EDITORIAIS
O presidente sem freios
O Estado de S. Paulo
Ao fazer ameaça de golpe, Jair Bolsonaro
joga fora das “quatro linhas” constitucionais. Desgovernado, ele só vai parar
ao colidir contra o muro das instituições
O novo ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor”
do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro,
contudo, são freios.
Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não
aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja
desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas
eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o
sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.
Trata-se de explícita manifestação
golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da
votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à
democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da
República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e
institucional confere às suas palavras.
Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que
Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da
dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando
a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam
agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva
presidente.
Foi precisamente por essa razão que, na
quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro
Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde
2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar
o Supremo e o TSE.
Como agora se tornou muito claro, o
presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da
democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de
apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas
vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias
contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um
complô das Cortes superiores.
Foi esse pronunciamento que motivou a
notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a,
finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação
de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há
dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do
presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da
Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em
massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a
independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”