domingo, 18 de julho de 2021

Luiz Sérgio Henriques* - As democracias (ainda) sob cerco

O Estado de S. Paulo

Há algo profundamente inquietante e inédito na cruzada global da direita autocrática

Não pode surpreender tanto assim que no programa ultradireitista, nesta e em outras plagas, o assalto ao sufrágio universal, às eleições e à rotatividade no poder ocupe lugar absolutamente central. Deixam de importar os processos eleitorais em si, o modo efetivo como se desenvolvem, o grau maior ou menor de confiança que inspiram nos cidadãos. Quer transcorram lisamente, como tem sido possibilitado pelas urnas eletrônicas brasileiras, quer mostrem falhas e ineficiências, como ocorre com os arrastados e anacrônicos pleitos norte-americanos, o fato é que denunciar fraudes e espalhar suspeitas, minando dolosamente a legitimidade do vencedor e das próprias instituições, são atitudes que definem, de modo “orgânico”, o item central do manual de instruções patrocinado pelas forças subversivas do nosso tempo.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Pandemia e endemia: a volta do tema da corrupção

Em artigo no seu blog essa semana (“A corrupção está aí, mas não é a questão principal”) Marco Aurelio Nogueira fez, como sempre, uma abordagem lúcida e responsável, dessa vez sobre o lugar que o tema da corrupção deve ter na agenda da oposição e, mais importante ainda, sobre sua relevância relativa num programa mais amplo de defesa, fortalecimento e renovação da nossa democracia. As ideias gerais do texto, conforme interpreto, são, primeiro, que o tema não pode ser ignorado, pelos nexos evidentes com outros temas que, a juízo do autor (e ao meu também) são mais cruciais do que ele. Segundo que precisa ser melhor tratado, numa agenda ampla e ser enquadrado, politicamente, de modo a salvar a política, em vez de demonizá-la. Terceiro que é flanco vulnerável do governo Bolsonaro – como a CPI inicialmente focada na pandemia deixa claro, a cada dia – e que, como tal, não deve ser dispensado como arma política na luta contra o autocrata e sua antipolítica. 

Merval Pereira - Golpe legislativo

O Globo

O escandaloso aumento do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso a toque de caixa é apenas uma das facetas de um golpe legislativo que está em curso para mudar também o sistema eleitoral e aprovar a maior reforma política já feita desde a redemocratização. Tudo sem o debate público necessário, a fim de que as novas regras sejam aprovadas até o começo de outubro, para que entrem em vigor já na eleição geral de 2022.

O valor triplicado do Fundo Eleitoral, passando de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões, deve ser judicializado no Supremo Tribunal Federal, pois dificilmente o presidente Bolsonaro terá condições de vetar o aumento, embora tenha interesses pessoais  nisso: PT e o PSL, partidos opositores de Bolsonaro, receberão cada cerca de R$ 600 milhões para a campanha. No entanto, esse aumento abusivo interessa também aos partidos do Centrão, hoje a base de apoio do governo.

Além do mais, há um problema técnico: o valor do Fundo Eleitoral foi definido por uma porcentagem da verba do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e se o presidente vetar o artigo, estará acabando com o Fundo, pois não é possível simplesmente passar a porcentagem de 25%, como aprovado, para outra qualquer.

Bernardo Mello Franco - Aperitivo do golpe

O Globo

O bolsonarismo serviu um aperitivo do plano para tumultuar a eleição de 2022. A tropa do governo tentou mudar a Constituição e torrar R$ 2 bilhões para ressuscitar o voto impresso. Ao constatar que seria derrotada, rasgou o regimento da Câmara e melou a votação.

A emenda do voto impresso é examinada por uma comissão especial. O presidente e o relator da proposta são bolsonaristas de carteirinha. Os dois se elegeram com apoio de movimentos de ultradireita do Paraná. São investigados por ataques à democracia e disseminação de fake news.

Até meados de junho, o governo controlava 23 das 34 cadeiras da comissão. O cenário começou a mudar quando Jair Bolsonaro radicalizou as ameaças de golpe e a cúpula das Forças Armadas atacou a CPI da Covid.

Míriam Leitão - A boiada das leis ambientais nos tira do mundo

O Globo

As florestas e os índios brasileiros estão vivendo um risco extremo nos inúmeros projetos que tramitam no Congresso. A boiada do Salles era infralegal. A do Congresso, é mais perigosa porque quando vira lei fica mais difícil desfazer. Há projeto que anistia até grileiro futuro, outro que, na prática, acaba com licenciamento ambiental. Tem um que abre terra indígena para todo o tipo de atividade e permite que entidades privadas façam o contato com índios isolados. Deixe eu ser clara: mesmo se você for indiferente às agendas ambiental e indígena, você vai perder. O Brasil será isolado da economia mundial.

— Estamos no pior dos mundos, porque há a união do Executivo com o Congresso. Sobra o Judiciário, mas ele é lento. Os decretos, o sucateamento do Ibama, a redução do orçamento podem ser revertidos. As perdas legislativas podem se eternizar — afirma Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima.

Celso Lafer* - O mundo às avessas, a covid-19 e o presidente

 

O Estado de S. Paulo

Palavras do presidente ignoram o proceder com a dignidade e o decoro do seu cargo

O impacto da covid-19, que se vem prolongando no tempo, é opressivo. Trouxe uma ruptura da “normalidade do normal”. Vem vitimando contínua e indiscriminadamente e impondo à nossa gente o mastigar do pão da aflição e o sorver o amargor do sofrimento. As necessárias medidas de isolamento afetaram todos os setores das atividades, com graves consequências econômicas e humanas. Impuseram significativos limites ao convívio social. Deram a força do concreto ao esquema do pensar e da expressão do clássico tópos literário do “mundo às avessas”. Este articula com a ruptura da “normalidade do normal” um estado lamentável das coisas, instigando a indignação. São as razões mais abrangentes dessa indignação com a maneira como o governo federal vem conduzindo as políticas públicas de saúde em nosso país o que norteia este artigo.

Eliane Cantanhêde - ‘Otários e patetas’, mas não só

O Estado de S. Paulo

Precisa, Davati e World Brands revelam o padrão de negociações de vacinas no governo

CPI da Covid revela um padrão mais do que suspeito de negociações de vacina no governo Jair Bolsonaro, mas ainda falta concluir o principal: as múltiplas histórias revelam patetadas incríveis que resvalam para uma incompetência constrangedora, ou negociatas e interesses inconfessáveis de grupos do Ministério da Saúde, com beneplácito do Planalto?

O padrão é claro: depois de desdenhar das ofertas sérias e confiáveis, o governo escancarou as portas para empresas de origem duvidosa, que ofereciam vacinas inexistentes, usavam atravessadores suspeitos e cobravam preços exorbitantes.

Como Bolsonaro e o governo escorraçaram a Coronavac do Butantan, fugiram da Pfizer e desdenharam do consórcio Covax Facility, os brasileiros não começaram a se vacinar em dezembro de 2020, e a Saúde correu atrás de propostas indecentes. E não foi “só” por incompetência e disputa política, mas pela fusão do negacionismo doentio de Bolsonaro com interesses escusos de setores do governo.

Luiz Carlos Azedo - Militares no poder

Correio Braziliense / Estado de Minas

O grupo de militares que hoje manda e desmanda no país está perdendo a batalha para os senadores da CPI da Covid, que estão mais sintonizados com a opinião pública

É beabá de qualquer gerenciamento de crise não mentir. A mentira falseia a realidade, escamoteia responsabilidades e, para prosperar, precisa de cúmplices. Por isso, acaba desnudada, como acontece agora com o general de divisão da ativa do Exército Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde responsável pelo desastre sanitário que vivemos, em coautoria com o presidente Jair Bolsonaro. Em seu depoimento na CPI da Saúde, Pazuello mentiu; agora, está no sal, porque um vídeo gravado em seu gabinete revela que negociou diretamente a compra de vacinas com empresários que faziam, diga- mos, “intermediações onerosas” com o governo. Dos 12 investigados na CPI até agora, por envolvimento em negociações suspeitas, seis são militares.

Pazuello tratou da possibilidade de compra de 30 milhões de doses de CoronaVac sem envolvimento do Instituto Butantan, mesmo sabendo que o governo federal tinha um acordo com o laboratório do governo paulista para o fornecimento de até 100 milhões de unidades da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. O vídeo obtido pela CPI da Covid foi gravado em 11 de março. Nele, Pazuello explica que o grupo fora tratar da possibilidade de adquirir as vacinas “numa compra direta com o governo chinês”.

Bruno Boghossian - O negócio das vacinas fantasmas

Folha de S. Paulo

Ex-diretor sugeriu que era possível ganhar dinheiro mesmo que compra não fosse fechada

Um policial, um reverendo e um empresário chamado John entraram no Ministério da Saúde. Em conversas separadas, o trio ofereceu à pasta mais de meio bilhão de doses de vacinas contra a Covid. Nenhum deles representava laboratórios que fabricam o imunizante, mas o governo topou conversar.

Depois da Davati e de uma ONG religiosa, a Folha mostrou que a equipe do então ministro Eduardo Pazuello discutiu a compra de vacinas com uma importadora de Santa Catarina. A World Brands e o tal John prometiam 30 milhões de doses da Coronavac a US$ 28 por unidade.

Hélio Schwartsman - Quatro décadas de vida extra

Folha de S. Paulo

A ciência e seus avanços são um fenômeno social

Durante a maior parte da história, a expectativa de vida do ser humano variou em torno dos 35 anos. A partir principalmente do final do século 19, assistimos a um decidido incremento desse indicador, hoje na casa dos 73 anos.

Nossa tendência ao ler essa descrição é achar que estamos vivendo mais e que esse é um feito da medicina. Em parte é isso mesmo, mas uma parte bem pequena. Como explica Steven Johnson em “Extra Life”, quase todo o aumento na expectativa de vida, que é uma média, se deve não a um estirão na longevidade, mas à brutal redução da mortalidade infantil, que despencou dos mais de 40% nos períodos mais remotos para menos de 4% hoje.

Janio de Freitas – Entre dois bancos de réus

Folha de S. Paulo

Revelações da CPI tornam sempre mais graves responsabilidades de Pazuello

Eduardo Pazuello é um general da ativa e um teste ativo. Combinação de condições cujo resultado, dentre várias hipóteses do ruim ao péssimo, não pode ser previsto.

Sucedem-se na CPI da Covid, ou em torno dela, revelações que tornam sempre mais graves as responsabilidades de Pazuello em centenas de milhares de mortes, nas 540 mil já havidas e nas vindouras.

Como preliminar nesse desempenho trágico, note-se que Pazuello aceitou, nada lhe impondo isso, administrar os cuidados médicos para mais de 200 milhões de pessoas sem, no entanto, o mais simplório conhecimento para tal.

É previsível que das constatações da CPI decorram processos judiciais numerosos. Ao menos um, por mérito reconhecido, exclusivo de Eduardo Pazuello. General da ativa, mas autor de atos que não se inscrevem no Código Penal Militar.

Aninham-se em diversas posições dos mais detestados códigos civis.

Vinicius Torres Freire - Caso CoronéVac só tem ladrão ou burro

Folha de S. Paulo

Mera zorra da administração pública sujeita a turma a penas de vários códigos legais

Qualquer Zé Mané pode oferecer um negócio de bilhões em vacinas ao Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, como ficou evidente graças a reportagens desta Folha e investigações da CPI da Covid. Talvez seja possível mesmo negociar bondes, terrenos na Lua ou remédios fantasmagóricos. Se o negociante tiver amigo militar, pastor ou propagandista do bolsonarismo, a conversinha fica ainda mais facilitada. Uma empresinha americana que de costume vende umas dúzias de pias e torneiras negociava um lote imaginário de centenas de milhões de doses de AstraZeneca.

Quase todo mundo já sabe desses rolos.

Dorrit Harazim - O exibicionista

O Globo

Convenhamos: ninguém fica bem numa cama de hospital. Os lençóis e a roupa usados pelo internado sempre parecem amarfanhados e do tamanho errado. Nenhum paciente com uma sonda nasogástrica a lhe sair pela narina, uma bolsa ligada à jugular (para nutrição parenteral) e várias outras sondas e bolsa no peito tem algo de atraente. Assim como nada tem de formoso o abdômen nu e várias vezes remendado de quem, como o presidente Jair Bolsonaro, se aproxima dos 70 anos. Expor-se assim voluntariamente, de caso pensado e ângulo frontal calculado, só mesmo um político necessitado de vitimização. Costuma funcionar para quem depende da convicção irrestrita e irracional de seus seguidores/eleitores.

A internação do capitão quase conseguiu desviar a atenção nacional de outras agruras. O filho Zero Três do governante, o deputado Eduardo Bolsonaro, chegou a divulgar, por ignorância ou má-fé, a informação falsa de que o pai havia sido entubado — confundir um tubo traqueal com uma sonda nasogástrica não é coisa banal para quem está rodeado de médicos. Perfis robóticos alinhados ao bolsonarismo também trataram de disparar mensagens sugerindo que um exame de sangue do presidente revelara altas doses de chumbo. Em outras palavras, o presidente poderia ter sido vítima de uma tentativa de envenenamento, teria roçado a morte! Uma boa teoria da conspiração sempre funciona para quem nela quer acreditar.

Elio Gaspari - A feitiçaria médica do Planalto

O Globo / Folha de S. Paulo

Feiticeiros de palácio às vezes são bem-sucedidos e às vezes prejudicam a saúde dos pacientes cujo poder pretendem preservar

Às 8h57m de quarta-feira a Secretaria de Comunicação da Presidência da República informou o seguinte:

“O Presidente da República, Jair Bolsonaro, por orientação de sua equipe médica, deu entrada no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, nesta quarta-feira (14) para a realização de exames para investigar a causa dos soluços.

Por orientação médica, o Presidente ficará sob observação, no período de 24 a 48 horas, não necessariamente no hospital. Ele está animado e passa bem.”

Salvo a data e a identidade do paciente, era tudo mentira.

Em seguida, o chefe da Casa Civil, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, informou:

“Teve fortes dores às 4h, mas nada de grave até o momento. Então, graças a Deus, ele está muito bem. Repousando, que é o que ele precisa.”

Salvo as dores da madrugada, tudo mentira.

Horas depois, Bolsonaro chegava ao Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde montou um pequeno circo.

Feiticeiros de palácio às vezes são bem-sucedidos e às vezes prejudicam a saúde dos pacientes cujo poder pretendem preservar. Assim se deu com a “apendicite” de Tancredo Neves em 1985 e com a “gripe” do marechal Costa e Silva em 1969. É verdade que às vezes conseguem esconder os padecimentos dos chefes. Em 1959 esconderam o enfarte de Juscelino Kubitschek. João Goulart teve pelo menos três ataques cardíacos entre 1961 e 1964. Jamais se falou do leve acidente vascular cerebral transitório de José Sarney.

Marco Antonio Villa - Bolsonaro: o novo inquilino de Bangu-8

Revista IstoÉ

Há rumores de que o presidente tem ligação com milicianos da organização criminosa chamada Escritório Crime

Estamos assistindo as últimas semanas de Bolsonaro na Presidência da República. É bom ele “jairseacostumando” com os processos que terá de responder como principal responsável pela maior tragédia sanitária da história do Brasil. Serão centenas de demandantes na Justiça, além da União. Esta última, certamente, solicitará algum tipo de indenização frente aos pagamentos que terá de efetuar para as famílias que tiveram seus entes queridos vindos a óbito durante a pandemia. E, sem esquecer, os sequelados — e são milhares — que devem exigir da Justiça tratamento adequado como se fossem veteranos de uma guerra, a guerra da Covid-19.

Cacá Diegues - Lições de política no Brasil de Bolsonaro

O Globo

País está aceitando a melancolia como fatalidade, com o argumento ignorante de que a Humanidade é assim mesmo

O Ministério Público está cobrando da Ancine a contratação dos projetos aprovados, há mais de dois anos, pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). A agência tem 120 dias para resolver o problema que ela mesma criou colaborando, através da política de embaraço à produção, com o boicote do governo à cultura do país. Não sei se o presidente, no seu cantinho de hospital, vai tomar conhecimento dessa história. Mas, logo ou depois, vai certamente se aborrecer com o juiz que tenta, no que está a seu alcance, evitar que o Brasil caia numa Idade Média tardia, para onde Bolsonaro nos empurra com entusiasmo.

Ricardo Noblat - A história dos Irmãos Evento, de penetras a convidados oficiais

Blog do Noblat / Metrópoles

Ganharam fama no Recife por penetrarem sem ser convidados nos eventos mais exclusivos. Por fim, a sociedade rendeu-se a eles

Era uma vez dois irmãos judeus solteiros, donos de uma loja de ferragem na Rua da Palma, no Recife dos anos 1980, sem nenhum status na comunidade judaica local. Sem serem convidados, não perdiam um único evento cultural ou social da cidade.

Ambos portavam grandes barbas mal cuidadas e vestiam-se modestamente. Nos eventos, procuravam comer e beber do melhor e confraternizar com quem lhes dessem a atenção. Eram discretos. Nunca se excediam. Faziam questão de ir embora cedo.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Dois países, uma lição

O Estado de S. Paulo

Em meio a tantas diferenças, as histórias dos Estados Unidos e do Brasil, as duas maiores democracias das Américas, convergiram em um ponto: tanto lá como cá, de forma inédita em tempos recentes, as instituições republicanas e os princípios democráticos mais comezinhos – como a pacífica alternância no poder – foram perigosamente atacados pelos chefes de Estado e de governo dos dois países.

Nos Estados Unidos, a insurgência do ex-presidente Donald Trump diante do resultado da eleição passada, na qual foi derrotado pelo democrata Joe Biden, representou a mais grave ameaça à integridade da nação desde a Guerra Civil (1861-1865). Em boa hora, os cidadãos americanos mostraram ao mundo de que material é feita aquela nação e ergueram a barreira de contenção que evitou a tragédia que seria o sucesso da sedição estimulada por Trump.

O caráter da cúpula das Forças Armadas dos Estados Unidos, em especial do chefe do Estado-Maior, o general Mark Milley, foi determinante para o fracasso da intentona trumpista e, consequentemente, para o resguardo da democracia americana. É o que revela o livro I Alone Can Fix It (“Só Eu Posso Consertar”, em tradução livre), escrito por Carol Leonnig e Philip Rucker, dois premiados jornalistas do The Washington Post.

Livro | Ferreira Gullar / Poeta da liberdade

“Toda Poesia” reúne em um único volume a obra de Ferreira Gullar, um dos maiores nomes da literatura brasileira. Entre os quase 500 textos, destaque para “Poema Sujo”, criação feita no exílio que alterna lembranças e a luta contra a ditadura

Felipe Machado - IstoÉ

Em 1976, durante turnê na Argentina com Toquinho e Miúcha, Vinicius de Moraes encontrou em uma festa o poeta Ferreira Gullar, exilado em Buenos Aires após ser perseguido pela ditadura militar. Em meio a caipirinhas e feijoada, Gullar tirou do bolso folhas de papel amassado. A confraternização silenciou para ouvi-lo recitar “Poema Sujo”, seu manifesto catártico criado a partir das memórias de infância no Maranhão e da vontade de voltar a ser livre. No dia seguinte, Vinicius pediu o texto ao amigo: queria gravá-lo. Ao fim da turnê, trouxe a fita cassete para o Brasil, fez cópias e a distribuiu entre amigos. Foi assim, de maneira torta e clandestina, que se espalhou pelo País a voz do poeta que não poderia mais ser calado.

 “Poema Sujo” é um dos destaques de “Toda Poesia”, belo volume da Companhia das Letras, que reúne a obra de Ferreira Gullar. Há diversas razões para compilar seus poemas em um mesmo livro, mas a principal delas é que isso nos permite acompanhar de maneira didática e cronológica a evolução do escritor. Isso não quer dizer que esse processo foi qualitativo, ou seja, que ele teria evoluído do pior para o melhor, longe disso. Até porque Gullar já nasceu poeta feito, pronto desde os 18 anos, quando publicou seu primeiro livro, “Um Pouco Acima do Chão”, em edição bancada por ele mesmo. “Toda Poesia” serve para navegar por suas fases e descobertas, como se estivéssemos assistindo ao desenvolvimento de seu raciocínio.

Começou parnasiano, formal na métrica e na rima. Dois anos depois mudou tudo, em “A Luta Corporal”. “Nos meus vinte anos cheguei à conclusão de que a poesia que deveria fazer era o contrário daquela que eu fazia”, diz ele, no posfácio assinado por Antonio Cícero. Livre da matemática parnasiana, caiu nos braços dos concretistas — os irmãos Campos e Décio Pignatari o convidaram para integrar o movimento. Veio então “O Vil Metal” e a fase neoconcreta – fórmulas e amarras das quais ele também logo se livrou. Abraçou então os romances de cordel, que fizeram florescer nele, em pleno árido sertão, a luta pela justiça social que o acompanharia pelo resto da vida.