quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Merval Pereira - Recados a Bolsonaro

O Globo

Bolsonaro alegar que venceu a eleição do voto impresso é a mesma coisa de Lula dizer que foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com os 229 votos a favor, faltaram ao governo 79 para obter o quórum de 308 votos necessário para aprovação de uma emenda constitucional. Dizer que metade da Câmara votou a seu favor é uma falácia, pois, aos 218 votos contrários, devem ser somados os 66 votos de abstenção, que na prática prejudicaram o governo.

Mesmo que a maioria desses deputados que não tiveram coragem de assumir posição na votação em plenário seja a favor do voto impresso, não haveria voto suficiente para aprovar a emenda. Dito isso, é preciso admitir que o resultado foi muito maior para o governo do que se esperava — e não permite que se dê por encerrado esse debate extemporâneo.

Muitos deputados do PP e do PL, expoentes do Centrão, votaram contra o governo. Mas muitos de PSDB, PSB, Novo, supostamente de oposição, votaram com o governo, o que dá bem a dimensão da bagunça partidária que está instalada na Câmara. Para aumentar ainda mais a confusão, o presidente da Câmara, Arthur Lira, deu uma mãozinha a Bolsonaro falando, logo depois de terminada a votação, que agora é hora de juntar as lideranças partidárias para conseguir aperfeiçoar a segurança da urna eletrônica, o que, por si só, impede o encerramento da discussão como ele havia anunciado.

Malu Gaspar - O xadrez de Lula com os militares

O Globo

Depois de semanas de calculada discrição a respeito da escalada dos militares sobre as instituições democráticas, Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou na última terça-feira nas redes sociais sobre o desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios. “Isso que aconteceu hoje foi uma coisa patética. Se o Bolsonaro queria uma foto com militar era só ter visitado um quartel”, escreveu.

A frase, porém, era só parte de uma sequência de tuítes em que Lula dedicava mais tempo a se explicar que a debater o simbolismo de tanques e fardados na Praça dos Três Poderes, no dia da decisão da Câmara sobre o voto impresso. “Eu não fico entrando toda hora em briga desnecessária porque isso só interessa ao Bolsonaro. Ele cria confusão pra ocupar espaço na mídia. É o jeito dele governar. O que eu quero discutir são os milhões de desempregados nesse país, o povo que tá sofrendo, passando fome”, escreveu.

As postagens foram uma resposta às pressões que o petista vem sofrendo, na esquerda e fora dela, para se posicionar. Lula se calou quando veio à tona que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou recados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugerindo que, se não fosse aprovado o voto impresso, não haveria eleições. E tem feito comentários econômicos sobre os militares e as Forças Armadas, nas poucas entrevistas que dá, a veículos selecionados. As pressões são mais do que naturais, uma vez que o ex-presidente é hoje o político que mais tem chances de derrotar Bolsonaro em 2022.

Míriam Leitão - Confusões de uma agenda eleitoreira

O Globo

A reforma do Imposto de Renda teve três versões em 30 dias e nenhuma delas passou por comissões ou foi debatida antes de ser pautada para plenário. Só não foi votada ontem porque foi atropelada pelo projeto da reforma eleitoral. A PEC dos precatórios é uma pedalada, cria uma contabilidade paralela fora do Orçamento e muda a regra de ouro. O Bolsa Família pode virar um programa no qual vários outros são pendurados, perder o foco e parte do mérito que o tornou um programa simples e eficiente. A reforma do IR, a PEC dos precatórios e a mudança do Bolsa Família têm algumas coisas em comum: foram mal formulados, fazem parte de uma agenda hiperativa que traz mais distorção do que solução.

Está sendo difícil acompanhar as mudanças frequentes em projetos que tramitam de afogadilho na Câmara, sob a gestão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ontem, o último texto da reforma do Imposto de Renda foi apresentado de madrugada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) para ser votado em menos de 24 horas sob regime de urgência, dispensando os debates em cinco comissões. E uma das novidades foi a redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido para compensar a queda menor do IRPJ. Ao fim, a votação foi adiada, atropelada por outro projeto, também sem pé nem cabeça, das regras eleitorais do país.

Luiz Carlos Azedo - O sapo barbudo

Correio Braziliense

Bolsonaro explora o descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas

Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem de votos, inconformado com a derrota.

As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.

Ricardo Noblat - Bolsonaro mente sobre o resultado da votação do voto impresso

Blog do Noblat / Metrópoles

E seguirá até a próxima eleição dizendo, sem provas, que o voto eletrônico permite fraudes

Só o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, acreditou no que lhe disse o presidente Jair Bolsonaro sobre aceitar pacificamente fosse qual fosse a decisão dos deputados sobre o restabelecimento do voto impresso. Lira confundiu o que queria que acontecesse com o que de fato poderia acontecer.

E aconteceu o que até os apontadores do jogo do bicho da Esplanada dos Ministérios estavam cansados de saber: Bolsonaro não se conformou. Recusou-se a admitir que foi derrotado, voltou a dizer que o voto eletrônico é permeável a fraudes, e deixou claro que não abrirá mão do discurso a favor do voto impresso.

Ministros do governo consideram possível buscar um diálogo com o Tribunal Superior Eleitoral para construir uma alternativa ao que chamam de auditoria das urnas eletrônicas. E por que não o fizeram antes? E por que o presidente, antes de atacar ministros do Supremo Tribunal Federal, não buscou o diálogo?

Balela! O sistema de votação eletrônica vem sendo aperfeiçoado desde que foi implantado há 25 anos, e assim continuará. Bolsonaro quer fazer do voto impresso uma espécie de antídoto contra sua eventual derrota na eleição do ano que vem. Se perder dirá que foi roubado. Se ganhar, simplesmente não dirá nada.

Maria Cristina Fernandes - Tutela do bolsonarismo em disputa

Valor Econômico

Lira e Ciro revelaram ambição de substituir Supremo na tarefa

Não foi uma surra. Apenas a reversão daquela que o presidente Jair Bolsonaro havia levado na comissão especial que analisou a proposta de emenda constitucional do voto impresso (23 x 11). A PEC não ultrapassou o sarrafo (308 votos), mas Bolsonaro pode dizer que conseguiu mais votos (229) do que seus opositores (218). Já pulou da cama com o discurso pronto.

A vitória foi da dupla formada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que agora se arvoram a tutores do bolsonarismo. O primeiro não podia ver a PEC ser aprovada sob o risco de quebrar sua promessa aos partidos de que a levaria ao plenário para dar mais respaldo à derrota do presidente.

O segundo não poderia ver repetido o placar da comissão sob o risco de Bolsonaro se perguntar o que exatamente foi fazer na Casa Civil, visto que já se mostrara inútil nas arestas com o Judiciário.

A tática de distribuir os ovos nas cestas ficou explicitada com a votação do círculo mais próximo de Ciro Nogueira no PP. Sua mulher, Iracema Portela (PI), votou a favor da PEC. O mais leal de seus correligionários, Eduardo da Fonte (PE), votou contra. E o presidente interino do partido, André Fufuca (MA), se ausentou.

Com o placar, Lira e Ciro ainda esfregaram na cara dos descontentes que é inútil falar em impeachment. Usarão os 229 votos como a trincheira de votos contra a interdição do presidente. Bastam 172 deputados para manter seu mandato.

William Waack - O limite da obediência

O Estado de S. Paulo

Militares acham que uma ordem tresloucada de Bolsonaro passou a ser uma probabilidade

Depois do espetáculo deprimente do “desfile” militar de terça-feira ganhou corpo nos altos escalões das Forças Armadas a discussão sobre os limites de obediência ao Napoleão que transformou o Planalto num hospício. Alguns oficiais participantes desse debate (em reuniões formais e, principalmente, por grupos fechados em redes sociais) lembram o princípio consolidado na “Führungsakademie” do Exército alemão, que equivale à Escola de Comando e Estadomaior do Exército brasileiro.

É o da “Innere Führung” – traduzido livremente como “conduta moral” – desenvolvido como premissa do rearmamento da então Alemanha

Ocidental nos anos 50 e da educação de todos seus líderes militares. Esse princípio estabelece que o militar é tão somente um “cidadão em uniforme”, e que deve se orientar por valores éticos e morais pertinentes a um estado democrático e de direito, e não pela obediência cega a ordens superiores (que não deixa de ser elemento essencial no funcionamento operacional de forças armadas).

Admite-se nesses círculos que o “desfile” foi uma desmoralização para as Forças Armadas e que Bolsonaro é “inassessorável” – eufemismo para “incontrolável”. Na cabeça desses oficiais superiores uma ordem tresloucada dele deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma probabilidade.

Luiz Paulo Costa* - Em defesa da soberania popular e nacional

O que menos se observa nas propostas de alterações do sistema eleitoral e das eleições em discussão na Câmara dos Deputados para serem adotadas já em 2022 é a preocupação com a defesa e o fortalecimento da soberania popular, isto é, de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” como escrito no Parágrafo Único do Artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil.  E os deputados federais e estaduais, bem como os vereadores, são os legítimos representantes da soberania popular em suas casas legislativas. Porém as propostas mais debatidas estão longe de defender a soberania popular.

Superada a discussão do voto eletrônico, seguro e auditável, com a derrota e o arquivamento da proposta do voto impresso que, nesta ocasião, apenas servia aos propósitos golpistas do presidente Jair Bolsonaro, a mais discutível é a proposta do “distritão” com a eleição dos deputados federais e estaduais mais votados por estado, excluindo os demais eleitores da eleição pelo voto proporcional que garante a participação das minorias. O que levou o presidente do Senado a avisar que lá não vai ser aprovada. Até porque os senadores são os legítimos representantes dos estados. 

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Volta às aulas?

Quanto tempo falta para os encontros presenciais nas aulas para milhões de crianças e jovens da educação básica no Brasil e no mundo? Para o governo federal e alguns outros até já se diz que aquilo que chamam de volta já deveria estar acontecendo. O Ministro da Educação insistiu dias atrás que sim, de que não há perigo de contágio, embora a vacinação das crianças e adolescentes não tenha sequer começado. Da mesma forma, os demais governantes dizem que o retorno será em determinadas condições: escalonado, com distância nas salas de aula, híbrido, para as escolas que atendam aos requisitos de redução de risco, com ventilação, máscaras faciais, álcool em gel, enfim, com tudo que a boa ciência indica e aponta. Só que junto disso se acumulam as bobagens de que dá a sensação de que estamos com o sinal verde para tudo e todos.

As pessoas no Brasil, como em muitas outras coisas, têm sentimentos confusos sobre as políticas educacionais oficiais durante a pandemia e sobre a dita volta iminente às aulas presenciais. Não temos pesquisas que mostrem o que a maioria dos brasileiros deseja. O sentimento equivocado em favor da volta às aulas presenciais parece ser consenso. E a confusão persiste e sua residência na conjunção de presencialmente e à distância é uma constante. Será que vamos mandar nossas filhas e filhos para a escola, ou vamos mantê-los em casa, supostamente tendo aulas online? Aliás, será que se tivéssemos uma pesquisa a respeito do assunto ela revelaria que os pais diriam que seus filhos completariam realmente seu ano letivo online? Por alguma razão, a questão de saber se os pais enviaram ou não suas filhas e filhos para as escolas precisa ser feita para ser uma baliza de ponderação e é tão urgente e necessário em face ao contexto pandêmico e sua difícil relação com a educação e não só.

José Serra* - Semipresidencialismo, um debate inevitável

O Estado de S. Paulo

O regime misto pode resultar no melhor ou no pior de dois mundos, não há meio-termo

Parlamentarismo e presidencialismo são sistemas de governo excludentes. No parlamentarismo, o chefe do Executivo é eleito, fiscalizado e substituído pelo Parlamento. No presidencialismo, é eleito diretamente pelos cidadãos, fiscalizado e eventualmente afastado por um Parlamento eleito por um sistema independente de voto.

No parlamentarismo, o Legislativo é o único representante legítimo da soberania popular. Já no sistema presidencialista, dois representantes igualmente legítimos exercem a soberania. Logo, o presidencialismo é intrinsecamente conflituoso.

Sendo opostos e excludentes, os sistemas de governo mistos de parlamentarismo e presidencialismo são produto de artifícios institucionais. O resultado dessa mixórdia pode ser um monstro ou um remendo duradouro, como se pode inferir da história dos sistemas políticos. O regime misto pode resultar no melhor ou no pior de dois mundos, não há meio-termo.

Quando se fala hoje de adoção do semipresidencialismo, surge uma reação que parece ter por objeto impor uma censura total à discussão do tema. Quem descarta qualquer debate sobre a oportunidade de alterar o atual regime de governo ignora a crise do presidencialismo, que se tem manifestado de maneira intermitente desde a restauração das eleições presidenciais diretas, com escolha de Fernando Collor, em 1989.

Eugênio Bucci* - Universidade sitiada

O Estado de S. Paulo

Ou assume a defesa da liberdade acadêmica, ou será apenas obediente, como quer o ministro

No dia 23 de outubro de 1975, Ana Rosa Kucinski Silva, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), foi demitida por “abandono de função”. Um ano e meio antes, em 22 de abril de 1974, aos 32 anos, havia caído nas mãos da repressão da ditadura, que fez dela uma desaparecida política. Mesmo assim, a burocracia universitária, solícita para cima e implacável para baixo, resolveu demiti-la de forma desonrosa. Colegas de Ana Kucinski protestaram – aos resmungos, como era possível naqueles tempos –, mas não houve jeito. A militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), depois de perder a vida nas masmorras, perdeu o título de professora da USP. Sua demissão, com carimbos e rubricas sobre papel timbrado, marcou de vergonha a história da USP.

Naqueles anos de chumbo, até mesmo empresas privadas encontraram maneiras de proteger seus empregados perseguidos pelos órgãos de segurança do regime. Jornalistas de esquerda escaparam da morte porque contaram com a ajuda não só de seus camaradas, mas também de seus patrões. Na USP, entretanto, não foi assim. Já nas primeiras listas de cassação, os medíocres invejosos comemoravam, silentes, nutrindo seu carreirismo estulto. É possível que, no episódio Ana Kucinski, algum sabujo tenha confidenciado em surdina algo como: “Mas ela também era muito radical”. Outro talvez tenha aconselhado os pares a não “afrontar” ou “arrostar” os militares. Foi um desastre indigno e voluntário. Ao se dobrar para os camburões e os coturnos, a USP entregou mestres e estudantes aos cachorros, que depois os abandonaram aos abutres.

Adriana Fernandes - Arrastão econômico

O Estado de S. Paulo

Esse desfile atropelado de projetos está incendiando o mercado

Trata-se de um arrastão a articulação do Centrão e do governo para “tratorar” a votação dos projetos econômicos e conseguir espaço para gastar mais durante o ano de eleições de 2022, enquanto tanques militares desfilam nas ruas de Brasília.

Proposta de Emenda à Constituição para parcelar o pagamento de precatórios e empurrar a dívida para o futuro, além de troca no índice de correção; fim do programa Bolsa Família e criação do Auxílio Brasil; parcelamento amplo e generoso de débitos tributário (Refis); pacotão do emprego; mudanças nas regras trabalhistas; projeto do Imposto de Renda com queda de arrecadação; drible nas leis fiscais para obter vantagens eleitorais. Parlamentares votam todos os dias projetos com mais de 100 páginas, boa parte sem nem saber o alcance do que estão apoiando.

Todos os projetos de alto impacto vêm sendo apresentados e votados ao mesmo tempo em que o presidente Jair Bolsonaro renova, todos os dias, os ataques às urnas e pede a volta do voto impresso. Os votos favoráveis que a PEC do voto impresso teve – surpreendendo muitas pessoas – sem dúvida nenhuma passam pelas negociações desse mutirão de projetos.

Celso Ming - Por que a inflação é mais alta no Brasil?

O Estado de S. Paulo

Há algo mais do que tem sido dito e escrito que precisa ser entendido como causa dessa inflação renitente que vai minando a saúde econômica do Brasil.

Os números de julho levantam graves indagações. Foram de avanço do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 0,96% no mês, que acumulou 4,76% nesses primeiros sete meses de 2021, ano em que a meta oficial é de 3,75% (com 1,5% de margem de tolerância). E foram de nada menos que 8,99% em 12 meses. 

É verdade que agora temos a bandeira vermelha patamar 2 nas tarifas de energia elétrica, que contribuiu para o avanço de 7,9% da conta de luz em julho. É mais uma pancada que pressiona o custo de vida e o orçamento familiar do brasileiro médio neste ano.

Os outros fatores que concorreram para a esticada da inflação são mais ou menos conhecidos: foi a alta dos alimentos puxada, ao mesmo tempo, pela disparada das cotações das commodities, pela seca que assola o Centro-Sul do Brasil e, a partir de julho, pelo frio intenso que prejudicou pastagens e plantações.

Não foi desprezível o avanço dos preços dos derivados de petróleo (alta de 27,5% na gasolina e 25,7% no óleo diesel em 2021); o avanço de 20,8% no preço do gás de cozinha de janeiro a julho; a escassez de insumos e de matérias-primas da indústria, provocada pela retomada da atividade econômica; e o aumento da demanda que se seguiu ao avanço da vacinação contra a covid-19.

Maria Hermínia Tavares* - Colecionador de derrotas

Folha de S. Paulo

No mesmo dia, o patético desfile de dez minutos e o voto impresso rejeitado

Como um rojão molhado que dá chabu, o patético desfile de fumarentos blindados por Brasília, com o qual o presidente imaginava intimidar o Congresso, durou dez minutos, não assustou ninguém e exumou no exterior a imagem do Brasil como república bananeira.


Horas depois, por insuficiente apoio, o projeto do voto impresso foi parar na proverbial lata de lixo da história. Mais uma vez, as instituições políticas prevaleceram sobre as pulsões autoritárias de Bolsonaro. Agora, coube à Câmara —fragmentada em 24 partidos, majoritariamente de direita e liderada por um político governista— rechaçar as suas investidas contra o seguro sistema de votação eletrônica.

É notório que o ex-capitão abomina as regras e valores da democracia representativa. Também se sabe que ele gostaria de reduzi-la a um ritual plebiscitário de consagração de um governo sem limites e sem oposição: uma autocracia eleitoral, como dizem os analistas. Nesse caminho —e apesar de seus arreganhos—, ele só tem colecionado derrotas.

Bruno Boghossian - O baile bolsonarista

Folha de S. Paulo

Com derrota do voto impresso, presidente mantém ataques e prova que não vai seguir regras mínimas

Às vésperas da votação que enterrou a proposta do voto impresso, o presidente da Câmara afirmava que os Poderes deveriam dançar "sem pisar no pé de ninguém". "Assim é um baile bom, assim é a vida", afirmou Arthur Lira, numa visão excessivamente otimista da harmonia entre o Congresso e o Palácio do Planalto.

Jair Bolsonaro já meteu o coturno nas canelas de meia República, mas continua sendo convidado para os arrasta-pés de Brasília. Desde o início deste mandato, o mundo político vende a versão de que é possível convencer o presidente a atuar dentro das regras mínimas da democracia. Ele mesmo, no entanto, faz questão de provar que não há a menor chance de isso ocorrer.

Ruy Castro - Peidando Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Tudo que se engole se expele, e o Brasil já o engoliu por mais tempo que o estômago pode suportar

Em 1997, ao ganhar a Copa América pelo Brasil, derrotando ao mesmo tempo a Bolívia, a altitude de La Paz e os que o chamavam de gagá, Zagallo desabafou aos microfones: “Vocês vão ter de me engolir!”. Bem, não era tão difícil engolir o Zagallo. Muita gente já teve de engolir coisa pior.

Em 1952, na boate Vogue, empolgado com a interpretação de seu samba-canção “Risque” por Linda Batista, Ary Barroso não viu que seu prendedor de gravata caíra dentro do copo de uísque e mandou-o para dentro, de um gole. Anos depois, Sammy Davis Jr,, não se sabe como, engoliu seu próprio olho de vidro. Em 1961, ao se apresentar num clube de Buenos Aires, Maysa engoliu seu roach —disfarçou dizendo que ele caíra debaixo do piano de Luizinho Eça. E Barbara Shelley, famosa atriz dos filmes de vampiro nos anos 60, engoliu numa cena as presas com que iria ao pescoço de Peter Cushing.

Há tempos, minha amiga Soraya Ravenle, supercantora, ao fazer a parte do português numa interpretação de “Não Quero Saber Mais Dela”, de Sinhô, engoliu o bigode do personagem. Na mesma época, em show no México, Roberto Carlos engasgou ao engolir uma mosca —a mosca também engasgou ao ser engolida por ele. E já aconteceu de lutadores de ultimate fighting engolirem seus protetores de dentes.

Conrado Hübner Mendes* - A Blitzkrieg de Arthur Lira

Folha de S. Paulo

Autoritarismo legislativo faz definhar o direito de oposição democrática

O cinismo político não dispensa um jargão. Uma das palavras na ponta da língua do cínico político é “modernização”. Quando ele propõe reformas sob o signo da modernização e se cala sobre as objeções, pode-se apostar no caráter antimoderno do projeto. Tem sido essa a agenda de Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados: reformas marcadas pelo autoritarismo do procedimento e regressividade da substância.

Em maio, a Câmara aprovou mudança no regimento para minimizar o apelidado “kit obstrução”. Lira explicou: “A modernização do regimento interno vai qualificar o debate e aumentar —ao invés de diminuir— o tempo de discussão das matérias”.

“Kit obstrução” é um disfemismo do jargão parlamentar, um eufemismo invertido que, em vez de suavizar termo incômodo, serve para depreciar e distorcer o conceito que o termo carrega. Assim como seu primo, o “kit gay”, o kit obstrução foi estratégia retórica bem-sucedida para estigmatizar direitos procedimentais da oposição e das minorias. Por meio desses direitos, podia-se desacelerar o passo e estender participação e deliberação da sociedade.

Câmara aprova volta das coligações e derruba o distritão

Texto limita a capacidade da Justiça Eleitoral de influir no pleito ao impor princípio da anualidade

Por Raphael Di Cunto / Valor Econômico 

BRASÍLIAA Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 339 a 123, a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma eleitoral e determinou a volta das coligações proporcionais em 2022. Um acordo previa a votação dos itens mais polêmicos do texto em separado. A criação do “distritão” foi derrubada por meio de um entendimento entre os partidos, após um requerimento apontar que não havia votos suficientes para mudar o sistema. O texto precisa ser confirmado pelo Senado até 2 de outubro.

O projeto estabeleceu ainda outras regras: os votos em candidatos negros e em mulheres nas eleições para a Câmara em 2022, 2026 e 2030 contarão em dobro no cálculo para distribuição de dinheiro dos fundos partidário e eleitoral, numa medida para estimular a participação desses grupos na política; e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) terão que respeitar o princípio da anualidade nas decisões que influenciarem o processo eleitoral.

Além disso, a PEC reduz o número de assinaturas para projetos de iniciativa popular para 100 mil, permite a realização de plebiscitos junto com eleições, proíbe que a data da eleição caia próxima de feriado, inclui os senadores na conta para que os partidos superem a cláusula de desempenho e muda a data de posse do presidente da República será transferida de 1º de janeiro para o dia 6 e dos governadores, para o dia 5, a partir de 2027.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Centrão apara as arestas da derrota de Bolsonaro

Valor Econômico

Votação mostra que muitos deputados estão dispostos a dar o benefício da dúvida ou desdenhar as sérias ameaças contra a democracia

A Câmara dos Deputados rejeitou o voto impresso, cuja ausência é hoje o pretexto principal do presidente Jair Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral de 2022 e refutar de antemão seu resultado. Sua tentativa de intimidação do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, com um desfile mambembe de 40 blindados da Marinha até a Praça dos Três Poderes e a presença dos comandantes das Forças Armadas, produziu forte reação política contrária. À noite, o Senado votou a revogação da Lei de Segurança Nacional e seu repúdio ao voto impresso deve ser mais firme que a reação moderada da Câmara, onde 229 deputados votaram a seu favor e 218 contra -eram necessários 308 votos para a aprovação.

Não será um revés a mais que inibirá o presidente de tentar desmoralizar as eleições e permanecer no poder, como suas declarações ontem mesmo comprovaram. A articulação para a votação no Legislativo e seu resultado mostraram que Bolsonaro ainda tem espaço e apoio para continuar com seu trabalho de enfraquecer a democracia e abrir caminhos para uma saída autoritária.

Na jornada de terça-feira nada foi exatamente o que pareceu ser. A demonstração militar buscada pelo presidente não foi apenas o fiasco que um blindado vazando óleo faz crer. Pela primeira vez desde a redemocratização, ainda que fazendo uso de data fixada com antecedência para manobras tradicionais programadas da Marinha, houve blindados desfilando a pedido do Executivo para intimidar os demais poderes da República. O governo sabia que sairia derrotado na disputa do voto impresso na Câmara, mas sequer cogitou um recuo de última hora. A mídia estrangeira resumiu bem a intenção do presidente e a coreografia patética que a acompanhou - são típicas de uma república de bananas.