Valor Econômico
Encontro em defesa da democracia contou com
representantes de 25 dos 27 Estados e sugeriu reunião com presidente e chefes
dos demais Poderes para abaixar temperatura da crise institucional
Diante do acirramento da crise entre Jair
Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), e com as ameaças de
golpe e politização da Polícias Militares feitas pelo presidente, 25 chefes de
Executivos estaduais reuniram-se ontem, ou enviaram representantes, ao Fórum
Nacional de Governadores, no qual foi sugerida a criação de um pacto pela
democracia e de onde saiu um pedido de três reuniões, entre os governadores e
os presidentes de Poderes.
A resolução do encontro refletiu uma
estratégia cautelosa, diante da necessidade de conciliar diferentes interesses,
mas representou simbolicamente um revés para Bolsonaro, uma vez que a
iniciativa conseguiu a adesão de governadores alinhados ao Planalto, como
Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás. Dos
27 chefes estaduais, apenas dois não compareceram nem se fizeram representar.
Em 2018, Bolsonaro foi eleito com o apoio de 15 governadores.
Ao Valor, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, comemorou: “Conseguimos uma unidade de todos em torno da defesa da democracia. Isso foi importante. Não conseguiríamos em outros temas, mas neste conseguimos. Foi uma vitória”. O governador classificou a reunião como “equilibrada” e “ponderada”. “Porque nós não avançamos num processo de enfrentamento e, sim, reafirmamos um pacto em defesa da democracia, da necessidade do respeito à Constituição e às normas legais, da harmonia e da independência dos Poderes, mas também nos colocamos como instrumento do diálogo e da pacificação entre as instituições brasileiras”, disse.
O saldo do encontro foi a preferência por
uma posição de consenso, que mantivesse a coesão do grupo, sem querer jogar
mais combustível na crise, como tem demonstrado o Executivo federal. Em vez de
uma única reunião com o ocupante do Planalto, os governadores decidiram pelo
envio de pedidos de encontro com os chefes do Legislativo - os presidentes da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - e com o
presidente do STF, Luiz Fux, diluindo a responsabilização de Bolsonaro pela
crise.
A defesa da democracia, principal tema do
Fórum de Governadores, foi pautada a partir de uma iniciativa dos governadores
de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), depois que
Bolsonaro entrou, na sexta-feira, com um pedido de impeachment no Senado contra
o ministro do STF Alexandre de Moraes e anunciou que fará o mesmo contra o
ministro Luís Roberto Barroso, nos “próximos dias”.
Na mobilização para os atos marcados para o
feriado de 7 de setembro, apoiadores do presidente têm imprimido um tom de
confronto com as instituições acima do já praticado por bolsonaristas. Há
promessas de baderna e vandalismo, inclusive com a participação de integrantes
da Polícia Militar.
Durante a reunião, Doria alertou seus pares
para o risco de manipulação das PMs por Bolsonaro (ver acima). O governador de
São Paulo destacou, em seu discurso, o afastamento do comandante de batalhão
que usou redes sociais para atacá-lo - assim como ao STF e a congressistas - e
publicou postagens convidando seguidores para as manifestações do Dia da
Independência, um posicionamento político proibido por lei para os militares.
No fórum, segundo Wellington Dias, os governadores firmaram compromisso de
atuarem contra a politização das polícias, as quais Bolsonaro busca cooptar.
No encontro híbrido, do qual a maioria
participou virtualmente, Doria propôs a assinatura de uma carta em defesa da
democracia e das instituições, com crítica mais assertiva a Bolsonaro, o que
encontrou resistência entre os governadores próximos do presidente, como Carlos
Moisés (ex-PSL, sem partido), de Santa Catarina. O tucano disse respeitar a
opinião, mas insistiu e argumentou que combater os arroubos autoritários seria
um “dever” de todos.
“Temos o dever de defender a democracia,
Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente.
O país sofre uma ameaça constante em relação à democracia. Basta ver as
manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que flerta com o
autoritarismo permanentemente e muitos dos seus ministros endossam isso”, disse
Doria.
Dois dos 27 governadores não compareceram
nem enviaram representante: o do Amazonas, Wilson Lima (PSC); e o de Tocantins,
Mauro Carlesse (PSL). O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), entrou
virtualmente no início da reunião e depois saiu para participar de evento da
Fecomercio. Deixou em seu lugar o secretário de Fazenda, Nelson Rocha.
Em fevereiro de 2020, sete governadores
deixaram de assinar uma carta aberta com críticas a Bolsonaro, documento que
também terminava fazendo um convite ao presidente para que participasse da
reunião seguinte do fórum, que ocorreria em abril. Menos de um mês antes, em
março, Bolsonaro participou de um encontro mais restrito, com governadores do
Sudeste, no qual bateu boca com Doria, que é pré-candidato à sua sucessão.
Ao Valor, Casagrande disse que por
mais que os governadores entendam que não há espaço para uma ruptura
institucional, a instabilidade tem causado um prejuízo “sem fim” para a
economia e para a sociedade brasileira, impedindo que investimentos sejam
feitos no país. Questionado se haveria clima para encontro com Bolsonaro, o
mandatário capixaba reconheceu que o presidente “tem essa característica” [do
confronto]. “Não temos falsas expectativas. Não sei nem se ele vai querer se
reunir. Mas os governadores estão dando um sinal de que não querem só guerra.
Precisamos tentar. Porque a situação hoje é muito pior do que já tivemos. Quem
sabe a equipe em torno dele considere uma pacificação nesse momento, para
diminuir a temperatura. Nossa parte temos que fazer. Nós [governadores] não
podemos alimentar esse tensionamento”, afirmou.
Para Casagrande, não há condescendência das
instituições e dos partidos diante dos abusos de Bolsonaro, alvo de mais de uma
centena de pedidos de impeachment. “Não tem ambiente para impeachment porque
ele tem 30% de apoio da população, e com esse percentual ninguém consegue
impedir um presidente. A Dilma tinha 9%. Ele ainda está num ambiente político que
o protege”, lembra.
Casagrande diz que os “governadores
poderiam partir para cima” e “teríamos entre 14 e 15” deles apoiando o
impeachment. “Metade tem uma posição mais firme, a outra menos. Seria um
movimento político de governadores dividido. A nossa unidade agora é nossa
arma, para tentar ajudar o país”, disse.
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