sábado, 3 de julho de 2021

Oscar Vilhena Vieira* - O legado da barbárie

Folha de S. Paulo

O desprezo de Bolsonaro pelo direito dos outros terá efeitos devastadores

O legado do desgoverno de Bolsonaro não se limitará às milhares de vidas perdidas pela falta de uma política decente de combate à pandemia, às florestas criminosamente devastadas ou à violência contra povos indígenas sob o auspício das autoridades constituídas; nem mesmo se restringirá à degradação de serviços públicos essenciais, obstruindo nosso processo de desenvolvimento econômico e social.

A absoluta falta de postura do presidente também se projetará sobre a própria disposição dos brasileiros de respeitarem a lei e os direitos dos outros. Não me refiro apenas à longa lista de alegados crimes de responsabilidade, que têm sido sistematicamente objeto de pedidos de impeachment, de denúncias de crimes comuns que começam a ser investigados pela Procuradoria-Geral da República, ou de eventuais crimes contra a humanidade sob escrutínio de tribunais internacionais.

Falo de condutas mais corriqueiras que expressam uma espécie de obstinação do presidente em demonstrar que não aceita se submeter à regra da lei, como não usar capacete, trafegar do lado de fora do veículo, aglomerar ou não usar máscara. Nenhuma dessas atitudes que simbolizam sua insubordinação ao direito se equiparam, no entanto, ao gesto do presidente de abaixar, com um sorriso escancarado, a máscara de uma criança, em meio a uma pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, numa atitude ao mesmo tempo negligente e de clara exploração política daquela criança.

Bolívar Lamounier* - Engasgos e soluços

O Estado de S. Paulo

O que estamos vendo, desde muito antes da pandemia, é um abismo profundo

 “...un nobre potrillo que justo

en la raya afloja al llegar”

Carlos Gardel

 

Em 1958, quando publicou seu clássico Os Donos do Poder, Raymundo Faoro apresentou-nos uma tese deveras preocupante: a de que, desde os tempos coloniais, um “patronato político” se apropriara do Estado, apagando praticamente a distinção entre o público e o privado.

Curioso é que tal tese, por mais preocupante que fosse, permitia duas interpretações diametralmente opostas. Uma, pessimista, sugeria que tal sistema de domínio, o chamado patrimonialismo, fincara raízes profundas, a ponto de ninguém descortinar um caminho para a sua erradicação. Essa vertente sugeria que, do ponto de vista político, nossa melhor chance seria chegar a uma fachada democrática, atrás da qual o patronato prosseguiria com seus negócios; economicamente, estaríamos condenados ao mesmo grau de mediocridade, uma vez que tal sistema jamais permitiria uma transição efetiva para o capitalismo nem a opção para um totalitarismo dinâmico, como o da China atual. Na vertente otimista, asseverava-se que o patrimonialismo não resistiria ao crescimento econômico, à urbanização, à crescente intensidade da competição política – à modernização, enfim.

Retomando a questão original, a que conclusão chegaríamos hoje? Atrevo-me a afirmar que o cenário pessimista não só prevaleceu, como se tornou muito pior do que o concebido por Faoro. Não levo essa afirmação ao extremo de contestar que avançamos bastante na construção da democracia, tese que defendo em meu livro Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileira, cuja segunda edição está no prelo. Parece-me, porém, certo que não logramos o mesmo índice de progresso em termos econômicos, sociais e educacionais. E mais certo ainda que a estagnação econômica e a degradação institucional das últimas duas décadas já ameaçam seriamente as próprias conquistas democráticas. Para substanciar essa avaliação, nossa renda anual per capita e nossos índices educacionais são mais que suficientes.

Miguel Reale Júnior* - Terceira via

O Estado de S. Paulo

Não é fácil, ao contrário, mas a tragédia do momento empurra para uma saída de grandeza

Em setembro de 2018, instado por grupo de jovens, participei da tentativa de promover reunião de cinco candidatos à Presidência da República com vista a, informalmente, constituírem fusão em torno de um programa, liderada por quem escolhessem como candidato único das forças de centro (esquerda e direita). Chegou a se realizar profícua conversa prévia com assessores dos candidatos, no dia anterior ao encontro, a ocorrer no Instituto dos Advogados de São Paulo e a ser mediado por seu presidente, o dinâmico José Horácio Halfeld Ribeiro. Nessa conversa virtual com assessores, por sugestão nossa, fixou-se que a discussão seria sobre pontos básicos de proposta de governo a ser integrado por todos como ministros. Fariam parte do encontro Álvaro Dias, João Amoêdo, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Marina Silva.

Após animadora conversa com a assessoria dos candidatos, todavia, Amoêdo foi o primeiro a sair. Na noite anterior ao encontro, Marina avisou que não compareceria. Essa desistência levou Meirelles a também a não participar. Alckmin achou não ser produtivo um encontro apenas entre ele e Álvaro Dias, que manteve o interesse até o fim.

Não se pode voltar à sinuca de bico de ter de optar entre Bolsonaro, PT ou nulo. E mesmo se Bolsonaro se liquefazer, uma via de centro democrático é essencial para enfrentar Lula e garantir governabilidade.

Se o governo do PT teve pontos positivos, não se pode esquecer o imenso aparelhamento do Estado e a instituição de corrupção sistêmica, que as falhas graves de Moro e de procuradores não desfazem. O PT traiu os princípios que regiam o partido, por mim alcunhado, desde que Weffort era secretário-geral, de UDN de macacão, por sua pregação da ética na política. Nem é olvidável a pior recessão já vivida pelo País no governo Dilma.

João Gabriel de Lima - Os americanos querem ser nórdicos. Nós também

O Estado de S. Paulo

Não é tão simples, no entanto, viabilizar a social-democracia fora do clube dos países ricos

Os Estados Unidos estão se tornando europeus. A frase foi proferida por republicanos críticos ao “American Families Plan” do presidente Joe Biden. O projeto prevê aumento de impostos para ampliar benefícios em saúde e educação. Ou seja, consolidar as bases de um Estado de bem-estar social. Para alguns estudiosos, os Estados Unidos já chegam tarde ao planeta da social-democracia, o estilo de governo predileto do mundo rico. Rejeitá-lo era uma espécie de “excepcionalismo americano”, nas palavras do professor James Traub, da Universidade de Nova York. 

Para o cientista político Lane Kenworthy, mover-se na direção da social-democracia é uma consequência natural do enriquecimento das nações. Esse é o argumento – baseado em evidências – do recém-lançado “Social Democratic Capitalism”. O livro mostra que cidadãos de países afluentes demandam seguros sociais que os atendam em momentos de dificuldade, como doenças – e tal sentimento ficou ainda mais forte na pandemia. Querem também viver em sociedades mais justas, sem pressões de segurança pública. 

Cristovam Buarque* - O genocídio invisível

Blog do Noblat / Metrópoles

Nenhum país teve suas crianças por tanto tempo sem aulas presenciais, nem acompanhamento tão deficiente no uso de aulas por vias remotas

Graças ao trabalho da CPI. O Brasil está confirmando o genocídio que vem sendo praticado há mais de um ano, por omissão e ação do Presidente da República e outras autoridades nacionais, provocando a morte de centenas de milhares de brasileiros. Comprova-se o descaso do governo, especialmente do Presidente, na compra de vacinas, na necessidade de distanciamento e uso de máscaras. Além da publicidade em defesa de drogas sem comprovação científica. O conjunto deste comportamento serviu para elevar o número de vítimas ao total de mais de meio milhão e das muitas vítimas que ainda teremos no futuro. A CPI servirá para mostrar ao Brasil e ao Mundo nossa triste versão de genocida.

Mas ainda fica faltando a investigação e a denúncia de uma outra forma de crime contra a humanidade, ao comprometer o futuro do Brasil pelo descuido com a educação de nossas crianças: o genocídio invisível de mentes e inteligências que assassina o futuro da nação.

Ricardo Noblat - Amanhã pode ser outro dia

Blog do Noblat / Metrópoles

No Brasil, tudo pode acontecer, inclusive nada, dizia Marco Maciel, vice-presidente da República à época do governo Fernando Henrique

À luz dos fatos que antecederam a abertura de processos de impeachment contra os ex-presidentes Fernando Collor de Mello em 1992 e Dilma Rousseff em 2015, a oposição a Jair Bolsonaro não deveria ter muito do que se queixar.

Ah, mas Bolsonaro conta com o apoio do Centrão e é por isso que não cairá, dizem muitos. O Centrão apoiava Collor e Dilma, e os dois caíram. Ah, mas o país nunca esteve tão politicamente polarizado como hoje, e derrubar Bolsonaro seria um grande risco.

Sempre houve polarização. Em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou com apenas seis meses de mandato, voou para São Paulo carregando na mala a faixa presidencial. Esperava vesti-la ao voltar a Brasília nos braços do povo. Não voltou.

Sim, mas os militares estão fechados com Bolsonaro, o que impede o avanço do impeachment. Já estiveram mais fechados. Se Bolsonaro for ao chão, assumirá o vice, um general. Pense na cena do presidente general dando posse ao sucessor civil.

José Sarney* - A Reforma sem Forma

Blog do Noblat / Metrópoles

A reforma urgente que temos que fazer é tornar o País governável

Não há palavra mais usada e gasta no vocabulário político do que reforma. Quando as coisas precisam mudar e parecem gastas o caminho a que se lança mão é o apelo a reforma. Vem do Império o primeiro chamado forte a ela, para conjurar a República que já surgia. E veio do conselheiro Nabuco de Araújo, conservador que se tornou liberal e bradou, num momento de grandes dificuldades: “OU REFORMA OU REVOLUÇÃO!”

Dizia que se não se fizesse uma grande reforma no sistema político inevitavelmente viria a revolução. E aos trancos e barrancos fomos avançando em reformas parciais, a mais profunda delas a reforma eleitoral do Conselheiro Saraiva, que criou o voto direto.

Entrevista | Aécio Neves: “PSDB tem que tomar cuidado para não acabar em 2022”

Tucano defende que partido aposte na "terceira via" e foque em fortalecer bancada federal, sem necessariamente lançar candidato ao Planalto

Luciana Lima/ Metrópoles

Desde que saiu derrotado das eleições em 2014 e perdeu o controle do partido para o grupo aliado ao governador de São Paulo, João Doria, o ninho tucano não tem sido tão aconchegante ao hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Crítico da possível candidatura de Doria ao Planalto em 2022, o mineiro apontou o risco de o partido definhar, caso cometa o erro de ficar refém de um “projeto pessoal”.

Em entrevista ao Metrópoles, Aécio defendeu que os tucanos apostem na chamada terceira via, mesmo que a polarização entre o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se imponha no próximo pleito. O objetivo seria fortalecer as bancadas federais, tanto na Câmara quanto no Senado.

“Acho que o PSDB tem de ter muito juízo”, destacou. “O que eu temo é que uma candidatura que surja única e exclusivamente em razão de uma vontade pessoal ou da força de uma determinada máquina política possa nos levar ao definhamento”, frisou.

 “Se essa polarização se confirmar, ela vai gerar um cansaço tamanho na população que, depois de 2022, vai voltar a ter um espaço maior para partidos como o PSDB, que tem projetos para o país, que pensa o país do ponto de vista da economia, do ponto de vista social, que tem uma história para propagar. O PSDB tem que tomar um cuidado grande para não acabar nesta eleição. Tem que ter um cuidado grande para não tomar um caminho errado de isolamento absoluto e voltarmos amanhã como um partido nanico na Câmara dos Deputados”, disse.

“O partido tem que estar preocupado em voltar fortalecido ao Congresso, ocupar os espaços que já ocupou no passado. Voltar a ser um dos polos principais de disputa”, enfatizou.

Para Aécio, as prévias na legenda devem ocorrer, no entanto ele defende que o pré-candidato escolhido tenha consciência de que poderá ter que abrir mão da candidatura em favor de uma composição que garanta o fortalecimento da sigla.

 “Acho bom que se discuta internamente esse nome. Esse pré-candidato deve se reunir com outras forças políticas e, se ele obtiver apoios substantivos, poderá vir a ser o candidato. Mas, se não obtiver, deverá ter a responsabilidade de construir esse apoio em torno de outra candidatura, mesmo que não seja do PSDB”, defendeu o deputado.

Ascânio Seleme - Restam 90 dias a Bolsonaro


O Globo

Uma série de diligências será feita pela Polícia Federal e por procuradores designados nos próximos três meses, prazo estabelecido pelo subprocurador Humberto Jacques de Medeiros

Quase tudo o que cerca Jair Bolsonaro é esquisito, incorreto, malfeito e, em muitos casos, criminoso. O presidente já responde a 23 acusações por crimes de responsabilidade, conforme o “superpedido” de impeachment entregue na quinta-feira a Arthur Lira por inúmeros partidos políticos, entidades civis e movimentos sociais. Ontem, por absoluta impossibilidade de agir de modo diferente, a Procuradoria-Geral da República foi obrigada a instaurar inquérito para investigar Bolsonaro por prevaricação no caso da denúncia sobre a Covaxin feita pelos irmãos Miranda. A PGR, que tentou colocar o caso em banho maria por algum tempo, esbarrou na intransigência da ministra Rosa Weber, que lhe negou o conforto do muro.

Uma série de diligências serão feitas pela Polícia Federal e por procuradores designados nos próximos 90 dias, prazo estabelecido pelo subprocurador Humberto Jacques de Medeiros. Ao final de três meses, será apresentado um relatório da investigação e caberá ao procurador Augusto Aras encaminhar a denúncia ao plenário do Supremo ou arquivar o inquérito. O que você acha que ele vai fazer? Difícil ter dúvidas em se tratando de Aras. Mas, diante da rápida deterioração moral do presidente, tudo pode acontecer em 90 dias.

Só para recordar, Bolsonaro recebeu uma denúncia do deputado Luis Miranda e de seu irmão, o servidor Luis Ricardo, e nada fez. Os irmãos disseram ao presidente que havia gente graúda no Ministério da Saúde fazendo pressão para liberar logo a compra de vacinas Covaxin antes mesmo da aprovação da Anvisa e por preços aparentemente superfaturados. O deputado disse ter ouvido do presidente que se tratava de rolo do seu líder Ricardo Barros. Ao afirmar que o presidente encaminhou o problema para o ex-ministro Pazuello, o governo admitiu que ele ouviu a denúncia.

É difícil sair de uma sinuca desta. Sobretudo porque o presidente não encaminhou a denúncia para a PF e disse conhecer a origem do problema. Augusto Aras tem um quê de Arthur Lira, que não viu “materialidade” nos 23 crimes listados no “superpedido” de impeachment, e será capaz de arquivar o inquérito com argumentos tão sólidos quanto a água da lagoa Rodrigo de Freitas. Aras e Lira fazem parte da tropa de choque de Bolsonaro, não se pode exigir independência destes dois. A menos que a casa caia antes do prazo de 90 dias. Este também é o prazo que Bolsonaro tem para tentar emendar as coisas. Neste intervalo, ele vai indicar o substituto de Marco Aurélio no STF e tratar da recondução ou a substituição de Aras na PGR.

O presidente comete crimes quase diariamente, em todos os quesitos, é só olhar a cesta. Na quinta, voltou a atacar a CoronaVac. Usando argumentos falsos, disse que a vacina não deu certo. “Abre logo o jogo que tem uma vacina aí que infelizmente não deu certo (...) eu estou esperando aquele cara de São Paulo falar”. Referia-se obviamente a João Doria, usando dados falsos que podem levar as pessoas a querer evitar a vacina. É crime. E quem quer ficar ao lado de um criminoso? Com certeza mesmo só o general Pazuello, que ontem começou a responder ação do Ministério Público por improbidade administrativa, acusado de negligência que teria causado prejuízo de R$ 122 milhões aos cofres públicos.

Carlos Alberto Sardenberg - Do negacionismo às negociatas

O Globo

Vamos colocar a história na devida ordem: o presidente Bolsonaro confessa implicitamente que prevaricou.

Eis a sequência recente: o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, leu nota oficial na CPI da Covid afirmando que Bolsonaro pediu ao então ministro Pazuello que investigasse a denúncia de corrupção na compra da vacina Covaxin. Ora, se pediu para investigar, está claro que o presidente recebeu a denúncia do deputado Luis Miranda.

Seguindo: essa versão, a terceira, furada, só foi apresentada em junho, três meses depois do encontro com o deputado, em 20 de março. E só apareceu porque o deputado revelou o fato, dizendo-se cansado de esperar por providências.

Mais: não tem nenhum documento mostrando que houve de fato a investigação, nem que a Polícia Federal foi acionada no momento do recebimento da denúncia.

Pior, o presidente não desmentiu que, ao receber a informação do deputado, comentou: “isso é ‘rolo’ do Ricardo Barros” (líder do governo na Câmara). Essa frase revela que Bolsonaro sabe que seu líder é “roleiro” e, ainda assim, o mantém no posto.

Pablo Ortellado - Negacionismo, corrupção ou um pouco dos dois?

O Globo

As denúncias de corrupção envolvendo a tentativa de compra de vacinas abriram outra linha interpretativa para entender a má gestão da pandemia.

Antes, a explicação dominante era que o governo tinha adotado teses conspiratórias que negavam a gravidade da pandemia e indicavam saídas rápidas milagrosas. Com as revelações desta semana, outra possibilidade se abriu: será que o governo adiou a compra de vacinas do Butantan e da Pfizer para tentar comprar imunizantes de fornecedores alternativos com sobrepreço?

A hipótese de que é o negacionismo que tem movido as ações do governo é amparada por inúmeras declarações e peças de propaganda. Desde o começo, o governo Bolsonaro lançou suspeitas sobre a origem e a gravidade da pandemia, insinuando que a China teria criado e difundido o vírus com o intuito de prejudicar a economia global e, controlando a Covid-19 antes de todos, de ganhar vantagem competitiva no mercado internacional.

Fazia parte dessa leitura acreditar que a gravidade da doença estava sendo superestimada, levando governos de todo o mundo a adotar medidas excessivas, de forte impacto econômico, como o distanciamento social e os lockdowns.

Entrevista| Presidente CPI da Covid: ‘Bolsonaro prevaricou ao não avisar a PF. Isso é fato’

Senador Omar Aziz (PSD-AM) afirma que Planalto se ‘incomoda’ porque apuração revela ‘indícios de corrupção’ e expõe ‘ineficiência’ do governo no combate à pandemia

Julia Lindner e Natália Portinari / O Globo

BRASÍLIA - O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), trata como “um fato” a prevaricação de Jair Bolsonaro ao deixar de comunicar às autoridades a denúncia de suspeitas no contrato da vacina indiana Covaxin. A hipótese da existência de irregularidades na compra foi levada ao conhecimento do presidente pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e por seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, em um encontro no Palácio da Alvorada, dia 20 de março. Ontem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que instaurou um inquérito para apurar o caso.

Aziz afirma que a CPI ainda tem muito a investigar e que o presidente pode ser responsabilizado por outros crimes. O senador amazonense avalia que Bolsonaro está incomodado com o trabalho da comissão — que, segundo ele, mostrou “a ineficiência” da gestão atual. “Uma coisa que deixa o presidente com urticária é a gente mostrar que o governo dele é corrupto também. Estamos com fortes indícios disso”, disse o parlamentar ao GLOBO.

O presidente disse recentemente que há “sete bandidos” na CPI. Como o o senhor recebeu essa declaração?

O presidente, quando acuado, reage dessa forma. É o modus operandi dele. Agredindo, tentando desqualificar as pessoas que se contrapõem a ele. Ele faz isso com todos, precisa dar uma resposta ao eleitorado dele. E a resposta é desqualificar os membros da CPI. Mas ele não consegue desmentir o deputado Luis Miranda. Você vê que está ficando ruim, porque para qualquer pessoa um pouco racional, mesmo fã dele, persiste a dúvida: será que o deputado Miranda falou isso (sobre as suspeitas na compra da Covaxin) e o presidente não fez nada? Veja o limite a que nós chegamos: o presidente dizer que não sabe do que acontece nos ministérios. Mas sabe, através de WhatsApp, de compadre, de amiguinho, de não sei o quê.

Hélio Schwartsman - Covardia democrática

Folha de S. Paulo

Os parlamentares podem se mover para alterar o sistema que confere a um único indivíduo o poder irrecorrível de decidir sobre um impeachment

Nada contra aqueles que apostrofam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por não pautar nenhum dos mais de 120 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro. O que o parlamentar faz pode ser qualificado de covardia democrática.

Os deputados de oposição, porém, poderiam fazer mais do que apenas reclamar. Eles poderiam mobilizar-se para aprovar um projeto de resolução que altere o Regimento Interno (RI) da Casa, resolvendo de vez o problema.

Cristina Serra - A CPI em campo minado

Folha de S. Paulo

Sócios no genocídio devem ser atacados no único lugar onde têm alguma sensibilidade, o bolso

A CPI da Covid acertou a mão em corrupção grossa no Ministério da Saúde e por isso foi alvo de uma tentativa de implosão por meio do policial militar Luiz Paulo Dominguetti. Nas horas vagas, ele fazia bico como vendedor de vacinas. Ao que parece, vendia vento para incautos.

Sua principal missão foi tentar tirar a credibilidade do deputado Luís Miranda (DEM-DF), que lançara no ventilador os nomes de Bolsonaro e de seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ao juntá-los no caso Covaxin, que envolve também o empresário Francisco Maximiano. O mesmo que teve as portas do BNDES abertas pelo filho 01 e senador, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Alvaro Costa e Silva - Oração de adeus

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas começam a rezar para evitar o impeachment

Há um cheiro de Collor no ar. Tão forte que é possível imaginar, nos protestos deste sábado (3), a presença de caras-pintadas. Ou de manifestantes vestidos de preto, como no histórico Domingo Negro em agosto de 1992. Para completar o déjà vu é capaz de a TV Globo reprisar em horário nobre a série “Anos Rebeldes”. E a canção “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, figurar entre as mais baixadas.

Era preferível que o movimento de hoje não fosse uma espécie de vale a pena protestar de novo. Tivesse uma estética diferente; sobretudo fortificasse alianças e indicasse soluções para o país. Mas o objetivo —agora e no passado— é o mesmo: mudar uma estrutura de poder disfuncional. Para isso, é preciso afastar Bolsonaro e seus asseclas.

Demétrio Magnoli - A China que Lula não vê

Folha de S. Paulo

Partido único é reflexo da captura do Estado por uma elite política que cala os demais

Nos cem anos do Partido Comunista Chinês (PCC), celebrados em 1º de julho, Lula ofereceu um panegírico completo. “Por que a China pode fazer o que diz? Porque ela tem um partido politico forte.” O erro básico do líder da esquerda brasileira é conceitual: desde que chegou ao poder, o PCC deixou de ser um partido político.

Partido é uma parte, uma parcela, uma facção. Partidos só existem no plural, em sistemas de concorrência política, que reconhecem a legitimidade da divergência de opiniões no conjunto da sociedade.

O partido único, uma contradição em termos, não é um partido mas o reflexo da captura do Estado por uma elite política que cala as vozes de todos os demais —e, portanto, almeja eliminar a própria política. O PCC é, desde 1949, um Partido-Estado.

A utopia da igualdade social funcionou, até 1989, como fonte de legitimação discursiva dos totalitarismos comunistas. Três décadas atrás, o PCC sobreviveu à queda da URSS substituindo a ideologia comunista pelo nacionalismo chinês e o sistema econômico fechado por um capitalismo de Estado integrado à globalização.

Na China, a fome, crônica ou aguda, deu lugar a um longo ciclo de crescimento da economia e da renda. Hoje, a esquerda ainda enfeitiçada pelo regime de Partido-Estado só pode justificá-lo sob o argumento da eficiência.

Bruno Boghossian - Antes de investigação, PGR já fala em 'ausência de indícios' e cita linha de defesa de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Se conduzido com boa vontade da equipe de Aras, inquérito pode se tornar arma a favor do governo

A PGR (Procuradoria-Geral da República) fez barulho com o pedido de inquérito para apurar se Jair Bolsonaro se omitiu diante das suspeitas no contrato da Covaxin. Qualquer investigação contra um presidente é incômoda, mas o órgão emitiu alguns sinais que podem aliviar o peso sobre o presidente.

Primeiro, a equipe comandada por Augusto Aras tentou engavetar a suspeita de prevaricação. Obrigada a se mexer, a procuradoria se antecipou, falou em "ausência de indícios" e deu espaço até para a linha de defesa levantada pelo presidente.

A PGR quis deixar claro que o inquérito foi aberto a contragosto. No início da semana, o procurador Humberto Jacques de Medeiros se opôs à apuração e afirmou que a CPI da Covid já investigava "com excelência" a acusação. Acrescentou, ainda, que uma apuração no STF (Supremo Tribunal Federal) se daria "sem igual agilidade".

Marcus Pestana* - A complicada geometria política

A arte da política é produzir consensos progressivos diante das divergências presentes. Líderes como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, FHC, Petrônio Portela, Marco Maciel se esmeravam na construção de convergências. Foi assim na anistia, na eleição de Tancredo no colégio eleitoral, na Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986.

No cenário atual, não. Num ambiente de radicalização extremada, os populistas autoritários, os “engenheiros do caos”, não querem o diálogo. Dentro de sua lógica, a exacerbação, a obstrução do contraditório e a anulação da legitimidade dos adversários operam em favor da manutenção do quadro de polarização radical e fidelização de suas bases sociais.

Hoje, abordo o diálogo o ex-governador e senador Cristovam Buarque, ator político comprometido com o interesse público e portador de grande inquietação intelectual. Recentemente, ele, no artigo “O PT é Centro” introduziu uma saudável provocação, reivindicando que o PT deveria ter sido convidado para a reunião dos líderes dos partidos do chamado “centro democrático”, que buscam construir uma alternativa nas presidenciais de 2022. Depois de análise onde caracteriza o PT como um partido de centro, concluí: “Por sua força e por sua posição centrista, o PT deveria ter sido convidado. Salvo se aqueles que fizeram a reunião se considerarem de direita, onde realmente o PT não se situa”. Mas como disse a ele, nem uma coisa, nem outra. Nem o PT é centro, se situando no campo da esquerda brasileira, nem os partidos reunidos são de direita.

Elimar Pinheiro do Nascimento* - Edgar Morin, o filósofo da complexidade chega aos cem anos em plena vitalidade

Alguns biomédicos afirmam que a geração centenária é aquela que nasceu no auge do crescimento econômico, após a Segunda Guerra Mundial. Outros, aquela que nasceu nos anos 1980. Independentemente da controvérsia, será cada vez mais fácil aos humanos atravessarem um século de existência.

Os que nasceram em 2000 pisarão em três séculos, se não sofrerem algum acidente, e tiverem sido corretamente alimentados quando pequenos: o XX, na data do nascimento; o XXI, ao longo de sua vida, e o XXII, quando deverá fenecer.

Mas este feito é uma exceção para aqueles que nasceram antes da Grande Guerra, como Edgar Morin. E, sobretudo, alcançar um século de existência em plena forma. Tal como Lovelock, que completou cem anos em 2019, e lançou o livro Novacene, Morin acaba de publicar um livro (As lições de um século de vida / Les lessons d’un siècle de vie), às vésperas de completar um século de existência, o que ocorrerá no próximo dia 08.

Nascido em 1921, Morin, ainda muito jovem, conheceu a guerra e aderiu à resistência contra o nazismo. Ingressou no Partido Comunista Francês, com quem veio a romper, alguns anos depois. Uma mente ávida de conhecimentos, avesso a dogmas, formado em ciências sociais e autodidata em biologia e física, percorreu em sua vida dezenas de temas: comunicação, imaginação, cinema, processo de modernização, questão ecológica, crise civilizacional, transformação educacional, crítica à ciência reducionista, reflexão sobre a teoria dos sistemas, entre tantas outras.

Habitante de muitas disciplinas tais como sociologia, antropologia, ecologia, lógica, política, biologia, teoria do sistema e filosofia, sem se deixar aprisionar por nenhuma delas. Inquieto, curioso, apaixonado, leitor contumaz e escritor generoso, escreveu cerca de 70 livros, além de centenas de artigos e entrevistas.

Sua obra máxima reside em seis volumes nomeados como O Método. É uma obra escrita entre 1977 e 2004 e publicada em português pela editora Sulina, que trata, respectivamente, da natureza, da vida, do conhecimento, das ideias, da humanidade e da ética. Uma forma de se achegar a esta obra monumental é a leitura de A introdução ao pensamento complexo que Morin escreveu exatamente para permitir aos leitores em geral adentrar-se na reflexão sobre a complexidade.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O futuro não está perdido

O Estado de S. Paulo

Chance de voltar a ver no Palácio do Planalto um presidente da República digno do cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023 não pode ser desperdiçada.

Ofuturo não está perdido, como as agruras desta quadra tormentosa da história do País fazem parecer. A Nação terá a oportunidade de voltar a ver no Palácio do Planalto um presidente da República digno do cargo a partir de 1.º de janeiro de 2023. Esta chance não pode ser desperdiçada. A depender da escolha da maioria dos eleitores no pleito do ano que vem, os próximos anos poderão ser mais ou menos trevosos no Brasil. Trata-se da escolha mais importante desde quando foi devolvido aos brasileiros o direito ao voto direto para presidente. O que estará em jogo, ao fim e ao cabo, é o estado da democracia no País.

No intuito de auxiliar os eleitores nesta delicada decisão, o Centro de Liderança Pública (CLP) e o Estado firmaram uma parceria para promover as Primárias, uma série de debates entre presidenciáveis que integram o chamado “centro democrático”. Os debates serão mediados pelo cientista político Luiz Felipe D’avila, presidente do CLP, e os presidenciáveis responderão a perguntas feitas entre si e outras formuladas por jornalistas do Estado. O primeiro debate ocorreu na quinta-feira passada e reuniu Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Como era de esperar, o debate foi marcado pela civilidade e pelo tom propositivo. Ciro Gomes, Eduardo Leite e Luiz Henrique Mandetta têm ideias diferentes sobre os grandes temas de interesse nacional, mas mostraram convergência em pontos inegociáveis, como a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito, tão maltratados pelo presidente Jair Bolsonaro.