domingo, 11 de julho de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Maquiavelianas e maquiavelismos (ou, não haverá “nós” sem “eles”)

Lances mais recentes do processo político brasileiro (na sociedade política e na sociedade civil) e as mais atuais mensurações da percepção do eleitorado desdobram-se na direção do que essa coluna vinha cogitando há vários meses. Bolsonaro é, cada dia menos, um ator decisivo na competição política prévia a 2022 e, cada dia mais, um intruso nesse processo.

Adversários e aliados providos de senso realista já não contam com ele como alternativa e o contencioso eleitoral de 2022 tende a se organizar em torno dos campos da esquerda e da centro-direita. O primeiro já se encarnou numa candidatura forte, com jeito de favorita. O segundo caminha nessa direção e é questão de tempo a sua encarnação também.

Sem prognósticos, esses dois campos disputarão, democraticamente, o centro político, condição para qualquer deles chegar ao governo. Para o bem da democracia e alívio do país e de suas instituições tudo caminha para a disputa de 2022 ter essa feição centrípeta, politicamente agregadora, sem prejuízo de intenso e necessário debate sobre diferentes visões do mundo, do país e da política. Divisa-se no horizonte que, com qualquer resultado, num cenário desse o pluralismo democrático sairá vencedor.  Que assim seja!

Merval Pereira - Ciclo paranoico

O Globo

A pandemia que expõe aos olhos do país a inépcia, a falta de empatia e a corrupção nas entranhas do governo do presidente Bolsonaro, especialmente devido à CPI da Covid, foi a mesma que o poupou de manifestações populares mais vigorosas, devido ao receio de sair às ruas em manifestações políticas imprescindíveis  ao desencadeamento de um processo de impeachment.

O Centrão somente permitirá que um impeachment comece a ser debatido na Câmara se a popularidade de Bolsonaro cair a um ponto irreversível, como aconteceu com Dilma. A disputa regional em Alagoas entre o presidente da Câmara, Artur Lira e o relator da CPI, senador Renan Calheiros, impede que isso aconteça. A abertura do processo de impeachment será uma derrota pessoal de Lira.

A aceleração da vacinação proporcionará uma retomada econômica, reduzindo a pressão sobre o presidente, mas facilitará a mobilização de grandes massas populares e aumentará o consumo de energia, o que poderá provocar um apagão em pleno ano eleitoral.

Não são nada promissoras as perspectivas para o governo brasileiro no último ano do mandato presidencial, e as pesquisas de opinião já indicam esse declínio de popularidade. Dificilmente os que hoje consideram Bolsonaro, segundo o Datafolha, autoritário, despreparado, desonesto, indeciso, incompetente, falso e pouco inteligente mudarão de ideia, e não apenas por falta de tempo para o presidente provar-se o contrário. Por falta mesmo de capacidade de ser outro que não esse, que a percepção popular identificou tardiamente.

Míriam Leitão - Não há espaço para o silêncio

O Globo

A democracia ficou sob claro ataque nos últimos dias. Os comandantes militares e o ministro da Defesa fizeram manobras de intimidação para fortalecer Bolsonaro no momento em que o governo está sendo investigado no Senado. Em momentos assim, os meios-tons desaparecem. Todo silêncio é cúmplice. O presidente da Câmara, Arthur Lira, usou rede social para uma mensagem confusa, em que critica o “oportunismo”, mas não diz a quem se refere. No único recado claro, Lira afirma que a Câmara “continuará com as reformas” para o desenvolvimento do Brasil. Que reformas?

A proposta do Imposto de Renda é desastrosa. Ataca da classe média às holdings, eleva a carga tributária, complica o pagamento de impostos. Os números mutantes do ministro Paulo Guedes comprovam a falta de solidez. A proposta reduz o IRPJ em cinco pontos em dois anos, para compensar a taxação sobre dividendos. Dois dias depois, criticado, Paulo Guedes disse que poderia ser num ano só. Mais algumas críticas e ele falou em cortar 10 pontos. Não se improvisa sobre o sistema tributário, porque erros ferem a economia ou o Tesouro nacional. Arthur Lira promete consertar o projeto. Ora, ora. Devolva-se para melhores estudos e cálculos. A reforma administrativa eleva o risco de aparelhamento do Estado. O projeto de privatização da Eletrobras é um Frankenstein. Há propostas tramitando na Câmara que são ataques diretos ao meio ambiente e aos povos indígenas. Não é com ameaças aos contribuintes, servidores, indígenas e florestas que o Brasil terá desenvolvimento econômico.

Bolsonaro no décimo quinto dia sem resposta sobre o que houve no encontro com os irmãos Miranda voltou a ofender os senadores da CPI e confessou a própria incompetência. “Não posso tomar providência de tudo que chega a mim.” O que chegou a ele foi a denúncia de corrupção em compra de vacina no meio de uma pandemia. Bolsonaro nunca desmentiu o relato do deputado Luis Miranda de que levantou a suspeita de ser coisa do seu líder na Câmara, deputado Ricardo Barros. A frase de ontem mostra que os seus palavrões e sua vulgaridade nada resolveram. Ele começou a assumir que ouviu o que ouviu. E nada fez. Prevaricou.

Eliane Cantanhêde - Golpe de mestre

O Estado de S. Paulo

Se Bolsonaro acena com golpe, Lula devia dar um golpe de mestre: ser vice de união nacional

O presidente Jair Bolsonaro está esfarelando e, se a eleição fosse hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria eleito no primeiro turno, segundo o Datafolha. Lula, portanto, já é o grande vitorioso. É hora de reagir à ameaça de golpe com um golpe de mestre espetacular, de enorme grandeza, abrindo mão da cabeça de chapa e assumindo a vaga de vice numa chapa de união e pacificação nacional. Um gesto para a história à altura da sua biografia e do grande líder que ele é.

O que está em jogo não é apenas mais uma eleição, uma troca de presidentes, mas um verdadeiro movimento de reconstrução, diante de uma pandemia devastadora e do desmanche de Saúde, Educação, Meio Ambiente, Política Externa, Cultura... Além do esgarçamento das relações republicanas e institucionais das fricções e angústias no mundo militar.

Pedro S. Malan* - Memórias de julhos, passados e futuros

O Estado de S. Paulo

No próximo já vamos saber se haverá uma candidatura de centro apta a ganhar a eleição

A maioridade do Real e os próximos 18 anos foi o título de artigo que publiquei neste espaço em julho de 2012. Passados nove anos, o Real completa seus primeiros 27 anos de vida. Brasileiros que têm hoje menos de 46 anos de idade (a maioria de nossa população) não têm lembrança relevante sobre a marcha da insensatez que foi a evolução do processo inflacionário no Brasil pré-Real. Muito menos memória vivida das disfuncionalidades econômicas e sociais de uma inflação crônica, alta e crescente como a que por décadas nos assolou.

Já os brasileiros que tinham menos de 46 anos em 1989 (a maioria da população) jamais haviam votado em eleições diretas para presidente da República; a última havia sido em 1960. O Real já dura seis anos mais do que os 21 que durou o regime militar. Esperemos que tenha vindo para ficar como a definitiva moeda nacional com poder de compra estável. E que, apesar dos desejos explícitos de alguns nostálgicos, o Brasil tenha aprendido que regimes militares não são solução política para nossos inúmeros problemas.

O título do artigo de 2012 também se referia aos 18 anos seguintes, porque propunha olhar à frente, até 2030. Seriam nada menos que cinco eleições presidenciais nesse período. As duas primeiras não foram animadoras. A de 2014, por motivos sobejamente conhecidos. A de 2018, por questões que vêm ficando cada vez mais claras: a falência do presidencialismo de confrontação permanente e sua incapacidade (evidente na pandemia) de governar para o conjunto dos brasileiros, e não apenas para sua aguerrida militância. A eleição do próximo ano será fundamental para definir o restante desta década e, quem sabe, acalentar a esperança de que não vamos, mais uma vez, adiar nosso futuro.

Rolf Kuntz* - Bolsonaro, Trump, a CPI e os generais americanos

O Estado de S. Paulo

Em vez de atacar Aziz, comandantes deveriam rejeitar a militarização do governo federal

O Brasil destacou-se em Cannes, mais uma vez, com o diretor Spike Lee, presidente do júri do festival de cinema, igualando o presidente Jair Bolsonaro a Donald Trump e a Vladimir Putin. Trump, ídolo do presidente brasileiro, foi derrotado ao tentar a reeleição, mas, antes de partir, estimulou uma invasão do Congresso. Seu discípulo anotou a lição e já anunciou algo parecido no Brasil. Em 7 de janeiro, um dia depois do ataque ao Capitólio, Jair Bolsonaro ameaçou: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que o dos Estados Unidos”. Na ocasião, ele voltou a falar de fraude na eleição de 2018 – sem prova, como sempre, e pondo em dúvida, como de costume, a seriedade da Justiça Eleitoral.

Como Trump, Bolsonaro fracassará na tentativa de reeleição, se o resultado no próximo ano refletir as atuais pesquisas de intenção de voto. Além disso, a derrota será por diferença bem maior que a verificada nos Estados Unidos. Lula, segundo as sondagens, será o mais votado, com folga, no primeiro turno. No segundo, o atual presidente será batido por qualquer dos principais concorrentes.

Luiz Carlos Azedo - Impeachment, sim ou não?

Correio Braziliense / Estado de Minas

Depois dos impeachments de Collor de Mello, que renunciou ao mandato, e Dilma Rousseff, que foi cassada, gregos e baianos adquiriram certa experiência

Uma palavra de ordem unifica a oposição: Fora Bolsonaro! Sintetiza a rejeição acumulada pelo presidente da República ao longo de dois anos e meio de governo. É a conta do seu negativismo — que se traduz em 530 mil mortos por covid-19 —, da falta de foco nas verdadeiras prioridades da população, da não-entrega de obras e serviços de infraestrutura, da inflação, do desemprego, das grosserias desbocadas do presidente da República etc. E, agora, com a CPI do Senado que investiga o Ministério da Saúde, da lambança na compra de vacinas que já deveriam estar nos braços de todos. Entretanto, o impeachment do presidente da República, para o qual não faltam crimes de responsabilidade, não unifica a oposição nem mobiliza a sociedade na escala que seus defensores desejam. Por quê?

Primeiro, porque a pandemia e o desemprego em massa exercem um papel desmobilizador. Muitos dos que são favoráveis não vão às manifestações porque têm medo de contrair a peste, inclusive os mais jovens; a presença de veteranos militantes chega até a ser majoritária, porque estão vacinados. Segundo, o predomínio das bandeiras vermelhas dão a falsa impressão de que as manifestações não são pluralistas, mas controladas pelo PT, que aderiu depois. Terceiro, provocadores vestidos de preto se infiltram nas manifestações, para praticar atos de vandalismo, que assustam os cidadãos e provocam rejeição aos protestos.

Ricardo Noblat - Quem nega uma pandemia não se deixará abater por pesquisas

Blog do Noblat / Metrópoles

Bolsonaro e os seus demônios

O que o Jair Bolsonaro de fato pensa, só ele sabe. Os filhos podem até supor, os auxiliares de maior confiança apenas imaginam a partir do que escutam dele. Dão mesmo assim o desconto de que ele troca de ideias com espantosa frequência e caga para tudo.

Pela primeira vez no histórico de pesquisas do Datafolha, formou-se maioria favorável à abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro – 54% a 42%. Em menos de seis meses, inverteu-se a situação apurada na pesquisa da penúltima semana de janeiro.

Sobre a capacidade do presidente de liderar o país, 63% responderam que ela não existe. Não votariam de jeito nenhum nele na eleição do ano que vem, são 59% dos consultados. A rejeição a outros nomes testados não ultrapassou a casa dos 37%.

Bernardo Mello Franco - República de Rio das Pedras: Bolsonaro e a cultura das milícias

O Globo

Jair Bolsonaro levou a cultura das milícias para o Planalto. Antes de chegar lá, o capitão já defendia a solução de conflitos no grito e nas armas. Eleito, transformou o autoritarismo e a truculência em modo de governar.

Não é preciso ir a Caracas para entender o projeto bolsonarista. Basta passar em Rio das Pedras, a três quilômetros em linha reta do condomínio Vivendas da Barra. A favela foi o berço das máfias que se infiltraram na polícia e na política fluminenses. Quando o esquema da rachadinha veio à tona, foi lá que se escondeu Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família presidencial.

No livro “A república das milícias”, Bruno Paes Manso sustenta que o milicianismo está na raiz da extrema direita no poder. Ele desenvolve a tese no ensaio “República Federativa de Rio das Pedras”, que será publicado na próxima edição da revista “Serrote”.

O texto traça semelhanças entre o modelo econômico das milícias e as práticas do governo atual. Nas favelas, os paramilitares começaram extorquindo moradores com a conivência das autoridades. Depois passaram a contrabandear mercadorias, negociar drogas e invadir áreas verdes para construir à margem da lei.

Em escala nacional, o bolsonarismo também incentiva um capitalismo predatório e sem controle. Estimula a destruição de florestas e a invasão de terras indígenas, favorece o garimpo ilegal, protege grileiros e madeireiros. “Tudo em benefício do lucro de quadrilhas simpáticas aos valores milicianistas, sempre passando por cima do interesse das minorias ou de valores coletivos democráticos”, escreve o pesquisador.

Dorrit Harazim - Em decomposição

O Globo

Aos 58 anos de idade, cabeleira grisalha vicejante e porte condizente com o de tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (na reserva desde 2006), Marcos Cesar Pontes tem desempenhado a contento um dos cargos mais pusilânimes da República criados pelo capitão-presidente: participante/figurante nas lives semanais do mandatário do Brasil. (Nas horas vagas, o astronauta Marcos Pontes também é ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações.)

Embora seja presença frequente no espetáculo Grand Guignol encenado por Jair Bolsonaro às quintas-feiras, Pontes não é páreo para o homem forte da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães — este sim, o participante número um em animação e frequência no quadro. Não se tem notícia de nenhum ministro bolsonarista que tenha declinado de participar. Muitos fazem apenas cara de paisagem quando o presidente profere horrores (diligentemente traduzidos em libras graças à ação social a favor dos surdos introduzida pela primeira-dama, Michelle). Difícil saber o que será mais ignóbil para as respectivas biografias quando estiverem fora do governo — se a expressão pretensamente neutra/distraída ante o linguajar do chefe ou o semissorriso dúbio, a ser usado no futuro como justificativa de “constrangimento”. A covardia cívica é a mesma.

Vinicius Torres Freire - Brasil se acomoda à ideia de golpe

Folha de S. Paulo

Destruição institucional avança com reação tímida a ameaças de Bolsonaro e militares

Em fins de 2017, donos do dinheiro e outras elites normalizavam Jair Bolsonaro. O capitão da extrema direita não se tornou apenas uma variável política do cálculo financeiro, mas uma alternativa aceitável, a segunda opção para derrotar o PT, e foi então tratado como alguém que pudesse integrar o convívio democrático.

Em meados de 2021, corremos o risco de normalizar a ideia de golpe contra a democracia, graças à omissão, à conivência ou à militância de parte dessas elites e também a outros problemas de uma sociedade politicamente desorganizada.

Não é o caso de alertar para a gestação de um golpe de fato, da mudança de instituições pela força bruta ou do fim da possibilidade de alternância de poder. Não há condições políticas, sociais e talvez nem mesmo militares para tanto, por ora. Trata-se de notar a inclusão definitiva da promessa de golpe no projeto bolsonarista de destruição do Estado. É mais do que desgoverno. Basta dar o exemplo da tentativa de Bolsonaro de arruinar duas competências emblemáticas do país, o sistema de vacinação e o voto pela urna eletrônica. Mais do que tentativas, já há sucessos, vide a partidarização das Forças Armadas.

Elio Gaspari - A Venezuela ficou mais perto

Folha de S. Paulo / O Globo

Depois da nota do ministro da Defesa e dos três comandantes militares contra o senador Omar Aziz, Brasil se aproxima das milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás Maduro

A Venezuela das milícias e dos generais de Hugo Chávez e Nicolás Maduro continua longe, mas ficou mais perto depois da nota do ministro da Defesa e dos três comandantes militares contra o senador Omar Aziz.

Desde 2018, quando o general Villas Bôas soltou seu famoso tuíte prensando o Supremo Tribunal Federal, a cúpula militar mudou de passo. Naquela ocasião, tomando-se a intenção do general, ele se alinhava com o modo de combate à corrupção do juiz Sergio Moro. A nota de quarta-feira teve sentido diverso.

Presidindo a CPI da Covid, o senador Omar Aziz disse que há muito tempo “não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. O senador acabara de dar voz de prisão a um ex-sargento da Força Aérea acusado por um cabo da Polícia Militar de ter pedido um pixuleco de US$ 400 milhões para comprar uma vacina indiana. Em torno do negócio, farfalhavam, dois oficiais da reserva do Exército.

Como o senador explicou, foi uma observação pontual. Quem viu o coronel da reserva e ex-deputado José Costa Cavalcanti construir a hidrelétrica de Itaipu sem mudar seu padrão de vida sabe do que o senador fala.

O ministro da Defesa e os três comandantes responderam com uma veemente rajada de adjetivos: vil, leviana, infundada, grave, irresponsável.

Até aí poderiam ser salvas trocadas, ainda que com exagero. O passo em falso esteve nas 20 palavras da última frase:

“As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.”

Ganha um fim de semana em Caracas quem souber o que quiseram dizer. No limite, bastaria um cabo para fechar a CPI, o Congresso e os tribunais que se pusessem no caminho.

Bruno Boghossian - O plano B de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Com a certeza da impunidade, presidente faz exibição pública de seu arsenal golpista

Jair Bolsonaro fez uma exibição pública de seu arsenal golpista ao longo da última semana. Pressionado por suspeitas de corrupção e pela perspectiva de uma derrota nas urnas, ele renovou suas ameaças explícitas à democracia e disse, despreocupadamente, que o país pode não ter eleições no ano que vem.

O presidente desfila com a certeza da impunidade. Bolsonaro espalha suspeitas falsas de fraude nas urnas eletrônicas há mais de um ano e avisa a quem quiser ouvir que está disposto a comandar um levante se for derrotado nas próximas eleições. Praticamente ninguém o incomodou ao longo dessa campanha.

Até aqui, Bolsonaro teve o consentimento de personagens que têm a chave para sua sobrevivência imediata. O procurador-geral da República, que deveria investigá-lo, não viu nada de errado em mais essa coletânea de ataques. Já o presidente da Câmara e os bem alimentados parlamentares de sua base acreditam que tudo deve continuar como está.

Hélio Schwartsman - A arte imita a vida

Folha de S. Paulo

Personagens ignoram alertas, provocando sua própria perdição

Alguns países se saíram tão bem no controle da Covid-19 no começo da epidemia que o sucesso lhes subiu à cabeça. Com o passar do tempo, relaxaram as medidas que lhes asseguraram os baixos índices de contágio. Também não viram tanta urgência para vacinar suas populações.

Bastou, porém, que surgissem variantes mais infecciosas (algo esperado ao menos desde o final de 2020), para o jogo mudar. No caso da Índia, a reviravolta se transformou em tragédia, mas mesmo nações que não perderam o controle, como a Austrália, passam por maus bocados, vendo-se forçadas a reintroduzir medidas fortes de distanciamento.

Exceto pela Índia e talvez pela Indonésia, nada indica que esses países que largaram bem passarão por ondas de transmissão tão intensas que os levem a ocupar as piores posições no ranking das mortes ao final da pandemia. Ainda assim, não resistimos à tentação de contar suas histórias em termos moralizantes: eles iam bem, mas sucumbiram à "hýbris", isto é, à soberba, ao excesso de autoconfiança.

Janio de Freitas – Entre golpes de mortes e vacinas

Folha de S. Paulo

Defesa e Forças Armadas adotam método bolsonarista de ataque político contra CPI

Surpreendente, na investida do ministro da Defesa e dos três comandantes das Forças Armadas contra a CPI, é a adoção do mais característico no método bolsonarista de ataque político.

senador Omar Aziz e, por extensão, os senadores sob sua presidência, são postos como culpados de agressões verbais que não fizeram às Forças Armadas, tratamentos indignos que não dirigiram a militares depoentes, e ainda atitudes “vis e levianas” que não tiveram no intuito de desvendar a criminalidade associada às mortes da pandemia.

Não é crível que os militares do Exército envolvidos na ação mortífera do Ministério da Saúde, e citados nas falcatruas com vacinas, sejam representativos das Forças Armadas a ponto de merecerem defesa tão desmedida do ministro e comandantes.

Ruy Castro - Um Gullar pré-Gullar

Folha de S. Paulo

Um soneto de juventude, deixado fora de sua obra, já continha ânsias de estrangulamento

Ferreira Gullar (1930-2016), o poeta brasileiro que mais escreveu em poesia sobre poesia, tem seus livros reunidos em "Toda Poesia", pela Companhia das Letras. Lá estão "A Luta Corporal" (1954), os cordéis, as pedras-de-toque, tudo. Menos o livro de estreia, "Um Pouco Acima do Chão" (1949), impresso em sua São Luís aos 18 anos e cujo parnasianismo o maduro Gullar rejeitou.

Mas será possível a um autor apagar parte de sua obra? Reencontrei outro dia o "Caderno de Autógrafos", uma antologia de poemas manuscritos que me foi presenteada em criança por um avô. E lá está, entre poemas à mão por Gilka Machado, Olegario Marianno e outros, um "Soneto para a Mão Direita de S. Francisco de Assis". Assinado: "Ferreira Gullar 5 nov 1949".

Cacá Diegues - Não era de nosso feitio sofrer

O Globo

O Brasil era um lugar de júbilo. Como aceitamos abandonar nossa qualidade de superar tragédias rindo delas?

Segundo o que escreveu Joaquim Ferreira dos Santos, em “Feliz 1958 — O ano que não deveria terminar”, aquele foi o ano que marcou o início de um novo Brasil que, na minha opinião, assumia o que já era desde muito tempo. “Niemeyer levantou as colunas do Alvorada, o Teatro de Arena levantou o pano e Tom Jobim levantou a tampa do piano”, diz a citação que Ricardo Cota faz, na magnífica biografia de Niomar Moniz Sodré, brasileira danada. “Ao fundo, levantando a voz, JK gritava: pra cima com a viga, moçada”. E a gente continuava a levantar o Brasil.

Nunca tive notícia deste país correndo o perigo de se entregar à dor. Quando isso estava para acontecer, como em 1950, havia sempre uma data feliz para se celebrar, gostássemos dela ou não. O Brasil deixava o sentimento ruim para depois da quarta-feira, quando acordava cansado demais para lembrar do que fosse capaz de lhe embotar uma história de ilusões. E se as datas de celebração não coincidissem com a vontade de chorar, tínhamos sempre música para ouvir, livros para ler, filmes para assistir, anedotas que, mesmo que não nos fizessem rir, nos faziam subestimar o mau pedaço vivido. O Brasil era obrigatoriamente um lugar de júbilo, não era de nosso feitio sofrer.

Cristovam Buarque* - Contaminação Moral


Blog do Noblat / Metrópoles

Às FFAA cabia respeito diante do esforço do Senado para apurar corrupção na compra de vacinas

A maior vitória dos maus é receber apoio dos bons. Assim, encobrem seus crimes, ao dilui-los entre todos de seu grupo, nivelando virtude e pecado, honestidade e crime.

Quando a corrupção de alguns de um partido é encoberta por seus correligionários, o desgaste se espalha para todos: o corrupto deixa se ser o culpado e passa a encarnar o partido inteiro. Ao não explicar contos bancários e malas com dinheiro de posse de alguns dos participantes em seus governos, o PT cometeu o erro de encobrir e paga o alto preço do desgaste: o partido inteiro acusado de corrupção por causa de alguns aliados, nem sempre de seu partido. Porque ao encobrir e negar o visível, o partido assumiu a responsabilidade da corrupção.

Ao negar a realidade de tortura cometida por alguns de seus membros, as FFAA cometeram erro semelhante. A maldade de alguns passou a ser imputada à própria instituição, vista como autora ou conivente. A mancha de alguns de seus membros se espalhou para a corporação, por um processo de contaminação moral. Até um jovem tenente que não havia nascido naquela época passa a ser visto, injustamente, como participante de crimes do passado.

Pablo Ortellado - Reação corporativa

O Globo

O ministro da Defesa e os comandantes das Forças Armadas publicaram dura nota criticando o senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, que disse que o “lado podre das Forças Armadas” estaria “envolvido com falcatrua dentro do governo”. Na nota, os militares consideraram a declaração de Aziz “grave”, “infundada” e “irresponsável”, porque seria generalizante.

A resposta da Defesa é preocupante de muitas maneiras. Em primeiro lugar, quando Aziz falou de “lado podre”, ele não generalizou. Referiu-se apenas a uma parte das Forças Armadas. Aparentemente, os militares não aceitam que se fale de banda podre; quando muito, admitem que existam “casos isolados”.

Além disso, a nota da Defesa conclui com uma ameaça, totalmente fora de tom, dizendo que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano”. Em entrevista ao GLOBO, o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Força Aérea, preferiu deixar no ar o que quis dizer com “não aceitar”.

Por fim, os militares preferiram atacar os críticos da corrupção a tomar distância daqueles que parecem ter tentado desviar dinheiro da compra de vacinas. É difícil entender como essa nota autoritária, arrogante e corporativa ajude a preservar a imagem das Forças Armadas.

Resolução Política do Diretório Nacional do Cidadania Pelo Impeachment e a Favor das Manifestações de Rua

Bolsonaro apela a golpe para fugir da lei e acobertar esquema de corrupção na compra de vacinas, diz texto

Reunido neste sábado (10), o Diretório Nacional do Cidadania reiterou, como recomendação a todos os filiados, a defesa do impeachment do presidente Jair Bolsonaro e o apoio às manifestações de rua, respeitadas as medidas de distanciamento, uso de máscaras e álcool em gel. O Diretório Nacional também por unanimidade se posicionou contra o distritão, que significaria a decretação do fim da democracia representativa, e a favor da federação de partidos, que já foi aprovada no Senado.

O partido já havia aprovado tal indicativo pelo impeachment na Executiva Nacional e no próprio diretório, mas, diante da escalada golpista dos últimos dias e das descobertas da CPI da Covid, decidiu reforçar as articulações pelo afastamento do Chefe do Executivo. O partido considerou grave e atentatória à democracia a recente movimentação do bolsonarismo.

Primeiro, o menosprezo e o desrespeito ao Senado Federal e à CPI que investiga o esquema de roubo de vacinas no Ministério da Saúde. Investigação que, é preciso lembrar, saiu do papel graças a uma ação do Cidadania no Supremo Tribunal Federal. Segundo, a fala do presidente de que as eleições poderiam não ocorrer caso não sejam realizadas como ele gostaria, como se tal decisão a ele coubesse como um ditador de ocasião.

Terceiro, o ataque de baixíssimo nível ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, que tem nosso respeito e admiração. Quarto, a entrevista do comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Junior, na qual claramente ameaça a ordem institucional tal como um militante de extrema-direita, irresponsavelmente se distanciando de seu papel constitucional.

Quinto, a ameaça de morte do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, à jornalista Juliana Dal Piva, que investiga as rachadinhas, roubo de recursos públicos via funcionários fantasmas e devolução irregular de salários, e as ligações com as milícias. A lista é longa, contraria frontalmente os princípios do Cidadania e exige dos democratas pronta reação.

Presidentes de partidos reagem a ataques de Bolsonaro às eleições; Lira critica ‘oportunismo’

Dirigentes de oito legendas e o presidente da Câmara se posicionam um dia após conflitos de Bolsonaro com poderes

Camila Turtelli / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Após o Judiciário e o Congresso criticarem os ataques de Jair Bolsonaro à realização de eleições, presidentes de oito partidos reagiram às declarações do presidente da República e divulgaram ontem uma nota em defesa da democracia, na qual afirmam que “nenhuma forma de ameaça” a ela “pode ou deve ser tolerada”.

“Quem se colocar contra esse direito (eleições) de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição”, afirmam os presidentes do MDB, DEM, PSDB, Solidariedade, Cidadania, PSL, PV e Novo. “A democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável. Nenhuma forma de ameaça à democracia pode ou deve ser tolerada. E não será”, diz o texto.

O posicionamento das siglas se deu depois que Bolsonaro subiu o tom e chamou o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”, atribuindo ao ministro articulações para barrar a aprovação da proposta que institui o voto impresso no Brasil – ontem, o presidente, em viagem ao Rio Grande do Sul, voltou a criticar o magistrado. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), também se posicionou e criticou o que classificou como “oportunismo”, sem dizer se se referia ao presidente Bolsonaro.

A escalada de críticas e acusações de Bolsonaro ao sistema de urna eletrônica ocorrem no pior momento do governo, que enfrenta queda de popularidade, de acordo com pesquisas, além do desgaste diante das denúncias de corrupção na CPI da Covid e do descaso na condução da pandemia. Além disso, aumentam as manifestações de rua pedindo o impeachment de Bolsonaro, em atos organizados por partidos de esquerda e movimentos sociais e também por grupos como MBL e o Vem Pra Rua.

Para frear Bolsonaro, instituições colocam impeachment no radar

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso deu um passo além

Marcelo de Moraes / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Foi preciso que Jair Bolsonaro repetisse e aumentasse o tom de suas ameaças ao processo democrático para que as instituições reagissem de forma dura para tentar pôr um fim a esses ataques. Ao contrário das antigas protocolares notas de repúdio que eram divulgadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário sempre que o presidente avançava algum sinal democrático, dessa vez o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso deu um passo além. 

Em nota oficial, deixou claro que a situação será diferente se o presidente insistir em dizer que não haverá eleições se o sistema de voto impresso não for adotado. No comunicado, Barroso diz, com todas as letras, que qualquer tentativa de impedir que as próximas eleições ocorram “viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”. E crime de responsabilidade é motivo para abertura de processo de impeachment do presidente.

Xingado dois dias seguidos pelo presidente, Barroso soltou sua forte nota oficial respaldado pelos outros integrantes da Corte Eleitoral e pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Também só divulgou o comunicado depois de o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), dar uma entrevista coletiva condenando os ataques feitos pelo presidente e defendendo os princípios democráticos. Assim, o sistema de freios e contrapesos entrou em ação para conter o presidente da República em mais um flerte com uma virada de mesa política, colocando em risco o processo democrático do País. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Chega de chantagem

O Estado de S. Paulo

A Nação não suporta mais chantagem. Basta de ameaças às instituições da República e ao regime democrático que os brasileiros reconquistaram não sem grande sacrifício. É hora de coragem e firmeza na defesa da liberdade.

O presidente Jair Bolsonaro não reúne mais as condições para permanecer no cargo. Acossado por sucessivos reveses morais, políticos, penais e administrativos, Bolsonaro parece ter mandado às favas os freios internos que o faziam ao menos fingir ser um democrata. Sua natureza liberticida falou mais alto. Como alguém que não tem mais nada a perder, o presidente se insurgiu contra a Constituição ao ameaçar de forma explícita a realização das eleições no ano que vem, como a Lei Maior determina que haverá.

“Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro ao punhado de apoiadores que batem ponto no Palácio da Alvorada. Todos sabem o que Bolsonaro quer dizer com eleições “limpas”: eleições do jeito que ele quer, com o resultado ao qual ele almeja. O presidente chantageia a Nação. Como um menino mimado, diz que, se não lhe derem o voto impresso, ele inflama sua horda de camisas pardas e instala a baderna. Uma pessoa com esta índole é indigna da Presidência da República.

A reação da sociedade a esta chantagem determinará o tipo de país que o Brasil haverá de ser daqui em diante. É absolutamente inconcebível que o chefe de Estado e de governo ameace impunemente fazer letra morta de uma cláusula pétrea da Constituição. Os brasileiros estão diante de uma disjuntiva. Ou bem se reassegura o Estado Democrático de Direito consagrado pela Lei Maior ou Bolsonaro segue como presidente.