quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Vera Magalhães – Governo vê índios como estorvo

O Globo

Não começou no governo Jair Bolsonaro a discussão a respeito da adoção da tese do marco temporal como vinculante para a demarcação de terras indígenas, decisão fundamental para o futuro do Brasil que, de tão intrincada, o Supremo Tribunal Federal pode de novo adiar nesta quarta-feira.

Mas foi neste governo que esse tema virou mais uma daquelas bandeiras que o presidente brande para se contrapor de forma sempre brutal a qualquer direito de minorias com que não tem qualquer empatia nem qualquer compromisso como governante.

O marco temporal virou um passaporte para Bolsonaro impulsionar uma política de subjugar os povos indígenas e lhes tirar direitos, e é essa a dimensão que o julgamento do STF adquiriu, com a maior mobilização pela vida já organizada em Brasília por representantes de várias etnias.

Foi ainda no julgamento da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, concluída em 2009, que a tese do marco temporal ganhou corpo, incluída entre 19 condicionantes apresentadas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito ao voto histórico de Carlos Ayres Britto que reconhecia a demarcação contínua da área no Estado de Roraima.

Bernardo Mello Franco – Reféns do medo

O Globo

Em três dias, Jair Bolsonaro admitiu duas vezes que está com medo da cadeia. No sábado, ele disse ver três alternativas para o próprio futuro: “estar preso, ser morto ou a vitória”. Acrescentou que “a primeira alternativa, preso, não existe”. Faltou explicar o motivo: ausência de crime ou de espaço no xadrez?

Na segunda-feira, o capitão voltou ao tema. Garantiu que o Supremo Tribunal Federal estaria decidido a mandá-lo para a tranca. “O que eles querem? Aguardar o momento para me aplicar uma sanção restritiva, quem sabe quando eu deixar o governo lá na frente”, afirmou. Pelo que indicam as pesquisas, o “lá na frente” deve chegar mais cedo do que ele gostaria.

Bolsonaro tem razões para perder o sono. Até aqui, ele é alvo de quatro investigações simultâneas no Supremo. Os inquéritos apuram a eventual prática de crimes no exercício do mandato, da interferência indevida na Polícia Federal à prevaricação no escândalo da Covaxin. A conta não inclui outros delitos ligados à gestão da pandemia, que serão listados no relatório final da CPI da Covid.

Luiz Carlos Azedo - Estratégia do fracasso

Correio Braziliense

A transformação do 7 de Setembro num Rubicão pode não ter sido uma boa ideia por parte de Bolsonaro, simplesmente porque as legiões não pretendem acompanhá-lo

Em 8 de março do ano passado, a caminho de Washington, onde se encontraria com o então presidente Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro fez uma escala em Roraima e foi recepcionado por 400 apoiadores, ocasião em que anunciou a convocação de seus partidários para uma grande manifestação em 15 de março. Objetivo: pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo, e o político que tem medo da rua não serve para ser político”, disse. Na verdade, nada era espontâneo, tudo estava sendo convocado pelas redes sociais, por um exército de robôs comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro, o seu filho 02, que exerce o mesmo papel até hoje.

Pretendia pressionar o Congresso a votar seus projetos de regulamentação da execução de emendas parlamentares e politizar a pandemia da covid-19 e o fracasso da sua política econômica, que havia resultado num crescimento de apenas 1,1% do PIB em 2019. Uma retrospectiva do que veio depois mostra que deu tudo errado. A pandemia não era uma “gripezinha”, já se aproxima de 600 mil mortos e ainda nos ronda; a pressão sobre o Congresso fracassou, resultou num acordo com o Centrão, no qual boa parte dos investimentos do Orçamento da União ficou sob controle do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o homem que tem na gaveta os pedidos de impeachment do presidente da República.

Ricardo Noblat - Liberdade de expressão, o novo nome de crimes contra a democracia

Blog do Noblat / Metrópoles

Se aprovado, novo Código Eleitoral deixará em maus lençóis Bolsonaro e os que se comportam como ele

Está marcada para amanhã a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados do novo Código Eleitoral. Se ele for aprovado ali e, depois, no Senado, o presidente Jair Bolsonaro, seus devotos e quem mais hostiliza a democracia e distribui notícias falsas terão muito com o que se preocupar.

Há seis artigos no Código que tratam do combate à desinformação em período eleitoral. O artigo 882 prevê pena de 1 a 4 anos de reclusão para quem divulgar ou compartilhar notícias falsas. Torna-se crime a propagação de fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados com a intenção de influenciar eleições.

Se a conduta for praticada com a finalidade de “atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos para promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”, a pena é acrescida de metade a dois terços do seu tamanho. Se o Código vigorasse, Bolsonaro estaria ferrado.

Rosângela Bittar - Armadilhas

O Estado de S. Paulo

O presidente está sob a pressão de três problemas que quer abafar, ao seu modo

A morte e a insanidade seguem Jair Bolsonaro e ele cultiva bem tais companhias. No calendário deste setembro, que começa hoje, o presidente já acionou as armadilhas do seu inesgotável arsenal de desvios de poder. Barrou manifestos de apoio à paz e à democracia, por ele ameaçados. Convocou seus eleitores a irem às ruas, no patriótico dia 7, em apoio a ele próprio. Com a autorização, emitida em público, a comparecerem armados de fuzis. Tomara que não se precipitem antes de uma ordem de ataque.

Famílias de bom senso não devem expor suas crianças a uma multidão sem controle. Não haverá aquele desfile militar lúdico dos inesquecíveis tempos normais.

Sempre que vai passar por um aperto, Bolsonaro cobra apoio explícito. Os bolsonaristas tanto podem se ater a um conveniente clamor por liberdade como atender ao convite à invasão do Congresso e do Supremo. Seja o que for, o evento já deu resultados. A manifestação que Bolsonaro convocou para enfrentar as diferentes crises é uma crise em si mesma.

José Nêumanne* - Bolsonaro não é louco, mas um estúpido coerente

O Estado de S. Paulo

Disparates sem sentido do presidente fazem parte de seu projeto de matar para mandar

“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, disse o presidente da República, em 27 de agosto, para fãs que se reúnem diariamente à espera da ocasião propícia para bajulá-lo.

É comum atribuir suas patacoadas sem nexo a impulsos de insanidade. Muita gente boa e lúcida propõe convocar uma junta de psiquiatras para decretar a interdição de Jair Bolsonaro. Isso condiz a lógica, porque, ao longo de sua vida de mau militar e parlamentar em ócio permanente, ele nada produziu de útil.

De farda, resumiu sua passagem pela caserna a reclamar de baixo soldo. Sob acusação de terrorismo por ter planejado atentados à bomba em quartéis e numa adutora do Guandu, como expôs o repórter Luiz Maklouf Carvalho no primoroso livro O Cadete e o Capitão, foi convidado a cair fora da vida militar, que resumiu numa frase dita em Porto Alegre em 2017: “Minha especialidade é matar, não é curar ninguém”.

Em 30 anos de política, como vereador no Rio e deputado federal, sua improdutividade parlamentar facilitou a narrativa com a qual venceu a disputa pela Presidência em 2018: a de nunca ter sido um político de verdade. De sua passagem pela Câmara deixou duas obras: uma é o projeto da “pílula do câncer”, em parceria com o médico e sindicalista do PT Arlindo Chinaglia, sancionada pela petista Dilma Rousseff, outra personagem do folclore do absurdo infeliz. A segunda, o voto pelo impeachment da ex-guerrilheira, em que saudou como herói o torturador e assassino Brilhante Ustra, acusado de tê-la torturado. Em ambos os casos, elegeu a covardia e uma aparente contradição. Neste caso, será útil lembrar que cumpriu o que sempre quis na vida pública: amealhar patrimônio pessoal, garantir a própria impunidade e deixar uma polpuda herança para o pagador de impostos sustentar a própria prole. Os “rolos” imobiliários do filho senador e do adolescente festeiro, de um descaramento atroz para pagadores das contas da famiglia, são evidências que talvez Nelson Rodrigues preferisse definir como “atordoantes”, em vez de “ululantes”.

Fábio Alves - Ameaça à confiança

O Estado de S. Paulo

O ambiente político poderá afetar a trajetória da dívida e ameaçar o teto de gastos

Em meio à alta da inflação e dos juros, além do risco de apagão ou de alguma medida de racionamento de energia elétrica em razão da piora da crise hídrica, os índices de confiança devem engatar uma nova tendência de queda nos próximos meses.

E não faz tanto tempo assim que esses índices se recuperaram do tombo causado pela forte contração da economia durante o auge da pandemia de covid. A deterioração no sentimento agora deve atingir particularmente os consumidores – afetados pela visível perda do poder de compra nos últimos meses – e os empresários do setor industrial.

Já os do setor de serviços ainda se mostram otimistas com o futuro próximo em meio ao relaxamento das medidas de distanciamento social, diante da queda no número de casos e de mortes por covid e também do avanço da vacinação. Mas poderá a confiança no setor de serviços resistir a tantas incertezas no cenário macroeconômico e político do Brasil?

Em agosto, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), caiu 0,4 ponto ante julho, interrompendo quatro meses de alta. O da Indústria (ICI) recuou 1,4 ponto, também após uma sequência de quatro altas seguidas.

Enquanto a confiança do comércio registrou leve queda de 0,1 ponto, a do setor de serviços avançou 1,3 ponto, para 99,3 pontos, seu maior nível desde setembro de 2013.

Fernando Exman - Que fique claro: agora não haverá anistia

Valor Econômico

Bolsonaro está sob pressão e cada vez mais isolado

Desta vez, não haverá anistia. É a mensagem presente nas entrelinhas daqueles que se dirigem à ala mais radical do bolsonarismo às vésperas dos atos marcados para o 7 de setembro.

Uma mensagem direta e objetiva. Necessária. Até porque tudo indica que os atos em gestação não serão estritamente em defesa do governo federal e do presidente Jair Bolsonaro. Eles tendem a servir de cenário para mais ataques às instituições, agressões aos Poderes Legislativo e Judiciário e renovadas ameaças ao estado democrático de direito.

Em tempo: se neste ano Bolsonaro já aproveita uma data cívica para promover os próprios interesses políticos, é de se perguntar o que será capaz de fazer no ano que vem, no bicentenário da independência. É difícil imaginar que esta administração aproveite a efeméride para promover a união nacional. O embate e a radicalização são as forças motrizes de Bolsonaro, um presidente cada dia mais isolado e sob crescente pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) e da CPI da Covid.

Nos últimos dias, o chefe do Executivo falou que não se trata especificamente de levantar a espada, numa clara referência a uma ação armada, mas chamou o próximo 7 de setembro de “oportunidade” para mudar o rumo do país dentro do que equivocadamente considera as quatro linhas da Constituição.

Tiago Cavalcanti* - Pilares de uma sociedade

Valor Econômico

Focar gastos nos mais pobres e na formação das pessoas são princípios fundamentais

Apesar de trabalhar na mesma universidade e Faculdade de Economia onde John Maynard Keynes - um dos economistas mais influentes do século XX - estudou e lecionou, nunca fui keynesiano. Pelo contrário, até minha pesquisa tem certa distância em relação às questões que Keynes se preocupava. Isso, contudo, não implica que deixo de ter admiração por alguns de seus pensamentos e sua trajetória como acadêmico e homem público.

Uma das famosas frases de Keynes é a de que “no longo prazo todos estaremos mortos”. Ele escreveu esta frase em seu livro “A Tract on Monetary Reform” de 1923. É importante entender o contexto da célebre tirada. Keynes criticava a teoria econômica defensora de que as crises econômicas seriam passageiras e fariam parte do sistema econômico, assim os governos não deveriam intervir com políticas contra-cíclicas de curto prazo, já que a economia tenderia, no longo prazo, para um equilíbrio de pleno emprego. Essa batalha, na prática, foi vencida por Keynes, já que a quase totalidade dos governos passaram a implementar políticas para manter o emprego e a renda no curto prazo.

Bruno Boghossian – O marketing do golpe

Folha de S. Paulo

Presidente para em 'oportunidade para o povo', mas principal preocupação é com ele mesmo

Jair Bolsonaro usou mais um evento oficial para fazer um chamado para os protestos golpistas de 7 de setembro. No interior de Minas Gerais, ele subiu no palanque e disse que a data será uma "oportunidade para o povo brasileiro". O presidente exagerou no marketing: o único objetivo dos atos é intimidar outros Poderes e proteger seu grupo político.

A máquina de propaganda bolsonarista quer mascarar os protestos como um movimento em defesa do que chama de liberdade, como se houvesse um espírito nobre na defesa de sujeitos que falam em "botar fogo no Tribunal Superior Eleitoral". O próprio presidente já deixou claro, no entanto, que a liberdade que o preocupa é a dele mesmo.

Na crise política fabricada pelo Palácio do Planalto, Bolsonaro já disse ver três alternativas para o futuro: "estar preso, ser morto ou a vitória". Dias depois, explicou que, ao fazer aquela declaração, ele se referia a um ambiente de muita pressão. "Quando falamos em voto impresso, passou a ser crime. Quando falamos em tratamento precoce, passou a ser crime", afirmou.

Mariliz Pereira Jorge - Por que Bolsonaro quer se reeleger?

Folha de S. Paulo

Para não ser preso, porque sabe que ultrapassou as quatro linhas da Constituição

Para não ser preso. Ele sabe que já ultrapassou as quatro linhas da Constituição, apenas não tinha deixado claro que está ciente das possíveis consequências, ainda que as negue. Num encontro com líderes evangélicos, no último sábado (28), disse o seguinte: "Eu tenho três alternativas para meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira não existe".

Na atual conjuntura, não existe mesmo. Blindado pelas leis, pelo cargo, pela Procuradoria-Geral da República e por Arthur Lira, só resta a ele continuar escondido atrás da faixa presidencial para diminuir as chances de responder por seus crimes e de não poder mais usar a máquina do governo para proteger seus filhos, que talvez já estivessem em cana.

Roberto DaMatta - Sherlock no Brasil de Bolsonaro

O Globo / O Estado de S. Paulo

Não há nada pior do que assistir a uma conspiração contra instituições. Ver as molduras que organizam a vida ser atacadas. Quando Shakespeare diz que o mundo é um palco, e todos somos atores, revela o elo entre o todo (o roteiro como instituição) e a parte (a encenação como sua manifestação).

Encenar é interpretar. Nossas falas não seriam entendidas se não falássemos todos a língua portuguesa. Para que o drama se cumpra, ele tem de existir antes dos atores que o encenam e dos espectadores capazes de “deduzir” de suas cenas o significado que nele se encerra.

Somos simultaneamente demarcadores e demarcados por molduras e nos assustamos quando elas são rompidas. Imagine um juiz arrotando depois de uma sentença; um senador arrumando a dentadura numa CPI; ou um presidente ameaçando dar porrada em jornalistas...

Molduras revelam níveis de realidade. Indicam o que é e o que não é. O que você deduz quando, em Chicago, vê uma cena de perseguição policial? Perplexo, você exige uma moldura para assentar o que testemunhou. Foi um assalto? Não, diz alguém o acalmando, é o Brian De Palma refilmando “Os intocáveis”.

A resposta, roubada de um livro do sociólogo Erving Goffman, satisfaz seu senso de realidade. A expressão “é sério” faz parte de um mundo infiltrado por brincadeiras, mentiras, trotes e fake news de todos os tipos de moldura.

O golpe pode ser lido como uma moldura implantada numa hora de indecisão. O que hoje amedronta é a confusão de molduras promovendo insuportáveis inseguranças. Quando sentenças e operações contra uma corrupção abusiva são neutralizadas, e poderosos são inocentados, cria-se um paradoxo porque foi justamente sua exposição que elegeu o “supremo mandatário da nação”, que hoje atua numa clara desconstrução institucional da República.

Elio Gaspari - O vexame da Fiesp

O Globo / Folha de S. Paulo

A turma do agro falou

Lembra aquele pato amarelo que ficava em frente à Fiesp durante as jornadas de manifestações contra o comissariado petista? O doutor Paulo Skaf, que ainda preside a instituição, poderia recolocá-lo na calçada da Avenida Paulista. Ou poderia pendurar seu plástico murcho na fachada.

Quem imaginou a Fiesp de Skaf pedindo qualquer coisa que desagrade ao governo, inclusive democracia, comprou um lote na Lua. O texto que ele segurou informa que o triângulo tem três ângulos.

Desde o século passado, quando o grão-senhor da “Poderosa” operava uma caixinha que em tese financiava o DOI-Codi, a Fiesp é um apêndice do poder. Como o sapo de Guimarães Rosa, não faz assim por boniteza, mas por precisão. Ela é cevada pelos recursos que o Sistema S suga das folhas de pagamento das empresas. Como São Paulo tem indústrias, chegou-se a pensar que de lá sairia algum documento, ainda que morno. A Federação do Rio de Janeiro antecipou-se à Fiesp, anunciando que não endossaria manifesto algum. Pudera, muitas federações e poucas indústrias os males do Rio são.

O vexame da Fiesp seria mais um capítulo na sua crônica de subserviência e oportunismo, mas foi um marco na história do empresariado nacional. No mesmo dia em que ela se encolheu, sete entidades do agronegócio divulgaram um manifesto em que disseram o seguinte:

— O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham.

Vinicius Torres Freire - Ataque do governo desorganiza movimento empresarial que já era frágil

Folha de S. Paulo

Dois piparotes do mundo político real bastaram para desarranjar essa rara comunhão da elite econômica

“manifesto” das associações empresariais e das finanças ainda pode sair oficialmente, mas alguns dos grandes envolvidos nesse movimento pendem, por ora, para deixar como está para ver como é que fica. Isto é, deixar a fervura baixar, até porque há grande confusão sobre quais rumos tomar e como decidir o que fazer (quem vai decidir?), além de atritos, decepções e troca de acusações meio furiosas entre quem tomou parte mais ativa da organização do “manifesto” ou “nota”. Muita gente que deu início ao movimento diz agora que os “rachas” e o desarranjo são um “caso lamentável” e que lança “ridículo” sobre movimentos empresariais.

Pode ser que a coisa fique para depois do 7 de Setembro, como transpareceu de uma reunião de banqueiros na noite desta segunda-feira (30) e de conversas entre alguns grandes industriais desde o início envolvidos no “manifesto”, mesmo antes de a Fiesp de Paulo Skaf entrar no jogo. Pelo menos 6 grandes empresários e um banqueiro envolvidos ou informados desde o início assunto nem ao menos sabem em que pé está o “manifesto” ou quem está tomando conta dele ­–alguns, nem mais querem saber disso.

Na noite de segunda-feira, quando o caldo do “movimento” entornou de vez, houve uma reunião entre os presidentes dos maiores bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa, com alguns dos presidentes dos maiores bancos privados, Bradesco e Itaú, entre eles e o comando da Febraban.

Zeina Latif - Novamente brincando com fogo

O Globo

Ainda que situações excepcionais levem a algum experimentalismo na política pública, não se pode dispensar uma dose de cautela quando se navega em novos mares. Afinal, correções de rumo costumam ser muito custosas em economias não avançadas.

Um exemplo é a atenção aos limites da responsabilidade fiscal - especialmente em um país que gasta mal os recursos públicos e os financia com tributos distorcivos e dívida pública cara e concentrada no curto-médio prazo.

Como resultado do pouco apreço à disciplina fiscal, de tempos em tempos, levamos sustos com a inflação, pois os excessos fiscais acabam estimulando indevidamente a demanda – enquanto a oferta nem de longe consegue acompanhá-la, por conta do difícil ambiente de negócios –, e a elevada e crescente dívida pública gera desconfiança de investidores e pressão no câmbio.

Os políticos não costumam perder a oportunidade para elevar gastos e conceder benefícios tributários, mas não seria justo culpá-los unicamente. Muitas vezes, analistas ignoram os manuais de boas práticas de gestão fiscal por conta de objetivos ou interesses de curto prazo. Acabam por conceder o beneplácito ao oportunismo.

Ao longo de 2020, por exemplo, não faltaram recomendações para elevar os gastos públicos (pior, financiá-los com emissão monetária) como se não houvesse amanhã – ou como se não houvesse risco de volta da inflação. Deu errado: a inflação está em 9,3%. Ao menos, a Câmara não abraçou propostas criativas na chamada PEC do orçamento de guerra.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Governo se mobiliza contra um manifesto de conciliação

Valor Econômico

O presidente e seus aliados criam um clima corrosivo também para os negócios

Não foi o primeiro e, se depender do presidente Jair Bolsonaro, não será o último manifesto por paz na República e atenção às regras democráticas o que duas das mais poderosas organizações de empresários do país, a Federação Brasileira de Bancos e a Fiesp, prepararam. A diferença em relação aos outros foi que ele não veio a público - embora seu conteúdo principal tenha sido amplamente divulgado.

O governo federal interveio para isso. O ministro Paulo Guedes disse que alguém lhe tinha dito que não se tratava da defesa da democracia, mas de um ataque da Febraban ao governo. As direções do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal entraram em ação e ameaçaram deixar a associação. O convite final ao silêncio veio do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que solicitou a Paulo Skaf, presidente da Fiesp e ex-aliado de Bolsonaro, que postergasse o documento para depois do 7 de Setembro. Não houve iniciativa semelhante do deputado em relação ao presidente da República, que incentivou a convocação de atos públicos nesta data cujas palavras de ordem são ataques ao Supremo Tribunal Federal.

O contraste entre o comedimento de um lado e o radicalismo de outro merece atenção. Quem acredita que a associação dos bancos é incendiária comete o mesmo erro descomunal de quem acredita que Jair Bolsonaro é um liberal. O manifesto que se engendrava era bem mais comedido do que seus antecessores e, em essência, assentava-se no pressuposto de que a harmonia entre os Poderes está inscrita na Constituição e que por isso “é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição nos impõem”. Em seguida, pregava “serenidade, diálogo, pacificação política e estabilidade institucional”.

Enquanto os organizadores do manifesto faziam malabarismos para não colocar em suas frases o sujeito oculto - aquele que não anda fazendo o que manda a Constituição - e igualava as condutas dos demais Poderes, que não estão provocando balbúrdia, o presidente dizia no sábado em Goiânia que não deseja rupturas, “mas tudo tem limite” e que não aceitará uma derrota nas eleições de 2022. Deu três chances sobre seu futuro: “Estar preso, morto ou a vitória”. Bolsonaro afirmou, a mais de um ano da votação, que pacificamente, pelas normas do jogo democrático, não entregará o poder.