segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Fernando Gabeira - Pesadelos de agosto

O Globo

Agosto é um estranho mês, todos sabemos no Brasil. Por que não o seria sob Bolsonaro, que em si já é um estranhíssimo governo?

Numa noite dessas de agosto, vi nas redes um cantor sertanejo nos ameaçando de caos e até fome se não adotássemos o voto impresso.

Na minha santa ignorância, perguntei: mas o que pensa o outro?

Achava que os cantores sertanejos sempre se apresentam em dupla, mas o autor da ameaça faz uma carreira solo. Achava também que cantam amores perdidos, a natureza, um pé de serra, um animal de estimação.

O cantor se dizia ligado aos caminhoneiros, daí o caos e a fome que se espalhariam pelo país. Minha perplexidade foi ainda maior: diesel e gasolina aumentam desde o princípio do ano, o etanol já está 34% mais caro. Merecíamos um castigo tão grande, por optar pela votação eletrônica?

Tenho sonhado muito nos últimos anos. Todas as noites, sonhos disparatados, mas — o que fazer? — sonhos adoram o absurdo.

Sinceramente fiquei com medo de dormir e sonhar com a multidão pedindo a volta dos orelhões com fichas nas bancas de jornal. Ou numa hipótese mais radical, cartazes exigindo a volta do Rhum Creosotado, aquele dos famosos anúncios nos bondes de antigamente.

Carlos Pereira - Sem chance de vencer

O Estado de S. Paulo

Com a expectativa de derrota, a martirização passa a ser a estratégia de Bolsonaro

Conflitos políticos entre o Executivo e o Judiciário existem em qualquer democracia. Entretanto, eles somente evoluem para crises institucionais quando os poderes da outra instituição são ameaçados. Tais crises geralmente ocorrem quando existe a combinação de um Executivo constitucionalmente forte e, ao mesmo tempo, politicamente fraco. Ou seja, que não desfruta de maioria estável no Legislativo, no Judiciário ou em ambos, e por isso experimenta sucessivas derrotas a despeito dos seus poderes.

Diante dessa combinação desfavorável, presidentes podem, por exemplo, se sentir tentados a alterar a composição da Suprema Corte, seja por meio do aumento do número de juízes ou pela exclusão de alguns deles por iniciativas de impeachment.

No artigo “The origins of institutional crises in Latin America”, Gretchen Helmke propõe um modelo para explicar como crises interinstitucionais acontecem e quais as chances de uma instituição agressora obter sucesso na fragilização da instituição agredida.

Para a autora, existem três elementos interconectados neste jogo estratégico. O primeiro seria a diferença significativa de poder entre as instituições agredida e agressora, o que Helmke chama de Stakes. Isto é, quanto maior o poder institucional do Judiciário vis-à-vis os poderes do Executivo, maior os incentivos para a agressão. O segundo elemento seria o custo de legitimidade dos ataques, medidos com base na confiança da sociedade nas instituições envolvidas no conflito. O terceiro seria a expectativa de cada parte envolvida acerca das chances de sucesso da instituição agressora.

Marcus André Melo* - Três mitos sobre a reforma política


Folha de S. Paulo

Caso as coligações sejam aprovadas não retornaremos ao status quo anterior à reforma

Há três erros interpretativos em relação à reforma política. O primeiro é que seria produto da ação de legendas de aluguel. O segundo é que o distritão seria apenas um bode na sala para garantir o retorno das coligações proporcionais. Mas como iniciativas que contaram com um arco de apoio tão amplo poderiam refletir os interesses de uma pequena minoria?

A rigor, todos os partidos são pequenos ou nanicos: não há outra democracia na qual os dois maiores partidos têm apenas 10% das cadeiras nas assembleias nacionais.

Os parlamentares têm três opções: distritão (D), volta das coligações (C) e o status quo atual (SQ). Em tese, o distritão seria first best para 94% dos parlamentares que não alcançaram o quociente eleitoral e que não teriam mais que montar chapas com outros partidos.

Seus partidos poderiam utilizar os fundos partidário e de campanha para seus próprios candidatos. Afinal 2/3 das bancadas estaduais são coleções de partidos com no máximo dois representantes. O ordenamento de preferências para esse grupo é D>SQ>C, embora para vários deputados as coligações são preferidas à regra atual (C>SQ).

Celso Rocha de Barros – Desperdiçamos a alta da commodities

Folha de S. Paulo

Ao eleger Bolsonaro, decidimos desperdiçar meio ano de cenário externo favorável

Ao que tudo indica, a alta das commodities com que Bolsonaro contava para vencer a eleição do ano que vem foi que nem o Sérgio Reis: chegou cheia de marra, mas entrou em depressão ao menor sinal de dificuldade.

Os preços de produtos que o Brasil tem para vender, como petróleo e aço (as commodities), caíram bastante no mercado internacional; mesmo se não continuarem caindo, não devem voltar a subir no ritmo em que vinham subindo, e podem ficar mais voláteis.

Quem manteve os preços altos nesses seis, sete meses foi a recuperação mundial pós-Covid, que corre o risco de ser menos robusta do que se pensava. Os Estados Unidos anunciaram que podem interromper em breve os estímulos à economia que adotaram durante a pandemia, e há dúvidas sobre a velocidade da recuperação na China.

Não foi o governo Bolsonaro que causou nem a alta nem a queda dos preços das commodities. Vale a pena, porém, investigar o que o Brasil fez durante esses seis meses de cenário externo favorável.

Roberto Padovani* - O fim do ciclo de reformas

Valor Econômico

As reformas são um sintoma de crise aguda e não um padrão de comportamento do sistema político

O Brasil viveu, nos últimos cinco anos, um importante ciclo de reformas. A partir de agora, no entanto, a superação da crise faz com que os avanços institucionais voltem a ser lentos e incrementais, como é o padrão. A atual tramitação da reforma tributária é um bom exemplo.

Desde 2016, reformas difíceis e polêmicas têm caminhado mesmo com pandemia, transição política, governos mal avaliados e problemas de coordenação no Congresso. É sempre possível dizer que as mudanças não tiveram o desenho ideal ou a rapidez necessária, mas são raros os momentos na história brasileira com tantos avanços.

Além da limitação constitucional do gasto público e melhorias institucionais no mercado de crédito, foram aprovadas as reformas trabalhista e da previdência, o cadastro positivo, as leis de falências e de licitações, a autonomia do Banco Central e os novos marcos regulatórios do gás e do saneamento. Não é pouca coisa.

Apesar de haver uma tendência natural de se associar a agenda reformista a escolhas pessoais das lideranças políticas, a explicação para este ciclo está na longa e profunda recessão de 2014. A contração acumulada nos anos de 2015 e 2016 foi a maior dos últimos 120 anos, levando a quedas na renda e a dificuldades financeiras das empresas. O resultado foi um claro aumento da tensão social.

Sergio Lamucci - Piora o cenário para o crescimento e a inflação

Valor Econômico

As apostas para a expansão do PIB em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos

O cenário para a economia brasileira na segunda metade deste ano e no ano que vem piorou consideravelmente. A avaliação dominante hoje é de um quadro combinando menos crescimento e mais inflação, especialmente devido às incertezas fiscais e políticas produzidas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Os juros de longo prazo superam 10% ao ano, como se vê nas taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de 2031, e o câmbio está mais desvalorizado. Na semana passada, o dólar chegou a ser negociado a R$ 5,45, fechando na sexta-feira cotado a R$ 5,38. Pela solidez das contas externas, com saldos comerciais elevados, a moeda americana poderia estar abaixo de R$ 5.

Essa piora significativa de ativos como os juros e o câmbio joga para baixo as perspectivas para a atividade econômica. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem estimativas na casa de 5% ou um pouco mais.

O câmbio mais depreciado dificulta a já complicada tarefa do Banco Central (BC) de combater a inflação, exigindo juros mais altos por mais tempo. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75% deste ano. Para o ano que vem, cresce a possibilidade de um IPCA de 4% ou mais, também superior à meta de 2022, de 3,5%. Com isso, o BC terá de elevar a Selic, hoje em 5,25% ao ano, para níveis mais elevados do que se imaginava há alguns meses - há quem veja uma taxa acima de 8% no fim do atual ciclo de alta dos juros.

Ricardo Noblat - Por ora, não é de bom tom juntar Bolsonaro com Campos Neto

Blog do Noblat / Metrópoles

Enquanto um só faz criar confusão, o outro tenta apagar incêndio

Por mais que negue o senador Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil do governo, recomenda-se no momento não convidar para a mesma mesa Jair Bolsonaro, que dispensa apresentação, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.

Campos Neto andou se queixando de Bolsonaro. Disse a mais de uma pessoa que Bolsonaro “só atrapalha” seus esforços de convencer investidores estrangeiros a seguirem investindo no país apesar das confusões – criadas por quem? Você sabe por quem.

Repercutiu na imprensa internacional despacho da Associated Presse, a mais antiga agência americana de notícias, citando duas autoridades de “alto nível” que relataram o desejo de Bolsonaro de intervir no Banco Central por causa da alta dos juros.

Campos Neto declarou em evento virtual da organização Americas Society/Council of the Americas que “um maior nível de barulho” na política fez crescer a inflação no país para quase 9%. Como ela sobe, ao Banco Central resta subir a taxa de juros para contê-la.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, disse algo parecido. Segundo ele, a “barulheira política contamina a economia”. Se perguntarem a Guedes quem provoca “barulheira”, ele jamais dirá que é Bolsonaro. Campos Neto prefere silenciar a respeito.

Ana Cristina Rosa - Racismo.br

Folha de S. Paulo

O fator socioeconômico é relevante para a manutenção dessa prática odiosa que se instalou há séculos na sociedade

Como o racismo criou o Brasil. A sentença instigante aguçou a curiosidade e me fez assistir a palestra em forma de aula que o professor, escritor, doutor em sociologia e pós-doutor em psicanálise e filosofia Jessé Souza ministrou para lançar seu novo livro.

Entre as muitas reflexões, o palestrante, um homem branco, observou que o racismo assume máscaras que dificultam sua identificação. Para compreender a prática, é preciso considerar que ela está ancorada em estímulos morais que determinam o comportamento social em várias dimensões. “O racismo destrói as pessoas e continua vivo, se fingindo de morto”, disse.

Dez partidos se manifestam contra pedido de impeachment de Moraes e fazem defesa da democracia

PDT, PSB, Cidadania, PCdoB, PV, Rede, PT, DEM, MDB e PSDB destacaram também que as crises econômica e sanitária causadas pela pandemia da Covid-19 são os reais problemas do país

Jussara Soares / O Globo

BRASÍLIA — Presidentes de dez partidos políticos divulgaram notas neste domingo em apoio ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), alvo de um pedido de impeachment apresentado ao Senado pelo presidente Jair Bolsonaro. As legendas reafirmaram a defesa da democracia e a harmonia e independência entre os Poderes.  

As siglas destacaram também que as crises econômica e sanitária causadas pela pandemia da covid-19 são os reais problemas do país. 

Em um manifesto conjunto, DEM, MDB e PSDB afirmaram que a “democracia é o único caminho a ser seguido” e disseram ser “lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo.” 

A nota assinada pelos presidentes ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB) e Bruno Araújo (PSDB) destaca que  “o momento exige sensibilidade, compromisso e entendimento entre as lideranças políticas, as instituições e os Poderes.”

“Acreditamos que apenas o diálogo será capaz de guiar esse percurso em busca de soluções para as crises econômica, de saúde, e social que assolam o país. E para isso, é imprescindível que as instituições tenham capacidade de exercer suas funções com total liberdade e isenção”, diz a nota.

Dez partidos divulgam nota em apoio a Moraes, alvo de pedido de impeachment feito por Bolsonaro

Presidente apresentou pedido de impeachment de ministro do STF na última sexta-feira (20)

Thiago Resende / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Dez partidos divulgaram notas, neste domingo (22), em defesa da democracia e em apoio ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na sexta-feira (20), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou apelos e ingressou no Senado com um pedido de impeachment contra Moraes.

Ex-ministro da Justiça, Alexandre de Moraes é paulistano e nasceu em 13 de dezembro de 1968. Se tornou o 168º e mais recente ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) em 22 de março de 2017, nomeado pelo então presidente Michel Temer. Moraes assumiu a cadeira deixada por Teori Zavascki, que morreu em um acidente de avião em janeiro do mesmo ano Rosinei Coutinho -

Para o MDB, DEM e PSDB, o pedido é “claramente revestido de caráter político”.

“É lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo. O momento exige sensibilidade, compromisso e entendimento entre as lideranças políticas, as instituições e os Poderes”, diz o texto assinado pelos presidentes Baleia Rossi (MDB), ACM Neto (DEM) e Bruno Araújo (PSDB).

Essas siglas defendem que, para superar a atual crise econômica, sanitária e social, “é imprescindível que as instituições tenham capacidade de exercer suas funções com total liberdade e isenção”.

Outra nota conjunta divulgada neste domingo é de partidos da oposição ao governo Bolsonaro: PDT, PSB, Cidadania, PCdoB, PV, Rede e PT.

Esses partidos “se solidarizam com os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, alvos de uma campanha difamatória que chegou às raias da violência institucional com um inepto e infundado pedido de impeachment contra Moraes por parte do presidente da República”.

Demétrio Magnoli - Depois da ‘orgia estratégica’

O Globo

A queda de Cabul, no 15 de agosto, 76º aniversário da rendição japonesa, “pode ser interpretada como o fim do segundo período de orgia estratégica dos EUA”, escreveu Shen Yi no Global Times. O jornal é um veículo em língua inglesa de propaganda nacionalista da China, e Shen Yi quase certamente é um pseudônimo inspirado no nome de um arqueiro mitológico chinês. A China teme que o novo regime afegão provoque ondas de instabilidade na Ásia Central, mas celebra a derrota histórica dos EUA.

Segundo Shen Yi, a hegemonia americana desde 1945 compõe-se de ciclos de expansão-orgia-contração. O primeiro ciclo iniciou-se com o envolvimento no Vietnã e culminou com a queda de Saigon, em 1975, que provocou um prolongado recuo. O segundo começou em 2001, com as intervenções no Afeganistão e no Iraque, esgotando-se agora, sob o impacto da humilhação imposta pelo Talibã.

“Cabul não é Saigon”, garantiu Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, argumentando que foi cumprida a missão de suprimir as redes de terror responsáveis pelos atentados do 11 de Setembro. De fato, Cabul é pior que Saigon — e a China sabe disso. O Vietnã do Sul resistiu por dois anos após a retirada das forças americanas, enquanto o Estado afegão dissolveu-se antes da partida dos últimos contingentes militares ocidentais. Sob o Talibã, o terror jihadista tem condições propícias para se reorganizar no Afeganistão.

Os EUA cometeram um erro estratégico maior no Afeganistão, derivado do pecado da húbris. Depois da derrubada do Talibã, converteram o país em semiprotetorado americano. À sombra das tropas americanas e da Otan, ergueram um sistema político e construíram um Exército afegão. Rússia, China, Irã e Paquistão tinham interesse direto na estabilidade regional — na eliminação dos jihadistas do núcleo geográfico da Ásia Central. Mas, sob a “orgia” neoconservadora, os EUA preferiram caminhar sozinhos — e hoje colhem os frutos amargos daquela escolha.

Mirtes Cordeiro* - Escolas reabrindo suas portas… “é hora de a onça beber água”

Dados do Censo Escolar 2010, os mais recentes sobre o tema, revelam que há 8.974 escolas de Ensino Fundamental sem banheiro, o equivalente a 6% do total de estabelecimentos no país. Nove em cada dez pertencem a redes municipais, e 99% delas estão no campo, a maioria no Norte e Nordeste.

“A hora de a onça beber água é expressão para indicar, em poucas palavras, um momento decisivo e perigoso. Afinal, diz-se que a onça costuma beber água ao cair da noite… é a melhor hora de caçar o bicho, por isso, quando chega a hora, os outros animais tomam cuidado. Os índios sabiam disso e não entravam na água nessa hora. Os primeiros colonizadores, não sabendo isso, serviram de pasto ao animal.” (Deonísio da Silva, professor e escritor in Veja)

As aulas escolares estão voltando. No entanto, muitas escolas não têm noção exata do grande desafio, do que poderá acontecer com relação ao processo de aprendizagem considerando a infraestrutura das escolas e a capacidade de desenvolver as aulas presenciais com a segurança necessária à prevenção da Covid-19 e suas variantes.

A nossa escola pública poderá fazer a diferença em nosso país, um vasto território com muita desigualdade, mas precisa levar em consideração que o processo de aprendizagem requer que governantes e sociedade civil se sintam responsáveis pelo que preconiza a nossa legislação há algumas décadas e cumpram os pré-requisitos necessários para garantir o direito das crianças frequentarem boas escolas: professores qualificados e infraestrutura adequada, o que inclui materiais didáticos, equipamentos e estruturas físicas apropriadas.

Uma das questões principais, neste tempo de transição da pandemia para “outro tempo”, é a infraestrutura das escolas, que apresenta uma diversidade muito grande, levando-se em conta sua localização urbana ou rural, a competência administrativa, se a responsabilidade de gestão pertence ao governo federal, estadual ou municipal e a diversidade regional brasileira.

Antônio Gois - O ministro e o 'inclusivismo'

O Globo

Virou rotina. O ministro da Educação faz uma declaração polêmica, vem a reação negativa e ele pede desculpas ou afirma ter sido mal compreendido. Foi assim quando associou gays a “famílias desajustadas” e quando disse que a universidade deveria ser para poucos. A mais recente de suas falas desastradas foi a afirmação de que a criança com deficiência incluída em classes comuns atrapalhava o aprendizado das demais. Ele ainda tentou suavizar dizendo que falava isso “entre aspas” e “com muito cuidado”, mas pouca gente se convenceu disso.

Se o problema fosse apenas uma desatenção com declarações públicas, bastaria um bom treinamento de mídia para evitar problemas. Mas não é o caso. As falas são reveladoras tanto de preconceitos quando de ações ou omissões no MEC.

Na mesma entrevista em que falou sobre as crianças com deficiência, Ribeiro usou pejorativamente o termo “inclusivismo” para criticar a política de inclusão adotada no país nos últimos 25 anos. Mais do que um modismo, a ideia de que alunos com deficiência devam conviver com os demais nas mesmas salas de aula é ancorada em pesquisas que mostram o benefício dessa prática para todos os grupos. A opção por essa política, em contraponto às práticas segregacionistas do passado, tampouco é invenção brasileira, pois consta inclusive de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A asfixia da política

O Estado de S. Paulo

Um Estado Democrático de Direito deve ser capaz de prevenir, investigar, perseguir e punir ações criminosas. Não há civilidade, tampouco paz, onde reina a transigência com condutas que agridem bens jurídicos essenciais de uma sociedade. Esta é a razão da legislação penal: proteger elementos fundamentais da vida em sociedade.

Ao mesmo tempo, o Estado é muito mais amplo do que seu sistema penal, cuja atuação é sempre subsidiária. A imensa maioria das questões de uma sociedade não está na esfera penal. Há uma vastíssima gama de assuntos, desafios e problemas que não são resolvidos por mera proibição e punição de condutas. O encaminhamento desses temas deve ser dado pela política.

Na seara política, as soluções não são binárias: proibir ou permitir, punir ou não punir. Os temas possuem variadíssimas possibilidades, e a definição do caminho a ser trilhado não é dada por uma regra prévia. As soluções devem ser fruto de estudo, diálogo, debate, negociação e também concessões, muitas concessões.

Na política, não existem fórmulas perfeitas. O que se tem são caminhos possíveis, necessariamente imperfeitos, que, ao longo do tempo, podem e devem ser testados, corrigidos e aperfeiçoados. Por isso, num Estado Democrático de Direito, é fundamental o funcionamento dos Poderes Legislativo e Executivo. Sempre há questões políticas a serem decididas e essas decisões devem ser adotadas por representantes escolhidos pelo voto popular.

O Judiciário é imprescindível para fazer com que a lei seja aplicada, mas ele sozinho não é suficiente. Num regime de liberdade, o encaminhamento das questões, desafios e problemas enfrentados pela sociedade não é dado – repita-se – por simples aplicação de regras prévias, mas por um contínuo trabalho político.