segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Fernando Gabeira - Uma vacina contra a estupidez

- O Globo

A dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu

Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond.

Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra.

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular.

Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação.

Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan.

Ana Maria Machado - A horrível cara do Brasil

- O Globo

Perversidade está levando negros a se matarem mutuamente, além de serem vítimas dos brancos

O Rio Grande do Sul já elegeu um negro, Alceu Collares, para governador e prefeito da capital. Acaba de nos dar dois bons romances mostrando o racismo — sobre o assassinato de um professor negro pela polícia (“O avesso da pele”) e refletindo sobre o que significa ser pardo (“Marrom e amarelo”). Mas o assassinato gaúcho de João Alberto expõe a profundidade e extensão do racismo onipresente no país todo. Obriga a ir além da empatia e do afeto e compreender seus indissolúveis elos com nossa desigualdade estrutural.

A força da mestiçagem e da presença africana e indígena em nossa cultura pode ter ajudado a mascarar a entranhada persistência do racismo a negar oportunidades para os negros, relegados à pobreza. Nem mesmo conseguimos garantir educação pública universal e de qualidade, com recursos e docentes bem formados, para que a totalidade de pretos e pardos esteja em pé de igualdade com brancos para ocupar qualquer espaço.

Cacá Diegues - O Natal do menino Brasil

- O Globo

Nunca fomos o paraíso anunciado, enganamos todo mundo

Não se pode deixar de reconhecer que, vítimas de um equívoco, fomos meio largados no mundo por quem financiou a nossa “descoberta”. Nos primeiros anos depois de Cabral, os reis de Portugal nos ignoraram, mais preocupados com o fim da Inquisição que os havia tornado decisivos nos costumes da Idade Média europeia, encerrada com os huguenotes de Lutero e Calvino na fogueira.

Fomos colonizados por pés-rapados, valentes aventureiros, sonhadores que não tinham nada a ver com a tensa elite lusitana. Queriam era atravessar o Mar Tenebroso e chegar ao Novo Mundo para começar vida nova em nome de Cristo e do futuro financeiro da família. Só pensavam em encontrar terras cultiváveis, madeiras de valor como o pau-brasil, escravos indígenas a mancheias, valores que os tornariam quem sabe até festejados pela sociedade europeia que respirava uma Renascença iluminista, os novos tempos.

Com a Independência e o Império dos dois Pedros, depois que, em 1808, dom João VI fugira de Lisboa com amigos e familiares para não ter que enfrentar a ocupação francesa de Napoleão Bonaparte, o Brasil foi obrigado a descobrir (ou a escolher) quem era. O príncipe fujão criara o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com capital no Rio de Janeiro, e foi daí que, preocupados com o futuro, começamos a construir nosso passado. Um passado de fantasias, criado por intelectuais e artistas submetidos às ideias do imperador.

Ricardo Noblat - Taokey, Jair Bolsonaro, você venceu!

- Blog do Noblat | Veja

Sociedade com o vírus pouco custou ao presidente até agora

Morreram quase 187 mil pessoas? Mais de 7 milhões foram infectadas? E daí? Quem tiver que morrer, morrerá. A pandemia só chegará ao fim depois que o vírus contaminar mais de 75% da população. É assim que o presidente Jair Bolsonaro sempre pensou desde quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, o pressionava para combater a pandemia. E assim será.

O governo não tem pressa em comprar vacinas. Ou melhor: gastar com vacinas, seringas, agulhas. Foi o próprio presidente da República quem o disse numa conversa com seu filho Eduardo, o Zero Três, deputado federal, lobista de empresas americanas de armas, o embaixador do Brasil em Washington que tentou ser, mas deu ruim. A natureza de Bolsonaro não mudou nem mudará.

Só tirou Abraham Weintraub do Ministério da Educação porque se sentiu ameaçado por um processo de impeachment. Weintraub havia sugerido a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, “esses vagabundos”. Como prêmio de consolação, ganhou uma diretoria do Banco Mundial nos Estados Unidos. Salário em dólar. Aí começou a farsa de que Bolsonaro iria trocar de pele.

Dizia-se que, assustado, ele aprendera a respeitar a Justiça e o Congresso, escolhera o diálogo como principal instrumento de governo e decidira compartilhar o poder com os partidos. Tudo como fizeram seus antecessores. Finalmente, um presidente normal, e não um destruidor do sistema como ele se pretendia. A democracia estava salva. Aleluia, irmãos! Deus é pai!

Marcus André Melo* - Quem levará o crédito?

- Folha de S. Paulo

Com a vacinação, Bolsonaro será o principal beneficiário do crédito político

A combinação de segunda onda e a descoberta da vacina inauguram uma nova fase no jogo da responsabilização na crise sanitária. Na primeira onda tivemos 27 pandemias, como enfatizei aqui. Na onda atual a pandemia nacionalizou-se e se espalhou por todo o território. E mais importante: a política da vacina federalizou-se.

Na primeira onda, o padrão da pandemia caracterizou-se pela difusão temporal desigual em alguns poucos estados e capitais, o que gerou um processo emulativo nas respostas subnacionais à crise. A principal consequência deste processo foi a gradativa desresponsabilização do governo federal.

Nos meses iniciais da pandemia a estratégia de Bolsonaro de deslocamento dos custos políticos da crise sanitária era clara: buscava transferi-los para as esferas subnacionais de governo. O pressuposto era que a crise era tóxica tanto pelos seus aspectos sanitários quanto econômicos. O caráter descentralizado de gestão do SUS facilitava a transferência de responsabilidade; esperava-se que inexoravelmente governadores e prefeitos arcariam com o custos políticos envolvidos. E isso também valeria para ações envolvendo quarentena e lockdowns.

Celso Rocha de Barros* - Esquerda acerta ao apoiar Maia

- Folha de S. Paulo

Aliança multipartidária é reação correta à escalada autoritária bolsonarista

Os partidos de esquerda estão de parabéns por terem decidido apoiar o grupo de Rodrigo Maia na eleição para presidente da Câmara dos Deputados. A aliança recebeu o nome de União da Democracia e da Liberdade.

A esquerda brasileira tem diferenças legítimas com o centro e a direita. Os últimos cinco anos, em especial, causaram feridas profundas, que vão exigir tempo e diálogo para cicatrizar.

Mas a esquerda não é mais o PT dos anos 1980, uma voz de protesto sem acesso ao poder. Depois de 13 anos na Presidência, a esquerda é um dos pilares da democracia brasileira, uma das forças responsáveis por sua preservação.

Tem grandes partidos, grandes lideranças, um legado —do SUS ao Bolsa Família, passando pelos direitos LGBT e pelas cotas para negros e negras nas universidades, da preservação da Amazônia aos sucessos educacionais de Ceará e Pernambuco.

A esquerda é grande o suficiente para fazer diferença na hora de recolocar a democracia de pé. É do interesse dos trabalhadores que ela seja recolocada de pé.

E o outro cara é o Jair.

Catarina Rochamonte - O centro e o centrão

- Folha de S. Paulo

Extremistas raramente se reconhecem como centro, mas acusam quem está nessa posição de pertencer ao extremo oposto

Em relação às recentes eleições municipais, afirmou-se o centro como vitorioso, gerando-se a expectativa de que essa tendência de fuga dos extremos se mantenha em 2022. Não é difícil constatarmos, no momento político brasileiro, alguns fenômenos abordados por Norberto Bobbio no livro Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. Essa fuga dos extremos de que falamos, por exemplo, pode ter resultado do seguinte movimento: o extremismo de esquerda deslocou a esquerda mais para a direita e o extremismo de direita deslocou a direita mais para a esquerda.

Denis Lerrer Rosenfield* - Mercado e costumes

- O Estado de S. Paulo

Não há demagogia que resista a doença, morte, desemprego, queda de renda e de expectativas

As eleições para as Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado cruzam-se com as intenções demonstradas pelo presidente de uma minirreforma ministerial, tendo como pano de fundo as eleições de 2022. Mais importante ainda, como chegará o Brasil até lá, atolado em grave crise fiscal, desemprego, queda do produto interno bruto (PIB) e numa pandemia que não dá sinais de arrefecer? Nada é aleatório na correlação de forças que assim se estabelece.

No que diz respeito à reforma ministerial anunciada, há dois tipos de projetos em questão. Um seria uma reforma pró-mercado, mexendo com os Ministérios do Meio Ambiente, da Economia e das Relações Exteriores; outro seria pró-costumes, mexendo com os Mistérios da Cidadania, do Turismo, a Secretaria de Governo e a recriação do Ministério dos Esportes. Sob outra óptica, o mesmo estaria ocorrendo na disputa pelas duas Casas Legislativas, principalmente na Câmara, com as candidaturas em voga sinalizando para o mesmo cenário: o candidato do presidente adotando uma postura pró-costumes e o do grupo do deputado Rodrigo Maia, pró-mercado. À esquerda caberá escolher entre as duas, guardando a posição de partícipe espectadora. Pode ser decisiva por seus votos, porém perdeu protagonismo do ponto de vista das ideias.

Almir Pazzianotto Pinto* - O ministro, a economia e o desemprego

- O Estado de S. Paulo

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho Bolsonaro terá poucas chances em 2022

Dentro de alguns dias o governo Bolsonaro completará dois anos. Metade do mandato foi consumida com providências mal alinhavadas para a retomada do crescimento. Incorrigíveis otimistas falam em recuperação da economia, embora admitam que os resultados são inconvincentes. É o que mostram as estatísticas sobre desemprego.

Há contradição em termos quando se fala em crescimento do produto interno bruto (PIB) se índices oficiais revelam que o desemprego atingiu no último trimestre 14,6% e pode chegar a 17% em 2021. Afinal, ninguém ignora que o mercado de trabalho é o espelho da economia.

As maiores taxas de desocupação registram-se na Bahia, 20%, em Sergipe, 19,8%, Alagoas, 17,8%, Amazonas, 16,5%, e Rio de Janeiro, 16,4%. São Paulo, o Estado mais populoso e desenvolvido, segundo o IBGE tem 13,6% de desempregados. Os menores índices pertencem a Santa Catarina, 6,9%, Paraná, 9,6%, e Rio Grande do Sul, 9,4%. Segundo as mesmas pesquisas temos 5,9 milhões de desalentados, que abandonaram a ideia de recolocação.

A responsabilidade pela crise não pode ser atribuída apenas ao presidente Jair Bolsonaro. É indesmentível, porém, que se aprofundou, turbinada pelo ambiente político e pela pandemia de covid-19, cujas extensão e gravidade não consegue entender. Em 1.º/1/2019, quando tomou posse, o Brasil já se achava em situação pré-falimentar. A presidente Dilma Rousseff foi deposta pelo descalabro da economia, com inevitáveis repercussões nas contas públicas e privadas. Não o foi pelas pedaladas. Incapacidade administrativa, embora em elevado grau, não bastaria para despojá-la de mandato obtido nas urnas em eleições democráticas. O País, todavia, já não se conformava com a inépcia governamental. Embora incompetência não seja crime, o despreparo de Dilma, motivo geral de chacotas, combinada com forte dose de arrogância, colaborou de forma decisiva para enquadrá-la no artigo 85, V, da Constituição.

Moisés Naim* - Trumpismo sobreviverá


- O Estado de S. Paulo

Trump será o primeiro presidente dos EUA a ter um movimento político de massas com seu nome, como Mao Tsé-tung e Chávez

Os seguidores mais entusiasmados de Mao Tsé-tung, Juan Domingo Perón, Charles De Gaulle, Fidel Castro e Hugo Chávez deram lugar a movimentos políticos mais duradouros do que os líderes que os inspiraram.

Donald Trump será o primeiro presidente dos EUA a ter um movimento político de massas com seu nome. O trumpismo – caracterizado por sua retórica combativa contra elites e imigrantes, seu nacionalismo nostálgico, sua tendência autocrática e sua manipulação narcisista da mídia – tem muito em comum com movimentos políticos que adotaram o nome de seu líder. O trumpismo terá, portanto, uma vida longa e transcenderá Trump.

Alguns desses movimentos tiveram influência internacional, como o maoismo, enquanto outros eram predominantemente regionais, como o castrismo cubano, e alguns eram puramente nacionais, como o gaullismo francês e o peronismo argentino.

Esses movimentos têm muitas semelhanças: a transgressão rotineira das normas políticas estabelecidas, o oportunismo descontrolado, a propensão ao autoritarismo, o anti-intelectualismo e a hostilidade a regras e instituições que limitam a concentração de poder no Executivo são apenas algumas. O mesmo ocorre com a feroz inimizade contra rivais que não são vistos como compatriotas de ideias diferentes, mas como inimigos mortais.

Bruno Carazza* - Saúde, paz, união...e reforma tributária

- Valor Econômico

Reforma tributária não vai sair se todos não cederem

Se acreditassem em Papai Noel, certamente a maioria dos empresários brasileiros desejaria o fim da pandemia e uma reforma tributária em 2021.

Enquanto escrevo este texto, às 16:39h de domingo (20/12), o Impostômetro calculado pela Associação Comercial de São Paulo indicava 1,987 trilhão de reais em tributos pagos neste ano - o que indica que provavelmente ao longo desta semana ultrapassaremos a marca de R$ 2 trilhões arrecadados pelos governos de todos os brasileiros. Trata-se de apenas um de vários indicadores de nossas distorções neste campo.

Pode-se criticar a metodologia de rankings de ambiente de negócios como o Doing Business, do Banco Mundial, ou o índice de competitividade do Fórum Econômico Mundial, mas ninguém discorda que o Brasil seja um dos países que demanda mais tempo e recursos humanos para o cumprimento de todas as exigências tributárias da União, 27 Estados e mais de 5 mil municípios.

Essa complexidade traz consigo uma alta litigiosidade, que congestiona o nosso Judiciário. De acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, apenas no ano de 2019 foram iniciados 5.168.177 novos processos envolvendo impostos, taxas e contribuições - um número que dá a medida da insegurança jurídica no país gerada pelo nosso sistema tributário.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Chegamos ao fim de 2020

- Valor Econômico

O controle da pandemia abrirá condições para promover as mudanças no funcionamento da nossa economia

Certamente 2020 entrará para a história como um dos anos mais difíceis vividos pela humanidade com o aparecimento de um vírus mortal que colocou em cheque parte do conhecimento acumulado nas últimas décadas. Este seu status deriva não apenas do número de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo, mas também por mudanças importantes do protocolo de funcionamento das economias nacionais. A chamada globalização, que era considerada o modelo mais eficiente para a economia mundial, terá que ser repensada em função dos riscos que a ultra mobilidade entre os mercados nacionais revelou agora.

Mas, nesta última coluna do ano, prefiro restringir minhas reflexões na evolução da economia brasileira neste período e, principalmente, o que esperar para 2021. A partir do momento em que foi possível entender a natureza da crise econômica provocada pela covid procurei centrar minha atenção nos seus aspectos estruturais de mais longo prazo, deixando a conjuntura para outros profissionais. Aprendi, ao longo da carreira profissional, que em momentos de crise grave é esta postura a mais adequada para fugir das armadilhas e ruídos do curto prazo. Relendo minhas colunas deste ano foi possível fazer uma linha do tempo da evolução de meu entendimento do que iríamos enfrentar.

Alex Ribeiro - BC abre os segredos dos seus modelos de projeção

- Valor Econômico

Analistas debatem se muita transparência poderá atrapalhar

O Banco Central deu um passo inédito na transparência ao abrir os detalhes de seus modelos de projeção de inflação. Os especialistas em políticas monetária estão divididos sobre a novidade: alguns dizem que já era a hora de o Brasil se alinhar às melhores práticas internacionais, enquanto que outros veem danos potenciais à credibilidade do BC e o risco de se tornar um pouco escravo da matemática nas suas decisões sobre os juros, com menos espaço para o julgamento.

As informações foram publicadas num boxe do Relatório de Inflação do BC de dezembro, e consistem em cinco equações matemáticas incompreensíveis para os não iniciados, repletas de letras gregas, como alfa, pi, delta e teta. São os segredos guardados a sete chaves pelo Banco Central que mostram quanto, por exemplo, a inflação sobe quando uma recessão aumenta o grau de ociosidade da economia ou qual é a inércia uma vez que os preços começam a aumentar.

As projeções de inflação feitas pelo Banco Central são importantes porque costumam sinalizar os passos futuros de política monetária. Se estão muito abaixo da meta de inflação, em tese há espaço para juros menores; se estão acima do alvo, os juros devem subir.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Imunidade e responsabilidade do presidente – Opinião | O Estado de S. Paulo

A imunidade do presidente da República é muito ampla, mas não é total. Tudo o que se faz no cargo é plenamente passível de responsabilização

Ao tratar das responsabilidades do chefe do Executivo, a Constituição dispõe: “O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, § 4.º). Excepcionalíssima, essa imunidade é atribuída exclusivamente ao presidente da República. Seu objetivo é assegurar condições para o exercício do cargo, impedindo a responsabilização de qualquer ato, por mais grave que seja, não relacionado às funções presidenciais.

A Constituição fez, assim, clara opção. Considera que é preferível atrasar a investigação de eventuais atos ilegais do presidente da República que não estejam relacionados à sua função presidencial do que submeter o ocupante do Palácio do Planalto a pressões judiciais que poderiam trazer graves prejuízos ao País. Mais do que preservar a pessoa do presidente da República, essa imunidade constitucional vem proteger o exercício da função presidencial. Seu objetivo é assegurar que o chefe do Executivo federal possa, de fato e de direito, exercer o poder que lhe foi conferido pelo voto popular.

Muitas vezes, essa imunidade foi criticada, como se fosse instrumento de impunidade. A autoridade que, de certa forma, concentra mais poder no País teria um regime privilegiado. Concorde-se ou não com a crítica, é preciso reconhecer que a imunidade do presidente da República é de fato muito ampla. Ele não pode ser responsabilizado por nenhum ato estranho ao exercício de suas funções.

Poesia | Ferreira Gullar - Arte poética

Não quero morrer não quero 
apodrecer no poema 
que o cadáver de minhas tardes 
não venha feder em tua manhã feliz 
e o lume 
que tua boca acenda acaso das palavras 
- ainda que nascido da morte - 
some-se aos outros fogos do dia 
aos barulhos da casa e da avenida 
no presente veloz 

Nada que se pareça 

a pássaro empalhado, múmia 
de flor 
dentro do livro 
e o que da noite volte 
volte em chamas 
ou em chaga 

vertiginosamente como o jasmim 

que num lampejo só 
ilumina a cidade inteira.