quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Merval Pereira - Triângulo nada amoroso

O Globo

Um roteirista de criatividade mediana poderia imaginar uma disputa entre o ex-presidente preso e o seu juiz algoz, e estaria de bom tamanho, compatível com as voltas que o mundo dá. Mas acrescentar a essa trama um terceiro personagem, o atual presidente da República, eleito por ter se tornado o símbolo do combate à corrupção petista, transformado ele mesmo em alvo de investigações as mais variadas de corrupção, aí já é preciso ser muito criativo.

Predomina na eleição presidencial brasileira não mais a simples polarização. Um triângulo amoroso com marido, mulher e amante é mais comum que esse triângulo de ódio e ressentimento que formam o ex-presidente Lula, o atual presidente Bolsonaro e o ex-juiz Sergio Moro.

Cada um deles é contra os dois outros com a mesma intensidade. Lula foi condenado à cadeia por Sergio Moro, depois considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou soltar Lula para alegria de Bolsonaro, que o considera um candidato mais fácil de bater se a polarização entre extremos se mantiver.

Malu Gaspar - A eleição do cinismo

O Globo

Todo mundo que vive da política sabe que, sem cinismo, não se sobrevive na atividade. O cinismo permite fazer do inimigo de ontem o aliado de amanhã. Permite mudanças de rumo antes injustificáveis. Permite governar. Mas, acima de tudo, permite disputar eleições. Os mesmos marqueteiros que convencionaram que o pleito de 2018 foi da indignação com o sistema e da escolha de um outsider agora vêm afirmando que, em 2022, a tônica serão a inflação e a fome. Até agora, porém, está claro é que em 2022 teremos a eleição do cinismo.

No Congresso, todo o esforço tem sido para conseguir recursos abundantes e livres de fiscalização ou de limites de qualquer natureza para o ano eleitoral — dos R$ 16 bilhões do orçamento secreto aos R$ 65 bilhões com a mudança nas regras do teto de gastos, passando pelos R$ 3,28 bilhões das emendas Pix, que pingam diretamente nas bases sem escala ou fiscalização. Mas é tudo para o bem, claro. Afinal, o Auxílio Brasil precisa de recursos, a Saúde e a Educação também. Remanejar despesas? Impossível. Falta de transparência? Intriga da extrema imprensa! Todos sabem quem está enviando dinheiro para onde, basta procurar nas redes sociais.

Míriam Leitão - BC avisa que vai perseverar

O Globo

O Banco Central subiu os juros, como se esperava, e deu um recado duro avisando que o ciclo de aperto monetário pode avançar “significativamente em território contracionista”. Ou seja, ele alerta que o país entrará em recessão, mas o comunicado informa que o BC vai “perseverar” na estratégia para reduzir a inflação e ancorar as expectativas. Não criticou diretamente a política fiscal, mas ficou implícito quando disse que há dúvidas sobre os parâmetros fiscais do país. E há. O governo acaba de fazer um rombo no teto de gastos, travestido de alteração apenas da fórmula de cálculo.

Em nove meses o Banco Central aplicou no país um choque de juros de proporções históricas. A Selic saiu de 2% para 9,25%. No começo do ano, ele já avisou, que vai para 10,75%. Não é fácil para o BC tomar decisão neste momento. O quadro é desanimador. O IPCA de novembro que será divulgado amanhã ficará acima de 1%, de novo, levando o acumulado para próximo de 11%. As vendas do comércio caíram, pelo dado divulgado ontem. É a sexta queda no ano. O mercado de trabalho está repleto de dados preocupantes: a renda recuou dez anos, uma queda de 11%. O país está em recessão técnica. Dos desempregados, quase quatro milhões estão sem trabalho há mais de dois anos, mesmo procurando. É o desemprego de longo prazo batendo recorde.

William Waack - O justiceiro e o injustiçado

O Estado de S. Paulo.

Sérgio Moro e o ex-presidente Lula esperam vencer o julgamento moral

O ex-juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Lula estão prontinhos para se enfrentar num segundo turno das eleições. Já se tratam como adversários prováveis e sugerem um duelo clássico: quem terá maior competência política para fazer prevalecer a própria narrativa e bloquear a do adversário, a essência da política.

Grosso modo ambos brigam por assumir os mesmos atributos aos olhos do eleitorado. Consideram-se vítimas de injustiças praticadas por poderosos que ousaram desafiar. Admitem que erros políticos ou de conduta pessoal no passado empalidecem diante dos objetivos que queriam alcançar.

A Lula sobra o cinismo que o surrado animal político consolidou em mais de meio século de atividade política, numa riquíssima trajetória na qual trafegou da defesa de convicções rumo à busca de oportunidades (de todo tipo). A Moro falta a importante ferramenta política da arte da dissimulação, mas sobra a convicção (pois entendeu bem Maquiavel) que em política é impossível realizar princípios, mesmo os do Direito.

Adriana Fernandes - Mulheres na campanha

O Estado de S. Paulo.

A campanha já está na rua, e a representatividade de gênero será cobrada. Não duvidem

O Brasil tem economistas brilhantes, mas, a depender do andar da carruagem, o debate eleitoral no campo econômico será mais uma vez comandado em 2022 por uma maioria de homens.

Mulheres têm assessorado presidenciáveis. Isso é fato. A coluna não pretende dizer o contrário. É preciso chamar atenção, no entanto, para a necessidade de maior protagonismo feminino na campanha do ano que vem.

As eleitoras mulheres estão cada vez mais atentas a esse ponto. Indiferentes, os políticos continuam achando que esse tema é mimimi de ativismo feminista.

José Serra* - Governo põe em risco o Auxílio Brasil

O Estado de S. Paulo

Deve-se evitar a todo custo o desvio do espaço fiscal aberto com a PEC 23 para despesas sem relação direta com a seguridade social

O Senado Federal vem-se opondo a uma aprovação, a toque de caixa, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23. Apresentada pelo governo, essa PEC visa a romper a regra constitucional do teto de gastos públicos e postergar o pagamento de dívidas do governo – os chamados precatórios – já reconhecidas em definitivo pelo Supremo, após longuíssima tramitação.

Essas duas medidas, que permitiriam aumentar em R$ 106 bilhões os gastos no ano que vem, contêm um alto potencial de pedaladas fiscais. Diferentemente do que argumenta o governo federal, parcela relevante desses gastos, supostamente emergenciais, não será obrigatoriamente destinada a cumprir o modesto programa de mitigação da miséria chamado Auxílio Brasil.

Fique claro que a proposta do Executivo não é apenas um remendo, pois, na prática, ela promove o fim do teto de gastos. Criada como resposta à crise econômica e fiscal do final do governo Dilma, a adoção da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pressupunha a necessidade de manter o crescimento da despesa pública em patamar inferior às expectativas desordenadas de expansão orçamentária do País. Se para alguns continha muitos defeitos, produziria, entretanto, resultados positivos no curto prazo, graças à expectativa de que os gastos estariam sob controle nos anos vindouros.

Celso Ming - Nova carga de juros

O Estado de S. Paulo

Nesta quarta-feira, o Copom aumentou os juros básicos (Selic) em mais 1,5 ponto porcentual, para 9,25% ao ano. A pancada, de 7,25 pontos porcentuais acumulados em nove meses, já é a maior em tão curto período de tempo desde 2002.

O objetivo é quebrar a espinha dorsal da inflação, que em 12 meses alcança 10,7% ao ano e pode ficar ainda mais alta, a depender dos números de novembro a serem divulgados nesta sexta-feira.

Alguns críticos entendem que esse choque é inadequado, uma vez que, em sua origem, esta inflação é importada. Ou seja, tem a ver com a disparada dos preços internacionais que se seguiu à desorganização dos fluxos de produção e distribuição pela pandemia e não por aumento do consumo interno. Por isso, a redução do volume de moeda na economia (cujo efeito é a alta dos juros) não ataca as causas da inflação. A partir desse ponto de vista, não seria a escalada de juros que reduziria o consumo de combustíveis e, com isso, derrubaria os preços da gasolina.

Vinicius Torres Freire – A espera de um milagre na inflação

Folha de S. Paulo

BC eleva juros e afirma que alta na Selic não vai ter refresco até expectativa de IPCA ficar no alvo

O Banco Central avisou que a alta da taxa básica de juros não vai ter refresco tão cedo. Isto é, ainda vai pisar no acelerador até que as expectativas de inflação estejam na meta em 2023. A meta de 2022 já foi meio para o vinagre; se o IPCA ficar abaixo do teto de 5%, já estaria bom.

Trocando em miúdos, por ora, a Selic deve ir pelo menos a 11,75% em algum momento do ano que vem, fechando 2022 em 11,25%.

O aumento da Selic de 7,75% para 9,25% ao ano na reunião desta quarta-feira do BC era meio óbvio. Houve alguma novidade no tom, no recado "duro", talvez para ajudar a desinflar a economia com um pouco de gogó, "no grito", mostrando disposição de salgar ainda mais os juros, mesmo nesta economia à beira de cair na recessão.

Maria Hermínia Tavares - Prisioneiros do passado

Folha de S. Paulo

É clara a relação entre desmatamento, baixo desenvolvimento e pobreza

Ao longo deste infindável ano, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e secretário-executivo do Conselho de Defesa, Augusto Heleno, autorizou sete projetos de pesquisa para garimpo de ouro em 12,7 mil hectares, na maioria em terras públicas situadas na região de São Gabriel da Cachoeira. Na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, a região é uma das mais preservadas da Amazônia e habitada por 23 etnias indígenas.

O general aposentado é de um tempo em que se acreditava que desenvolvimento e proteção ambiental eram objetivos antagônicos e que o último deveria ser sacrificado ao primeiro, sempre que necessário. É também de uma época em que as leis poderiam ser atropeladas em nome de suposto imperativo de segurança nacional. Assim, não causa espanto que entre os beneficiados com sua autorização estejam empresários com pendências no Ibama.

Bruno Boghossian – O patrão ficou maluco?

Folha de S. Paulo

Grupo aplaude presidente que produziu mais instabilidade do que ambiente saudável de negócios

Jair Bolsonaro quer repetir a dose. O presidente foi a um beija-mão com empresários da indústria na última terça-feira (7) e apresentou os integrantes do governo como "empregados" daquela distinta plateia. "Vocês não devem nenhum favor para nós. Nós é que somos devedores de favores a vocês", declarou, sob aplausos.

Foi o mesmo papo que usou para conquistar a simpatia do setor em 2018. Naquele ano, Bolsonaro se ofereceu para reduzir direitos trabalhistas e superar o que chamou de "problemas ambientais", afrouxando a legislação. "Não faremos nada da nossa cabeça. Os senhores, que estão na ponta das empresas, serão os nossos patrões", afirmou.

Ruy Castro - O poder acima do cargo

Folha de S. Paulo

Em três anos, Bolsonaro nunca fez ou disse nada que não visasse sua eternidade na cadeira

Um dia, se o Brasil acordar sem Jair Bolsonaro, olharemos em torno e só então faremos ideia do que sobrou —se sobrou. Nunca um governante terá destroçado em tão pouco tempo as bases do país.

A princípio, parecia só um estúpido, irresponsável, destrambelhado, e assim atravessou o primeiro ano de mandato, provocando em muitos apenas indignação: "É louco!", "Sabe o que ele disse hoje?" ou "Como pode um sujeito desses ser presidente?". Outros, no entanto, entre os quais este colunista, viram desde cedo que havia um método naqueles supostos desatinos. Bolsonaro nunca fez, assinou ou disse nada que não significasse um passo na sua progressiva tomada do poder.

Cristiano Romero - Pedaladas clássicas e ilegais

Valor Econômico

Manobras são para mostrar situação fiscal “melhorada”

Defensores de Dilma Rousseff sempre alegarão que a ex-presidente perdeu o mandato devido a um golpe promovido pela oposição. Na verdade, a história conta que a manobra política que levou ao seu impeachment foi liderada por seus aliados tanto na eleição para o primeiro mandato (2011-2014) quanto para o segundo (2015-2018), este interrompido em maio de 2016 com o afastamento aprovado pela Câmara dos Deputados.

Alvo de dezenas de pedidos de impeachment, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso explicou certa vez que esses são iniciados pela Câmara apenas depois de cumpridas três condições: técnica, isto é, quando o mandatário descumpre alguma lei; política, quando há o "clamor das ruas" - manifestações populares constantes, a revelar insatisfação com o governo -; e parlamentar, quando se reúne maioria no Congresso para aprovar o impeachment.

No caso de Dilma, as três condições estavam preenchidas com folga no fim de 2015, quando se encerrou o primeiro ano de seu segundo mandato. Diz-se que o processo de impedimento é político, uma decisão soberana do Parlamento. Apenas esse argumento já justificaria o impeachment, afinal, estamos numa democracia. Ocorre que o governo da ex-presidente infringiu leis fiscais. Ainda assim, seus correligionários no PT sustentam a tese do golpe.

Maria Cristina Fernandes - A inércia da polarização

Valor Econômico

Bolsonaro mostra fôlego para se manter no páreo contra Lula

O acordo da PEC dos Precatórios alinhavou quase todas as condições materiais da disputa de 2022 para o presidente Jair Bolsonaro. Ruma para garantir o Auxílio Brasil de R$ 400, colchão com o qual pretende segurar a miséria já que pobreza, num país sob o aperto monetário já sinalizado pelo Copom, não vai dar pra reduzir. É assim que o buraco aumenta. A cada aperto nos juros o presidente-candidato vai fazer mais um puxadinho no teto.

Na disputa que hoje se configura pela liderança do antipetismo, o retrato desta largada favorece Bolsonaro ante a ameaça de Sergio Moro. Se a terceira via, na definição do diretor da Quaest/Genial, Felipe Nunes, é uma demanda que se mantinha com pouca oferta, o ex-ministro, na última edição da pesquisa divulgada ontem, mostra que chegou para preencher esta lacuna. Ainda não há sinais, porém, de que será capaz de ultrapassar a postulação presidencial à reeleição.

A corrupção como problema mantém-se subordinada aos dramas da miséria, desigualdade e desemprego. Moro pode prometer, mas é seu ex-chefe que terá entregas a fazer em 2022. A expectativa delas, somada ao pagamento da primeira parcela do décimo-terceiro, já ajudou a reverter o azedume do eleitorado com Bolsonaro.

Andrea Jubé - Ala bolsonarista do PSDB prepara desembarque da sigla

Valor Econômico

Doria e Moro se encontram em São Paulo; governador diz que se discutiu “base de centro liberal”

Em meio à insatisfação de uma ala da legenda com a vitória do governador de São Paulo, João Doria, nas prévias tucanas, a cúpula do PSDB já contabiliza as baixas na bancada federal na janela para o troca-troca partidário que será aberta em abril. Os cálculos preliminares são de que pelo menos 15 deputados devem migrar para siglas da base governista, como o PL.

“Os deputados que estavam com o [governador do Rio Grande do Sul] Eduardo Leite não estavam com ele, estavam contra o Doria”, disse ao Valor a deputada Mara Rocha, do Acre, referindo-se ao segundo colocado na disputa para a vaga de presidenciável do PSDB. Aliada declarada do presidente Jair Bolsonaro, a parlamentar vai trocar o PSDB pelo PL, sigla a qual o mandatário se filiou no dia 30. A partir das conversas internas, ela projeta que metade da bancada deve deixar o PSDB em abril.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS 

Prática e discurso

Folha de S. Paulo

Bolsonaro age contra ômicron, sem deixar mistificação sobre passaporte da vacina

Ao fim e ao cabo, o governo do presidente Jair Bolsonaro acabou por acatar recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a entrada no país de visitantes estrangeiros durante a pandemia de Covid-19.

Viajantes deverão apresentar, além de teste PCR negativo feito às vésperas do embarque, um certificado de vacinação —ou manter-se em quarentena por um período de cinco dias. É um conjunto de exigências que não discrepa tanto dos adotados em países com histórico de competência muito superior ao nosso no trato da moléstia.

Teria sido obviamente preferível tornar a imunização a exigência padrão, abrindo exceção apenas para crianças, indivíduos que, por razões médicas, não possam tomar a vacina e outros casos especiais.

Não temos, afinal, nenhuma estrutura para verificar se o isolamento será efetivamente cumprido. Há também o risco de que a possibilidade de vir ao Brasil sem imunização, aliada à desvalorização do real, acabe gerando um tipo de seleção adversa, que torne o país um destino dourado para negacionistas internacionais.

Poesia | Joaquim Cardozo - Território entre o Gesto e a Palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.


In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.207-208. Poema integrante da série Mundos Paralelos