sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Entrevista | João Doria: “Este governo se autodestroi e quer destruir o próximo”

Governador paulista propõe reforma administrativa ampla e rápida como primeiro ato se chegar à Presidência

Por Maria Cristina Fernandes e César Felício / Valor Econômico

Pré-candidato à Presidência pelo PSDB, o governador de São Paulo João Doria renova o antagonismo ao presidente Jair Bolsonaro no centro de seu discurso. Para o paulista, Bolsonaro começa a inviabilizar a gestão que o sucederá com medidas como a PEC dos Precatórios, aprovada em 1ºturno pela Câmara na madrugada de ontem. “Querem destruir o próximo governo, não apenas este”, comentou, em conversa pelo aplicativo Zoom com o Valor, que encerra assim as entrevistas com os postulantes tucanos na prévia da sigla que acontece este mês. Também falaram ao jornal o governador gaúcho Eduardo Leite e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto.

Doria destacou o voto dos seis deputados do PSDB paulista contra a PEC, que altera o teto de gastos e posterga o pagamento de dívidas judiciais já transitadas em julgado. Para Doria, a principal intenção do governo com a PEC é “criar um processo eleitoral que favoreça o presidente”.

Suas ambições imediatas, se eleito presidente, são uma reforma administrativa ampla e rápida e o fim das emendas de relator que transferem ao Congresso o controle do Orçamento. Aposta que o peso político de um presidente recém-eleito fará a balança pender a seu favor.

"A população brasileira, em sua grande maioria, opta pelo sistema presidencialista e esta é a minha posição também"

O governador diverge do partido ao se dizer contra o semipresidencialismo, proposta de um correligionário, o deputado Samuel Moreira (SP). E ainda defende a volta do financiamento privado de campanhas sem abolir o atual financiamento público. 

A seguir, trechos da conversa:

Valor: A Executiva do PSDB decidiu, por unanimidade, anular 92 filiações de prefeitos feitas pelo diretório paulista. A decisão coloca, no mínimo, dúvidas sobre essas filiações. Como o senhor a recebeu?

João Doria: Este é um tema partidário e o partido em São Paulo compreende, mas contesta esta decisão e apresentará nesta sexta-feira suas posições. É o voto que elegerá aquele que representará o PSDB e a terceira via em 2022. Não é o tapetão, nem são medidas coercitivas ou limitativas. Ao longo desses meses de prévias sucessivas vezes houve medidas limitativas, quase que provocadas para reduzir a força de São Paulo.

Valor: Em 2018 as prévias para governador foram mais pra constar não teve muita disputa...

Doria: Não, foi prévia pra valer. Ocupava o governo de São Paulo o Márcio França e ele, junto com o governador Geraldo Alckmin, operaram para que eu perdesse as prévias. Disputaram o ex-presidente do PSDB e senador José Aníbal, o Luiz Felipe D'Ávila como indicado por Alckmin e o então deputado federal Floriano Pesaro. Os três, articulados com o Palácio dos Bandeirantes, disputaram para me derrotar.

"Ao longo dos últimos meses houve sucessivas medidas para reduzir a força de São Paulo nas prévias”

Valor: Mas em 2016 um de seus adversários saiu do partido para compor outra chapa. A disputa agora cria bases para que o perdedor possa não apoiar o vencedor. Não falta ao PSDB um pacto de convivência que permita o apoio mútuo sem judicialização?

Doria: Nosso entendimento segue bom. Não vejo a possibilidade de que os dois perdedores se transformem em pessoas colocadas à margem do PSDB. Disputa faz parte do jogo. Andrea Matarazzo [vereador em São Paulo derrotado nas prévias de 2016, que abandonou a sigla para ser candidato a vice na chapa de Marta Suplicy] e eu somos excelentes amigos, apesar de ele ter tomado a decisão de deixar o PSDB. E quero lembrar que nas prévias de 2016 venci o Bruno Covas e depois o convidei para ser candidato a vice e vencemos as eleições no 1º turno.

Valor: Como o senhor vê a filiação do ex-juiz Sérgio Moro ao Podemos e a perspectiva de ele disputar a Presidência? O fato de ter servido como ministro a um governo que ajudou a eleger como juiz pesa negativamente sobre sua biografia?

Doria: Não cumpre a mim fazer análise de biografia do Moro. Tenho admiração, respeito e amizade por ele. Essa relação nasceu antes de ele ser ministro, se manteve enquanto esteve no cargo e prosseguiu após sua saída do governo. Fui convidado e aceitei o convite para estar no próximo dia 10 em Brasília para sua filiação ao Podemos, partido que é aliado nosso em São Paulo.

Valor: Hoje ele aparece à frente de qualquer candidato do PSDB nas pesquisas para presidência. Isso significa que o candidato tucano deva aceitar ser vice dele?

Doria: Não há essa equação, muito menos como preliminar. Não há a definição de que ele será candidato a presidente. O que podemos afirmar é que caminharemos juntos nesse centro democrático liberal social. As razões que nos motivam são as mesmas, a defesa do Brasil, da justiça, da liberdade, da democracia, da redução da pobreza, da educação e da proteção ambiental.

Valor: Para que esse centro democrático liberal social prospere é preciso definir algo que está em curso, que é a permanência das emendas de relator no Orçamento que está no Congresso. O senhor já disse que pretende rever isso. Como?

Doria: Considero uma disfunção o Executivo entregar ao Legislativo a responsabilidade sobre o Orçamento e a destinação de recursos. Isso é típico de um governo fraco e incapaz como o de Bolsonaro.

Valor: Como o senhor vê a discussão sobre tributação de dividendos?

Doria: Não apoio. Entendo que não precisamos de mais tributos e sim de enxugamento da máquina pública, com mais eficiência, transparência e desestatização, apoiando o setor privado na geração de emprego e oportunidades e ampliando a capacidade de arrecadação sem aumento de imposto

Valor: Só a melhora na eficiência da máquina e o enxugamento do Estado não vão dar conta de prover uma equação fiscal capaz de renovar o Bolsa Família. De onde deve sair o dinheiro?

Doria: Não será furando o teto. Aqui temos investimentos robustos para a proteção social. Criamos a bolsa do povo que oferece uma bolsa de R$ 535 para famílias vulneráveis em contrapartida ao trabalho. Também fizemos o alimento solidário com 4,3 milhões de cestas de alimentos, metade das quais já distribuídas. Fizemos o “São Paulo Acolhe” para os órfãos da pandemia. Recebem R$ 300 por mês. Com responsabilidade fiscal.

Valor: O país tem uma situação fiscal mais frágil que a de São Paulo e uma heterogeneidade social e econômica maior. O senhor não teme que o governo paulista não lhe tenha oferecido a oportunidade de lidar com dificuldades bem maiores?

Doria: São Paulo tem 46 milhões de habitantes, é o mais densamente habitado do país. Tem migrantes de todas as partes em busca de oportunidades em situação de extrema pobreza. É um retrato do Brasil que dá certo. Desde que haja vontade política, determinação e responsabilidade por que o restante do Brasil não pode dar?

Valor: A que o senhor atribui os 22 votos do PSDB favoráveis à PEC dos Precatórios?

Doria: Os oito deputados federais do PSDB de São Paulo [na verdade foram seis] votaram contra essa PEC. Esta PEC fura o teto de gastos, é uma irresponsabilidade do governo federal. Lamento que alguns deputados do meu partido tenham votado a favor. É um escárnio, é vergonhoso que o aval do Congresso possa ser dado a uma medida desta natureza. Não que os mais pobres não mereçam o auxílio emergencial. Merecem e podem ter, mas esta não é a principal intenção da PEC. A principal intenção é criar um processo eleitoral que favoreça o presidente. Espero que o Congresso tenha oportunidade de corrigir este equívoco na segunda votação. Este governo não apenas se autodestroi como quer destruir o próximo

Valor: Entre os vetos do presidente da República a serem analisados pelo Congresso está aquele à proposta de um fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhoes. Com o veto, o valor volta a ser o mesmo de 2018, de R$ 2 bilhões. Como o PSDB deveria se comportar em relação a esse veto?

Doria: Este é um tema sob avaliação específica do PSDB como partido e de seu presidente Bruno Araújo.

Valor: Se eleito presidente o senhor proporia que valor?

Doria: Após a eleição eu poderia me manifestar. Antes disso, não.

Valor: O senhor apoia a volta do financiamento eleitoral privado?

Doria: Sim, mas em conjunto com a manutenção dos fundos públicos partidário e eleitoral, estabelecendo no momento adequado os seus limites. E as doações privadas devem acontecer com critérios de absoluta transparência e governança, como acontece com os Estados Unidos, em vários países da Europa.

Valor: O deputado tucano Samuel Moreira é autor de uma proposta de emenda constitucional que estabelece o semipresidencialismo. Qual é sua opinião?

Doria: Respeito o deputado Samuel Moreira, mas essa é uma posição que eu não compartilho. Nesse ponto não estamos no mesmo caminho.

Valor: Esta é uma bandeira histórica do PSDB. O senhor então é a favor do presidencialismo?

Doria: A população brasileira, em sua grande maioria, opta pelo sistema presidencialista e essa é a minha posição também. O que não impede o aprimoramento dos mecanismos de transparência, de controles.

Valor: Como o senhor vê a candidatura do senador Rodrigo Pacheco à Presidência? É para valer?

Doria: Respeito a candidatura. Em primeiro lugar, por ser do PSD. Imagino que um partido da dimensão do PSD e tendo a liderança de Gilberto Kassab não faria uma indicação de mentirinha. Rodrigo Pacheco é uma pessoa de bem e vem cumprindo bem o seu papel à frente do Senado.

Valor: O senhor acha mais provável que o PSDB vá para o 2ºturno contra Bolsonaro ou Lula?

Doria: Mais provavelmente contra Lula. O presidente Bolsonaro é o maior produtor de fatos contra si próprio. Consegue inacreditavelmente ser o maior adversário de si.

Valor: E o que o senhor fará então para repetir o feito dele em São Paulo em 2018, quando obteve aqui 44,6% dos votos no º turno? O senhor está muito longe disso...

Doria: Pelas pesquisas eu estava também muito longe da vitória em 2016 para a prefeitura de São Paulo e nem venceríamos a eleição de 2018. Pesquisas de hoje retratam hoje. Se retratassem 2022 talvez não precisaríamos da eleição. A democracia seria expressada pela pesquisa e não pelo voto. Ainda temos onze meses para a eleição.

Valor: Uma pergunta curta para uma resposta curta. O primeiro ato de governo do senhor, qual será?

Doria: Priorizar a educação...

Valor: Ato, não meta

Doria: Desinchar a máquina pública federal...

Valor: Qual é o ato? O senhor vai demitir, então?

Doria: O primeiro ato será a redução da máquina pública inchada ao longo do governo Bolsonaro, com pessoas que não são qualificadas, que estão ali por questões ideológicas e não de eficiência para cumprir suas funções. Ajustar o governo será a primeira medida.

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