A
grande aposta é que as sociedades nunca se deixam aprisionar por muito tempo.
Reza
a sabedoria dos políticos de Minas que no tempo das cédulas de papel, dos cabos
eleitorais e fiscais de urna, com a contagem de votos seguindo lenta e
sinuosamente por dias a fio, era necessário vencer não só a eleição
propriamente dita, como também a apuração, não sendo impossível ter êxito na
primeira e fracassar na segunda dessas empreitadas. Pois é de tal ordem o
ataque desferido contra as democracias, incluída a aparentemente mais sólida
delas, que aquela sabedoria saiu dos limites do folclore local e passou a
rondar a vida de muitas nações. Não podemos dar por certo e decidido que daqui
a duas semanas, nos Estados Unidos, se faça rotineiramente a contagem
eleitoral, se proclame o vencedor e se providenciem as formalidades de praxe,
especialmente em caso de vitória de Joe Biden, o desafiante.
A
globalização da economia, que não é propriamente o resultado de ação
consciente, sem dúvida desorganizou arranjos produtivos nacionais e deixou
livre o cenário para a ofensiva contra os pilares da ordem democrática e os
compromissos que ela implica. Um ataque em pinça, diríamos, tomando de
empréstimo uma expressão do léxico militar, a que tantas vezes se recorre para
entender a política. Sociedade civil e sociedade política constituíram,
respectivamente, os alvos da dupla ação destrutiva, levada a cabo com
regularidade e constância nestes últimos tempos. Portanto, há método nesta ação
aparentemente anárquica, mas claramente voltada para o estabelecimento de
padrões autocráticos de mando.
Tomemos
a sociedade civil, o lugar por excelência de encontro e confronto entre
opiniões e valores, visões e concepções de mundo próximas ou concorrentes entre
si. O lugar da hegemonia, em suma, entendida como capacidade de persuasão, não
de imposição ou força. Há muito essa esfera decisiva da vida social vem sendo
atingida por uma escalada crescente de descrença, barbárie, irracionalismo. Não
há nostalgia romântica quando se observa a contínua degradação da linguagem
pública, de suas imagens e seus signos. É possível, por exemplo, que ainda não
nos tenhamos dado conta plenamente da violência simbólica explicitada nas mãos
que imitavam armas e simulavam rajadas de tiros, “desferidos” em meio ao
deboche. Pois foram essas mãos a marca principal das eleições de 2018 –
comparativamente, a vetusta vassoura de Jânio Quadros, outro político
irresponsável da direita nacional, vem à memória como sinal inocente e até
bem-humorado de uma época com índices relativamente menores de desfaçatez.