quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Míriam Leitão - O sujeito do golpe é o chefe da Nação

O Globo

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que o “chefe da Nação” tenta tirar a credibilidade do STF e de seus membros e usou a expressão “crime de responsabilidade” para definir a ameaça do presidente de não cumprir uma ordem judicial. Isso é muito em um país em que as autoridades preferem eufemismos ou orações sem sujeito. É como se todos os poderes estivessem em guerra, igualmente culpados. Não é isso. Há um sujeito, o presidente da República, atacando diariamente as bases da democracia brasileira. Ele sim, Jair Bolsonaro, usou o 7 de setembro para escalar as ameaças, o tom do golpismo. Meias palavras, subentendidos, orações com sujeito indeterminado não servem para defender as instituições.

A economia traz aflições diárias aos brasileiros, como lembrou Fux em seu discurso. “A inflação que corrói a renda dos pobres”, apontou. Hoje será divulgada a inflação de agosto. O número deve ficar em 0,73% na previsão do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. O economista Roberto Padovani, do Banco BV, calcula 0,71%. Os produtos que subiram mais foram carnes, aves, leite, pão e café. Em setembro, a alta será maior por causa da conta de luz. O índice de setembro pode ficar em 0,9%. A inflação pode chegar, com o dado de hoje, a 9,5% e com o índice de setembro pode tocar os 10%. Um patamar inacreditável.

É desse problema real e concreto que Bolsonaro foge com a sua retórica radical e seu plano golpista. Ele não tem resposta para a inflação que corrói também sua popularidade, não se importa com o alto nível do desemprego. Da mesma forma que jamais se importou com os nossos mortos, mais de 580 mil.

O caso de Bolsonaro não é apenas de mau governo. É um perigo para o país deixá-lo no cargo. Lá ele está usando recursos públicos, o aparato presidencial, a máquina do Estado contra a democracia. Para uma pessoa que sempre sonhou com a ditadura, ele está no lugar certo. Por isso, a única defesa possível é o impeachment, que já defendi neste espaço várias vezes.

Impeachment porque ele é um inimigo da democracia, impeachment porque ele cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, impeachment porque, como disse o ex-ministro Celso de Mello, Bolsonaro é um político que não está à altura do cargo que exerce, não tem estatura presidencial e senso de estadista.

Fux, ao falar de crime de responsabilidade, acrescentou “a ser analisado pelo Congresso Nacional”. O presidente da Câmara, Arthur Lira, contudo, não deixou esperança em seu discurso de que analisará qualquer dos muitos pedidos de impeachment que jazem em sua gaveta.

A alguns interlocutores ele disse que ficara chocado com dois pontos, a ameaça de Bolsonaro de não cumprir ordem judicial e a insistência sobre o voto impresso. Esse último ponto esteve em seu discurso. “Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas, como a do voto impresso”. E acrescentou: “vire-se a página”.

No mercado financeiro, a reação a esse aumento da incerteza política brasileira arrastou-se durante todo o dia. O Ibovespa amanheceu caindo e assim ficou, aprofundando a queda quando as notícias eram as de que caminhoneiros estavam bloqueando as estradas em movimento a favor do governo. Caminhoneiros contra o governo de Allende, no Chile, tiveram sucesso, mas um “protesto a favor” já é bem mais duvidoso. O desabastecimento, se ocorrer, sempre será responsabilidade do governo.

No começo do pregão perguntei a um economista de banco como seria o dia. “Tenso”, ele disse. Essa tensão recairia, previu, sobre os preços, dólar, bolsa, juros longos. Outro explicou que o problema agora é o Orçamento. Todas as soluções para o problema passariam ou por um entendimento com o Judiciário ou por coesão no Congresso. E não se tem isso após os ataques do presidente ao STF. “Logo temos um impasse. E impasses não agradam ao mercado”.

Bolsonaro atirou em seu próprio pé. As perdas em valor de mercado na bolsa chegaram a R$ 195 bilhões em um único dia, segundo a Economática. Somente a Petrobras perdeu quase R$ 20 bi. A instabilidade sempre bate nos preços e todos os economistas com os quais falei disseram que já há contaminação de 2022, com redução do crescimento e alta da previsão de inflação. Os problemas econômicos pioram por causa do presidente Bolsonaro, mas ele continua com o seu projeto: um golpe contra a democracia. Ele é o sujeito dessa ação.

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