quinta-feira, 24 de junho de 2021

Roberto Freire* - Corrupção na gestão Bolsonaro exige investigação

Blog do Noblat /Metrópoles – 23/06/2021

É lugar comum dizer que CPI sabemos como começa, mas não como termina. Pois a da Covid, ou da Pandemia, para quem preferir, está diante do maior e mais grave escândalo de corrupção da nossa história. Pelo valor expressivo – ao menos R$ 500 milhões – e pelo resultado direto: a morte de milhares de brasileiros sem vacina.

Jair Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, que coordenava a área de importação do Ministério da Saúde, precisam explicar rapidinho por que uma empresa atravessadora, a Precisa, receberia tal valor para intermediar um negócio de R$ 1,6 bilhão no qual o próprio presidente se envolveu.

Por que Jair Bolsonaro pagou R$ 80,70 por uma vacina que custava R$ 7,20? Por que Jair Bolsonaro pagou mais de 1.000% a mais do que o real valor de uma vacina que sequer havia sido testada? Por que Jair Bolsonaro interferiu junto ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, por uma vacina que não estava disponível e era mais cara do que outras ofertadas ao Brasil?

Merval Pereira - Um cheiro de queimado

O Globo

 ‘Desovar’ é uma gíria brasileira que significa se livrar de alguma coisa que pode comprometer. Foi o que aconteceu ontem com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que pediu demissão no mesmo dia em que as investigações sobre a compra nebulosa da vacina indiana Covaxin começaram a ganhar uma dimensão política perigosa para o governo.

À noite, o governo reagiu com o anúncio, feito pelo ministro-chefe da Secretaria da Presidência, Onyx Lorenzoni, de que processará o deputado federal Luis Miranda por denunciação caluniosa e seu irmão Luis Ricardo, servidor do Ministério da Saúde, por prevaricação. As acusações são de que a dupla falsificou documentos e forjou denúncias sobre a compra da Covaxin com intenções criminosas, como sugeriu o ministro Lorenzoni.

O relato do governo responde a alguns pontos, rebatendo que Bolsonaro tenha mandado uma carta ao primeiro-ministro Modi pedindo especificamente a liberação da vacina Covaxin. A carta, na verdade, falava de outras vacinas, como a AstraZeneca, que também se utiliza de insumos da Índia. O documento que mostrava um pagamento adiantado da vacina existiu, mas foi, segundo Lorenzoni, alterado a pedido do próprio governo brasileiro. Também a presença do que seria uma empresa intermediária foi desmentida. Lorenzoni explicou que todas as compras de vacinas contaram com representantes das farmacêuticas no território brasileiro.

Mas outros pontos obscuros estão em aberto, e os membros da CPI estão convencidos de que há um esquema gigantesco de corrupção por trás dessa compra. Certamente, o deputado Luis Miranda e seu irmão mostrarão na CPI documentos para reafirmar suas acusações, e, agora rompido com o governo e ameaçado de processo, o deputado, que era um bolsonarista com acesso ao Palácio da Alvorada, transformou-se em inimigo do governo.

Malu Gaspar – O jogo mudou

- O Globo

Denúncia de corrupção na compra da Covaxin muda o jogo na CPI da Covid

Desde que a CPI da Covid começou, o que mais se ouve entre políticos, gestores de crise e até integrantes da própria comissão é que seria muito difícil as investigações mudarem a percepção da população a respeito de Jair Bolsonaro. “Quem já acha que Bolsonaro é genocida vai continuar achando, e quem gosta da gestão do presidente na Saúde vai continuar gostando”, sintetizou em abril um consultor de crise que estava enfurnado na CPI. Na opinião desse e de outros personagens, só uma variável seria capaz de alterar o rumo das coisas: “Se aparecer um caso de corrupção, o jogo muda”. Até ontem, essa era apenas mais uma tese entre tantas que se espalham nas conversas da corte. Não mais, porque a denúncia de corrupção apareceu.

Um servidor concursado do Ministério da Saúde, irmão de um deputado francamente bolsonarista, contou aos repórteres do GLOBO ter avisado o presidente da República de uma transação que reunia militares ligados ao ex-ministro Eduardo Pazuello e a lobistas de larga ficha corrida para a compra irregular de lotes da vacina indiana Covaxin. Se a negociata tivesse ido adiante, o possível prejuízo aos cofres públicos seria de R$ 222 milhões — algo em torno de cem rachadinhas do Queiroz.

Segundo o servidor público Luis Ricardo Miranda, os representantes da empresa Precisa, que importa a vacina indiana, queriam que o governo pagasse adiantado US$ 45 milhões no recebimento de 300 mil vacinas, quando o previsto no contrato eram 4 milhões de doses sem pagamento antecipado. Mas os documentos de importação mostravam que os lotes estavam muito perto da data do vencimento, o que impediria a aplicação da vacina em larga escala.

Míriam Leitão - Governo acuado ainda atira no país

O Globo

O governo terminou o dia envolvido num nebuloso caso de compra favorecida da vacina Covaxin e com Ricardo Salles tendo que se demitir para tentar fugir do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal. Era o retrato de uma administração desmontando. Mesmo assim, o projeto de demolição institucional continuou com a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de um projeto de lei que ameaça ferir de morte os direitos dos indígenas. O ministro Onyx Lorenzoni usou um versículo da Bíblia para definir os que se opõem à atual administração como sendo os “dominadores do mundo das trevas” e “forças do mal”. As palavras da Carta aos Efésios são boas, mas para definir o próprio governo.

O ministro Lorenzoni ameaça jogar céus e terra contra o servidor Luis Ricardo Miranda e o deputado Luis Miranda, que contaram ter avisado o presidente, em 20 de março, de pressões indevidas para a compra da Covaxin.

— Deputado Luis Miranda, Deus está vendo. Mas você não vai se entender só com Deus não. Vai se entender com a gente também, o senhor vai explicar e vai pagar — disse Onyx.

Em seguida, disse que os irmãos serão processados por produção de prova falsa e denunciação caluniosa. O relator da CPI, Renan Calheiros, disse que isso é coação de testemunhas e avisou que pode pedir a prisão do secretário-geral da Presidência.

Luiz Carlos Azedo - Salles teme ser preso

Correio Braziliense

O ministro Salles (Meio Ambiente) foi exonerado num dia de grande tensão no Palácio do Planalto, por causa das denúncias sobre a suposta compra irregular da vacina Covaxin

O presidente Jair Bolsonaro exonerou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ontem, e nomeou para o seu lugar o líder ruralista Joaquim Álvaro Pereira Leite. O novo ministro ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta, o que significa que não haverá mudança de rumo na política de desmonte da legislação ambiental e dos seus órgãos de controle e fiscalização. Para os ambientalistas, é mais uma raposa tomando conta do galinheiro. Na terça-feira, em solenidade no Palácio do Planalto, Bolsonaro elogiou o ministro: “Prezado Ricardo Salles, você faz parte da história. O casamento da Agricultura com o Meio Ambiente foi um casamento quase que perfeito. Parabéns, Ricardo Salles. Não é fácil ocupar seu ministério. Por vezes, a herança fica apenas uma penca de processos.”

A queda do ministro Salles já estava contratada, desde a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que colocou em xeque a política negacionista das mudanças climáticas e contrária à preservação da Amazônia do governo brasileiro. Salles fazia dobradinha com o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, que foi defenestrado em razão da guinada política do governo norte-americano, após a derrota do ex-presidente Donald Trump, no qual Bolsonaro se espelhava. Ambos se tornaram figuras ridículas na política internacional. Salles escandalizou a opinião pública após a divulgação de reunião ministerial, em 22 de abril do ano passado, na qual anunciou que pretendia aproveitar a pandemia de covid-19 para “ir passando a boiada” na área ambiental. Desde então, a situação de Salles tornou-se insustentável, embora tenha sido mantido no cargo pelo presidente da República até ontem.

Ricardo Noblat - 23 de junho de 2021, o dia que não terminou para Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

A fogueira queima em homenagem a São João e pode esturricar o governo que se apresenta como o mais honesto da história do país

Como os séculos, os governos nem sempre começam ou terminam nas datas previstas no calendário gregoriano.

O século passado começou quando explodiu a primeira guerra mundial em julho de 1914, e terminou em 26 de dezembro de 1991 com a dissolução da União Soviética.

Este século começou com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 que derrubou as torres gêmeas de Nova Iorque.

Não havia governo Bolsonaro antes da pandemia, só um projeto de destruir o “sistema” para, mais tarde, construir outro. Não há governo depois de mais de 500 mil mortos pelo vírus.

De certo o que há é um desgoverno que tinha data marcada para chegar ao fim (31/12/2022), e que agora nem isso tem mais.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid-19, comentou com amigos que o governo está desmoronando. A conclusão parece precipitada.

Seria mais razoável dizer que o dia de ontem para o presidente acidental não terminou, e tudo indica que não terminará tão cedo.

O dia começou com Bolsonaro chamando de “pobres coitados” os que foram às ruas pedir o seu impeachment. Anoiteceu com Bolsonaro atingido por grave denúncia de corrupção.

William Waack - Bolsonaro e o abismo

O Estado de S. Paulo

Mesmo com a economia melhorando, a situação política é de grande incerteza

Se Jair Bolsonaro acha que está sendo cercado e cerceado, e se sente ameaçado, está mesmo. Do ponto de vista “estrutural” perdeu poder para o Legislativo (além de virar refém do Centrão) e foi manietado pelo Judiciário. Do ponto de vista das circunstâncias do cotidiano, está acuado pela evidência de que as ruas não são apenas dele. A CPI da pandemia mantém constante pressão política, gerando desgaste que o foco nos contratos da vacina indiana aumentaram perigosamente. 

A questão é saber como Bolsonaro pretende sair de uma situação que ele mesmo ajudou a criar. Até aqui ele tem dobrado a aposta em reiterar crenças absurdas (como a do tratamento precoce), falsidades (como o “documento” do TCU sobre exagero no número de mortos) e seu comportamento habitual de desprezo por instituições (como se aconselhar com charlatães e puxa sacos em detrimento das instâncias técnicas do Ministério da Saúde) e ataques à imprensa. 

José Serra* - Reformas à deriva

O Estado de S. Paulo

O País corre perigo quando mudanças institucionais passam por simples aventuras

O sistema político brasileiro requer lideranças empenhadas, sobretudo na Presidência, para a promoção de iniciativas que vão ao encontro do interesse público. O Congresso, por sua dinâmica interna, tende a favorecer interesses localizados e muito heterogêneos. A falta de coordenação e clareza de propósitos pode conduzir o processo legislativo a resultados frustrantes, quando não desastrosos. Vimos isso com a PEC Emergencial. O mesmo acaba de acontecer com a MP da Eletrobrás.

A proposta declarada de privatização da estatal ter-se-á transformado, ao fim de sua tramitação, numa colcha de retalhos na qual o Congresso, de maneira oblíqua e temerária, assumiu indevidamente o papel de planejador do sistema elétrico brasileiro. Como escreveram especialistas, a falta de liderança executiva para assegurar alguma coerência à proposta fez a privatização de uma estatal do setor ser transmutada numa intervenção parlamentar na política energética do País, visando interesses inconfessáveis. As consequências estão por vir.

Cabe lembrar que riscos idênticos cercam outra reforma muito relevante em tramitação: a administrativa, veiculada pela PEC n.º 32/2020, de autoria do Executivo. Na sua exposição de motivos são anunciadas as três grandes balizas da proposta: modernizar o Estado, conferindo maior dinamicidade, racionalidade e eficiência à sua atuação; aproximar o serviço público brasileiro da realidade do País; e, por fim, garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de qualidade.

Cristiano Romero - Por que paramos de distribuir renda?

Valor Econômico

No Brasil, elites recebem mais do Estado do que os pobres

O país a que chamamos de Brasil convive com níveis extremos de desigualdade desde o início da colonização europeia. A escravidão, usada como fator de acumulação de capital por quase 400 anos, nunca nos deixou, o que explica o estranhamento das elites diante da maioria da população e seu desdém com a educação do povo, característica ausente na maioria das nações.

A história, estudada com profundidade, explica o caminho tomado por cada sociedade. Nenhum povo está fadado ao fracasso por razões culturais ou origem étnica. Onde há nação, isto é, nos países onde a maioria dos habitantes se reconhece no outro, na acepção mais ampla do que chamamos de cultura, é raro ver grupos minoritários se apropriando da maior parte das riquezas e impedindo o desenvolvimento humano das concidadãos.

O desafio maior das nações está nas Américas, onde o processo de colonização europeia se deu de forma violenta, por meio inclusive do extermínio dos antigos donos dos territórios. Acrescente-se a isso o modelo econômico baseado na acumulação de capital por meio da escravização de povos de um terceiro continente, a África.

É importante lembrar que os africanos escravizados foram sequestrados de suas nações. Eram pessoas que pertenciam a um universo cultural próprio, com suas línguas e costumes específicos, transformadas, da noite para o dia, em mão de obra gratuita, primeiro, das lavouras de cana de açúcar no Nordeste, depois, da atividade pecuária e do garimpo em Minas Gerais e, por fim, das plantações de café no Sudeste. Serviram também, claro, ao trabalho serviçal doméstico de famílias abastadas e à atividade, nunca remunerada, no comércio.

Maria Cristina Fernandes - A investida contra a Justiça Eleitoral

Valor Econômico

Com reforma do Código Eleitoral, aliados do presidente contra-atacam cerco da Justiça Eleitoral

Golpista que se preze não age sozinho. Tem aliados bem postos que pavimentam seu caminho. Aqueles que o presidente tem no Congresso não se limitam a mantê-lo no poder a despeito do contêiner de crimes de responsabilidade que Jair Bolsonaro carrega. Vão além. Minam as instituições capazes de contê-lo.

É isso que está em curso com a reforma do Código Eleitoral. Num momento em que o TSE tem uma bem bolada estratégia de cerco e começa a angariar no Congresso aliados contra o golpismo do presidente da República vem um contra-ataque com potencial para reconfigurar o apoio parlamentar contra a Justiça Eleitoral. Não há amadores em cena.

O cerco institucional começou pela peregrinação do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, contra o voto impresso, e não parou aí. Mobilizou o Ministério Público Eleitoral, que ajuizou representação contra a propaganda eleitoral antecipada em ato de entrega de títulos de propriedade rural no Pará, transmitido pela TV Brasil.

O cerco avançou com a portaria do corregedor-eleitoral do TSE, Luis Felipe Salomão, para que autoridades da República apresentem evidências de fraude nas eleições de 2018 e 2020. Estão citadas na portaria as acusações do presidente e de seus aliados de que ele teria sido eleito no primeiro turno não fosse a urna eletrônica.

Maria Hermínia Tavares* - Proposta golpista

Folha de S. Paulo

A PEC do voto impresso não visa aprimorar o processo eleitoral

“Aceitarei totalmente os resultados desta grande e histórica eleição, se eu ganhar.” A declaração, de um cinismo atroz, data de 2016. O autor, Donald Trump, afinal vitorioso. Mas a tirada ficaria bem na boca de seu fã alçado ao Planalto e decidido a ali permanecer a qualquer custo, pelo tempo que conseguir.

Eis porque, desinteressado das questões de governo e da sorte do país devastado pela pandemia, ele está em campanha permanente para se reeleger. Nessa empreitada, entre insultos à imprensa e ofensas aos adversários, quer o que nenhuma eleição democrática garante a candidato algum: a certeza da vitória.

Não é outro o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional 135/19, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL) —a PEC do voto impresso. A ideia é que cada voto eletrônico gere uma cédula física, a qual, conferida pelo eleitor, seja depositada em urna indevassável. Na realidade, trata-se de pôr sob suspeita a votação eletrônica e, por tabela, a confiança nos números apurados.

Democracias podem funcionar bem sob regras muito diferentes para traduzir as preferências dos eleitores em mandatos, para definir como se constitui o Executivo, e quais suas atribuições e limites frente ao Legislativo e ao Judiciário. São compatíveis com sistemas com muitos ou poucos partidos.

Bruno Boghossian – Risco duplo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro elimina Salles para abafar cheiro de corrupção no governo

Ricardo Salles sobreviveu a recordes de desmatamento, ao avanço do garimpo, às pressões do novo governo americano e à crise das queimadas na Amazônia. Colheu elogios do chefe e continuou tocando a boiada do desmonte da política ambiental. Ele só começou a perder espaço quando apareceu no centro de suspeitas de corrupção.

O ministro era um queridinho de Jair Bolsonaro porque cumpria uma dupla função: animava as bases radicais do governo com um discurso antiesquerda e atendia aos interesses de ruralistas, garimpeiros e madeireiros. Ainda que fosse uma peça política importante, Salles se tornava um problema cada vez maior, num momento delicado.

Ruy Castro - De luto contra Bolsonaro

Folha de S. Paulo

E se, num dia marcado, as pessoas apenas saírem às ruas ---qualquer rua--- vestidas de preto?

No dia 16 de agosto de 1992, um domingo, o Brasil saiu de preto às ruas para mostrar que tinha vergonha na cara. Dias antes, o presidente Fernando Collor, já carimbado por denúncias de corrupção, conclamara o “povo” a desfilar de verde-amarelo para defendê-lo. E por que não? Afinal, fora eleito com 35 milhões de votos, uma enormidade, e ainda se achava capaz de levar o país no grito. Em troca, o povo silenciou-o com suas roupas e bandeiras pretas em todas as cidades. Menos de dois meses depois, Collor deixou de existir.

Jair Bolsonaro é 505 mil vezes pior do que Collor. A palavra genocida, que só em casos excepcionais saía dos dicionários contra alguém, tornou-se seu sinônimo. E de uso tão corriqueiro que se arrisca a ficar insuficiente para definir o homem que, não só deixou que centenas de milhares morressem da Covid, como, sabe-se agora, desejou essas mortes —e debocha de quem as chora.

Vinicius Torres Freire – Ministério perde algumas aberrações

Folha de S. Paulo

Custo policial, judicial e político de manter certos ministros ficou alto até para Bolsonaro

As aberrações mais gritantes do ministério de Jair Bolsonaro estão no olho da rua. “Gritantes” em todos os sentidos da palavra. Ou seja, caíram as aberrações mais notórias, estridentes, destrutivas e, portanto, as mais capazes de açular as falanges bolsonaristas ou de satisfazer exigências concretas e ideológicas.

Bolsonaro ainda berra, como se pode ver na Saúde. Mas os efeitos colaterais e a fisionomia do seu governo mudam um tanto mais, o que já ocorrera na queda ou diminuição dos superministros, no pacto assumido com o centrão e no escanteamento dos generais.

Parte do programa de destruição do governo e do estado permanece. A propaganda terá de mudar de figura, algumas alianças se desmancham. Bolsonaro vai ter de caprichar mais, ele mesmo, na propagação de seu programa, talvez reforce o reacionarismo de outros ministros “ideológicos” e, quem sabe, até se beneficie das mudanças. É um parasita. Ataca “o sistema” e suga o resultado de algo que porventura funcione. Por exemplo, diz com sua cara-de-pau que é responsável pelas poucas vacinas que temos.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Barreiras invisíveis

Companheiro inseparável nesses dois anos de confinamento, o vôlei brasileiro venceu o Canadá, a Sérvia, a Itália, a Polônia, a Alemanha, a Holanda e a Argentina, lidera a Liga das Nações e se prepara para capitanear também as Olimpíadas, no Japão, daqui a um mês. Porém, não sai nada, nos jornais. Parece ignorado pela mídia impressa. Deve incomodar a muitos assinantes.

A supressão do noticiário sobre o vôlei ignora uma representação esportiva do Brasil que reúne alguns dos melhores atletas do mundo e, junto, o papel do cubano Yoandy Leal, naturalizado brasileiro. Dificilmente, sem ele, o Brasil teria alcançado aquelas primeiras posições no ranking. É invejável a dedicação de Leal à seleção do Brasil. Seu companheiro Leon preferiu ser polonês.  

O reconhecimento do papel de Leal passa por outro naturalizado, o sérvio Dejan Petkovic, que, nos anos 2000/2001, ajudou o Flamengo a ganhar o Campeonato Brasileiro de Futebol. Em geral, fazem opção pela naturalização migrantes exilados, evadidos, expulsos, criminosos e pessoas que buscam “uma terra na qual emana leite e mel”, como prometia Moisés.

Não sei se Leal e Petkovic são capazes de cantar o Hino Nacional ou se reconhecem, como sua, a bandeira brasileira. Não é um mal em si, mas uma questão de raízes, da condição humana. Estefan Zweig, o escritor austríaco, aparentemente adaptado ao jeito dos brasileiros, inventor da expressão “País do Futuro”, mesmo depois de dez anos por aqui, terminou suicidando-se, ao conviver com a angústia da perda da nacionalidade de origem, após a anexação nazista da Áustria.

Ora, desde que Dom João VI resolveu também branquear os brasileiros (como os argentinos, de Sarmiento e Martinez), o Brasil recebeu levas de imigrantes europeus, que fincaram raízes aqui, a maioria por força de uma legislação autoritária.  A naturalização não é algo fácil de ser absorvida. Perde-se a relação com terra e com a cultura de origem e, supostamente, despede-se das raízes de nascença.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Grave suspeita

Folha de S. Paulo

São muitas as dúvidas sobre a lisura da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro

Como se não fosse desastrosa o bastante a atuação do governo Jair Bolsonaro na busca de vacinas contra a Covid-19, às evidências de incúria somam-se agora suspeitas quanto à lisura do processo, em particular na compra do imunizante indiano Covaxin.

Os sinais de alerta começam pelos preços. Pelo contrato, assinado em fevereiro, o governo brasileiro pagaria US$ 15 por dose da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, numa operação que envolveria 20 milhões de doses e totalizaria R$ 1,61 bilhão.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, houve encarecimento de 1.000% ante o valor anunciado pelo fabricante seis meses antes.

O imunizante é o mais caro dos seis que o Executivo federal contratou. O da Pfizer, que se vale de uma tecnologia muito mais avançada do que a empregada na Covaxin, saiu por US$ 10 a dose. O produto indiano só foi aprovado pela Anvisa no último dia 4, após uma rejeição e com ressalvas de uso.

Ao contrário do que ocorre com as vacinas ocidentais, não há muitos trabalhos sobre a eficácia/efetividade da Covaxin publicados em periódicos com revisão por pares.

Outro detalhe inquietante é que ela, ao contrário de todas as outras vacinas compradas pelo Brasil, que foram negociadas diretamente com o laboratório, foi adquirida por meio de um representante, a Precisa Medicamentos.