sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: 2022: o primeiro ano do resto de nossas vidas

O Globo

O clima que cerca a chegada de 2022 é de ansiedade. Viradas de ano costumavam, antes da pandemia e de Bolsonaro, ser épocas cercadas de renovação de esperanças, um relaxamento de quem quer deixar tudo de ruim no ano que se encerra e começar o novo com tudo zerado.

Mas não é assim desta vez. 2021 foi, no Brasil e no mundo, a parte 2 de 2020, repetindo confinamento, mortes, incerteza quanto à recuperação da economia, agravamento das desigualdades e a confirmação de que vivemos uma emergência climática cada vez mais presente no dia a dia. De novo vimos ameaçados consensos civilizatórios, como direitos individuais e coletivos e a adesão às leis, à democracia e à razão.

E se 2022 vier para constituir uma trilogia macabra que conspurcará para sempre a terceira década do século 21? Há componentes que fogem ao nosso controle para definir se esse cenário distópico vai se concretizar, mas na última coluna do ano prefiro ficar no que está ao alcance de nós, brasileiros, para que vivamos o primeiro ano do resto de nossas, vidas, e não o terceiro do caos.

É preciso que exijamos dos governantes atitudes racionais, baseadas em dados e evidências, que contribuam para o bem da maior parcela da sociedade, e não de grupos de pressão ou de afinidade ideológica.

É necessário que a democracia seja um valor inegociável para qualquer brasileiro, independentemente de sua crença político-ideloógica, porque, à medida que ela continue a ser enfraquecida, como vem sendo de forma sistemática e deliberada pelo presidente e seus apoiadores, nenhum governo, seja de direita, de esquerda ou de centro, terá tranquilidade e segurança jurídica e institucional para administrar o país.

Pedro Doria: Desejo de Ano-Novo

O Globo / O Estado de S. Paulo

O Brasil nunca elegeu um extremista para a Presidência — até que aconteceu, em 2018. A não ser que algo de muito improvável ocorra, pela primeira vez desde o início da reeleição, o ocupante do terceiro andar do Planalto não ganhará um segundo mandato. Não importa o vencedor, por si só já é uma boa notícia. Não há muito o que desejar para 2022. Teremos a mais agressiva eleição presidencial da Nova República. Derrotado, com ainda dois meses de mandato, não podemos esperar civilidade de Jair Bolsonaro. Mas podemos sonhar com 2023. Meu desejo para o Brasil é que a esquerda encare enfim uma de suas maiores contradições. É gostar de empresário grande, mas ter horror a empreendedores.

Para sair do buraco em que nos metemos faz uma década, precisaremos muito de novas ideias.

Luiz Carlos Azedo: No ano que vem a gente não morre mais

Correio Braziliense

Não é fácil, numa época de confraternizações, como foi o Natal e será o ano-novo, puxar o freio de mão nas comemorações coletivas. Mas é preciso cuidado

A música Sujeito de sorte, de Belchior, foi um dos hits de 2021, na voz de Emicida, Maju e Pablo Vittar, desde que a velha canção do álbum Alucinação foi sampleada pelo rapper paulista no álbum AmarElo, ganhador do Grammy Latino. A gravação ao vivo, no Teatro Municipal de São Paulo, lotado de moradores da periferia de São Paulo, deu origem a um excelente documentário, uma boa pedida para quem ainda não viu e não quer “olhar pra cima” (ou já olhou) nessa virada de ano. Emicida se destaca não apenas por sua atuação artística, mas também por suas ideias generosas, que trazem para o centro do debate a realidade das periferias urbanas e puxam os fios de história que ligam o hip hop brasileiro ao nosso samba tradicional.

O sucesso da regravação de Sujeito de sorte tem a ver com os tempos de cólera política e de pandemia que estamos vivendo: “Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte/ Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte/ E tenho comigo pensado/ Deus é brasileiro e anda do meu lado/ E assim já não posso sofrer no ano passado/ Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro/ Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro/ Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro/Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”.

Vinicius Torres Freire: Um ano novo com mais vacinados

Folha de S. Paulo

Ainda falta dar dose 2 a quase 35 milhões, o equivalente a três cidades de SP

Em janeiro, faz um ano da primeira vacinação da campanha contra a Covid no Brasil. A primeira dose foi para a enfermeira Mônica Calazans. A gente então meio que ria e meio que chorava de ver o sorrisão da mulher vacinada, de pensar que era possível vencer a peste. Apesar de tudo, e bota "tudo" nisso, o SUS mostrou sua conhecida capacidade de vacinar, um raro motivo de orgulho nacional.

Depois de muito combate contra a criatura do inferno que ocupa o poder e suas falanges de demônios, conseguimos vacinas bastantes. Agora dá certa tristeza de ver que elas sobram.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro apequena a Presidência

Folha de S. Paulo

Presidente deu uma banana para as dificuldades enfrentadas pelos flagelados baianos

O ser humano é uma espécie supersticiosa, amedrontada e infantil. Do suposto Criador ao presidente, voltamo-nos a todo instante a figuras paternas em busca de sinais que aplaquem nossos temores e indiquem o caminho a seguir. Embora as constituições não o explicitem, uma das funções dos governantes é prover seus governados com clareza moral, confiança e esperança. Isso pode gerar situações paradoxais.

Objetivamente, deslocar um presidente, com seu séquito de seguranças, jornalistas e curiosos, para uma área de catástrofe mais atrapalha do que ajuda o trabalho das equipes de resgate. Mas é obrigação do dirigente dar as caras. É o que a população espera dele, e eventuais confusões que sua presença ocasione tendem a ser compensadas pelo sentimento de união e propósito que ele despertará.

Ruy Castro: Bolsonaro de uniforme listrado

Folha de S. Paulo

Há gente prevendo que o presidente será preso em 2022

Dentro de algumas horas, a televisão começará a nos bombardear com a manchete: "Já é 2022 na Austrália!". E tome de fogos naquela ponte. A Austrália está 12 horas à nossa frente, donde tudo lá acontece primeiro, e não apenas arremesso de bumerangue e corrida de canguru. A tal ponto que, quando uma coisa está para acontecer aqui, dizemos que na Austrália ela já aconteceu.

Há gente prevendo, por exemplo, que Jair Bolsonaro será preso em 2022. Pois, quando acontecer, ele já terá sido preso na Austrália 12 horas antes.

Eliane Cantanhêde: Apagão em 2021, incertezas em 2022

O Estado de S. Paulo.

Desesperados pelo fim de 2021 e apavorados com o começo de 2022

Estamos todos desesperados para 2021 acabar, mas morrendo de medo que 2022 comece, com tantas incertezas, fome, pobreza, desemprego, inflação, inundações e calamidades, gripe H1N1 e H2N3, variantes Delta e Ômicron da covid-19 e uma campanha eleitoral sangrenta, em que não interessa discutir o País, só destruir o adversário.

O Brasil vive um apagão de dados numa área literalmente vital, durante uma pandemia de destino incerto. Impossível cuidar da saúde pública sem dados, voando no escuro. Pior: sem piloto. Pior ainda: com um piloto cabeça dura, que desdenha da ciência, da medicina, das estatísticas..., da saúde.

Celso Ming: As incertezas e projeções para 2022

O Estado de S. Paulo.

De profeta e louco todo mundo tem um pouco, diz o ditado modificado para este texto. A cada fim de ano, a demanda por previsões aumenta. Mas é difícil separar o que são previsões propriamente ditas de meros votos ou de apostas.

Quem olha para a tabela ao lado verifica que até mesmo consultores tarimbados e gente graúda que põe dinheiro grosso a prazo, como a que está reunida pelo Banco Central, podem fracassar nas projeções. As que estão sendo feitas agora para o ano de 2022 parecem ainda mais sujeitas a erros.

De positivo para os próximos 12 meses, há as contas externas que deverão continuar excelentes. As reservas estão a US$ 364,2 bilhões, quase dois anos de importações. A produção do setor agropecuário será recorde e contribuirá para mais exportações. E certo grau de normalização dos fluxos globais de comércio também parece inevitável.

Flávia Oliveira: Importante, mas com ressalvas

O Globo

Um presidente da República passeando de jet ski num raro balneário onde ainda é popular, enquanto no quarto colégio eleitoral do país 670 mil pessoas sofrem efeitos de inundações que já mataram 24, serviria ao roteiro da sátira distópica que mobiliza as redes sociais desde o Natal. Infortúnio nosso, não é cinema. São evidências do negacionismo, da indiferença, da necropolítica no Brasil sob Jair Bolsonaro. É ele o mandatário capaz de sepultar uma bem-sucedida política social para tirar proveito eleitoral e mais desidratá-la que ampliá-la. É o líder político que sabota vacinação de crianças. É o chefe do Executivo federal que visita parque de diversões e rejeita ajuda humanitária de adversário ideológico, quando compatriotas garimpam bens e memórias de escombros.

Tal como Donald Trump nos Estados Unidos, a gestão Bolsonaro lançou o Brasil numa escalada de mentira, incompetência e extremismo digna do cinema catástrofe. Daí a repercussão nos dois países do último longa de Adam McKay, que reúne elenco estelar e foi lançado pela Netflix na véspera de Natal. “Não olhe para cima” é uma sátira sem sutileza, bem mastigadinha. Não doura a pílula na crítica feroz à negação à ciência, ao populismo dos líderes de extrema direita, à espetacularização da notícia, ao culto às celebridades, mesmo tendo DNA hollywoodiano.

Eleição no Chile é um 'exemplo poderoso' para o mundo, diz Biden ao presidente eleito Boric

Líderes discutiram compromisso com justiça social, democracia, direitos humanos e crescimento

Reuters / O Globo

WASHINGTON — As eleições livres e justas do Chile são um "exemplo poderoso" para a América Latina e para o mundo, disse o presidente dos EUA, Joe Biden, ao líder esquerdista Gabriel Boric. Biden ligou para Boric, nesta quinta-feira, para parabenizá-lo pela sua eleição à Presidência, no último dia 19, como informou a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, em um comunicado.

Segundo Jen, os dois líderes discutiram seu compromisso comum com justiça social, democracia, direitos humanos e crescimento. 

"O presidente [Biden] aplaudiu as eleições livres e justas do Chile como um exemplo poderoso para a região e o mundo", disse a secretária de imprensa da Casa Branca.

A vitória de Boric representou um avanço para a esquerda da América Latina, reforçando as conversas sobre uma nova "maré rosa" na região, à medida que a pobreza crescente — alimentada pela pandemia de Covid-19 — direciona os eleitores para aqueles que prometerem reformas econômicas que favoreçam um governo maior e mais gastos sociais.

Biden também destacou a importância da cooperação EUA-Chile para promover uma recuperação da pandemia e para enfrentar a ameaça representada pela mudança climática.

O presidente americano ofereceu ainda suas condolências pela morte da chilena Valentina Orellana-Peralta, de 14 anos, que foi morta a tiros em uma loja de North Hollywood em 23 de dezembro, quando um policial abriu fogo contra um homem que estava atacando outro comprador. Valentina nasceu e foi criada em Santiago, e chegou aos EUA há seis meses com sua mãe para visitar uma irmã mais velha, informou o Los Angeles Times.

Em sua conta no Twitter, Boric comentou sobre a conversa com Biden:

"Acabo de receber uma chamada do presidente dos EUA. Além da alegria compartilhada por nossos respectivos triunfos eleitorais, conversamos sobre desafios comuns como comércio justo, crise climática e fortalecimento da democracia. Continuaremos conversando."

Nelson Motta: O ano em que o mito miou

O Globo

O ano que vem pode ser pior, bem pior, se muita coisa não mudar. Para melhor. Dentro e fora de nós

A última reflexão do ano é: já vai tarde. Certamente um dos piores, senão o pior, ano de nossas vidas. Para o vovô e o netinho, atravessando gerações que suportaram presidentes bêbados, tirânicos, incompetentes, ladrões ou doentes mentais, e crises econômicas e políticas quase permanentes. Brava gente brasileira.

Mas não adianta chorar pelo ódio derramado. O ano que vem pode ser pior, bem pior, se muita coisa não mudar. Para melhor. Dentro e fora de nós. Não é possível que uma minoria de 20% de fanáticos mande no destino de 210 milhões de brasileiros usando a mentira como método e os truques mais sujos para minar e destruir a democracia.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Golpismo derrotado

Folha de S. Paulo

Arquitetura da democracia resiste a Bolsonaro; cumpre proteger setores cruciais

Encerra-se um ano particularmente tumultuoso na política nacional, sobretudo pelo comportamento anômalo do presidente da República. Apesar dos percalços e da dissipação de energia cívica, a arquitetura da democracia brasileira resistiu ao golpismo aloprado.

O apogeu da cavalgada autoritária aconteceu nas manifestações do Dia da Independência, mas ela foi desmoralizada em menos de 48 horas por ausência de materialidade.

Jair Bolsonaro ameaçou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, com algo que nem soube enunciar —porque não há nada que o chefe de Estado possa fazer contra a autonomia de um Poder sob a Constituição de 1988.

Atiçou a massa de fanáticos com mentiras sobre a urna eletrônica e com bravatas sobre sair morto do Palácio do Planalto. As eleições de 2022 ocorrerão normalmente sob a égide das urnas eletrônicas, e Bolsonaro sairá da sede do governo derrotado, não martirizado, caso falhe a tentativa de reeleger-se, como hoje apontam as pesquisas.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Chuvas do Recife (Trecho)

Sei que a chuva não quebra osso
que há defesas contra seu soco.
Mas sob chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final
em que não creio mas me volta
como o descreviam na escola:
mesmo se ela cai sem trovão
demótica em sua expressão.

No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre
para não se ir, não se fazer,
para trancar-se no não ser.
Mais que corda, é chuva em sabres
que aprisiona o dia em grades,
e mesmo que tenha gazuas
da grade viva, evita a rua.

(...)
Há no Recife uma outra chuva
(embora rara) rala, miúda
Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra d'água,
passa em peneira esta chuva,
não traz balas, não tranca ruas:
mas faz também ficar em casa,
quem pode, antevivendo o nada.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Merval Pereira: Bolsonaro ajuda Lula

O Globo

A insensibilidade do presidente Bolsonaro diante do sofrimento alheio, quando ele é difuso, é sinal de que é incapaz de compreender o alcance do papel de um presidente da República, que chegou aonde chegou pelo voto dos cidadãos, e não por escolha divina. Bolsonaro é capaz de comover-se com a morte de um rapper conhecido por fazer “funk de direita” ou de um militar no exercício de sua função, mas é incapaz de homenagear um grande artista nacional que seja de esquerda ou simplesmente adversário de sua maneira de ver o mundo.

Para ele, existem apenas os que são seus apoiadores ou os adversários, não há brasileiros como coletividade, todos os que deveriam estar representados por ele como presidente. Não viajar para a Bahia diante da catastrófica inundação que deixou milhares de desabrigados e mais de 20 mortos, para passear de jet ski no sul do país, é mais um desses episódios que demarcam sua psicótica personalidade. “Espero não ter que voltar mais cedo”, comentou, na esperança de não interromper suas férias.

Malu Gaspar: Bolsonaro e a tutela do Centrão

O Globo

Quando 2021 começou, o ministro Paulo Guedes dizia que a economia brasileira estava iniciando uma recuperação “em V”. Jair Bolsonaro foi na contramão: “O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda…. Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos. Essa mídia sem caráter”.

Guedes tentou contemporizar (em relação às finanças, e não à mídia, claro). Disse que o presidente estava se referindo apenas ao setor público, em situação difícil depois dos “excessos de gastos cometidos pelos governos anteriores”. E, procurando se mostrar no controle da situação, garantiu que o auxílio emergencial só seria prorrogado se fosse possível manter o teto de gastos e que não haveria reajustes aos servidores públicos.

Numa coisa, porém, o presidente e o ministro concordavam: era preciso derrubar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia tinha aprovado a reforma da Previdência que o governo queria, mas Guedes achava que ele boicotava as privatizações e a reforma tributária. Se tivessem um amigo no controle, pensavam presidente e ministro, o governo decolaria.

Luiz Carlos Azedo: Para a maioria dos brasileiros, o ano não quer acabar

Correio Braziliense

Para o governo federal, tudo parece normal. Todos os anos, em algum lugar do Brasil, a tragédia se repete, sem que se tenha um plano para socorrer as vítimas das chuvas

O presidente Jair Bolsonaro encerrou seu expediente no fim de semana antes do Natal, porém, para a maioria dos brasileiros, parece que 2021 é um ano que não quer acabar. Aquele ditado “ano novo, vida nova” não é bem o nosso caso. As principais mazelas de 2021 não estão ficando para trás. Na prática, 2022 promete ser um ano muito difícil, duro, e brevíssimo, porque só começará a fazer a diferença quando a situação sanitária do país se normalizar. A propósito, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para agradar ao presidente da República, faz tudo que pode para impedir que isso ocorra, haja vista, por exemplo, a omissão diante da epidemia de H3N2 (Influenza) e a sabotagem aberta à campanha de vacinação de crianças contra a covid-19.

De origem europeia, nosso calendário civil é utilizado oficialmente pela maioria dos países. Promulgado pelo Papa Gregório XIII [1] (1502-1585), em 24 de fevereiro de 1582, na bula Inter gravíssimas, substituiu o calendário juliano, decretado pelo imperador romano Júlio César (100-44 a.C.), em 46 a.C. Entretanto, em 2022, o calendário que realmente fará a diferença é o eleitoral. Em 2 de outubro, escolheremos o presidente da República, os governadores, os senadores e deputados federais, e estaduais e distritais. Eventual segundo turno para presidente e governadores poderá ocorrer em 30 de outubro.

Cláudio Gonçalves Couto*: O presidente sem compaixão

Valor Econômico

Age como tirano o governante que persiste em se divertir em vez de compadecer e cuidar de seus governados que sofrem

Nos últimos dias causa perplexidade a indiferença com que o presidente da República lida com o desastre das inundações no sul da Bahia e norte de Minas. Enquanto seus governados padecem sob as águas, Jair Bolsonaro farreia sobre elas, no Guarujá ou em Santa Catarina.

A catástrofe ambiental que flagela milhares, destruindo casas e bens, ceifando vidas e arruinando a já precária infraestrutura local, é insuficiente para comover o presidente, que frui de aprazível folga à beira-mar como se nada de grave acontecesse no país que ele pretensamente governa. Questionado por um adulador sobre sua permanência até o fim de semana do Ano Novo, retorquiu reveladoramente: “Espero que não tenha que retornar antes”.

Cristiano Romero: A contribuição de cada presidente à estabilidade

Valor Econômico

Sarney e Collor, os mais atacados, contribuíram para a estabilidade

Daqui a nove meses, será realizada a nona eleição direta para presidente da República no Brasil, decorridos 37 anos do fim do regime militar. O pleito ocorrerá em meio à forte polarização que vem caracterizando a política nacional desde o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e que se acirrou com a reeleição de Dilma Rousseff em 2014 e a ascensão de Jair Bolsonaro, em 2018. É bem provável que a disputa transcorra num ambiente de grande instabilidade.

Depois de ter a ordem institucional interrompida em 1964, quando, apoiados por civis interessados em tomar atalhos para chegar ao poder, chefes militares derrubaram o presidente João Goulart num contexto de grave crise econômica, o Brasil custou a reconquistar a estabilidade política. O poder só foi devolvido aos civis 21 anos depois e, mesmo assim, por meio de eleição indireta realizada pelo Congresso.

William Waack: Legados de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

O pior governo da história recente criou involuntariamente alguma esperança

Em 2021 consolidaram-se importantes legados de Jair Bolsonaro para 2022. Nenhum o favorece – e alguns serão dor de cabeça para quem lhe suceder.

Setores privados da economia empreenderam ações políticas e conseguiram defender em parte as visões de modernização do País em linha com grandes transformações internacionais. É assim que obtiveram as demissões, no começo do ano, dos ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Eles eram péssimos para os negócios, para dizer o mínimo.

Ganhou corpo nesse processo uma inédita coligação de instituições financeiras internacionais e nacionais, da agroindústria e da própria indústria. Criaram-se várias instâncias de articulação (formais e informais) que terão peso nas escolhas dos próximos governantes. Bolsonaro conseguiu a “proeza” de rachar internamente vários desses segmentos que o apoiaram em 2018. Não tem mais como colar os cacos dos cristais quebrados.

Bruno Boghossian: A terceira via e o eleitor do partido nulo

Folha de S. Paulo

'Nulistas' convictos e outros grupos que não querem votar em Lula ou Bolsonaro no 2º turno

João Amoêdo votou em Jair Bolsonaro no segundo turno de 2018, convencido de que ele seria "um presidente muito ruim". O empresário diz agora que o governo conseguiu ser ainda pior do que ele imaginava. Numa entrevista à Folha, o ex-presidenciável afirmou que não vai repetir a escolha no ano que vem, mas também se recusa a votar em Lula para derrotar Bolsonaro.

O fundador do partido Novo é um exemplar do eleitor arrependido que rejeita Bolsonaro e está em busca de um candidato alternativo para 2022. Pessimista com a tal terceira via, ele reedita a falsa equivalência que fez sucesso na última disputa e diz que prefere votar nulo se o segundo turno for um confronto entre o atual presidente e o PT.

Míriam Leitão: Um líder morto e o ano indígena

O Globo

Piraíma’á subiu numa árvore bem alta para caçar e de lá despencou. Uma queda acidental. Ainda falou algumas palavras, antes de morrer. O fato ocorreu no domingo, 26. Tinha, segundo Patriolino, um funcionário da Funai, 48 anos. Piraí, como era conhecido, era líder do povo guajá na aldeia Juriti, na Terra Indígena Caru, no Maranhão. Quando estive lá com o fotógrafo Sebastião Salgado, foi o que falou de forma mais eloquente do que todos os outros sobre os riscos do desmatamento.

As horas finais antes do seu enterro, na segunda-feira, mostram a dureza do cotidiano indígena. Os que o acompanhavam andaram até a aldeia, chegando lá às seis da tarde. Foram buscar reforços e avisar à Funai. Voltaram andando pela mata na enorme distância até o local onde ele havia caído. De lá trouxeram o corpo, chegando a uma da manhã. Quem me contou tudo isso foi Salgado, repassando áudio do amigo Agostinho de Carvalho:

Thiago Amparo: Em 2022, Bolsonaro preso

Folha de S. Paulo

A resolução para o próximo ano deste país deve ser para que isso ocorra

Democracia, como o Ano-Novo, é uma ficção, deliciosamente posta em prática com um punhado de devaneio e outro de esperança. Que o virar do calendário traga consigo a responsabilidade de quem, em 2021, deveria ter sido preso —se a Procuradoria-Geral da República descesse do poste de onde assiste a tudo e se o Congresso parasse de monetizar vidas em bilhões para autorizar investigação, seja por crime de responsabilidade, seja comum, ou ambos.

Janeiro, 2021, Bolsonaro no dia em que mais pessoas morreram em Manaus: "A hidroxicloroquina, a azitromicina, ivermectina, a Anitta, zinco, vitamina D têm dado certo". Fevereiro: "Começam a aparecer os efeitos colaterais das máscaras". Março. "Chega de frescura, de mimimi, vão ficar chorando até quando?". Abril: "Não vai ter lockdown". Maio: "Tem uns idiotas aí, o 'fique em casa'". Junho: o escândalo de suspeita de corrupção na compra de vacina.

Conrado Hübner Mendes*: PGR 2021: retrospectiva da omissão

Folha de S. Paulo

Vendeu 'descriminalização' da política, entregou impunidade de delinquentes públicos

Protagonista da CPI da Covid e pré-candidata à Presidência, a senadora Simone Tebet viu seu pai se fazer prefeito, governador e senador. Ingenuidade não explica que, no Natal de 2021, declare: "Ninguém imaginava que Bolsonaro poderia namorar o autoritarismo ou ameaçar instituições democráticas".

Somente dois cientistas políticos e meio sustentaram a tese do "risco zero" com sinceridade enquanto Jair prometia enviar gente para a "ponta da praia".

Tebet aprovou indicação de André Mendonça ao STF. Resignação talvez explique voto "não pelo seu passado, mas pelo que espero que faça no futuro, um voto de confiança".

"Passar borracha" num passado recheado de violência permitiu a ela confiar em Bolsonaro. No futuro poderá dizer "ninguém imaginava que Mendonça poderia namorar o fundamentalismo contra a autonomia das mulheres e a diversidade".

Celso Ming: O excesso e as consequências

O Estado de S. Paulo.

No século 4º antes de Cristo, os sete sábios da Grécia Antiga foram convocados ao santuário de Delfos para escolher as duas frases que sintetizassem o pensamento helênico e fossem inscritas nos frontispícios do templo de Apolo. E foram elas: “conheça-te a ti mesmo” (gnote se autón) e “nada em excesso” (medén agán).

Um princípio depende do outro, porque para saber onde começa a hybris, ou seja, onde começa o excesso, é preciso primeiro conhecer a natureza de si mesmo. Quem passa dos limites enfrenta inevitavelmente as consequências. Quem come demais, enfrenta a obesidade, assim como quem come de menos, outro excesso, acaba sendo vítima da anorexia. Quem demora demais para agir chega atrasado – ou não chega.

São verdades que valem não apenas para cada pessoa, mas, também, para as sociedades. A decadência de Atenas começou quando a soberba tomou conta da cidade, alimentou a ambição de conquistar o mundo em volta dela e induziu as elites a dar passos maiores que suas pernas. Os impérios desabam quando conquistam mais do que podem administrar.

Eugênio Bucci*: Filme escancara o mal que ataca a civilização

O Estado de S. Paulo.

O filme ‘Não olhe para cima’ é um diagnóstico ferino do mal que vem comendo por dentro aquilo que já chamamos de civilização

O Estado se ajoelha para o capital e ainda abana o rabinho. A ciência, para se fazer ouvir, precisa enviar representantes aos programas de celebridades na televisão, onde disputa espaço com o sensacionalismo mais torpe e as frivolidades mais fúteis. A política perdeu os laços que um dia teve com o argumento racional; agora, se quiser alcançar o público, tem de contratar cantores beócios, ainda que afinados, e empacotar sua mensagem em versos lacrimosos e melodias previsíveis. Assim caminha a humanidade – para a extinção.

Em poucas palavras, este é o recado essencial do filme Não olhe para cima, dirigido por Adam Mckay, em cartaz no Netflix. Estamos falando, aqui, do assunto mais momentoso das festas de final de ano. Nestes tempos de amortecimento dos sentidos cívicos, as pessoas se entretêm umas às outras “postando” comentários sobre a superprodução. Trata-se de uma febre natalina, mais contagiosa que outras febres, para as quais a sociedade resolver fechar os olhos de uma vez.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Lava Jato, 2014-2021

Folha de S. Paulo

Entre decisões do STF e conveniência de Bolsonaro, operação merecia final melhor

A frase do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) sobre fazer um pacto para "estancar a sangria" da Operação Lava Jato, de 2016, rende até hoje má fama ao Legislativo.

Jucá, afinal, era o protótipo do parlamentar bem instalado nos esquemas de poder em governos de qualquer matiz ideológico. A sangria foi efetivamente estancada, e a Lava Jato, se não está morta, encontra-se em coma profundo.

O Legislativo, entretanto, não é o principal responsável por isso, ainda que parlamentares possam ter participado de articulações contra a operação, iniciada em 2014.

No plano objetivo dos projetos aprovados e rejeitados, a atuação do Congresso nessa seara pode ser descrita como bastante adequada. Os parlamentares modernizaram a legislação sobre abuso de autoridade, o que era uma necessidade real e antiga, e derrubaram os excessos da proposta anticrime do ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro.

O principal responsável pela cauterização generalizada, por bons e maus motivos, é o Supremo Tribunal Federal —com a contribuição espúria de Jair Bolsonaro, que tratou de proteger os seus e nomeou um procurador-geral amigável.

Não há como afirmar que a reação do STF tenha sido imotivada. As conversas vazadas entre Moro e procuradores mostraram abusos que necessitavam de respostas jurídicas. Exposta a parcialidade do magistrado, justificou-se a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Poesia | Manuel Bandeira: Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,

O vento varria os frutos,

O vento varria as flores...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De frutos, de flores, de folhas.

 

O vento varria as luzes,

O vento varria as músicas,

O vento varria os aromas...

E a minha vida ficava



Cada vez mais cheia

De aromas, de estrelas, de cânticos.

 

O vento varria os sonhos

E varria as amizades...

O vento varria as mulheres...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De afetos e de mulheres.

 

O vento varria os meses

E varria os teus sorrisos...

O vento varria tudo!

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De tudo.

 

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: O que Bolsonaro ganha com o caos?

O Globo

Há dois dias, no nosso quadro diário na CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva enquanto a Bahia se afoga em chuvas?

A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se.

O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.

Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.

Elio Gaspari: O ano em que o Brasil nasceu

O Globo

A máquina do tempo leva a um grande momento

No sábado, 1º de janeiro de 2022, começa o ano do bicentenário do nascimento do Brasil. Parece pouca coisa, mas será uma oportunidade para pensar numa terra que resolveu andar para a frente com seus 4,7 milhões de habitantes. Nela viviam duas grandes figuras: o príncipe Dom Pedro, de 23 anos, e José Bonifácio de Andrada, de 59 anos.

Passados dois séculos, o país tem 213 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro. Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.

Fernando Exman: Pré-campanha já constrange militares

Valor Econômico

Ocupação de espaços na máquina pública será alvo de críticas

No início de setembro, quando a Câmara se preparava para votar o projeto de lei complementar que reforma o Código Eleitoral, oficiais das Forças Armadas não escondiam a satisfação com um determinado trecho da proposta. Apoiavam, com entusiasmo, a inclusão dos militares entre as carreiras que precisariam passar por uma quarentena antes de ingressar na política.

A proposta, claro, não teria o condão de impedir o uso da imagem das Forças Armadas por candidatos e partidos. Isto era lamentado e já estava na conta, por ser considerado inevitável, mas, pelo menos, a iniciativa legislativa era vista como um instrumento adicional para a missão dos altos comandos de impedir a politização das tropas. “Quando a política entra num quartel por uma porta”, ouvia-se nas conversas sobre o assunto, “a disciplina sai pela outra”.

Daniel Rittner: Três fatos econômicos que vão além de 2021

Valor Econômico

Saneamento, novo marco das ferrovias, fim de era no pré-sal

Retrospectivas costumam ser compilações de personagens, episódios, frases marcantes de um ano. Sem delongas, eis três tendências econômicas com origem em fatos ocorridos em 2021, mas que não se encerram com a virada de calendário e terão desdobramentos relevantes ao longo do restante de década.

1) Saneamento: tornou-se a estrela dos leilões de infraestrutura, com estreantes no mercado e investidores estrangeiros capitalizando empresas já bem posicionadas. Questionamentos sobre a viabilidade do modelo envelheceram rapidamente. O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou incertezas jurídicas.

O leilão de três blocos da Cedae (RJ), em abril, foi o pontapé inicial da transformação. Um bloco remanescente está sendo licitado hoje e recebeu pelo menos duas propostas Houve certames bem- sucedidos no Espírito Santo e na região metropolitana de Maceió.

Vinicius Torres Freire: Uma década de salário e emprego ruins

Folha de S. Paulo

Tendência à precarização talvez venha a ser reforçada por mudanças causadas pela epidemia

Os rendimentos do trabalho, "salários", não eram tão baixos desde 2012 –desde que se tem um registro comparável nas estatísticas do IBGE. Em 2022 vão continuar assim tão baixos, afora milagres. Será uma década de pobreza.

Um motivo dessa pobreza é o fato de que os novos postos de trabalho são ruins: de baixa qualificação, pagam pouco, são inseguros. Esse quadro piorou na recessão de 2015-2016, mas já vinha de antes, indicam estudos de economistas. Na epidemia, a situação deve ter se agravado.

Hélio Schwratsman: Orçamento arcaico

Folha de S. Paulo

O problema maior da corrupção é que ela perverte a lógica dos investimentos

A corrupção tem dois problemas práticos (a discussão moral fica para outra ocasião). No que podemos chamar de menor deles, ela desvia para bolsos privados o que deveria ter destinações públicas. Digo que é menor porque, exceto em cleptocracias plenas, o volume de recursos surrupiados não costuma representar uma fatia muito grande do Orçamento. O problema maior da corrupção é que ela perverte a lógica dos investimentos. Você faz a obra A no local B não porque é dela que a população mais precisa no momento, mas porque esse é o interesse da empreiteira C que entrou em conluio com o político D. É difícil calcular o custo dessas oportunidades perdidas, mas ele é enorme.

Bruno Boghossian: O voto conservador

Folha de S. Paulo

Presidente ganha impulso desse segmento, mas alinhamento não é automático

Um dia antes de sair de férias pela segunda vez, Jair Bolsonaro comemorou o aumento do número de armas de fogo no país. Apesar de restrições impostas pelo Congresso e pelo STF, o governo entregou a seu eleitorado mais fiel uma flexibilização considerável neste item da agenda conservadora. A celebração sugere que o presidente deve transformar o tópico numa peça de propaganda.

Poucos pontos da pauta bolsonarista unem tanto a base do presidente como o acesso às armas. Entre os brasileiros que consideram mais segura uma sociedade com a população armada, 53% declaram voto em Bolsonaro no primeiro turno da próxima eleição. Só 25% votam em Lula, 8% em Sergio Moro, 4% em João Doria e 2% em Ciro Gomes.