quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Vera Magalhães - A reforma vale-tudo de Lira

O Globo

Política quase nunca é feita de boas intenções. Ela é praticada em bases bem mais pragmáticas que isso. A falta de apoio do Congresso à obsessão de Jair Bolsonaro pelo voto impresso, portanto, não se deve a nenhuma consciência por parte dos parlamentares de que é preciso zelar pela democracia, mas ao fato de eles considerarem essa cruzada uma bobagem e saberem que a urna eletrônica é segura — afinal, foram eleitos por ela.

Assim sendo, melhor gastar tempo, energia e conchavos com as próprias prioridades, em vez de se engajar na de Bolsonaro.

Eis que no minuto 1 da volta do recesso se materializa na Câmara, pronto para ser enfiado goela abaixo da sociedade, um calhamaço de mais de 900 artigos revogando toda a legislação eleitoral e, sob o pretexto de unificar tudo num Código Eleitoral, aproveitando para passar um tratoraço na fiscalização do uso de dinheiro público para campanhas e para o custeio dos partidos e para censurar as pesquisas, entre outras atrocidades.

Bernardo Mello Franco - Antes tarde do que nunca

O Globo

O Judiciário despertou do sono profundo e começou a reagir aos insultos, chantagens e ameaças de Jair Bolsonaro. O movimento foi puxado pelo ministro Luís Roberto Barroso, alvo número um do capitão.

Quando o ministro da Defesa apontou a baioneta para o Congresso, o presidente do TSE deu dois telefonemas e declarou que as instituições estavam funcionando. Onze dias depois, mudou o tom, usou a palavra “golpismo” e reconheceu que a democracia está sob ataque.

“Há coisas erradas acontecendo no país, e nós todos precisamos estar atentos. Precisamos das instituições e precisamos da sociedade civil, ambas bem alertas”, disse Barroso.

O ministro enumerou dez países em que autocratas eleitos pelo voto popular estão “desconstruindo, tijolo por tijolo, os pilares da democracia”. E advertiu que o objetivo da ofensiva contra a urna eletrônica é um só: “pavimentar o caminho da quebra da legalidade”.

Luiz Carlos Azedo - O quid pro quo do voto eletrônico

Correio Braziliense

Bolsonaro não percebe que o grande beneficiário do seu confronto com o Poder Judiciário é o Congresso, que se fortalece e está com a faca e o queijo nas mãos

A expressão latina quid pro quo significa uma coisa pela outra. Por essas voltas que o mundo dá, foi traduzida do holandês (dit for dat, este por esse) para o inglês como tit for tat, ou seja, na mesma moeda ou taco a taco. Na teoria dos jogos, a estratégia tit for tat tem um lugar de honra, graças aos estudos do cientista social Robert Axelrod, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, que promoveu um torneio no qual os participantes teriam de apresentar programas de computadores nos quais haveria apenas duas opções: trair ou cooperar. O detalhe é que cada dupla de participantes jogaria 200 partidas, nas quais, aparentemente, a melhor opção seria trair enquanto o outro coopera; a pior, cooperar enquanto o outro trai. Para sua surpresa, o melhor desempenho, ao final de todas as rodadas, foi para quem adotou uma estratégia simples: o tit for tat. Nesse cenário, o jogador sempre começava cooperando, depois respondia na mesma moeda: traia, se fosse traído; cooperava, se houvesse cooperação.

A estratégia é diplomática: começa sempre cooperando. Mas é muito vingativa, porque não perdoa a traição, ao retaliar imediatamente. Entretanto, é generosa, porque retribui com a cooperação se o outro se arrepender e cooperar. Além disso, desde o início, é muito transparente, porque permite que o oponente entenda rapidamente quais são as regras do jogo e se dê conta de que é melhor cooperar. O presidente Jair Bolsonaro não percebeu, ainda, que está levando um baile do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao abrir guerra contra a urna eletrônica, com pronunciamentos diários que levantam suspeitas em relação a fraudes nas eleições que só existem em sua fértil imaginação.

Ricardo Noblat - Bolsonaro admite que perdeu para Barroso a guerra do voto

Blog do Noblat / Metrópoles

Para o presidente, pouco importava vencer ou perder. O que importa é criar tumulto para justificar sua eventual derrota no ano que vem

O presidente Jair Bolsonaro não tem muito mais o que fazer para reverter a clara tendência da Câmara dos Deputados em votar contra o restabelecimento do voto impresso. Só faltava que admitisse a própria derrota – e ele finalmente o fez em entrevista ao canal da TV Piauí, no Youtube.

“Eu não quero adiantar, eu tenho que no plenário temos mais do que suficiente, mas como está se encaminhando essa votação na comissão a tendência é ser rejeitada na comissão por interferência do ministro Barroso”, disse Bolsonaro. Barroso é Luís Roberto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

O projeto do voto impresso será votado no âmbito de uma comissão especial da Câmara e, mais adiante, submetido ao exame do plenário. Para ser aprovado ali, precisará de um mínimo de 308 dos 512 votos possíveis, uma vez que o presidente da Câmara só vota em caso de empate. Não há sinais de que isso acontecerá.

 “O ministro Barroso foi para dentro do Congresso brasileiro, se encontrou com vários líderes e no dia seguinte, vários desses líderes começaram a trocar os integrantes da comissão por aqueles que votariam contra o voto impresso”, acusou Bolsonaro, e mais uma vez mentiu, como de resto está acostumado.

Rosângela Bittar - Destroços, nada mais

O Estado de S. Paulo

A pandemia derrubou o último resquício do disfarce que Bolsonaro incorporou à sua triste figura

Bolsonaro decidiu atear fogo à democracia, intimidando a todos com aplicação de seus modelos em que vale tudo. Inclusive a reedição do que deu certo na eleição de 2018. Que ele venceu, sem fazer absolutamente nada. Não deu entrevistas, não foi a debates, não apresentou planos, deixando que os eleitores criassem suas fantasias livremente.

Quando falou, raramente, encadeou chavões de um personagem fictício que não correspondia a sua realidade ou seu pensamento. Ninguém imaginava votar em um e eleger 01, 02 e 03 no papel de copresidentes. Este vazio de senso, que agora se repete, foi consolidado pelo atentado de Juiz de Fora que o premiou com a imagem de vítima de um processo heroico.

José Nêumanne* - É Bolsonaro a real fraude nas urnas eletrônicas

O Estado de S. Paulo

Presidente insiste na ideia da eleição fraudada porque sabe que ele próprio a encarna

Só um débil mental ou um idiota total se submeteria ao vexame que o presidente da República protagonizou em sua live de 29 de julho sem ter certeza absoluta do que tinha a dizer. Mas ele não cumpriu a garantia de relatar provas de fraude nas urnas eletrônicas. E tentou disfarçar duas mentiras dizendo: “Não tem como comprovar que as eleições foram ou não fraudadas. Um crime se revela com vários indícios”. Nenhum sistema penal do mundo civilizado condena um réu sem culpa comprovada. A milenar presunção de inocência é expressa em latim in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu). Mesmo considerando sua crassa ignorância, nada o autoriza a substituir prova por indício, que não são sinônimos em língua alguma.

A falácia patética, se não fosse patológica, foi cometida em flagrante delito de uso do espaço público (o palácio) e divulgada por rede oficial de televisão e rádio, cujo funcionamento revela estelionato do chefe do Executivo na conquista do eleitorado. A ex-TV Lula, tornada TV Jair, foi jurada de extinção pelo candidato à Presidência no último pleito como uma das consequências de seu lema mais eficaz: “Mais Brasil e menos Brasília”. A mera transmissão comprova a falsa promessa eleitoral. Mas ninguém pode dizer que o chefe do desgoverno tenha economizado. Muitos outros crimes cometeu na stand up comedy por ele encenada, agora com o evidente objetivo de enganar mais eleitores na disputa de 2022.

Roberto DaMatta* - A volta do velho

 

O Estado de S. Paulo / O Globo

Descobrir sobre o que escrever é a dúvida letal dos que vivem escrevendo e escrevem para viver

Depois de exatas quatro semanas fora dos jornais, e com inevitáveis e bem-vindos 85 anos, volto a enfrentar o doloroso infinito dos assuntos, pois cada crônica é uma resposta ao sobre o que escrever.

A escrita como dimensão básica da linguagem humana (escreveu, não leu, o pau comeu!) permite armazenar o mundo. Nasceu, dizem, na Suméria, e tem sido essencial na fabricação de mandamentos e cláusulas pétreas, essas normas doadas por deuses, reis e juristas para os mortais - de cima para baixo, de fora para dentro. A escrita inventa a linearidade histórica e estampa as notícias desse jornal. Um dos seus mistérios: nos dar uma consciência da língua portuguesa e, com ela, de nós mesmos. A língua, como dizia Fernando Pessoa, é solo e pátria. Somos nós que a falamos ou é ela que fala por nós? 

Elio Gaspari - De R. da Costa@edu para Fux@jus

O Globo / Folha de S. Paulo

Perdemos o bonde em 1965

Caro colega,

Esta mensagem vai ao senhor, mas interessa também àqueles que lidam com a crise que se arma com o Supremo Tribunal Federal e com o regime democrático do nosso país.

Eu, Álvaro Ribeiro da Costa, presidia o Supremo na madrugada de 2 de abril de 1964. Empossei o deputado Ranieri Mazzilli no cargo de João Goulart. O presidente continuava no país, não havia sido impedido pelo Congresso, nem eu tinha mandato de meus colegas. Uma completa ilegalidade, mas seu governo ruíra, e havia sido instituído um Comando Revolucionário, cujo chefe de fato era o general Arthur da Costa e Silva, que se intitulava chefe do Exército.

Em outubro de 1965, realizaram-se eleições parciais para governos estaduais, e a oposição moderada venceu em Minas Gerais e na então Guanabara. A inquietação militar, soprada pelas vivandeiras que haviam sido derrotadas, queria uma crise, e ela acabou resvalando nas relações do Supremo Tribunal com o Poder Executivo.

Eu publiquei um artigo defendendo a Corte. Lembrei que “já é tempo de que os militares se compenetrem de que nos regimes democráticos não lhes cabe o papel de mentores da nação”. Dois dias depois, durante uma cerimônia militar, o marechal Costa e Silva atacou-me grosseiramente. Disse que “este país exige homens grandes, homens de alto espírito público e não homúnculos que venham a degradá-lo por interesses pessoais”.

Um horror, mas o jogo estava feito — e feito seguiria. Cinco dias depois, o governo baixou o Ato Institucional que tornou indiretas as eleições para presidente e para os governos estaduais. Passaram-se mais três anos, e veio o AI-5. A noite durou duas décadas.

Fernando Exman - Tem início nova fase do governo Bolsonaro

Valor Econômico

Ala política ganha força e coloca em xeque agenda liberal

Sob a depreciada alcunha de “minirreforma ministerial”, as recentes mudanças promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro no primeiro escalão alteram o funcionamento da cabeça, tronco e membros do governo.

Não mudaram a mentalidade e as convicções que o movem. Percebe-se, inclusive, um presidente da República menos constrangido em atacar, sempre sem provas ou embasamento técnico, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a pessoa do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proteção adicional obtida no Congresso, em razão do fortalecimento da parceria com o Centrão e da chegada desses partidos ao Planalto, parece ter deixado o chefe do Poder Executivo ainda mais à vontade para o enfrentamento institucional.

Mas este novo corpo, remodelado, ainda dá os primeiros passos.

Hélio Schwaetsman - Licença para delinquir

Folha de S. Paulo

É preciso calibrar melhor as imunidades presidenciais

É alentador constatar que a Justiça tenta enfim traçar uma linha vermelha para o vandalismo institucional de Bolsonaro; é exasperante verificar que o presidente não se intimida e continua com seus ataques. Adoraria dizer que o Judiciário triunfará, mas não estou seguro disso.

O problema é que, no âmbito penal, a Justiça pode pouco contra o chefe do Executivo. Se entrarem numa disputa tipo cabo de guerra, o presidente ganha. O pecado original está na Constituição, mais especificamente no § 4 do artigo 86, que determina que o presidente, na vigência de seu mandato, não seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Bruno Boghossian - Armas em punho

Folha de S. Paulo

Presidente mostrou que pretende explorar discurso da ameaça golpista até o fim

Nem os mais confiantes ministros do Tribunal Superior Eleitoral acreditavam que Jair Bolsonaro recuaria de seus ataques às urnas eletrônicas. Mesmo investigado por espalhar mentiras sobre o sistema de votação, o presidente mostrou que vai insistir nessas lorotas e numa ameaça constante de golpe. São suas armas definitivas para a eleição de 2022.

Os dois lados se organizam para uma longa batalha. Depois de ter se tornado alvo de dois inquéritos por determinação do TSE, Bolsonaro disse a seus apoiadores que não vai aceitar o que chamou de intimidações e afirmou que pretende convocar protestos para dar "o último recado" às autoridades que trabalham para frear sua campanha contra as urnas. Mais uma vez, ele ameaçou a realização da votação, ao declarar que "não serão admitidas eleições duvidosas no ano que vem".

Maríliz Pereira Jorje - O Brasil dos bozoafetivos

Folha de S. Paulo

Minions vão às ruas protestar contra uma tecnologia que deu certo

voto impresso, exaltado pela seita bolsonarista, é a porta de entrada para retrocessos muito mais pesados. Deve ser barrado pelo Congresso, mas a sua discussão é uma pequena amostra do mundo distópico e reacionário sonhado pelos minions. O Brasil seria uma mistura de perda de direitos individuais, falta de empatia, desigualdade, violência e mau gosto.

Um lugar cheio de gente de "bem", defensora da "família", que expulsa filho homossexual de casa, obriga filha a abortar em clínica clandestina, enquanto chama feminista de puta. Para esse pessoal, criança pode apanhar, pode trabalhar, mas educação sexual nem pensar.

No lugar da cultura, teríamos exaltada a ignorância. Armas mais baratas e livros mais caros. Museus queimados, artistas demonizados, teatros abandonados. Saem as manifestações populares, entram os passeios de motos movidas a testosterona vencida. Liberdade de expressão só para quem passa pano para rachadinha e para perseguir jornalistas.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Cidadão digital terá agenda própria, não precisará da mídia

A perda da exclusividade para construir a agenda diária da sociedade pode ser um dos próximos desafios da mídia. Os cidadãos parecem recorrer cada vez mais à informação digital para conhecer o estágio da pandemia, saber o que está acontecendo nos Jogos Olímpicos, ou sobre o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso. A informação digital é imediata e franca, sem a interferência de empresas de marketing, de correntes ideológicas ou de manuais de redação orientando a produção da notícia.

A prerrogativa de privatização da informação sobre eventos públicos, inclusive de imagens, apropriada empresarialmente, tem sido silenciosamente desqualificada pela ação do cidadão comum. A televisão vem resistindo por causa do confinamento generalizado. As tiragens dos jornais caem sistematicamente e o rádio parece até que deixou de existir.

O novo concorrente desse jornalismo batizado como profissional é a "cobertura alternativa digital” -  o cidadão comum transmitindo direta e naturalmente a informação pelos meios domésticos (celular), como se estivesse contando um caso numa roda de amigos. É mais que isso: é o acesso livre à informação. Entende-se que a informação jornalística é cheia de vícios. 

Até os Jogos Olímpicos de Atenas (2004), a cobertura jornalística era feita única e exclusivamente pelos meios de comunicação convencionais que, monopolisticamente, adquiriam os direitos de transmissão e os revendiam para outras empresas de mídia. O credenciamento de um repórter custava US$ 1.000. Na Grécia, o Comitê Olímpico Internacional (COI) aceitou credenciar, pela primeira vez, a mídia digital, sob intensa resistência da mídia convencional. Na esteira da flexibilização, a Universidade Católica de Brasília (UCB) inaugurou, com estudantes de jornalismo, uma cobertura jornalística alternativa, puramente pedagógica.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Mentiras de Bolsonaro impõem teste ao TSE

O Globo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem dado sucessivas mostras de que não tolerará os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores ao sistema eleitoral brasileiro. Depois da nota histórica em defesa da urna eletrônica assinada pelos presidentes do tribunal no passado, presente e futuro, a Corte abriu inquérito administrativo para investigar o próprio Bolsonaro por “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições 2022”. O pedido do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, foi aprovado por unanimidade pelos ministros.

A decisão foi tomada num clima que tem esquentado nas últimas semanas. Em junho, Salomão dera 15 dias para Bolsonaro enviar provas que sustentassem suas acusações descabidas de fraudes. O recesso do Judiciário acabou por estender o prazo até 2 de agosto. Num primeiro momento, Bolsonaro disse que não tinha de apresentar provas, depois prometeu que as tornaria públicas na live da última quinta-feira, em que repetiu suas fabulações sem base alguma na realidade. No fim de semana, bolsonaristas foram às ruas defender a quimera do voto impresso — nas palavras certeiras do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, solução para um problema que não existe.