terça-feira, 24 de agosto de 2021

Cristian Klein - Pacto de governadores causa revés a Bolsonaro

Valor Econômico

Encontro em defesa da democracia contou com representantes de 25 dos 27 Estados e sugeriu reunião com presidente e chefes dos demais Poderes para abaixar temperatura da crise institucional

Diante do acirramento da crise entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), e com as ameaças de golpe e politização da Polícias Militares feitas pelo presidente, 25 chefes de Executivos estaduais reuniram-se ontem, ou enviaram representantes, ao Fórum Nacional de Governadores, no qual foi sugerida a criação de um pacto pela democracia e de onde saiu um pedido de três reuniões, entre os governadores e os presidentes de Poderes.

A resolução do encontro refletiu uma estratégia cautelosa, diante da necessidade de conciliar diferentes interesses, mas representou simbolicamente um revés para Bolsonaro, uma vez que a iniciativa conseguiu a adesão de governadores alinhados ao Planalto, como Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás. Dos 27 chefes estaduais, apenas dois não compareceram nem se fizeram representar. Em 2018, Bolsonaro foi eleito com o apoio de 15 governadores.

Ao Valor, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, comemorou: “Conseguimos uma unidade de todos em torno da defesa da democracia. Isso foi importante. Não conseguiríamos em outros temas, mas neste conseguimos. Foi uma vitória”. O governador classificou a reunião como “equilibrada” e “ponderada”. “Porque nós não avançamos num processo de enfrentamento e, sim, reafirmamos um pacto em defesa da democracia, da necessidade do respeito à Constituição e às normas legais, da harmonia e da independência dos Poderes, mas também nos colocamos como instrumento do diálogo e da pacificação entre as instituições brasileiras”, disse.

O saldo do encontro foi a preferência por uma posição de consenso, que mantivesse a coesão do grupo, sem querer jogar mais combustível na crise, como tem demonstrado o Executivo federal. Em vez de uma única reunião com o ocupante do Planalto, os governadores decidiram pelo envio de pedidos de encontro com os chefes do Legislativo - os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - e com o presidente do STF, Luiz Fux, diluindo a responsabilização de Bolsonaro pela crise.

A defesa da democracia, principal tema do Fórum de Governadores, foi pautada a partir de uma iniciativa dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), depois que Bolsonaro entrou, na sexta-feira, com um pedido de impeachment no Senado contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e anunciou que fará o mesmo contra o ministro Luís Roberto Barroso, nos “próximos dias”.

Na mobilização para os atos marcados para o feriado de 7 de setembro, apoiadores do presidente têm imprimido um tom de confronto com as instituições acima do já praticado por bolsonaristas. Há promessas de baderna e vandalismo, inclusive com a participação de integrantes da Polícia Militar.

Durante a reunião, Doria alertou seus pares para o risco de manipulação das PMs por Bolsonaro (ver acima). O governador de São Paulo destacou, em seu discurso, o afastamento do comandante de batalhão que usou redes sociais para atacá-lo - assim como ao STF e a congressistas - e publicou postagens convidando seguidores para as manifestações do Dia da Independência, um posicionamento político proibido por lei para os militares. No fórum, segundo Wellington Dias, os governadores firmaram compromisso de atuarem contra a politização das polícias, as quais Bolsonaro busca cooptar.

No encontro híbrido, do qual a maioria participou virtualmente, Doria propôs a assinatura de uma carta em defesa da democracia e das instituições, com crítica mais assertiva a Bolsonaro, o que encontrou resistência entre os governadores próximos do presidente, como Carlos Moisés (ex-PSL, sem partido), de Santa Catarina. O tucano disse respeitar a opinião, mas insistiu e argumentou que combater os arroubos autoritários seria um “dever” de todos.

“Temos o dever de defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente. O país sofre uma ameaça constante em relação à democracia. Basta ver as manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que flerta com o autoritarismo permanentemente e muitos dos seus ministros endossam isso”, disse Doria.

Dois dos 27 governadores não compareceram nem enviaram representante: o do Amazonas, Wilson Lima (PSC); e o de Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), entrou virtualmente no início da reunião e depois saiu para participar de evento da Fecomercio. Deixou em seu lugar o secretário de Fazenda, Nelson Rocha.

Em fevereiro de 2020, sete governadores deixaram de assinar uma carta aberta com críticas a Bolsonaro, documento que também terminava fazendo um convite ao presidente para que participasse da reunião seguinte do fórum, que ocorreria em abril. Menos de um mês antes, em março, Bolsonaro participou de um encontro mais restrito, com governadores do Sudeste, no qual bateu boca com Doria, que é pré-candidato à sua sucessão.

Ao Valor, Casagrande disse que por mais que os governadores entendam que não há espaço para uma ruptura institucional, a instabilidade tem causado um prejuízo “sem fim” para a economia e para a sociedade brasileira, impedindo que investimentos sejam feitos no país. Questionado se haveria clima para encontro com Bolsonaro, o mandatário capixaba reconheceu que o presidente “tem essa característica” [do confronto]. “Não temos falsas expectativas. Não sei nem se ele vai querer se reunir. Mas os governadores estão dando um sinal de que não querem só guerra. Precisamos tentar. Porque a situação hoje é muito pior do que já tivemos. Quem sabe a equipe em torno dele considere uma pacificação nesse momento, para diminuir a temperatura. Nossa parte temos que fazer. Nós [governadores] não podemos alimentar esse tensionamento”, afirmou.

Para Casagrande, não há condescendência das instituições e dos partidos diante dos abusos de Bolsonaro, alvo de mais de uma centena de pedidos de impeachment. “Não tem ambiente para impeachment porque ele tem 30% de apoio da população, e com esse percentual ninguém consegue impedir um presidente. A Dilma tinha 9%. Ele ainda está num ambiente político que o protege”, lembra.

Casagrande diz que os “governadores poderiam partir para cima” e “teríamos entre 14 e 15” deles apoiando o impeachment. “Metade tem uma posição mais firme, a outra menos. Seria um movimento político de governadores dividido. A nossa unidade agora é nossa arma, para tentar ajudar o país”, disse.

 

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