Chegada
simbólica da vacina é uma esperança num país onde se morre afogado no seco
Às
vezes é preciso tomar uma certa distância para entender o que se passa no
Brasil. Não por esnobismo, mas pelo esforço se aproximar da realidade.
Não
creio que se tenha festejado tanto a chegada da vacina em outros países do
mundo. Certamente, nenhuma outra agência reguladora transmitiu sua análise das
vacinas ao vivo. E em nenhum país o presidente da República se sentiu derrotado
e, num ato falho, no dia seguinte disse: “Apesar da vacina”…
Tudo
indica que foi vencida uma etapa do negacionismo. Mas em que contexto? Os casos
de coronavírus continuam crescendo no País. Mais cidades podem ter dificuldade
de suprir hospitais com oxigênio. Algumas nem têm hospitais, só pacientes com
falta de ar.
A
celebração da chegada das vacinas precisa ser confrontada com a necessidade
mais ampla do País. Foram apenas 6 milhões de doses. Talvez possam ser
ampliadas para pouco mais de 10 milhões, acrescidas das que serão envasadas
pelo Butantan. Mas um programa de vacinação com o nível de eficácia das vacinas
que temos terá de alcançar, no mínimo, 150 milhões de pessoas, o que
significaria 300 milhões de doses. Como as conseguiremos, em que prazos?
Parece-me
que no início o Estado de São Paulo negociou vacinas para a sua população. A
ideia de alcançar o País inteiro surgiu depois, com a própria luta política e a
falta de alternativas do governo negacionista.
Dependemos
hoje da China e da Índia para os insumos necessários chegarem ao País e serem
manejados por Butantan e Fiocruz. Um processo de vacinação de grande amplitude
depende de planejamento, disciplina e continuidade, não se esgota nas fotos.
China e Índia têm, juntas, quase 3 bilhões de habitantes. Ambas iniciaram o processo de vacinação interno. A Índia quer começar com 300 milhões de vacinados, logo, vai precisar de 600 milhões de doses. Como esperar um fluxo permanente e seguro desses dois países?