sábado, 30 de outubro de 2021

Ascânio Seleme - Justiça de ocasião

O Globo

TSE decidiu que Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso por disparo de mensagens em massa durante a campanha de 2022. Hoje, segue sendo presidente do Brasil

Três anos depois de receber a denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral arquivou o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por abuso de poder econômico no disparo de mensagens em massa. Todos os ministros concordaram que houve abuso, alguns foram mais enfáticos do que outros, mas cada um deles confirmou que viu, sim, indícios de crime eleitoral no episódio. Nenhum, contudo, condenou a chapa. Alegaram que não foram apresentadas provas de que houve benefício eleitoral para a dupla vencedora com os disparos em massa. Não precisa ser especialista para saber do poder e da eficiência das redes sociais em campanhas eleitorais. Desde a primeira eleição de Barack Obama, em 2008, é assim. No Brasil de 2018, foi escandaloso. Você sabe, eu sei, os ministros do TSE também sabem.

Alexandre de Moraes disse em seu voto que “a justiça é cega, mas não é tola”. O julgamento dos disparos em massa pelo TSE teve um inegável mérito, o de estabelecer parâmetros para a conduta eleitoral nas redes sociais daqui em diante. Por outro lado, significa que o que não foi crime hoje será crime amanhã. Se não há provas hoje para punir, elas serão desnecessárias em 2022. Pela tese aprovada pelos ministros, os simples disparos em massa com desinformação serão considerados abuso de poder. O tribunal decidiu que o abuso cometido hoje só será punido se for cometido de novo a partir das próximas eleições. Aparentemente, o TSE julgou olhando para o cenário político.

O país está calmo, o presidente obsceno está quieto e parou de ameaçar as instituições, por que então o TSE geraria turbulência no cenário pacificado, mesmo que artificialmente? Para aplicar a lei, talvez fosse a resposta mais apropriada. Outra pergunta, como seria este mesmo julgamento se Bolsonaro tivesse continuado em sua sanha golpista que quase explodiu no Sete de Setembro? Se o país estivesse contaminado pelo ódio bolsonarista e anti-institucional que se viu com a ameaça de invasão do Supremo, os senhores juízes votariam da mesma forma? Eu acho que não. Minha impressão é que, neste caso, teriam cassado a chapa e posto fim ao mandato e aos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos.

Carlos Alberto Sardenberg - Para evitar o pior

O Globo

Se o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter feito live em 2018 divulgando fake news sobre as urnas eletrônicas e atacando o sistema eleitoral, então o presidente Jair Bolsonaro também deveria ter sido punido. Não apenas o presidente atacou as urnas e o sistema quando ainda candidato, como continuou com esses ataques depois de eleito.

Considerando ainda o evidente disparo ilegal de fake news durante o processo eleitoral —que “todo mundo viu”, como disse o ministro do STF Alexandre de Moraes —, então a chapa Bolsonaro-Mourão deveria ter sido cassada duas vezes. E há mais tempo.

Mas não foi — e justamente pela lentidão da Justiça, que criou uma ameaça de grave instabilidade política.

Como Bolsonaro e Mourão já ultrapassaram dois anos de mandato, a substituição se daria assim, caso fossem cassados. O primeiro na linha de sucessão é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que assumiria interinamente para convocar eleições em 30 dias. Atenção: eleição indireta, no Congresso Nacional.

Como Lira está enrolado em processos no STF, provavelmente não poderia assumir. A vaga então passaria para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com a mesma função de chamar eleições indiretas em 30 dias.

Se Pacheco não pudesse assumir por alguma razão, o cargo, interino de novo, iria para o presidente do STF, Luiz Fux, também para chamar eleições indiretas.

Já pensaram a confusão? Já imaginaram as barganhas congressuais para escolher presidente e vice? A festa do Centrão?

Pablo Ortellado - Em defesa da meia-entrada

O Globo

Foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei que tenta pôr fim à meia-entrada, desconto concedido a estudantes e idosos para a compra de ingressos. O projeto deve ser vetado pelo governo do estado, mas reacendeu um antigo debate sobre a justiça desse tipo de política.

A meia-entrada é uma forma de subsídio cruzado, por meio do qual quem paga a tarifa cheia subsidia quem paga a meia. Conceder o benefício a estudantes significa que os adultos pagarão um pouco mais em cinemas e teatros para que os jovens paguem um pouco menos. Isso faz muito sentido, porque a renda dos estudantes é pequena, seja porque os jovens recebem apenas uma mesada dos pais, seja porque, se trabalharem, ganham muito menos que os mais velhos.

O desconto, se bem implementado, produz justiça distributiva. Além disso, estimula a autonomia e a formação cultural dos jovens, que estão num período-chave da educação. É boa política pública. O problema nasce com sua implementação.

Historicamente, a concessão do desconto foi condicionada à apresentação da carteirinha de estudante emitida por entidades como UNE e Umes. Isso sempre gerou desconforto entre os estudantes, porque os obrigava a se filiar e a financiar entidades estudantis zelosamente controladas por grupos político-partidários.

Demétrio Magnoli - Esquerda universitária

Folha de S. Paulo

Campo político revela-se incapaz de decifrar suas derrotas

Câmara de Nova York removeu de suas instalações a estátua de Thomas Jefferson, sob a acusação de que o autor principal da Declaração de Independência era proprietário de escravos –como, aliás, 5 dos 7 "pais fundadores". O banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política de Trump.

A revista The Economist (27.out) publicou um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.

Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na classe média urbana.

No passado, entre as décadas de 1950 e 1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.

Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.

Hélio Schwartsman - Pau no Brasil

Folha de S. Paulo

Há mais seres afetados pelo aquecimento global que brasileiros beneficiados pelo agronegócio

Espero que o Brasil apanhe bastante na COP26. Não acharei ruim nem se países europeus erguerem barreiras ambientais contra nossos produtos ou se decidirem boicotá-los.

Meu raciocínio é consequencialista. Como brasileiro, tenho interesse em que nossas empresas se saiam bem, o que em tese resulta em mais riqueza para distribuir à população. Mas eu também sou terráqueo e, nessa condição, tenho interesse em que lidemos da melhor forma possível com a emergência climática. O segundo objetivo, creio, prepondera sobre o primeiro. Há muito mais indivíduos (humanos e não humanos) afetados negativamente pelo aquecimento global do que brasileiros beneficiados pelo sucesso do agronegócio.

Cristina Serra - COP, Bolsonaro e ruína ambiental

Folha de S. Paulo

O Brasil de Bolsonaro é ruína de terreno baldio

O que o governo brasileiro tem a apresentar na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow (Escócia), para conter o aumento da temperatura no planeta? Nada além de um pacote verde de mofo, sem nenhum compromisso com o que deveria ser a nossa maior contribuição: conter o desmatamento.

Bolsonaro empreende uma política de extermínio ambiental que só encontra paralelo em intensidade com o morticínio de brasileiros na pandemia, resultado de conduta igualmente criminosa. Sua guerra contra o meio ambiente é guiada por mentalidade colonizadora, que combina usurpação da terra, assassinato de seus donos originais e destruição de ecossistemas.

Adriana Fernandes - Cadê o profissionalismo do Centrão na economia?

O Estado de S. Paulo

Deputados passaram a olhar perplexos com a possibilidade de votar a favor de um desmonte do teto

Ao menos, esperava-se mais “profissionalismo” dos caciques do Centrão na condução da política econômica do governo Jair Bolsonaro.

Eles tomaram as rédeas do comando da economia, mas estão desorganizados, sem rumo certo e atirando para todos os lados. Tem faltado planejamento. É verdade.

O último depósito do auxílio emergencial ocorre no domingo, e os governistas não entregaram ainda uma solução para o programa social como prometeram, aumentando as incertezas sobre o futuro de quem recebe o benefício.

Os últimos dias mostraram que os comandantes do Congresso ficaram perdidos com a articulação política que vem sendo costurada para derrubar a PEC dos precatórios na votação da Câmara.

Se essa articulação falhar e a PEC for aprovada na próxima quarta-feira, as lideranças do Centrão enfrentarão problemas também no Senado.

A Casa se transformou num depósito de projetos mal feitos enviados na Câmara com aval do candidatíssimo à cadeira de Bolsonaro, o seu presidente Rodrigo Pacheco.

João Gabriel de Lima* - Sociedade de um lado, governo do outro

O Estado de S. Paulo

As delegações brasileiras na COP sempre foram plurais. Tudo mudou com Bolsonaro

Duas características marcantes e positivas do Brasil sempre estiveram presentes nas COPS, as conferências mundiais sobre o clima: a força da sociedade civil e sua sintonia com os governos eleitos. O símbolo dessa união é a credencial rosa – que, nesses eventos, dá acesso irrestrito aos pavilhões e discussões. Tradicionalmente, o governo brasileiro sempre distribuiu essa credencial entre ambientalistas, empresários e acadêmicos estudiosos das questões climáticas, com o objetivo de envolvê-los nas discussões.

O resultado é que as delegações brasileiras na COP sempre foram plurais, animadas e numerosas. Enquanto a maioria dos países levava no máximo dez assessores técnicos, os brasileiros chegavam a ser 300. Essa tradição perpassou todos os governos, de direita e de esquerda. Isabella Teixeira e Sarney Filho, ministros do Meio Ambiente, respectivamente, de Dilma e Temer, lideraram comitivas vibrantes em suas gestões.

Marcus Pestana* - O falso dilema entre responsabilidade social e fiscal

A discussão não é nova. Há muito, no Brasil e mundo afora, se discute quais são os limites dos gastos públicos para políticas sociais e investimentos para alavancar a economia. Isto remete às discussões entre os economistas neoclássicos e Keynes na depressão de 1929.

Na pandemia, a questão se recolocou e diversos governos desencadearam pacotes de auxílios sociais e estímulos econômicos para enfrentar as consequências legadas pela COVID-19. Ainda esta semana, Portugal mergulhou numa crise de governo exatamente por uma polêmica sobre o uso de recursos extraordinários disponíveis para investimentos ou para aumento do salário mínimo e das pensões, gastos de natureza permanente.

No Brasil, a semana foi dominada pela falsa polêmica entre o Auxílio Brasil e o Teto de Gastos. É um grave equívoco dissociar responsabilidade fiscal e políticas sociais. Quem paga o preço de uma política fiscal irresponsável são exatamente os mais pobres via inflação, juros altos, câmbio desvalorizado e desemprego. A Instituição Fiscal Independente -IFI, do Senado Federal, demonstrou sobejamente que era possível garantir o auxílio à população vulnerável sem quebrar a atual âncora que restabeleceu um mínimo de credibilidade à política fiscal, gravemente afetada pelas aventuras econômicas do Governo Dilma e sua “Nova Matriz Econômica”.

Dora Kramer - Volta do cipó

Revista Veja

Doria conta com vitória sabendo que dirigentes do PSDB trabalham contra ele nas prévias

O governador João Doria faz jus ao seu estilo e se vale do perfil confiante para considerar como mera impressão o cenário em que o adversário Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, representaria grave ameaça aos seus planos de vencer as prévias marcadas para o próximo dia 21 de novembro e, assim, concorrer à Presidência da República pelo PSDB.

Os adeptos da postulação do paulista atribuem o crescimento (aparente, segundo eles) do gaúcho a duas razões: o trabalho contra João Doria feito pelos dirigentes — incluídos aí vários integrantes do tucanato tradicional, de “raiz” — e o esforço de Eduardo Leite na conquista de visibilidade para se firmar como figura de relevância nacional.

Na visão dos defensores de Doria, esses fatores asseguram posição de destaque para Leite no noticiário político, mas não alteram a preferência interna pelo candidato deles, que hoje contabiliza uma dianteira de 64% a 34% em relação ao principal oponente. O terceiro concorrente, o ex-­prefeito de Manaus e ex-senador Arthur Virgílio Neto (simpático a Doria), nessa conta estaria com cerca de 2% dos votos.

Mesmo que esses números correspondam à realidade, ainda assim surpreende que um terço do partido se mostre disposto a escolher a candidatura de um novato em detrimento de alguém, como o governador de São Paulo, que é conhecido, tem uma gestão bem avaliada e, sobretudo, atuou em favor da vacinação, obrigando o governo federal a sair do negacionismo e abraçar a causa da imunização.

Ricardo Rangel - O maremoto e o capitão

Revista Veja

Uma coisa é certa: 2022 não será um ano fácil para Jair Bolsonaro

Com 19 milhões de brasileiros com fome, não se discute que a renovação do auxílio emergencial é necessária. Também não se discute de onde o dinheiro deveria vir: das emendas do orçamento secreto que Arthur Lira e Ciro Nogueira pilotam. Mas Bolsonaro, temendo desagradar ao Centrão, que o mantém na cadeira, achou que furar o teto era uma boa alternativa. A PEC dos Precatórios, turbinada com o jabuti do auxílio, criará um rombo de até 95 bilhões de reais.

A proposta nem foi aprovada ainda, mas o estrago já está feito: dólar, juros e inflação muito mais altos do que o previsto. O presidente dará com uma mão, tirará com a outra e enfrentará uma campanha eleitoral com a crise econômica muito agravada.

Não há sequer garantia de que a proposta será aprovada. Noves fora o permanente interesse dos parlamentares em abrir espaço para as emendas de relator (até porque é ano eleitoral), uma emenda constitucional exige dois terços dos votos no Congresso, a oposição busca caminhos para barrar, o Senado nunca dá vida fácil ao presidente e Rodrigo Pacheco é candidato ao Planalto.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

TSE defende a democracia

O Estado de S. Paulo

Duas decisões do TSE são um recado importante para 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições, seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei

Quem tentar fraudar lisura das eleições enfrentará as consequências da lei.

Na quinta-feira passada, em duas decisões aparentemente opostas – uma com pedido julgado improcedente e outra, procedente –, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez enfática defesa da democracia diante das novas táticas de difusão massiva de desinformação. Os dois casos revelam tanto o esforço da Corte na proteção da lisura das eleições como as insuficiências da atual legislação para lidar de forma efetiva com os novos ataques digitais.

No primeiro caso, o TSE não cassou a chapa Bolsonaro e Mourão, acusada de abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação na campanha de 2018. Segundo a Corte, ainda que contivessem elementos de ilicitude, as provas apresentadas eram insuficientes para atestar a gravidade dos fatos, o que é requisito para a cassação da chapa.

O TSE aproveitou o caso para estabelecer uma orientação para situações futuras. Segundo a nova tese fixada, as hipóteses previstas no art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990, a respeito de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, também podem ocorrer pelo “uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato”.

No segundo caso, o plenário do TSE cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual Fernando Francischini, por divulgar informações mentirosas contra o sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno das eleições de 2018, Francischini – então deputado federal pelo Paraná – fez uma live afirmando que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Jair Bolsonaro.