo dia 3, diretamente do Rena. Vai dar para matar um tiquinho da saudade.

Quais serão os cuidados para o que Samba do Trabalhador volte com segurança e qual a previsão do retorno?

Acompanho a flexibilização no Rio e rezo para dar certo. Porque ninguém tem condições psicológicas de encarar outro período de isolamento. É muito sofrido. Dia 3, faremos essa live no Renascença sem público. Vamos voltar em agosto. Como? Ainda é uma incógnita. Teremos que higienizar mesas e cadeiras do tempo todo, usar copo de plástico e máscara. Vai ser um copo de cerveja numa mão e um de álcool gel na outra. Se antes entravam 1.200 pessoas, agora serão 300. O mais difícil vai ser o bom senso. Como controlar as pessoas? Cansei de levar cerveja nas costas de gente colada atrás de mim enquanto eu tocava. Não consigo imaginar um samba sem aglomeração. É como um gol sem abraço. Teremos que conviver com algo fora do nosso status quo.

Poesia | Manuel Bandeira - O impossível carinho

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!