sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Vera Magalhães - Nota de recuo vale por uma de R$ 3

O Globo

Vale tanto quanto uma cédula de R$ 3 a nota em que Jair Bolsonaro usa o marqueteiro de Michel Temer como ghost-writer para ajoelhar no milho diante do Supremo Tribunal Federal e fingir um arrependimento que não tem das ameaças de golpe que sinceramente proferiu no 7 de Setembro.

Quem fingir que acredita no propósito de se moderar, de obedecer aos desígnios do Judiciário e de zelar pela independência e harmonia dos Poderes feito por Temer é cínico, burro ou ingênuo. Ou um mix dos três.

Cínico será o alívio do mercado, dos ministros e dos deputados da base aliada.

O primeiro grupo tratará de tentar recuperar os prejuízos dos últimos dias.

Os integrantes do primeiro escalão buscarão para o espelho, para o travesseiro e para os filhos uma justificativa plausível para continuar servindo a um governo que busca uma ruptura institucional.

E os nobres parlamentares da base aliada encontrarão a desculpa necessária para continuar mamando nas tetas do Orçamento até exauri-las, sem precisar fingir que estão pensando a sério em abrir um processo de impeachment.

Ingênuo será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), se, com base nessa encenação tosca, deixar de devolver a Medida Provisória que susta parte do Marco Civil da Internet ou se receber os caminhoneiros que fazem chantagem com o país com uma paralisação que foi convocada e insuflada por Bolsonaro em pessoa.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro não vai mudar

O Globo

No oitavo dia do governo de Jair Bolsonaro, o ex-ministro Fernando Haddad deu um conselho aos adesistas de plantão: “Antes de defender uma bozoideia, espere 24h. Poupa o esforço de defender o recuo”.

O capitão mal havia vestido a faixa e já voltara atrás diversas vezes. Anunciou um aumento no IOF e foi desmentido. Prometeu ampliar a isenção do Imposto de Renda e desistiu. Admitiu a instalação de uma base americana e mudou de ideia.

O vaivém era previsível. Eleito sem um programa de governo, Bolsonaro nunca mostrou interesse nos problemas da gestão pública. Seu negócio é solenidade militar, agitação na internet e passeio de motocicleta.

Flávia Oliveira - Presidente recuou, por ora

O Globo

Nunca neste século a inflação oficial foi tão alta em agosto. O IPCA, índice da meta, bateu projeções de todos os analistas e alcançou 0,87%, sob o impacto de reajustes nos preços da comida, do gás, da gasolina, do álcool, do diesel e na tarifa de energia elétrica. Em metade das localidades pesquisadas pelo IBGE, o IPCA acumula alta acima de 10% — dois dígitos, portanto. Também a cesta de consumo das famílias mais pobres, com renda mensal de até cinco salários mínimos, ficou 10,42% mais cara desde setembro do ano passado. Não é coincidência que tudo isso tenha ocorrido no período em que a crise política, por responsabilidade integral do presidente da República, se agravou a ponto de eclipsar todas as outras dificuldades que o Brasil enfrenta. E não são poucas.

Foi em agosto que os ataques de Jair Bolsonaro a ministros do Supremo Tribunal Federal e ao sistema eleitoral atingiram níveis inaceitáveis. Por intensos, levaram à reação em onda: do Judiciário, de empresários, acadêmicos, sociedade civil por meio de notas em defesa da democracia; do mercado financeiro na forma de deterioração aguda dos ativos — ações despencaram, juros e dólar dispararam. Tudo isso, num país com desemprego, desalento e informalidade recordes; inflação galopante; economia enfraquecida; crise hídrica e escassez de energia; quase 600 mil mortos por Covid-19; 19 milhões de famintos.

Ruth de Aquino - Nem militantes acreditam mais em Bolsonaro

O Globo

Reina a anarquia delirante entre os bolsonaristas raiz. Estão perdidos entre o real e o imaginário. Esse pessoal de chapéu de caubói, enrolado na bandeira, comemorou em Brasília um “estado de sítio” fake. E caminhoneiros militantes, em vez de protestar pelo preço do combustível, bloquearam as rodovias. Atendiam ao apelo de Bolsonaro por desobediência civil.

Os bolsonaristas se acostumaram a compartilhar tantos vídeos fake sobre tratamento de Covid, urnas eletrônicas, ministros do STF e comunistas que não conseguem mais acreditar num áudio real do presidente. Bolsonaro mandou desbloquear as estradas e esquecer o motim. Traição aos coitados dos caminhoneiros, não é, Zé Trovão. Foragido no México, pode ser preso a qualquer momento. O caminhoneiro Zé lamentou ter arriscado a vida por Bolsonaro. 

Vocês deveriam protestar contra a alta da inflação, a quase 10%, contra o desemprego, contra a pobreza, mas não. Os caminhoneiros esquecem seu próprio desamparo e protestam contra o Supremo Tribunal Federal! Que categoria politizada. Só num Brasil surreal, governado por um fanático pela mentira. 

Pedro Doria - Lições para aprendermos

O Estado de S. Paulo / O Globo

Nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado

Esta coluna tem tema — o impacto das transformações digitais no mundo. Mas esta não é uma semana qualquer. Na terça-feira, logo um 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro juntou uma pequena multidão na avenida Paulista e ameaçou violar o artigo 85 da Constituição. É aquele que obriga alguém em seu cargo a cumprir decisões judiciais sob a pena de impeachment. Durante aquele dia, a PM do Distrito Federal resistiu a sete ofensivas contra o Palácio do Supremo. Foi uma tentativa de golpe de Estado, que se frustraria, o que não faz disso menos grave. Dois dias depois, na quinta, perante um impeachment posto no radar, Bolsonaro se acovardou. Tenta recuar do desastre com uma carta escrita pelo ex-presidente Michel Temer. Peço licença, pois, aos leitores habituais da coluna para vestir só nesta semana meu outro chapéu profissional — o do jornalista que escreve sobre história. Porque nada do que estamos vivendo ocorreria se aprendêssemos algo com o passado.

A primeira lição: existe um germe militar autoritário na cultura política brasileira. Sempre que o País se desorganiza, um grupo grande o suficiente de brasileiros bate à porta dos quartéis. Por algum motivo, acreditamos que os militares representam ordem, disciplina e competência. Foi assim em 1889, quando Deodoro pôs abaixo o Império. Também foi assim em 1937, quando Getúlio se apoiou em dois marechais para cercar o Congresso e encerrar o período da melhor Constituição que tivemos até 1988. A eleição de Eurico Gaspar Dutra foi isso. Ia sendo assim em 1954, quando o mesmo Getúlio — agora na outra ponta — meteu um tiro no peito evitando um golpe. Em 1964. E, em 2018, perante o caos deixado pela instabilidade da década de 10, com a eleição de Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde – ‘Calor do momento’

O Estado de S. Paulo

O presidente Bolsonaro foi dormir moderado ontem. Como será que vai acordar hoje?

O presidente Jair Bolsonaro foi dormir ontem moderado, defensor da harmonia entre os três Poderes e de bem até com o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, com quem conversou ao telefone, selando uma trégua. Resta saber como Bolsonaro vai acordar hoje. No modo moderado ou no modo de sempre, armado até os dentes contra tudo e todos?

No manifesto que distribuiu por escrito e assinado, por influência do seu antecessor, Michel Temer, Bolsonaro atribuiu toda a sua fúria contra o Supremo e particularmente Alexandre de Moraes ao “calor do momento”. Puxa! O calor nos palácios da Alvorada e do Planalto deve estar de matar e o tal “momento” é longo: todo mês, toda semana, todo dia, toda hora.

Foi preciso a ação de um bombeiro do calibre de Michel Temer, constitucionalista e um homem de extrema elegância, que presidiu a Câmara três vezes e assumiu a Presidência da República em condições totalmente adversárias, após o impeachment de Dilma Rousseff.

Simon Schwartzman* - A Marcha sobre Brasília

O Estado de S. Paulo

Os Poderes no Brasil precisam se defender dos ataques de nosso candidato a Mussolini

Se a expectativa dos Maquiavéis que planejam a estratégia de Bolsonaro se inspirando em Mussolini era replicar, no 7 de setembro, a “marcha sobre Roma” de 1922, não deu certo. Em 1922, Il Duce ganhou forças para subjugar o Parlamento, o Judiciário e as Forças Armadas, e ficou no poder até ser assassinado, em 1945, depois de ter levado seu país à ruína. Aqui, as manifestações foram pacíficas, nenhum palácio foi invadido e o que restou foi a promessa do presidente de deixar de cumprir as decisões do ministro Alexandre de Morais. Difícil de saber o que virá agora, se finamente o impeachment, uma tentativa de golpe de Estado ou algum tipo de administração arrastada da crise, como vem acontecendo até aqui. Todos os analistas políticos se estão fazendo essa pergunta. Sou menos capaz do que eles de prever, mas minha impressão é de que as coisas vão continuar como estão, para ver (ou não) como é que ficam.

Seja como for, o que fica de mais marcante deste 7 de setembro é a grande presença de pessoas nas ruas atendendo à retórica inflamada e vazia de Bolsonaro, mesmo depois de dois anos de desgoverno, de manejo incompetente da epidemia, dos escândalos das rachadinhas e da compra das vacinas, do abandono das pautas de combate à corrupção e de reorganização da economia, da depredação do meio ambiente, da inflação saindo do controle e de ter entregado o governo a seus antigos inimigos do Centrão, do qual agora se diz membro desde criancinha.

Ruy Castro - Vem aí: bolsonarismo sem Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Um caubói caminhoneiro acaba de chamá-lo de frouxo. Um dia, toda criatura se volta contra o criador

Faixas abertas por seguidores de Jair Bolsonaro nas arruaças de 7 de setembro faziam ameaças aos seus inevitáveis desafetos: STF, TSE, CPI, TV Globo, petistas, governadores, jornalistas, intelectuais, artistas, cientistas, povos indígenas, ecologistas, feministas, negros, gays, usuários de máscara e demais comunistas. Até aí nada demais, eles odeiam o mundo. O surpreendente foi a aparição em algumas faixas de dois nomes tachados de "cânceres": o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco, presidentes das casas do Congresso. Mas como? Por quê? É assim que os bolsonaristas agradecem a quem tanto os ajuda —voltando-se contra eles?

Sim, assim como se voltaram contra Sergio Moro, que lhes deu numa bandeja a eleição de Bolsonaro, e contra todos os que por algum motivo desertaram da matilha. A diferença é que, até há pouco, esperavam pelo chefe para saber a quem odiar. Agora já escolhem por conta própria os inimigos a destruir. Era inevitável: de Adão aos robôs da ficção científica, a história está cheia de criaturas que se libertaram de seus criadores.

Hélio Schwartsman - Razões para o impeachment

Folha de S. Paulo

E agora até o mercado passou a reagir às declarações mais abertamente golpistas

Em seu discurso pós-7 de Setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, deu indicações de que não pretende pautar o impeachment de Bolsonaro. Nas contas do centrão, é cedo para abandonar a nau bolsonarista. Ainda dá para seguir por mais um tempo usufruindo dos cargos e verbas proporcionados pela blindagem que o grupo empresta ao presidente. A aposta mais sensata, portanto, é a de que a destituição não sairá, mas eu acrescentaria que está surgindo uma possibilidade real de o jogo mudar.

As razões morais para o impeachment estão dadas há tempos, mas imperativos éticos não são o melhor dos motivadores. Os últimos dias trouxeram sinais de que razões instrumentais podem estar entrando em ação. O movimento começa pela economia. Quando Bolsonaro se sente pressionado, ataca as instituições e, cada vez que o faz, diminui as chances de seu governo produzir boas notícias, que poderiam ajudá-lo na reeleição. E, se antes o mercado não ligava para o que julgava ser bravatas presidenciais, agora, diante de um cenário econômico deteriorado, passou a reagir às declarações mais abertamente golpistas.

Bruno Boghossian - Um habeas corpus para Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Acuado, presidente busca proteção para não ser punido pelos crimes que já cometeu

Jair Bolsonaro acionou um advogado para tentar se salvar do cerco que se formou contra ele após o 7 de setembro. Com a ajuda de Michel Temer (OAB 16534/SP), o presidente divulgou uma nota para afirmar que jamais teve a "intenção de agredir" outros Poderes nos atos golpistas. O texto pode parecer um recuo, mas é, na verdade, um pedido de habeas corpus para um político em perigo.

Os dez parágrafos da declaração publicada nesta quinta (9) pelo Planalto dão todos os sinais de que Bolsonaro está em busca de proteção, não de diálogo e pacificação. No texto, o presidente ignora sua ameaça pública de descumprir decisões judiciais e torce para que a manobra seja suficiente para não ser punido pelos crimes que já cometeu.

Reinaldo Azevedo - Bolsonaro recua para adiar o fim

Folha de S. Paulo

Quanto tempo demora para que o príncipe volte à condição de ogro? A verdade é que o governo, que nunca existiu, acabou

Contive uma furtiva lágrima ao ler a carta de Jair Bolsonaro, o golpista subitamente convertido à democracia. Quer negociar com o STF o calote nos precatórios? Está com medo do impeachment? Dado o contexto, parece certo que busca também se livrar da cadeia.

Quanto tempo demora para que o príncipe volte à condição de ogro? A verdade é que o governo, que nunca existiu, acabou. O que deu errado? Valeria uma enciclopédia. Mas aqui se tem espaço pouco maior do que o de uma fábula. Então vamos a ela, com direito à moral da história.

Quando Bolsonaro ofereceu ao mercado de ideias os seus 28 anos de Câmara, trazendo na bagagem a defesa de torturadores, a apologia de fuzilamentos, o elogio às milícias, a recomendação para que o pai espancasse o filho “gayzinho” e o conceito de que, na raiz do estupro, está o merecimento —uma distinção cabível só às belas—, os reacionários e iliberais das elites se encantaram. Na metafísica, estavam juntos. Mas restavam temores.

Vinicius Torres Freire – A inflação de loucuras de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Economia avançaria com Bolsonaro na camisa de força, mas seu poder depende de loucura

O estrago social, econômico e político da inflação está dado e vai durar até bem entrado o ano de 2023, pelo menos, isso se tudo der muito certo. A taxa de inflação, o ritmo do aumento médio de preços, pode até diminuir, mas o nível de preços ficará nas alturas; os salários, ao menos dos mais pobres, metade do país, não vão subir a ponto de compensar a carestia. Pode até ser que o rendimento de remediados e mais ricos, com emprego formal etc., volte a subir, mas a curto prazo isso realimenta a inflação, afora milagres.

Como ficam a eleição e o governo de Jair Bolsonaro, dada essa situação? Se ele deixasse de ser o que é, haveria uns esparadrapos possíveis. Mas é difícil de acreditar nessa ficção, em chifre em cabeça de cavalo, imaginar que Bolsonaro vá abandonar adeptos, sectários e falangistas, que ainda lhe dão chance de ficar no poder. Ou seja, o projeto de tirano teria de trocar o certo (seus adeptos) por uma melhora difícil e de efeito político incerto na economia.

Maria Cristina Fernandes – Inflação fecha porta de saída dos excluídos

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Depois da redução nos benefícios assistenciais ter ampliado universo dos biscates, preços como os dos combustíveis fecham a porta de saída do empreendedorismo, largamente ignorado pelas redes sociais

Na tarde da última sexta-feira antes do feriado de Sete de Setembro, três faixas foram colocadas na Ponte do Piqueri, Zona Norte de São Paulo, na avenida Brasil, zona Norte do Rio, e na Praça dos Três Poderes, em Brasília. “$7,00/litro de Setembro”, dizia a mensagem. As imagens inundaram as redes sociais. Impossível dizer tanto com tão pouco.

Dilson Teixeira, motorista de aplicativo em São Paulo, não chegou a vê-las, mas foi apresentado às fotos pelo celular. Não entendeu a que aludia a junção da cifra ao dia da pátria, mas reconheceu que a gasolina cara havia reduzido a concorrência por passageiros em São Paulo. Não fazia o mesmo porque, sendo bombeiro civil aposentado, não depende da renda do aplicativo para viver.

Com a resistência das empresas em reajustar a tarifa ou aumentar o valor dos repasses, um quarto dos motoristas de aplicativos já desistiu de rodar na capital paulista, nas contas da associação dos trabalhadores do setor. Crescem as reclamações de usuários sobre a demora no atendimento.

Dilson é um dos 32 milhões de brasileiros que, nas contas do instituto Locomotiva, conseguem renda por algum tipo de aplicativo. São pessoas que voltaram a trabalhar depois da aposentadoria, deixaram o mercado de trabalho formal ou não chegaram nem mesmo a nele ingressar. Uma parte deles abriu uma microempresa para isso.

José de Souza Martins* - A tirania do medo

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana  

A facilidade irresponsável com que o governante daqui atrai e aglutina gente medrosa é notória tanto em suas bravatas quanto nas bravatas dos que são por ele atraídos

O Brasil é o país que mais lincha no mundo, um linchamento ou tentativa de linchamento por dia. Há cerca de 30 anos, quando comecei uma extensa pesquisa sociológica sobre esse grave problema social, a geografia desse crime de multidão mostrava que eram estados de maior incidência de linchamentos a Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, nessa ordem.

Hoje o centro está deslocado para o Norte, o Amazonas, sobretudo Manaus. A multidão, com facilidade, elege inimigos e os trucida, supondo com isso assegurar sua liberdade e seu modo de ser. Seu medo é juiz e carrasco.

Os linchamentos ocorrem em áreas de ocupação relativamente recente, seja pelo advento de novas populações migrantes, seja pela chegada de novos vizinhos em bairros urbanos. O crime de multidão, no Brasil, é praticado por gente que tem medo. Medo do que é novo, do que é diferente e de quem é diferente. É crime da ordem sem progresso, a da sociedade do medo.

Claudia Safatle - De crise em crise até as eleições

Valor Econômico

Efeitos deletérios vão ocorrer sobre os investimentos, que estão sendo adiados à espera de mais estabilidade política

Não são esperados novos desdobramentos do 7 de Setembro, na visão de fontes oficiais, porque o presidente Jair Bolsonaro não vai mudar e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, alvo da ira do presidente, não vai renunciar. Ao PT de Lula, principal adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022, não interessa o impeachment do presidente. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também não está considerando, por enquanto, a solução via impeachment. Portanto, “não vai acontecer nada”, avaliam as fontes, referindo-se a um desfecho da crise, em que fiquem claro vencidos e vencedores.

Luiz Carlos Azedo - As nuvens do Planalto

Correio Braziliense

O que Bolsonaro fala não se escreve. Agora, com a sua Mensagem à Nação, na qual se compromete a respeitar a Constituição de 1988, veremos se cumpre o que escreve

Ex-banqueiro, ex-deputado, ex-governador de Minas Gerais e então ministro das Relações Exteriores na época da publicação do Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, Magalhães Pinto eram um político conservador, que apoiou o golpe de 1964, como a maioria dos caciques da antiga União Democrática Nacional (UDN). Para ele, a política era como uma nuvem: “Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou”.

Signatário do histórico Manifesto dos Mineiros, lançado por setores liberais contra o Estado Novo (1937-1945), em outubro de 1943, mesmo assim Magalhães Pinto subscreveu o AI-5 na “esperança” de que o decreto tivesse vigência de seis ou oito meses, diria em entrevista, 16 anos depois. O regime militar só acabou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, seu adversário histórico do antigo PSD. O tempo fora suficiente para volatilizar seu projeto de chegar à Presidência da República, frustração que também ocorreu com outros políticos golpistas, como o ex-governador carioca Carlos Lacerda, que teve o mandato cassado pelos militares.

Opinião do dia - Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE

'A falta de compostura nos envergonha perante o mundo'

Leia a íntegra do discurso:

A propósito dos eventos e pronunciamentos do último dia 7 de setembro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, já se manifestou com relação aos ataques àquele Tribunal, seus Ministros e às instituições, com o vigor que se impunha.

A mim, como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral cabe apenas rebater o que se disse de inverídico em relação à Justiça Eleitoral. Faço isso em nome dos milhares de juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo – não o da retórica de palanque, mas o do trabalho duro e dedicado –, e que não devem ficar indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira.

Já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir falsidades, para que não sejamos dominados pela pós-verdade, pelos fatos alternativos, para que a repetição da mentira não crie a impressão de que ela se tornou verdade. É muito triste o ponto a que chegamos.

Antes de responder objetivamente a tudo o que precisa ser respondido, faço uma breve reflexão sobre o mundo em que estamos vivendo e as provações pelas quais têm passado as democracias contemporâneas. É preciso entender o que está acontecendo para resistir adequadamente.

A RECESSÃO DEMOCRÁTICA NO MUNDO

A democracia vive um momento delicado em diferentes partes do mundo, em um processo que tem sido batizado como recessão democrática, retrocesso democrático, constitucionalismo abusivo, democracias iliberais ou legalismo autocrático.  Os exemplos foram se acumulando ao longo dos anos: Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Ucrânia, Filipinas, Venezuela, Nicarágua e El Salvador, entre outros. É nesse clube que muitos gostariam que nós entrássemos.

Em todos esses casos, a erosão da democracia não se deu por golpe de Estado, sob as armas de algum general e seus comandados. Nos exemplos acima, o processo de subversão democrática se deu pelas mãos de presidentes e primeiros-ministros devidamente eleitos pelo voto popular. Em seguida, paulatinamente, vêm as medidas que desconstroem os pilares da democracia e pavimentam o caminho para o autoritarismo.

TRÊS FENÔMENOS DISTINTOS

Há três fenômenos distintos em curso em países diversos: a) o populismo; b) o extremismo e c) o autoritarismo. Eles não se confundem entre si, mas quando se manifestam simultaneamente – o que tem sido frequente – trazem graves problemas para a democracia.

O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment, diferentes “de tudo o que está aí” e prometendo soluções simples e erradas, que frequentemente cobram um preço alto no futuro.

Quando o fracasso inevitável bate à porta – porque esse é o destino do populismo –, é preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, a imprensa ou os tribunais.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A inflação em super V

O Estado de S. Paulo

Em vez da recuperação em V prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação em super V

Em vez da recuperação em V prometida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os brasileiros estão vivendo uma inflação em super V, complemento sinistro de um desemprego muito acima dos padrões observados no mundo capitalista. Logo depois do choque inicial da pandemia, as famílias trataram de se isolar, o consumo despencou e os preços caíram. Em maio do ano passado a inflação mensal foi negativa (-0,38%) e a acumulada em 12 meses chegou a 1,88%, a menor taxa num período anual desde janeiro de 1999 (1,65%). A inversão foi rápida. Com a alta de 0,87% em agosto, a maior para o mês desde o ano 2000, os preços no varejo subiram 9,68% em 12 meses, numa reprodução, embora imperfeita, do final do período da presidente Dilma Rousseff. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Com o jogo perdido em 2021, resta ao Banco Central (BC) tentar conduzir a inflação do próximo ano à meta de 3,50% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Nem esse número é hoje levado a sério pelos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. Em 2022 o IPCA deverá subir 3,98%, segundo a mediana das projeções captadas na pesquisa Focus divulgada na última segunda-feira. Para este ano a estimativa já bateu em 7,58%, um número muito acima da meta oficial (3,75%) e do limite superior de tolerância (5,25%). Mas ainda é possível, pelo menos em tese, evitar esse desastre.

Poesia | Carlos Pena Filho - Olinda, do alto do mosteiro, um frade vê

(A Gilberto Freyre)

De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
a linha do horizonte.

As paisagens muito claras
não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
ou claridade somente.

Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tem verdágua e não se sabe,
a não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
Só se reúnem na ausência.

Limpeza tal só imagino
Que possa haver nas vivendas
das aves, nas áreas altas,
muito além do além das lendas.

Os acidentes, na luz,
não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
nem há mar, nem céu, nem velas.
Quando a luz é muito intensa
é quando mais frágil é:
planície, que de tão plana
parecesse em pé.