sábado, 12 de junho de 2021

Ascânio Seleme - Carta ao bolsonarista renitente

- O Globo

Eu já entendi porque você votou em Jair Bolsonaro em 2018, mas você ainda está disposto a votar nele outra vez?

Prezado bolsonarista,

Eu já entendi porque você votou em Jair Bolsonaro em 2018. Foi uma mistura de revolta contra o que você chamava de “roubalheira do PT”, com o cansaço da velha política representada por Michel Temer, a busca por uma alternativa econômica e, em alguns casos, o fanatismo político e religioso. Aliado a isso, a facada que o candidato recebeu a poucos dias da eleição, e que não saiu das TVs, multiplicou por mil sua exposição até o ponto de você achar que só havia ele para votar. Está claro e até dá para entender o inaceitável. Mas, agora que tudo isso desabou, o que me ocupa nestes dias é tentar compreender por que você ainda cogita votar neste homem em 2022.

Se estou correto, os anseios que o fizeram eleger Bolsonaro foram destruídos. A corrupção que você odiava ganhou força. A começar pelo desmantelamento da Lava-Jato com o apoio explícito do seu presidente. Houve também a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça porque ele se negou a demitir o diretor da Polícia Federal e nomear um delegado amigo do chefe. Você sabe, Bolsonaro queria ter um canal direto na PF para impedir que investigações contra seus filhos e seus amigos prosperassem. É tão simples quanto escandaloso. Você viu.

Você deve lembrar ainda que Bolsonaro, sua mulher e seus filhos abasteceram suas contas privadas com dinheiro público desviado dos salários dos servidores de gabinetes da família, com as famosas rachadinhas. Uma delas, a do zerinho senador, está sob investigação do Ministério Público no Rio. O mesmo zerinho que com salário de R$ 33,7 mil brutos comprou uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Se a casa fosse financiada pelo Banco do Brasil, ele teria de dar uma entrada de R$ 1,2 milhão. O restante seria pago em 189 meses, com a primeira parcela de R$ 67,7 mil, o dobro do que ele recebe no Senado.

Na velha política, o colo oferecido pelo Centrão ao presidente, em troca de verbas bilionárias do orçamento que era para ser secreto e virou o mal-afamado “tratoraço”, não deixa margem para qualquer dúvida. O governo Bolsonaro virou abrigo para a turma que sempre se agarrou ao poder e que esteve presente nos governos de Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer. Apesar do seu voto de protesto, a velha política do toma lá dá cá está de volta, como uma estaca fincada no coração do seu querido presidente. E agora sem a Lava-Jato.

A alternativa econômica virou fiasco. O grande feito deste governo, a reforma da Previdência, quem resolveu foi o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ainda assim, o tamanho da reforma que era para ser de R$ 1,2 trilhão caiu para R$ 800 bi por intervenção do seu presidente. De resto, Bolsonaro boicotou todos os projetos do seu Posto Ipiranga. Há um apagão no horizonte, o teto de gastos está ameaçado, a inflação se aproxima dos 10% anuais e você, caro bolsonarista renitente, vê seu dinheiro sumir cada vez mais cedo da sua carteira.

Carlos Alberto Sardenberg - Os crimes estão aí

- O Globo

Chamou a atenção o forte aplauso da plateia quando o presidente Bolsonaro disse que o “tal de Queiroga” estava preparando um parecer para dispensar o uso da máscara para vacinados e pessoas que já tiveram a Covid-19.

O aplauso denunciou o que o presidente e sua turma pensam da máscara: um símbolo de fraqueza, frouxidão e oposição a seu governo. Por pouco, Bolsonaro não atirou no chão a máscara que não usava.

Radicalizou de novo. Ciência deixada de lado — o que não é novidade —, a situação se encaminha para um conflito social e nas ruas: bolsonaristas não usam máscara; quem usar, pois, é inimigo.

Exagero?

Seguramente não. O presidente ostensivamente aglomera sem máscara. E reclama quando encontra algum seguidor com a máscara.

Comete crime duas vezes. Primeiro, porque ele mesmo pode infectar os que estão por perto. Já se sabe que as pessoas podem pegar a doença mais de uma vez. O fato de Bolsonaro já ter adoecido não o torna imune. E, segundo, porque incita as pessoas a saírem por aí infectando outras. Também se sabe que vacinados podem pegar formas leves da Covid-19, tornando-se, nesse momento, fonte de transmissão do vírus.

Pablo Ortellado - Os 'homens de bem'

- O Globo

São bastante conhecidas as acepções da expressão “pessoa de bem” nos meios conservadores. A expressão alude a uma pessoa proba, trabalhadora e de família. Define-se por oposição ao “vagabundo”, o marginal, o sem-trabalho e sem-família. As pessoas “de bem”, nesse sentido, são aquelas que a sociedade e o Estado devem considerar e proteger; e os demais, que se desviaram da rota por indisciplina ou por falta de caráter, devem ser punidos. O que frequentemente não notamos, porém, é que a esquerda também tem seus “homens de bem”.

A distinção valorativa entre os “de bem” e os “vagabundos” é essencial para explicar a dualidade de tratamento que os conservadores impõem a certas pessoas.

Ela explica por que os conservadores não condenaram a incursão violenta da Polícia Civil no Jacarezinho, que estaria tomado e controlado por vagabundos. Explica também por que, na CPI, o senador Flávio Bolsonaro se indignou com a possibilidade de Fabio Wajngarten, um “homem de bem”, receber voz de prisão de Renan Calheiros, um “vagabundo”.

Hélio Schartsman - Tragédia múltipla

- Folha de S. Paulo

Sars-Cov-2 poderá afetar bebês que ainda nem nasceram

pandemia ainda não acabou, mas já estamos inventariando seus danos. É um exercício necessário para que possamos bolar as estratégias de mitigação quando possíveis.

Os buracos se espalham por todos os lados. Um estudo do Insper, por exemplo, estima perdas de até R$ 1,5 trilhão pelo que os alunos do ensino básico deixaram de aprender nestes meses sem aulas presenciais.

Temos ainda o impacto das vidas perdidas, que são irrecuperáveis, do desemprego (quanto mais tempo o trabalhador passa afastado do mercado de trabalho, mais difícil é voltar a ele), da perda de renda, que pode significar fome nas famílias mais pobres, e das sequelas da doença entre sobreviventes. Isso para citar apenas alguns dos mais óbvios.

Cristina Serra - Bolsonaro é a crise sanitária

- Folha de S. Paulo

Cada vez que abre a boca, alastra a praga e espalha veneno

Jair Bolsonaro é como o vampiro de um conto de terror, insaciável em sua sede de sangue. Ele deu prova disso, mais uma vez, ao tentar flexibilizar o uso de máscaras. Para a imensa maioria da população brasileira, que não pode se dar ao luxo do trabalho em casa e é obrigada a sair em busca do pão de cada dia, a máscara e o álcool em gel são as duas únicas medidas de proteção, enquanto não tem vacina para todos e, sabidamente, existe o risco de reinfecção.

Como fazer distanciamento social em ônibus, trens e metrôs lotados? Com o nível de contaminação no Brasil, falar contra o uso de máscaras é, praticamente, tentativa de homicídio. Bolsonaro se esmera em confundir e desinformar. Esse aspecto do descontrole da pandemia entre nós foi destacado pelo médico sanitarista Claudio Maierovitch e pela microbiologista Natalia Pasternak, em depoimento à CPI da Covid. Desinformação mata.

Demétrio Magnoli – A América Latina em seu labirinto

- Folha de S. Paulo

Ciclo eleitoral é nova ronda pelos caminhos tantas vezes trilhados no continente

Alejo Carpentier (1904-1980) escreveu que a América Latina é a terra das impossibilidades infinitas. O ciclo eleitoral em que se inscreve a vitória de Pedro Castillo no Peru pode ser classificado, em registro vulgar, como uma onda de esquerda. Mais apropriado, porém, é qualificá-lo como uma nova ronda pelos caminhos tantas vezes trilhados de um labirinto implacável.

"Ventos democráticos começam a soprar nas Américas", tascou Carlos Lupi, presidente do PDT, referindo-se aos triunfos de Biden e de Castillo como se houvesse paralelo viável. O peruano, cujo partido se define um tanto ridiculamente como marxista, quer fechar o Tribunal Constitucional e, por meio de uma Constituinte, instalar um Estado "interventor, planificador, inovador, empresário e protetor". Mas isso é a epiderme: no regime com que sonha, a vida social se curvaria a dogmas religiosos conservadores. Democracia?

"Vemos com muita alegria, com ares positivos para a nossa América Latina. Ele é trabalhador, com posições progressistas", celebrou Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Castillo representa uma reação camponesa ao Peru urbano. Seria um equívoco, contudo, interpretar tal reação nos termos binários do choque entre "atraso" e "modernidade". A figura que governará o Peru sintetiza a modernização do atraso promovida por uma mistura pegajosa de neopentecostalismo com catolicismo fundamentalista. Progressista?

A "nossa América Latina" é uma invenção recente, fundada pelo panlatinismo imperial francês da segunda metade do século 19, e refundada diversas vezes. No Peru, surgiu a mais densa dessas refundações: a ideia de Indo-América, expressa em versão anti-imperialista, por Haya de la Torre, ou marxista, por José Carlos Mariátegui.

Ricardo Noblat - Doria visita região onde Bolsonaro nasceu para se contrapor a ele

- Blog do Noblat / Metrópoles

O pretexto? Acompanhar o início de obras de ampliação de um hospital e descerrar a placa de uma clínica de saúde

Terá mesmo peito o presidente Jair Bolsonaro de desfilar de moto em São Paulo depois da ordem dada pelo governador João Doria (PSDB) para que seja multado se fizer isso?

Bolsonaro já foi multado por ordem do governador Flávio Dino (PC do B) por não usar máscara e promover aglomeração no Maranhão. Retrucou chamando Dino de “comunista gordinho”.

Doria está pagando para ver. Enquanto Bolsonaro estiver desfilando, Doria visitará o Vale da Ribeira, região de origem do presidente que foi criado na cidade de Eldorado.

O governador acompanhará o início de obras de ampliação e modernização de um hospital em Pariquera-Açu e descerrará a placa de uma clínica de saúde em Registro.

Ele voltou a animar-se com a divulgação de recentes pesquisas de intenção de voto que registram seu crescimento. Numa delas, em um eventual segundo turno, ele aparece empatado com Bolsonaro.

João Gabriel de Lima - Líderes com visão e atores arrivistas

- O Estado de S. Paulo

Vício de nossa cultura política, a falta de visão de longo prazo merece especial reflexão

Um vídeo de 14 minutos com o título “O Brasil conseguirá sobreviver a Bolsonaro?” teve, ao longo da semana, cerca de 500 mil visualizações no YouTube. Ele é parte de uma reportagem especial sobre o Brasil publicada pela The Economist, a revista mais influente do mundo. Num dos textos do pacote, traduzido para o português pelo Estadão, a The Economist sugere que os brasileiros usem o voto para se livrar do presidente Jair Bolsonaro, caso queiram sair da crise múltipla que aflige nosso país há quase dez anos.

Perspectivas externas sobre o Brasil costumam ser úteis, ainda mais quando elaboradas com o rigor e a profundidade do jornalismo da The Economist. A revista britânica, de tendência liberal, vai muito além da crítica ao presidente. Ela aponta características negativas de nossa cultura política, e mostra como elas nos levaram à situação atual. Um vício que merece especial reflexão é a falta de visão de longo prazo.

Não parece difícil traçar uma agenda para o Brasil, dado que nossos problemas são grandes e evidentes. Há uma quase unanimidade sobre eles, à direita e à esquerda. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, escreveu um ensaio a respeito. Os cientistas políticos Marcus Melo e Carlos Pereira – este último colunista do Estadão – publicaram, com os economistas Lee Alston e Bernardo Mueller, um livro sobre o assunto, Brazil in Transition. As conclusões coincidem.

Michel Temer* - O semipresidencialismo

- O Estado de S. Paulo

Já tivemos um ensaio, com êxito, quando chamei o Congresso para governar comigo

A Constituição brasileira, que ainda não completou 33 anos, instituiu o presidencialismo. Nesse breve período já houve dois impeachments. E agora assiste-se à pregação de novo impeachment. Não há dúvida: no próximo mandato, seja quem for o presidente, virá nova proposta de impedimento. E assim sempre.

Por outro lado, temos mais de 30 partidos políticos. Há 20 anos se fala em reforma política. Alardeia-se que deveria ser a primeira das reformas. Não se conseguiu levar a ideia adiante. Mas a esta altura podemos dizer: não dá mais!

É preciso reformatar o sistema político. No presidencialismo o governo tem de ter maioria parlamentar. Manda ao Congresso Nacional projetos de lei, emendas à Constituição e edita medidas provisórias. Tais atos normativos dependem de aprovação da maioria. Os governos presidencialistas, em geral, acabam por consegui-la. Mas são maiorias instáveis, sempre provisórias, nunca sólidas e definitivas.

A solução é mudarmos o sistema de governo. É caminharmos para um regime semipresidencialista. Não o parlamentarismo puro, em que “o rei reina, mas não governa”. Mas um sistema em que o presidente da República tenha funções relevantes, como, por exemplo, chefiar as Forças Armadas, conduzir a diplomacia, ter direito de veto ou sanção, nomear e exonerar os membros do governo quando o primeiro-ministro o solicitar, e nomeá-lo, além de outras tantas tarefas que lhe concedam participação e comando efetivos. É aí que o semipresidencialismo difere do parlamentarismo puro. E penso que será mais bem aceito num país que viveu mais de um século em regime presidencialista.

A chefia de governo caberá ao primeiro-ministro, a quem incumbe, com o Gabinete, conduzir a administração interna do País. O Gabinete teria sede constitucional no Parlamento, podendo o primeiro-ministro ser ou não parlamentar. Mas para formar o governo impõe-se ter a maioria do Parlamento. Ou seja, somente terão assento no governo os partidos que, de forma coligada, obtiverem maioria.

Se no presidencialismo a maioria é necessária, no semipresidencialismo é indispensável. Sem ela não há governo, já que o Gabinete não se instala. Diferentemente do presidencialismo, em que o chefe de Estado e de governo é eleito e só depois busca a maioria, no semipresidencialismo o presidente é eleito, mas o primeiro-ministro será fruto da maioria política que se formar por força das eleições parlamentares ou em razão de ajustamento político. Haverá “situação” e “oposição”. Mas a situação será muito mais estável.

Bolívar Lamounier - Engasgos de ontem e de hoje

- Revista IstoÈ

No que me concerne, prefiro seguir o conselho do marechal De Gaulle: “D’abord, la politique”. Olhar primeiro a política

Se cada brasileiro tivesse no cérebro um espelho retrovisor, em dez minutos compreenderia por que temos tido um desempenho tão medíocre na promoção do crescimento econômico e do bem-estar. E por que vamos continuar falhando ainda por muito tempo.

Na economia, nada fizemos para erradicar a estrutura patrimonialista, vale dizer, o super-Estado burocrático que asfixia o setor privado. Na tecnologia, conseguimos fazer alguma coisa numas poucas empresas, como a Embraer; na educação, somos uma catástrofe. Se nossa renda per capita continuar crescendo à medíocre taxa de dois por ano, levaremos mais de uma geração para atingir o nível da Grécia ou Portugal. Nada a comemorar.

No que me concerne, prefiro seguir o conselho do marechal De Gaulle: “D’abord, la politique”. Olhar primeiro a política. Como o resto da América Latina, nos mantemos aferrados à mitologia do presidencialismo populista. O “salvador da pátria”.

O super-homem que encarna os anseios do povo. Que assegura a estabilidade política e a unidade de ação do Estado. Insistimos também na crença não menos idiota de que quanto mais partidos, melhor.

A partir dos anos cinquenta, a lenga-lenga populista continuou produzindo demagogos aos magotes. Juscelino Kubitschek cometeu vários erros, mas pelo menos governou tentando estabelecer um clima de concórdia e civilidade. Depois dele, uma turma para ninguém botar defeito: Jânio Quadros, Leonel Brizola, João Goulart, Adhemar de Barros e sabe Deus quantos mais. Havia populistas municipais, estaduais e federais.

Dora Kramer - O mando é civil

- Revista Veja

Não há possibilidade de o Brasil voltar a ser presidido pela tirania, a menos que a sociedade permita

A deferência ao bom senso e o respeito ao raciocínio lógico não deixam dúvidas quanto à necessidade de impor um freio às tentativas do presidente da República de jogar o Brasil no caos. Na confusão, ele se cria.

Foi nesse ambiente, agravado por uma tentativa de homicídio, que Jair Bolsonaro se elegeu e aposta na remontagem de um cenário de desarrumação acrescido de contornos de grave crise institucional para se reeleger.

Conta com a intimidação como aliada à execução de seu intento. Quanto mais temerosa estiver a sociedade, quanto mais a maioria partidária da democracia estiver convencida de que o país está à beira de um golpe, quanto mais se repete essa ideia, mais se normaliza essa situação e se faz o jogo dos arautos da opressão.

Não significa dizer que se deva ignorar a óbvia preferência do ocupante do Palácio do Planalto por um regime de arbítrio, no qual ele pudesse dar vazão ao impulso de exercer o poder de modo absoluto, a fim de impor ao Brasil suas convicções retrógradas.

Não significa defender a indiferença e a inércia diante das repetidas ameaças chantagistas e bravateiras. Ao contrário. O que não se pode é ceder ao medo. Não aquele que põe o ser humano em alerta contra o perigo, mas o excessivo que paralisa, confunde a capacidade de enxergar a realidade com nitidez e dá ao agressor a sensação de que está diante de presa fácil.

A sociedade brasileira que se organizou e se engajou nas lutas coletivas pela anistia, por eleições diretas, pela volta dos militares à disciplina dos quartéis, que viu a inesperada morte do primeiro presidente civil antes da posse, que viveu dois impeachments, uma hiperinflação e assistiu à condenação criminal da cúpula de um partido no poder sem abalos institucionais não está nem pode se colocar no lugar de vítima ante as investidas de caráter golpista.

Não há possibilidade de o Brasil voltar a ser presidido pela tirania, a menos que a sociedade construtora dos feitos acima descritos permita. A eficácia de uma barreira de contenção depende do poder civil, há mais de 35 anos no comando.

Ricardo Rangel - Quanto vale a democracia?

- Revista Veja

Resta à sociedade se defender do autoritarismo e do arbítrio

A decisão sobre punir o general delinquente Eduardo Pazuello foi equiparada a A Escolha de Sofia, livro/filme em que uma jovem mãe é obrigada a escolher qual dos dois filhos vai para a câmara de gás. Nesse paralelo, o comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, teria tido de escolher entre duas opções muito ruins: ou deixava Pazuello impune ou seria desautorizado por Bolsonaro, o que seria ainda pior.

Esse paralelo é falso.

É improvável que Bolsonaro revogasse uma punição a Pazuello, não apenas porque isso lhe causaria enorme desgaste, mas porque se o comandante Paulo Sérgio resistisse à ordem, isso poderia até levar à queda do presidente (como ocorreu com Carlos Luz em 1955). Mais grave: a capitulação não resolveu o problema do general.

O paralelo adequado é com Neville Chamberlain, o primeiro-ministro britânico que, na esperança de saciar o apetite de Hitler e preservar a paz, aceitou as repetidas provocações do ditador da Alemanha. “Diante da escolha entre a guerra e a desonra”, disse Winston Churchill a Chamberlain, “vocês escolheram a desonra — e terão a guerra.”

Murillo de Aragão - O jogo do segundo semestre

- Revista Veja

O cenário econômico é ruim para os adversários do governo

A pandemia paralisou o tempo da vida das pessoas. Mas acelerou o tempo da política. A eleição presidencial de 2022 já está em curso com pré-campanha declarada por diversos candidatos.

A polarização predomina, mas não está assegurada. Como já disse aqui mesmo, o futuro presidente será escolhido pelos eleitores não polarizados, ou seja, aqueles que não são nem Bolsonaro nem Lula.

Ao fim do primeiro semestre devemos olhar o futuro próximo e seus desafios no campo político. O mais óbvio é o resultado da CPI da Pandemia, que parece delineado. O que é altamente incerto é se terá consequência prática, além de engordar o acervo de ataques ao governo.

Pelo que se percebe da ultramidiatizada CPI, nenhuma surpresa é esperada. As culpas já foram distribuídas a uns e outros. Será ela prorrogada? Pode ser, mas talvez sem o impacto imaginado.

O jogo do segundo semestre vai correr em torno da economia e da vacinação. Ambas podem gerar uma catarse coletiva que reduzirá o impacto do debate sobre “de quem é a culpa”. Na prática, olhando os números das pesquisas, o interesse maior é virar a página da pandemia assim que a vacinação tiver sido ampliada.

Enquanto o noticiário é pesado na política, os sinais na economia são promissores — a ponto de considerarem possível o país crescer 5%! Fato é que, com tropeços e acertos, o Brasil se saiu melhor do que o Reino Unido na gestão econômica da crise.

Rogério Furquim Werneck - A sustentação da retomada econômica

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Há muitos fatores a considerar nos próximos meses. Como evoluirão a pandemia, a crise hídrica e o clima de alta incerteza política?

É natural que as boas notícias sobre a evolução do PIB no primeiro trimestre tenham dado lugar a grande otimismo sobre as perspectivas de recuperação da economia. Ainda é cedo, contudo, para entrever, com base nos dados divulgados na semana passada pelo IBGE, uma recuperação do nível de atividade, em 2021, tão forte como a que agora vem sendo apregoada.

A sustentação da retomada exigirá a superação de dificuldades nada triviais que, desde já, deveriam merecer cuidadose atenção. Há dúvidas cruciais sobre o que, de fato, terá de ser enfrentado pela economia no futuro próximo.

Como evoluirá a pandemia? O quadro já não parece tão alarmante como em abril. Mas o país ainda permanece num patamar médio de 1.700 mortes por dia, que continua a afastar ilusões sobre a proximidade do fim da pandemia. Os especialistas mais respeitados ainda não parecem convencidos de que o risco de uma terceira onda possa ser descartado.

E, sem que a pandemia seja efetivamente debelada, é difícil que parte importante do setor de serviços possa sair do marasmo em que se encontra.

Surpreendidos com uma taxa de crescimento no primeiro trimestre bem superior à que vinha sendo consensual no mercado, analistas vêm saudando em prosa e verso a suposta resiliência da economia à segunda onda da pandemia e aos lockdowns impostos pelos governos subnacionais.

A contrapartida da comemoração dessa resiliência, contudo, deveria ser apreensão com os efeitos que o desdém generalizado pelo distanciamento social poderá vir a ter sobre a evolução da pandemia.

Vinicius Torres Freire – A venda da Eletrobras e a conta da luz

- Folha de S. Paulo

Governo e parte do mercado não se entendem sobre o custo da lei da privatização

As emendas que a Câmara dos Deputados fez na medida provisória de privatização da Eletrobras vão provocar um aumento de custo de uns R$ 41 bilhões na conta de eletricidade, direta ou indiretamente: 10% a mais nas tarifas para pequenos consumidores e de até 20% para os grandes.

É o que dizem grandes consumidores de energia elétrica, grosso modo indústrias, comercializadores, gente do setor de óleo e gás e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, vários deles juntos no movimento União pela Energia. Nas contas do Ministério de Minas e Energia, o impacto somado deve ser quase nenhum, se algum.

Essa diferença de dezenas de bilhões de reais já é de espantar, mas a controvérsia é maior. Não apenas dados, premissas e métodos de cálculo são diferentes. Na teoria e na prática, os críticos das emendas da Câmara, aceitas pelo governo, estão dizendo que a lei da privatização da Eletrobras embute um plano dirigista para a expansão de parte da capacidade de geração de eletricidade. Isto é, estipula fontes de energia, locais de produção e tipo de fornecedor.

A oferta dessa energia não seria determinada (ou totalmente determinada) por mecanismos de competição e critérios gerais de emprego eficiente do capital (para nem mencionar os subsídios implícitos na legislação). A expansão da oferta deveria ser apenas orientada por um planejamento indicativo (que já existe).

A fim de evitar que o Congresso derrube a privatização, o governo defende a versão da lei aprovada pelos deputados. O que a Câmara colocou na medida provisória?

Marcus Pestana* - Protecionismo e estagnação

O capitalismo surgiu das entranhas da dissolução da sociedade feudal.  Com a intensa urbanização, a acumulação de capitais, o surgimento da produção artesanal e o progresso técnico, as bases da industrialização estavam lançadas. O desenvolvimento da economia mundial é desigual. O surgimento do capitalismo se deu originariamente na Inglaterra. No segundo bloco, o das industrializações retardatárias, vieram França, EUA, Alemanha, Itália e Japão. E num terceiro momento, o das industrializações tardias, vieram países periféricos como o Brasil.

O Brasil foi, de 1930 a 1980, o país com maiores taxas de crescimento econômico, baseado em um processo de substituição de importações, induzido fortemente pela ação do Estado. A partir dos anos de 1980, o país perdeu a rota e caiu na armadilha do baixo crescimento. Recentemente, vivemos profunda recessão fruto dos erros de politica econômica do Governo Dilma e agora em função da pandemia. Resultado: tivemos mais uma década perdida de 2011 a 2020, com crescimento negativo do PIB por habitante, ou seja, ficamos mais pobres.

Para além da superação da estagnação de curto prazo, temos que pensar com ousadia o Brasil pós-pandemia a longo prazo. Mas um aspecto é permanentemente negligenciado: a abertura externa.

George Gurgel de Oliveira* - O Brasil In(Sustentável) em uma perspectiva democrática e reformista. Quais os desafios?

A Semana de Meio Ambiente, realizada recentemente, por iniciativa da Fundação Astrojildo Pereira (www.fundacaoastrojildo.com.br e com o apoio do Observatório da Democracia (https://observatoriodademocracia.org.br), reunindo 12 Fundações partidárias, é um fato político, social e cultural relevante na sociedade brasileira.

Estas 12 Fundações promoveram dois importantes eventos: “Política ambiental brasileira e os desafios da sustentabilidade”, com a participação dos ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Edson Duarte, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldenberg, Marina Silva, Rubens Ricupero e Sarney Filho, sob a mediação  da jornalista Daniela Chiaretti e a participação especial da cantora Carla Visi; “Crise climática e a Amazônia brasileira”, com a participação de Ricardo Galvão, Adriana Ramos, Thelma Krug e Suely Araújo, com a mediação da jornalista Giovana Girardi e a participação especial da cantora Carla Visi (ver os portais e redes sociais das Fundações e do Observatório da Democracia sobre os referidos eventos).  

Ainda um fato a ser destacado: desde o início dos trabalhos, estas Fundações estão comprometidas em construir uma proposta programática a favor de um Brasil Sustentável, a ser entregue às candidaturas do campo democrático que irão disputar o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, em 2022, em prol de um Brasil com inclusão social, no caminho de uma economia de baixo carbono, preservando a natureza, a diversidade cultural e espiritual da sociedade brasileira.

Adriana Fernandes – Alerta tributário

- O Estado de S. Paulo

Se as mudanças da reforma brasileira forem feitas no atropelo e derem errado, não é algo que se possa reverter com facilidade

É extremamente preocupante o movimento do comando da Câmara para levar a votação dos dois projetos de reforma tributária diretamente ao plenário da Casa, sem passar por comissões.

Mesmo que fatiada, a reforma não pode prescindir de um debate prévio para que todos os parlamentares e diversos atores da sociedade possam maturar as propostas. O que se pretende é fazer um grupo de trabalho com poucos parlamentares.

É uma temeridade, considerando a complexidade que é mudar a direção do leme desse transatlântico do sistema tributário nacional em meio a sinais de mudança dos ventos nessa área no cenário internacional.

Na semana passada, o G-7, grupo das principais economias do mundo, concordou em apoiar novas regras para tributar empresas multinacionais com um imposto de pelo menos 15%. A proposta é considerada um passo decisivo em direção a um acordo global que entregaria a taxa mínima proposta por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

O governo ainda não se pronunciou sobre a posição do Brasil em relação ao acordo, o que só deve acontecer na próxima reunião do G-20. Até o momento, essa discussão, porém, passa ao largo da reforma tributária.

Se as mudanças da reforma brasileira forem feitas no atropelo e derem errado, não é algo que se possa reverter com facilidade. O transatlântico já se mexeu. Quem for beneficiado ou conseguir manter os privilégios, de certo não vai querer fazer os ajustes.

Morre, aos 80 anos, o ex-vice-presidente Marco Maciel

Político foi vice-presidente nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso

O Globo

RIO — Morreu na madrugada deste sábado, aos 80 anos, o ex-vice-presidente da República Marco Maciel, em Brasília. Maciel foi vice-presidente da República durante os oito anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002. Foi deputado, senador e governador de Pernambuco.

O político foi um dos articuladores da transição entre o período militar e a redemocratização. Após o golpe de 1964, Marco Maciel atuou como assessor do então governador de Pernambuco, Paulo Guerra. Em novembro de 1966 elegeu-se deputado estadual no estado pelo Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar.

Quatro anos depois, se candidatou e foi eleito deputado federal por Pernambuco, cargo a qual foi reeleito em 1974.

Em novembro de 1976, Maciel foi eleito presidente da Câmara dos Deputados para o biênio 1977-1978. Em abril daquele ano, o presidente Ernesto Geisel decretou o fechamento do Congresso Nacional. Com a extinção do bipartidarismo em novembro do ano seguinte, foi um dos fundadores do Partido Democrático Social (PDS), que substituiu a Arena.

Após passar pelo cargo de governador de Pernambuco, Maciel deixou o posto para se candidatar ao Senado. Eleito, passou a se dedicar à articulação do lançamento de sua candidatura à Presidência, prevista para se realizar por via indireta em janeiro de 1985.

Um ano antes, em janeiro de 1984, ele passou a defender a tese de eleições diretas em todos os níveis, inclusive para presidente da República.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Indiferença com o futuro do País

O Estado de S. Paulo

De forma escancarada, Jair Bolsonaro tem mostrado que, em suas decisões, o médio e o longo prazos não têm nenhum peso. O que importa é ser reeleito

Sem nenhum pudor, o governo Bolsonaro é cada vez mais uma administração orientada exclusivamente ao circunstancial, ao imediato. Não se vê mais sequer a pretensão de manifestar alguma preocupação com o futuro. De forma escancarada, Jair Bolsonaro tem mostrado que, em suas decisões, o médio e o longo prazos não têm nenhum peso.

Em primeiro lugar, chama a atenção que, em todas as negociações com o Poder Legislativo, o Executivo federal não apresenta nenhuma preocupação com uma agenda estrutural para o País.

É de fato estranho. Um governo que foi eleito prometendo revolucionar o cenário econômico e o ambiente de negócios e promover uma nova forma de fazer política faz agora inúmeras concessões ao Centrão sem pedir nada em troca. Não almeja nenhuma reforma. Contenta-se com que o Centrão lhe conceda sobrevivência política.

Além de não trabalhar pelas reformas, o governo Bolsonaro ainda dificulta as que poderiam ser aprovadas. O caso da reforma tributária é acintoso. O Congresso tinha a possibilidade, como há muito tempo não se via, de aprovar um novo marco tributário, a partir das propostas da Câmara (formuladas pelo economista Bernard Appy) e do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly).

No entanto, o governo de Jair Bolsonaro não apoiou nenhum dos dois projetos, tampouco trabalhou por eventual melhoria dos textos. Seu interesse tem se resumido a criar um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins e a falar de uma nova CPMF. Haja estreiteza de horizontes.

A indiferença com o futuro do País é também constatada pelo desmonte que o governo federal vem realizando em áreas que incidem diretamente sobre as novas gerações, em especial, educação, ciência e meio ambiente.