sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Fernando Gabeira - Bolsonaro e o manual do derrotado

O Estado de S. Paulo

Ele já admitiu não ter esperanças de obter o voto impresso, mas é a bandeira que lhe resta

Uma das afirmações mais engraçadas de políticos no Brasil é a que prevê que o presidente Bolsonaro vai adotar moderação nos seus contatos com adversários e a sociedade. Nada mais claro que o projeto de confronto de Bolsonaro. Basta examinar o precedente de seu inspirador nos Estados Unidos, Donald Trump.

Com antecedência, Trump previu a própria derrota e iniciou um processo de questionamento do voto pelo correio e, finalmente, de todo o sistema eleitoral norte-americano. Derrotado, Trump inundou a Justiça com recursos contra a apuração. Perdeu todos, porque não se constataram casos de fraude.

Logo em seguida, a chamada Alt-Right (Direita Alternativa) fez aquela dramática tentativa de assalto ao Capitólio, um dos fatos mais graves da História moderna americana, que terminou com mortes e um grande desgaste internacional para uma democracia que parecia inabalável.

Derrotado em todos os passos acima mencionados, restou a Trump um importante consolo: cerca de 50% dos eleitores republicanos consideram que ele foi eleito e o processo eleitoral americano é desonesto. Esse é um roteiro que, na pior das hipóteses, garante ao derrotado continuar na imaginação dos seus eleitores, que o consideram, apesar de tudo, um vencedor.

Eliane Cantanhêde – Fim de Papo

O Estado de S. Paulo

Fux cancela diálogo com Bolsonaro, que em sua bolha ameaça rasgar a Constituição

O presidente Jair Bolsonaro ultrapassou todos os limites ao ameaçar rasgar a Constituição e atingir o ministro Alexandre de Moraes. Quanto mais ele radicaliza, mais o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral reagem. E, quanto mais o STF e o TSE reagem, mais ele radicaliza. Esse círculo vicioso envolve o País em angústia e temores, sem luz no fim do túnel – e das trevas.

As últimas investidas de Bolsonaro são gravíssimas e preocupantes. Ele ameaçou “agir fora das quatro linhas da Constituição”, como se fosse admissível um presidente dizer uma coisa dessas, e atacou Alexandre de Moraes, enigmaticamente: “A hora dele vai chegar”. Moraes é relator dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que já tinham chegado ao Planalto e agora incluem o próprio Bolsonaro.

Ações contra a Constituição são crimes. O que o presidente pretende ao ameaçar, não uma pessoa, um ministro, uma instituição, mas a nação brasileira, com atos anticonstitucionais? E que história é essa de que a hora de Moraes vai chegar? É irresponsabilidade, desespero ou ele realmente acalenta a ideia de um golpe. Não se sabe como, quando e com quem.

Entrevista | José Murilo de Carvalho, historiador: 'Bolsonaro é trumpista; se está perdendo, puxa a toalha’

Ao comentar manifesto de empresários em apoio às eleições 2022, historiador afirma que presidente "perturba o jogo" com a defesa do voto impresso para justificar eventual derrota nas urnas

Wilson Tosta / O Estado de S. Paulo

RIO - O historiador José Murilo de Carvalho gostou de saber que um grupo de empresários assinou um manifesto em apoio às eleições em 2022 e ao respeito aos resultados, não importando quem sejam os vitoriosos. Mas questiona, em entrevista ao Estadão, a representatividade dos signatários em relação ao empresariado. O acadêmico lembra que a classe empresarial foi uma das bases do presidente Jair Bolsonaro – em guerra contra a urna eletrônica – e avalia que pode haver algum cálculo político no episódio. “Cutuca o governo, pero no mucho”, afirma.

Para José Murilo, o manifesto com apoio empresarial indica rachaduras no empresariado que já apoiou majoritariamente a posição golpista do presidente. Ele avalia ainda que Bolsonaro usa o voto impresso apenas como pretexto para justificar uma possível derrota na tentativa de reeleição. O presidente, afirma, é “trumpista” (seguidor do ex-presidente dos EUA Donald Trump). “Perturba o jogo” se percebe que vai perdê-lo, explica. 

A seguir, a entrevista do historiador ao Estadão.

Vera Magalhães - Vai ter eleição; mas e depois?

O Globo

Jair Bolsonaro não tem meios para promover um golpe à 1964. Essa avaliação é unânime entre ministros do Supremo Tribunal Federal, generais comprometidos com a democracia, parlamentares, pré-candidatos a presidente, historiadores, cientistas políticos e empresários.

Diferentemente da época em que os generais puseram os tanques na rua e instauraram uma longa e nefasta ditadura de 21 anos, o mundo não vive mais uma Guerra Fria. Não haverá, portanto, apoio, explícito ou velado, de qualquer potência mundial a uma quartelada vinda de um capitão reformado do Exército e de uma parcela das Forças Armadas, com acréscimo, vá lá, de setores sublevados das polícias militares.

Outra importante demonstração de que não há na sociedade caldo de cultura para fermentar o golpismo consentido de outrora foi o manifesto em defesa da realização das eleições divulgado nesta semana, com apoio de pesos pesados do empresariado, do sistema financeiro, das artes e da academia. Não haverá, portanto, o braço empresarial do golpe, como houve em 64 e ao longo dos Anos de Chumbo.

Bernardo Mello Franco - O paraíso dos picaretas

O Globo

O encerramento dos Jogos de Tóquio vai mudar a fauna dos personagens que desfilam no noticiário. Saem os atletas olímpicos e seus relatos de superação. Voltam os mercadores de vacina e suas histórias da carochinha.

A turma já reapareceu na CPI da Covid. Na terça, os senadores ouviram o reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele desistiu de pescar almas para cavar negócios no Ministério da Saúde.

Falando de si na terceira pessoa, o pastor se apresentou como um “embaixador mundial da paz”. Em seguida, enumerou condecorações de entidades como a Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente e a Ordem dos Cavaleiros de Sião.

“Quem me conhece sabe: lá na minha igreja, eu tiro o sapato e dou para pessoas carentes”, elogiou-se. Apesar de tanto desapego aos bens materiais, ele se envolveu numa negociação de 400 milhões de vacinas com o governo.

O reverendo jurou que só tinha interesses humanitários. Para provar sua boa-fé, embargou a voz e forçou o choro. “Eu queria vacina para o Brasil”, declamou. A atuação deve ter despertado inveja no secretário Mario Frias.

Hélio Schwartsman - Palavras que viram crimes

Folha de S. Paulo

Não é preciso criatividade hermenêutica para ver ameaça de golpe nas falas de Bolsonaro

Leitores me escreveram perguntando por que mostro tanta má vontade para com Jair Bolsonaro. Para eles, o presidente, quando fala do voto impresso, está apenas exercendo sua liberdade de expressão. Eu até concordaria, se Bolsonaro tivesse se limitado a comunicar o que pensa sobre a matéria, mas receio que ele tenha ido além disso.

É fácil defender a liberdade de expressão para quem diz coisas com as quais concordamos; mais difícil é fazê-lo em relação aos que alardeiam ideias que desprezamos. Modestamente, penso estar na segunda categoria. Sustento que bolsonaristas têm o direito de defender a volta do AI-5 e o fechamento do STF. Mas daí não decorre que tudo o que é dizível goze da proteção constitucional ao livre discurso.

A fonte da confusão é a própria dependência que humanos temos da linguagem. Tomemos o caso do estelionato. É obviamente um delito e é quase sempre cometido com auxílio de histórias fraudulentas que o criminoso conta à vítima, mas nenhum advogado que se preze vai defender um cliente acusado de estelionato proclamando seu direito de expressar-se livremente.

Bruno Boghossian -Tribunais encurralam Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Respostas do STF e do TSE obrigam presidente a abandonar estado de tensão controlada

Nenhum político forte precisa intimidar ministros do Supremo Tribunal Federal ou avisar pelo rádio que pretende desrespeitar a Constituição para pavimentar o caminho de um golpe de Estado. Jair Bolsonaro decidiu exibir todas as suas fraquezas com a escalada retórica que protagonizou nos últimos dias.

Sem interesse em governar, o presidente trabalhou para fabricar uma crise completa. Atacou decisões do Judiciário, ironizou o fato de ter se tornado investigado por espalhar mentiras sobre o sistema eleitoral e mostrou que sua única alternativa de sobrevivência política é forçar um conflito continuado até 2022.

O plano original de Bolsonaro era cultivar um estado de tensão controlada. Além da tentativa de sabotar a confiança dos eleitores na urna eletrônica, o presidente acoplou seu conhecido discurso de perseguição, com insinuações de que o Judiciário conspira para tirá-lo do poder. O roteiro era conhecido, mas a situação fugiu de seu controle.

Ruy Castro - O Brasil que ele acha que é dele

Folha de S. Paulo

Bolsonaro prepara-se para botar na rua o seu Exército, a sua PM ou, estas, sim, suas milícias

Amigo de vários repórteres e comentaristas políticos de televisão, declaro aqui minha solidariedade a eles. Ao referir-se no ar a Jair Bolsonaro, nunca o chamam de "Bolsonaro", o que seria mais que suficiente, mas de "presidente Jair Bolsonaro". Imagino que a etiqueta do veículo obrigue a isso —para que, por mais indigno o ato ou desacato de Bolsonaro naquele dia, mantenha-se uma sóbria objetividade. O problema é que, como têm de falar-lhe o nome de 30 em 30 segundos, a dejeção de presidentesjairbolsonaros ao microfone é maior do que os estômagos merecem suportar.

Reinaldo Azevedo - As Democracias precisam de vacina

Folha de S. Paulo

Ou os arruaceiros de cervejaria de quartéis ainda lá, como demonstrado

Ainda que pareça incrível, Jair Bolsonaro está nos dando algumas lições. E cumpre aprender com elas. Sim, é o mais improvável dos professores. A ânsia que temos, os sensatos ao menos —em todos os seus matizes—, é que isso tudo passe logo para que possamos esquecê-lo, o que seria um erro. Que se vá o mais cedo possível, mas que sua marca permaneça para sempre nas nossas consciências.

Durante longos 28 anos, o sistema político permitiu que um delinquente permanecesse na Câmara, expelindo perdigotos da mais escancarada indignidade. Defendeu ditadura, tortura, fuzilamentos. Não uma, mas duas vezes, com intervalo de 11 anos entre uma fala e outra, afirmou que não estupraria uma deputada, se estuprador fosse, porque não merecedora de tal distinção. A um jornal explicou a razão: seria muito feia.

Não só. Em 2003, reagindo a um deputado baiano que discursara lamentando a atuação de uma milícia de matadores em seu estado, afirmou o seguinte: "Quero dizer aos companheiros da Bahia, agora há pouco vi aqui um parlamentar criticar os grupos de extermínios (sic), que, enquanto o Estado não tiver a coragem para adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. E, se não tiver espaço na Bahia, podem ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo apoio".

Ricardo Noblat - Bolsonaro toca fogo e despacha bombeiros para apagar o incêndio

Blog do Noblat / Metrópoles

Ministros do Supremo perderam a disposição de fazer papel de bobo

É um truque que já não funciona, mas que o presidente Jair Bolsonaro sempre aplica toda vez que uma crise detonada ou agravada por ele o ameaça.

Engrossada, agora, com a aquisição do senador Ciro Nogueira (PP-AL), líder do Centrão e novo chefe da Casa Civil da presidência, a tropa de bombeiros entrou novamente em cena.

Quem tem relações com ministros do Supremo Tribunal Federal começou a procurá-los depois dos recentes ataques de Bolsonaro aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

O que acendeu a luz vermelha no Palácio do Planalto foi o duro pronunciamento do presidente do Supremo, Luiz Fux, em defesa dos seus pares e com críticas indiretas a Bolsonaro.

Os donos das mais prestigiadas togas da República conhecem o truque e já foram alvos dele no passado. Não parecem dispostos a se deixar enganar outra vez.

Dora Kramer - Ironia do destino

Revista Veja

Tantas Jair Bolsonaro fez que acabou se expondo ao risco de tornar-se inelegível

O destino é um moleque travesso. Já pregou muitas peças ao Brasil e agora pode pegar de jeito o presidente da República, que repetidas vezes ameaça o Brasil de não ter eleições em 2022 se não for feita a sua vontade de acoplar papel às urnas eletrônicas. Tantas Jair Bolsonaro fez que acabou se expondo ao risco de tornar-se inelegível.

A depender do desenrolar do inquérito do Tribunal Superior Eleitoral, pode não haver eleição mesmo, mas para ele. Já o direito — no nosso país transmutado em dever pelo voto obrigatório — do eleitorado está garantido. Primeiro, porque isso não depende da vontade do presidente. Segundo, porque assim dita a Constituição. Terceiro, porque não há condições objetivas de se impedir a realização do pleito.

Por fim, mas não menos importante, há um obstáculo intransponível: a quantidade de gente que vive de votos. São 513 deputados, 81 senadores, 27 governadores, 1059 deputados estaduais, 5568 prefeitos e 57000 vereadores.

Ricardo Rangel - O recado dos juízes: o jogo mudou

Revista Veja

A partir de agora, Bolsonaro tem uma espada sobre a cabeça

Winston Churchill ensinou que quem tenta aplacar a fome do crocodilo pode até ser devorado por último, mas não escapa de ser devorado. O filósofo Karl Popper ensinou que a tolerância ilimitada para com os intolerantes leva à destruição da tolerância.

O Judiciário entendeu, afinal. Percebeu que Bolsonaro segue à risca o roteiro que levou um bando de baderneiros a invadir o Capitólio. E que o “Capitólio”, no Brasil, serão o TSE e o STF. E que os militares brasileiros não têm com a Constituição o mesmo compromisso que têm seus pares americanos. E que, até hoje, mais da metade dos eleitores de Trump acredita que as eleições foram roubadas.

Os juízes decidiram agir. E sua ação é de tirar o fôlego. O Tribunal Superior Eleitoral abriu, por unanimidade, inquérito contra Bolsonaro pelas fake news contra as urnas eletrônicas. E enviou ao STF, em decisão também unânime, notícia-crime contra o presidente da República.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, imediatamente transformou Bolsonaro em investigado. E determinou a Anderson Torres, coadjuvante do presidente na infame live do dia 29, que preste depoimento à Polícia Federal — no governo surreal de Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça (chefe do chefe da PF) é delegado da PF… E vai depor a delegados da PF, seus pares. Cármen Lúcia, de sua parte, remeteu à PGR pedido de parlamentares para que Bolsonaro seja investigado por crime eleitoral.

Murillo de Aragão - Meteoros no reino das pedaladas

Revista Veja

A precária credibilidade do país vive sob ameaça constante

Historicamente, as equipes econômicas, com honrosas exceções, têm, entre tantos defeitos, o de agir como dirigentes de clubes de futebol. Tomam decisões erradas no presente, cujos efeitos práticos só serão sentidos no futuro. Vamos pegar um exemplo que pode sair do forno a qualquer momento: a pedalada no pagamento dos precatórios.

De repente, os gênios da economia se surpreenderam com o meteoro dos pagamentos de precatórios em 2023. Ponto 1. Se o governo sabe quem está devendo para ele, também deveria saber a quem deve pagar. E quando. Ser surpreendido, da forma como o governo demonstrou, pelas dívidas que precisa quitar é prova cabal de grosseira incompetência.

No mundo real, não nos gabinetes da burocracia estabilizada de Brasília, as empresas fazem provisões e se preparam para pagar potenciais dívidas. Aqui a equipe econômica olha para o céu à espera de meteoros. E, quando os avista, diz: “Devo, não nego, pago quando puder”.

César Felício - Bolsa Família sozinho não vira uma eleição

Valor Econômico

Bolsonaro não usa ação de governo como vitrine eleitoral

Vem aí um Bolsa Família recalibrado, com um aumento de pelo menos 50% em seu valor, conforme anunciou o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo com as restrições de natureza fiscal levantadas dentro do Ministério da Economia, a balança deve pender para o cálculo político em um governo com Ciro Nogueira na Casa Civil, Fábio Faria na Comunicação Social, Rogério Marinho no Desenvolvimento Regional e João Roma na Cidadania.

O ganho eleitoral para o incumbente que aposta em programas de transferência de renda já está amplamente demonstrado. O PT converteu em redutos as áreas onde a população foi mais beneficiada pelo Bolsa Família de 2004 para cá, como mostram pilhas de análises feitas por cientistas políticos. É algo incontroverso.

As pesquisas de opinião pública também não deixam margem a dúvidas: Bolsonaro é mais fraco entre as mulheres, no Nordeste, na população de mais baixa renda. Todos segmentos que tendem a ser mais beneficiados pelo futuro Auxílio Brasil. Ele vai crescer nesses segmentos e a sua presença no segundo turno das eleições presidenciais do próximo ano se tornará mais provável.

A questão central é se o Auxílio Brasil por si só representará para Bolsonaro o que o Bolsa Família foi para Lula em 2006. O ex-presidente beberá do próprio veneno e perderá os currais eleitorais que criou com a política de transferência de renda? Há indícios fortes de que a resposta é não. O ganho existirá, mas tende a não ter a mesma potência, a não ser que o presidente reformule o seu modo de fazer política.

Armando Castelar Pinheiro* - Uma interpretação da estagnação

Valor Econômico

Esforço para inovar, que não é pequeno, depende de haver pressão competitiva e proteção aos direitos de propriedade

O PIB per capita brasileiro ficou praticamente estagnado entre a Independência e a Proclamação da República, crescendo apenas 0,2% ao ano. Esse ritmo subiu para 1,1% ao ano na República Velha, quando o país começou a se industrializar, e acelerou ainda mais em 1931-80, quando o PIB per capita cresceu 3,9% ao ano e o Brasil deixou de ser pobre e virou um país de renda média. Depois disso, porém, a coisa degringolou e em média crescemos só 0,7% ao ano em termos per capita.

O que aconteceu? Muita inteligência e tinta foi gasta com essa pergunta. O que os fatos mostram é que em 1931-80 o crescimento foi puxado pelo processo de transformação estrutural fruto da industrialização, por sua vez viabilizada por elevados investimentos, que ajudaram a elevar a produtividade total dos fatores, com a absorção de novas tecnologias. Desde o início dos anos 1980, essas variáveis ajudaram bem menos a economia. Em 1981-2020, o estoque de capital do país aumentou em média 2,4% ao ano, contra 8,3% ao ano em 1951-80. Já o crescimento da produtividade despencou, de 2,9% ao ano para 0,2% ao ano na mesma comparação.

Luiz Carlos Azedo - O cavaleiro húngaro

Correio Braziliense

Bolsonaro ‘manobra’ para arrastar as Forças Armadas ao confronto com o Supremo, antes das eleições, porque não existe disposição de interferir no resultado do pleito

O confronto entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) agravou-se ainda mais, ontem, com os ataques e ameaças do presidente ao ministro Alexandre de Moraes, por sua inclusão no inquérito das fake news, o que provocou dura reação do presidente da Corte, Luiz Fux, que era até agora uma voz cautelosa e moderada na Praça dos Três Poderes. Bolsonaro prossegue a escalada para provocar uma crise institucional e mudar as regras do jogo das eleições de 2022, apoiando-se nas Forças Armadas e na sua aliança com o Centrão.

O presidente quer precipitar uma crise institucional para subjugar o Supremo Tribunal Federal (STF) e limitar o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições, com adoção do voto impresso e descentralização da apuração das eleições, que voltariam a ser feitas nas juntas das seções eleitorais, terreno fértil para atuação das milícias, dos traficantes e de falanges políticas armadas, para tumultos e fraudes. A proposta está em discussão na Câmara, cujo presidente, deputado Arthur Lira (PP- AL), acompanha a crise de camarote. E aproveita para aprovar a agenda de interesses comuns de Bolsonaro e do Centrão, embora muitas propostas acabem barradas, esvaziadas ou mitigadas pela oposição em complicadas negociações e votações. Uma terceira via está sendo construída no Congresso.

Bolsonaro explora as insatisfações da cúpula militar com o STF por causa da anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje favorito nas pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022. Sua atuação lembra um episódio da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que conflagrou a Europa, no qual um pequeno grupo de 45 cavaleiros húngaros, com suas armaduras, durante seis meses aterrorizou o condado de Flandres, a região flamenca da Bélgica. O jornalista e cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Oliveiros S. Ferreira, já falecido, inspirado nesse episódio, que é citado pelo pensador italiano Antônio Gramsci nos Cadernos do Cárcere, escreveu um livro sobre o conceito de hegemonia no qual repete a indagação: Como o conseguiram? Como e por que o grande número, mais forte, se submete ao pequeno?

Pedro Doria - Bush vs. Gore, versão brasileira

O Globo / O Estado de S. Paulo

Um adulto de 25 anos — e mesmo alguns de 30 ou mais — não tem memória de como eram as eleições no Brasil antes da urna eletrônica. Nosso histórico de fraudes é vasto. Não era raro, na Primeira República, presidentes eleitos com margens de ditadura árabe, para lá dos 90% dos votos. O velho Rui Barbosa, sempre o outsider concorrendo fora do esquema dos coronéis, que o diga. Mesmo na Nova República não havia eleição sem história de fraude. Não é este, porém, o debate que o presidente Jair Bolsonaro está levantando quando ataca as maquininhas do TSE. Ele está, em verdade, recauchutando de forma mambembe o antigo preconceito contra tecnologia digital. Um preconceito pelo qual a sociedade já passou e que dispensou. É como se o computador fosse uma caixa mágica e misteriosa. Melhor mesmo confiar no papel, que é seguro.

Não é um problema novo, tampouco misterioso. Qualquer consultoria de primeira linha passou a primeira década deste século, talvez os primeiros anos da década seguinte, ajudando empresas a enfrentar justamente essa dúvida. Quando preciso manter uma trilha em papel dos documentos que produzo — com assinaturas, com carimbos, só para ter certeza de que tudo estará lá quando for preciso? Mas já faz uns dez anos que a pergunta se tornou obsoleta.

Flávia Oliveira - No ataque, Jair e Paulo

O Globo

Enquanto o Brasil afunda em crises, o presidente da República e o ministro da Economia inventam problemas. E inimigos. Agem para disfarçar a responsabilidade que têm no ambiente de terra arrasada que engolfa o país na saúde e na educação, no meio ambiente e no mercado de trabalho, na renda e na miséria. Até a inflação voltou, o que levou o Banco Central a elevar a taxa de juros em 1 ponto percentual, algo que não acontecia desde 2003, quando a Selic era medida em dois dígitos. Popularidade desidratada, gestão fracassada, resta a Jair Bolsonaro a verborragia golpista expressa em ataques ao processo eleitoral, à urna eletrônica, a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Paulo Guedes, incapaz de produzir política pública para aplacar desemprego, informalidade, desalento, tenta desqualificar o IBGE e a Pnad Contínua, pesquisa de metodologia referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Quando a aventura de extrema direita do Brasil com Bolsonaro chegar ao fim, haverá um país inteiro a reconstruir. Dois anos e sete meses de governo foram suficientes para escancarar a fragilidade da redemocratização. Com canetadas, o mandatário viúvo da ditadura pôs fim às artérias de interlocução da sociedade civil com a União, nomeou auxiliares orientados ao desmonte de órgãos e regulação (Ibama, Fundação Palmares e o rebaixado Ministério da Cultura são exemplos dramáticos), aparelhou instituições de Estado, como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.

Rogério Furquim Werneck - Pedalada Olímpica

O Globo / O Estado de S. Paulo

A entrega da 'alma do governo' ao Centrão deu mais nitidez às proporções da farra fiscal que está sendo tramada para 2022

Alega o ministro da Economia que só agora, no início do oitavo mês do ano da graça de 2021, se deu conta de um terrível “meteoro” prestes a colidir com a condução da política fiscal, em Brasília: uma conta inesperada de R$ 89 bilhões de dívidas judiciais a ser paga no ano que vem, R$ 35 bilhões acima da que está sendo paga este ano.

A alegada surpresa não parece ter sido mais que espalhafato deliberado para dramatizar o “disparo de um míssil” contra o “meteoro”, solução que o ministro agora preconiza para se livrar do entalo fiscal em que se meteu: um calote a céu aberto das dívidas judiciais que teriam de ser pagas em 2022.

Dívidas judiciais, também conhecidas como precatórios, decorrem de sentenças em que o governo foi condenado, em caráter irrecorrível, a ressarcir perdas que infligiu a particulares ou governos subnacionais.

Uma correção de salário de um funcionário. Um reajuste de aposentadoria não concedido. Um carro destruído por um caminhão do governo. Um imóvel desapropriado por valor injusto. Um tributo pago indevidamente. Um governo subnacional que discorda dos valores de repasses a que teria direito.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

O presidente sem freios

O Estado de S. Paulo

Ao fazer ameaça de golpe, Jair Bolsonaro joga fora das “quatro linhas” constitucionais. Desgovernado, ele só vai parar ao colidir contra o muro das instituições

O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor” do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro, contudo, são freios.

Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.

Trata-se de explícita manifestação golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e institucional confere às suas palavras.

Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva presidente.

Foi precisamente por essa razão que, na quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde 2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar o Supremo e o TSE.

Como agora se tornou muito claro, o presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um complô das Cortes superiores.

Foi esse pronunciamento que motivou a notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a, finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”

Poesia | Fernando Pessoa - Vem, noite

 

Casuarina /Teresa Cristina - Dia de Graça (Candeia)