sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Carlos Melo* - À espera de fatos novos

Valor Econômico

O governo é incapaz de criar fatos novos, a política não

Há meses, o governo e seus fiéis indicavam as condições para a vitória de Jair Bolsonaro, em 2022. O crescimento em “V” e o final da pandemia, após vacinação em massa, seriam fatos novos. Não fossem suficientes, haveria o dispositivo de força que permitiria ao presidente “jogar fora das quatro linhas da Constituição” - seja lá o que isso signifique.

Nada disso se confirmou e a fé fundamentalista foi abalada. Em 2022, a economia crescerá 1% do PIB, com desemprego, inflação e aumento de juros. A crise social está nas ruas. Quanto à pandemia, 600 mil vidas não ressuscitarão, o ressentimento ficará; a CPI da Covid foi além do que se supunha e seu relatório terá efeitos importantes dentro e fora do Brasil.

O dispositivo golpista foi, por ora, desarmado: o STF asfixiou as finanças do “7 de setembro”; a hierarquia nas PMs funcionou; as Forças Armadas resistiram às investidas do presidente; os caminhoneiros isolaram a banda bolsonarista da categoria. Num desfecho constrangedor, a carta que Michel Temer escreveu para Jair Bolsonaro assinar foi irrefutável sinal de fracasso.

Ilusório esperar salvação por reformas que alterem o destino do governo. À parte a embromação dos líderes, o Congresso Nacional já funciona em modo eleitoral: sabe que reformas trazem desgastes imediatos e benefícios, quando ocorrem, no longo prazo. A razão imediatista é implacável. Improvável que a articulação política do governo a dobre.

Vera Magalhães - Estado de mal-estar

O Globo

Jair Bolsonaro achou por bem vetar a essência do projeto de lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, uma iniciativa de um conjunto de deputados de diversos partidos de oposição. O presidente vetou justamente a razão de ser da proposta: os artigos que previam a distribuição gratuita de absorvente para meninas carentes de escolas públicas, mulheres em vulnerabilidade social e presidiárias.

Bolsonaro evocou razões fiscais para vetar o projeto. Disse que o Congresso não apontou a fonte de recursos para custeá-lo, mas não é bem assim: os parlamentares determinaram que os recursos sairiam da atenção básica à saúde do SUS e do Fundo Penitenciário.

Afirmou que a lista de medicamentos básicos que têm de ser fornecidos pelo SUS não inclui absorventes menstruais. De fato. Por isso mesmo a proposta cria um novo programa, para atender a uma demanda justa e não contemplada.

Os dados sobre a falta de recursos para adquirir absorventes, traduzida como pobreza menstrual, passaram a ser tratados recentemente, pois esse sempre foi um tema tabu, o que já diz muito quanto à mentalidade atrasada que vigora no Brasil.

Eliane Cantanhêde - De olho em Moro

O Estado de S. Paulo

Doria contra Leite: ‘A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança’

O mais novo investimento do governador e presidenciável João Doria, de São Paulo, é para tentar atrair o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro para seu projeto de disputar as prévias do PSDB em novembro e a Presidência da República em 2022. Os dois andam conversando, mas Moro, um poço de indefinição, não diz nada e não descarta nem confirma sua própria candidatura. Além disso, é também disputado pelo União Brasil (resultado da fusão DEM-PSL).

Além do temperamento e da inexperiência política, o tempo corre contra Moro, que tem até o fim deste mês para acertar sua vida com a consultoria em que trabalha depois de deixar o Ministério da Justiça atirando. Ele tem até o dia 31 para dizer se abandona o sonho de ser candidato (à Presidência ou ao Senado), ou se abandona o emprego.

Moro conversa muito, mas não define nada, enquanto João Doria é inabalável na sua decisão – ou obsessão – de disputar a Presidência e tenta arrastar Moro e, junto com ele, toda a sua simbologia no combate à corrupção, para sua campanha. A Lava Jato morreu, mas a aura da Lava Jato ainda paira sobre o eleitorado.

Luiz Carlos Azedo - Um recado dos investidores

Correio Braziliense

Sempre houve problemas, mas o Brasil era protagonista mundial na questão ambiental, por causa da legislação existente e do combate aos crimes ambientais

Muito emblemático o desfecho do leilão de 92 blocos, ofertados ontem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), para exploração de petróleo e gás natural: apenas cinco foram arrematados. Estavam distribuídos em 11 setores das bacias Campos, Pelotas, Potiguar e Santos. Entre as áreas que não receberam proposta, felizmente, estão os lotes próximos a Fernando de Noronha, onde, segundo ambientalistas, a exploração oferece riscos à fauna marinha. Foram arrematados dois blocos do setor SS-AP4 e três no setor SS-AUP4, ambos na Bacia de Santos. Das nove empresas que se inscreveram para participar da disputa, apenas duas fizeram ofertas.

A Shell arrematou sozinha quatro dos cinco blocos e formou consórcio com a Ecopetrol para arrematar o quinto. Inscreveram-se no leilão: Petrobras, Chevron Brasil Óleo e Gás Ltda., Total Energies EP Brasil Ltda., Ecopetrol Óleo e Gás do Brasil Ltda., Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás Ltda., Wintershall Dea do Brasil Exploração e Produção Ltda, e 3R Petroleum Óleo e Gás S.A. A ANP arrecadou R$ 37 milhões em bônus de assinatura, um investimento previsto de R$ 136 milhões. Há dois anos não se realizavam leilões, mas o desinteresse de investidores já havia sido registrado na rodada de outubro de 2019, na qual foram arrematados apenas 12 dos 36 blocos exploratórios ofertados pela ANP. Entretanto, à época, houve um recorde de arrecadação: R$ 8,915 bilhões. Agora, não. Talvez tenha sido esse o último grande leilão — o futuro dirá. Quanto mais profunda a camada pré-sal, mais cara e complexa é a exploração.

Claudia Safatle - A antirreforma do Imposto de Renda

Valor Econômico

Projeto de lei que muda IR ficou sem pai nem mãe

São bem-vindos os sinais do Senado de que não pretende tratar com açodamento o projeto de lei do Imposto de Renda. Se havia algo de positivo na proposta do governo, isso desapareceu no substitutivo que foi aprovado na Câmara.

“Construiu-se uma reforma que não tributa ninguém a mais e tributa muitos a menos”, resumiu o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre. Para ter ideia das distorções criadas na proposta, a Câmara aprovou uma faixa de isenção a título de taxação dos lucros e dividendos de R$ 4,8 milhões de faturamento anual, para as empresas que declaram com base no lucro presumido. È difícil acreditar que quem tem esse faturamento precisa ser subtributado.

José de Souza Martins* - Votorantim, cultura da herança

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Empresa familiar evitou correr risco de ser inviabilizada por falta de vocação dos herdeiros

Recente entrevista de Joana Cunha, na “Folha de S. Paulo”, com membros da família Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, trata de um dos temas mais desafiadores no modo de organização e gestão das empresas brasileiras. É o do potencial desencontro entre o direito de herança do patrimônio de família pelos herdeiros e o modo de herdá-lo sem destruir a empresa. São muitos os casos de empresas inviabilizadas por incompetência de herdeiros.

O mais que centenário grupo econômico fundado por Antonio Pereira Inácio, na mesma família desde então, é um caso significativo para compreender-se os fatores que lhe garantiram a sobrevivência durante tão largo tempo. Entre eles, o desenvolvimento de uma cultura inovadora no trato da relação entre capital e capitalista.

Longe do arcaísmo de impor ao herdeiro sem vocação empresarial a função de empresário e longe de pressupor que quem é dono é competente, a cultura de família da Votorantim desenvolveu esquemas de socialização dos herdeiros para diferentes funções na empresa. Para os que tiverem outra vocação, há no esquema a alternativa para conciliar o herdeiro sem vocação com seus direitos de sucessor. Ao seguir suas inclinações pessoais, vinculado ao grupo como acionista qualificado, não alienado, mas socializado como membro da família e do grupo econômico.

Bruno Boghossian – O fim da era Guedes

Folha de S. Paulo

Ministro tem poucas chances de sobreviver a eleição que terá economia como questão central

Na campanha de 2014, Dilma Rousseff demitiu o ministro da Fazenda pela imprensa. Com uma economia em desaceleração, aliados e investidores cobravam sinais de mudança naquela área caso ela fosse reeleita. A três meses do fim do mandato, a petista antecipou o destino de Guido Mantega durante uma entrevista coletiva: "governo novo, equipe nova".

No início de setembro, a reeleição da presidente estava em risco. Marina Silva dividia com a petista a liderança nas pesquisas e vencia por 48% a 41% no segundo turno. Dilma segurava Mantega na cadeira até então, mas cedeu para acalmar empresários e caciques do Congresso que ameaçavam pular do barco.

Reinaldo Azevedo - Meninas pobres à luz da Dreadnoughts

Folha de S. Paulo

Não proponho enforcar o último dono de offshore com as tripas do último reacionário; até os vejo com certa piedade

O que o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres e mulheres em situação de rua tem a ver com a Dreadnoughts Internacional, a inoxidável offshore de Paulo Guedes, com patrimônio de ao menos US$ 9,55 milhões?

A propósito: Sérgio Rodrigues, colunista desta Folha, sinta-se desafiado a fazer um ensaio combinando o nome dessas empresas dos ricos com seu grau de alienação da realidade. Ou de arrogância. Espero responder à pergunta inicial no curso do texto.

Consta que o ministro está indignado com a proporção que tomou a notícia, não a fake news, de que ele tem a tal empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. Compreenda-se a sua fúria. Ele contou tudo à Comissão de Ética Pública. Por alguma razão inexplicada, a dita-cuja não viu contradição entre a sua empresa (e as de Roberto Campos Neto) e a lei 12.813. Há ainda o Código de Conduta da Alta Administração Federal, que também veda tal prática.

Vinicius Torres Freire – O Messias do caos e da carestia

Folha de S. Paulo

Pode faltar luz, fertilizante e comida, diz o presidente de seu ócio desgovernado

Jair Bolsonaro não está se segurando. Faz um mês, suspendeu a campanha golpista em público, parou de fazer motociata mussoliniana e ficou um tanto menos falante.

Dedicou a logorreia a fazer campanha contra vacinas e a culpar governadores pela carestia dos combustíveis. Seus assessores do centrão dizem que ele tem de sair do noticiário negativo a fim de recuperar pontos de popularidade. Nesta quinta-feira, voltou a falar mais.

Atacou de novo a vacinação contra a Covid. Também disse que o Brasil deve se preparar para “problemas de abastecimento” em 2022, pois os fertilizantes vão ficar muito caros. Sim, insinuou que pode faltar comida.

Bolsonaro até comentou que a Secretaria de Assuntos Estratégicos prepara um plano de emergência para não faltar fertilizante, mas nunca sabe o que diz, afora nos casos de pregação de golpe, morte, violências, preconceitos, ignorância ou de agitação do seu rebanho.

Celso Ming - 600 mil mortes depois

O Estado de S. Paulo

Simon Schwartzman* - A escolha de reitores das universidades federais

O Estado de S. Paulo

Essencial é trazer o País para a realidade e as necessidades do século 21

Com escolha de reitores por Bolsonaro, cresce tensão política nas universidades federais, diz a matéria de O Estado de S. Paulo de 19 de setembro, assinada por Renata Cafardo. A regra é as universidades encaminharem à Presidência uma lista de três nomes, eleitos internamente, e a tradição era o governo sempre nomear o primeiro da lista. Em 1998, porém, o então ministro Paulo Renato Souza decidiu não nomear o primeiro da lista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que havia feito uma campanha baseada em ataques ao governo de Fernando Henrique Cardoso, o que levou a uma prolongada e desgastante greve da instituição. Dos 50 reitores nomeados pelo atual governo, 18 eram os segundos ou terceiros, o que provocou, em muitos casos, conflitos e protestos de professores, alunos e funcionários das instituições.

Essa é uma das situações em que o que havia antes não era bom e a tentativa de corrigir o problema ficou pior. Antes não era bom porque as universidades públicas não são repúblicas autônomas que podem fazer o que querem, mas instituições financiadas pela sociedade para cumprir determinados objetivos de pesquisa, formação superior e outras atividades de interesse público. Seus dirigentes precisam, por um lado, ter o respeito e o apoio de suas corporações internas – professores, funcionários, estudantes – e, por outro, cumprir mandatos mais amplos, que, ao menos em princípio, devem ser supervisionados pelo Poder Executivo. O sistema de lista tríplice buscou conciliar esses dois objetivos – o Executivo nomeia os reitores, mas dentro de uma lista de pessoas escolhidas pelas instituições.

Flávia Oliveira - Pimenta, saberes e ciência

O Globo

Eu nasci em 1969 de parto natural — atravessado, diga-se de passagem, por violência obstétrica travestida de resistência das mulheres negras à dor. Minha mãe tinha 34 anos e me amamentou até os 3 anos e 4 meses de idade. Ela contava com misto de orgulho e enfado sobre o tempo que passei pendurada em seus seios. Às gargalhadas, elencava as estratégias bizarras que adotou para provocar o desmame tardio, em tempos pré-Estatuto da Criança e do Adolescente. Aplicou curativos nas mamas, fingindo estar machucada; pincelou Merthiolate e Mercúrio Cromo; lambuzou pimenta. Parecia crendice, era ciência.

Dona Anna era baiana do Recôncavo. Nasceu e cresceu em Cachoeira. Migrou para o Rio de Janeiro para encontrar mãe, irmãs e irmãos em 1960. Da Bahia, além de régua e compasso, como cantou mestre Gilberto Gil, trouxe um repertório de saberes de cura. Para mal-estar digestivo e ressaca, recomendava água tônica; problemas de fígado, chá de boldo. Água tônica é dos refrigerantes mais antigos da História. Na origem, um par de enredos. Em 1638, a esposa do vice-rei espanhol teria adoecido no Peru. Foi diagnosticada com febre terçã, outro nome da malária, e tratada por indígenas locais com uma poção feita com casca de kina — daí o nome quinina. Durante o Império Britânico, soldados indianos tratavam a mesma doença misturando quinino à água gaseificada. Os ingleses levaram a fórmula para fábricas de bebidas e, em 1858, a patentearam.

Pedro Doria - Fora, Zuckerberg

O Globo / O Estado de S. Paulo

O depoimento de Frances Haugen perante o Senado americano, na última terça-feira, marcou uma virada na relação de Washington com o Facebook. Ela, que era responsável pela questão de desinformação cívica na plataforma, não trouxe para os políticos coisa que eles não soubessem. O que trouxe foram pistas sobre o caminho a seguir para regular. E isso tem imenso valor. Desse depoimento, saem pelo menos duas conclusões muito importantes.

A primeira é que Haugen ajudou republicanos e democratas a encontrar um caminho comum. Em tese, o que apresentou foi uma delação. Dentro da companhia, ela ocupava uma gerência responsável por compreender e oferecer soluções para os problemas que o Facebook causa à sociedade.

Os problemas foram mapeados e não são novos. Jornalistas que trabalham com desinformação, sociólogos que investigam o impacto do meio digital na vida das pessoas ou cientistas políticos que estudam a intersecção entre radicalismo e internet já os conheciam bem e com profundidade. A diferença é que, agora, sabemos que dentro do Facebook as mesmas conclusões foram tiradas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Retrocesso no combate à corrupção

O Globo

A reação ao “lavajatismo” — termo pejorativo criado para qualificar o cerco aos corruptos deflagrado pela Operação Lava-Jato — segue a toda em Brasília. Não apenas no Supremo, mas também no Congresso. O Legislativo não tem perdido oportunidades para tentar cercear o trabalho de procuradores e da Justiça. Primeiro, incluiu um sem-número de absurdos na nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Em vez de reformar os pontos deficientes da lei, os parlamentares aproveitaram para criar regras que dificultam o combate à corrupção. Além disso, a Câmara tentou acelerar mudanças que na prática sujeitam ao Parlamento o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), encarregado de fiscalizar e punir os procuradores. Tudo para dificultar investigações.

É verdade que a LIA, de 1992, precisava de mudança. Com a adoção de legislação criminal mais dura no Brasil, ela deixou de ser a principal arma de combate aos corruptos. Preservou, porém, um efeito colateral perverso: tornou-se um desincentivo a que bons gestores aceitassem ocupar cargos públicos, por medo de processos. É, por isso, positiva a principal mudança na lei: a exigência de comprovação de dolo para a punir os gestores. Com isso, deixará de haver condenação por simples erros administrativos, permitindo que profissionais capazes se sintam menos ameaçados ao vir trabalhar no governo.