domingo, 12 de dezembro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Implicações do aborto do centro: uma pauta para análise

Esta coluna celebra um ano neste sábado. Por isso (ritos importam) não poderia deixar de reaparecer após duas semanas de recesso forçado. A celebração é uma teima. Quarenta e quatro artigos e áudios depois, o horizonte político brasileiro está mais nublado. Havia, há um ano, vislumbre democrático. Na inquietude da combinação de pandemia e golpismo, a esperança de que, passado o infortúnio, a sociedade e a política acertariam o passo, domariam os demônios e preparariam a reconstrução do país. O pior da peste passou, mas não há sinal visível de reconstrução, inércia agravada pelo tempo que encurtou. As eleições já despontam na esquina, mas a política perde o timing e capitula. A sociedade dá de ombros e o eleitorado tira a raiva do armário onde o medo a havia guardado. Nesse vácuo, refaz-se o elo vingador entre voto e aventura. O mito pode mudar para que a mistificação possa dobrar sua aposta.

Nessas duas semanas de recesso não escrevi aqui, mas conversando (amigos importam) li e ouvi, a miúde, a pergunta sobre se ainda cogito chance eleitoral para um “centro” formado por agregação. Pergunta que também não cala em meditações solitárias por não ser de jeito algum acidental o título da coluna inaugural (12.12.2020), “Em busca de um centro”, sendo esse um tema recorrente nas sabatinas.

Um dos mais argutos desses interlocutores, o cientista político Marco Aurelio Nogueira, também refinado articulista no debate público, ao ler a coluna de 20.11.21 (“Quatro ou cinco estrelas no céu da política, a realidade chã bate à porta”), percebeu que eu tentava, após a trituração da pré-candidatura de Mandetta no âmbito do União Brasil e a previsão de vitória de João Dória nas prévias do PSDB, deslocar a cogitação de um centro como terceira via para uma última hipótese de encarnação. Leu bem que, a meu ver, o presidente do Senado, cria da política que ousa dizer o nome, poderia ser, por essa razão, uma estrela “diferente” das que estão inscritas hoje no cardápio eleitoral que se prepara para as eleições presidenciais de 2022. Constelação quíntupla (Bolsonaro, Lula, Moro, Ciro e Dória), ainda que a cada dia fique mais forte a impressão de que só haverá vagas para, no máximo, três egos, nesse ringue montado, onde bater é verbo de língua franca, sendo Lula o único deles que demonstra ter recursos, ao menos retóricos (e retórica importa), para alterar os molhos da antipolítica e da política rasteira.

Merval Pereira - Moro com estrutura e dinheiro

O Globo

Os últimos dias deste ano podem reservar uma definição importante na corrida presidencial a partir do anúncio do União Brasil de apoio à candidatura do ex-juiz Sérgio Moro. Fruto da junção do Democratas (DEM) com o PSL, o novo partido, assim que tiver a autorização para funcionamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estará apto a oferecer a Moro, do Podemos, uma estrutura financeira e capilaridade nacional, além do tempo de propaganda de rádio e televisão, que poucos candidatos terão. As eleições têm demonstrado, no entanto, que essa estrutura é necessária, mas não suficiente, para vencer uma campanha presidencial.

O União Brasil nascerá tendo a maior bancada da Câmara, com 81 deputados federais, 53 do PSL e 28 do DEM. A expectativa é que consiga manter a maioria de seus filiados, embora uma ala bolsonarista do PSL possa se bandear para o PL. A boa colocação de Moro nas pesquisas eleitorais servirá de lastro para impedir saídas e agregar possíveis novos deputados à bancada.

Míriam Leitão - As contradições e as lacunas de Moro

O Globo

A senadora Simone Tebet, pré-candidata do MDB à Presidência, disse que o investidor não precisa ter dúvidas sobre o posicionamento dela na economia e acrescentou: “Minha história fala por mim”. Esse é o problema com o candidato Sergio Moro, do Podemos, ele não tem história em alguns temas decisivos do país. Em outros, acumula controvérsias. No mercado financeiro já se ouve o farfalhar dos apoios incondicionais à pessoa sem conteúdo definido, como houve em 2018. O autoengano recomeçou.

O problema em torno de Sergio Moro é o quase nada que se sabe sobre suas ideias em várias áreas. Nos 16 meses que ficou no Ministério da Justiça, Moro barrou demarcações de terras indígenas, mandou o fracassado pacote anticrime para o Congresso, embutindo nele o excludente de ilicitude, apoiou indiretamente um motim de policiais no Ceará e abonou os sinais de desvios éticos no governo Bolsonaro, quando começaram a surgir.

Bernardo Mello Franco - Três anos de destruição

O Globo

O governo Bolsonaro vai fazer três anos. O capitão acha pouco e quer mais. Na semana que passou, ele recebeu um presente do Congresso. A pretexto de combater a pobreza, ganhou mais R$ 65 bilhões para gastar até a eleição de 2022.

Todo projeto autocrático depende de um segundo mandato para se consolidar. É o que lembra o filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Cebrap. Em seminário na sexta-feira, ele citou os exemplos de Hungria, Polônia e Turquia, governados por líderes de ultradireita que ascenderam pelo voto.

“Os populistas autoritários destroem a democracia por etapas”, disse Nobre. “O primeiro mandato é dedicado a minar as instituições. Vão aparelhando progressivamente para que no segundo mandato consigam fechar o regime”, alertou.

Dorrit Harazim - País ou sumidouro?

O Globo

Tem coisas que simplesmente somem no Brasil. Por vezes, inúmeras vezes, são vidas. Ou podem ser dados, ou comida no prato, a verdade, a vergonha e a decência. Pode ser tudo isso e muito mais. Pode também ser o fugitivo costas quentes Allan dos Santos. Evaporado do país para não responder ao inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news, o blogueiro se mantém ativíssimo na trincheira virtual bolsonarista. Sumiu apenas fisicamente.

Convém, sobretudo, nunca esquecer os três meninos de Belford Roxo, no Rio, que foram tragados na rua por matadores logo após o Natal do ano passado. Lucas, de 9 anos, Alexandre, de 11, e Fernando, 12, nunca mais foram vistos. Nem sequer seus ossos, inicialmente confundidos com os de animais, foram encontrados. Segundo a investigação policial divulgada nesta semana, o castigo dos moleques havia sido decidido pelo tribunal do tráfico do Morro do Castelar: cabia-lhes uma sessão de tortura por terem surrupiado o passarinho de um morador da vizinhança. Uma das crianças não teria resistido. Morreu de surra. Diante desse incômodo imprevisto, os justiceiros executaram os outros dois moleques.

Elio Gaspari - A linha do almirante da Anvisa

Folha de S. Paulo / O Globo

Agência tem razões para se orgulhar de sua conduta durante a pandemia. Barra Torres preservou a credibilidade da instituição, e evitou bate-bocas e provocações

Bolsonaro pintou-se para uma nova guerra:

“Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse negócio?”

A Anvisa nunca sugeriu que se fechasse o espaço aéreo mas, diante do surgimento de uma nova variante do vírus, o presidente anteviu uma nova batalha. Ele não gosta da vacinação, preferia cloroquina e prefere viver no mundo da negação, supondo que com isso defende a economia. Há um ano, Bolsonaro dizia que a vacina CoronaVac não seria comprada. Comprou-a. Condenava o isolamento social e teve que aceitá-lo.

De fato, pode ser que comece tudo de novo, porque o governador João Doria anunciou que instituirá o passaporte de imunização em São Paulo. Ele comprou a vacina chinesa e em janeiro começou a aplicá-la.

Bruno Boghossian - Pontos de ultrapassagem

Folha de S. Paulo

No mercado futuro, presidente ainda é favorito para preservar uma vaga na disputa com Lula

A virada do ano desenha um grid de largada mais ou menos estável para a eleição presidencial: Lula ocupa uma faixa de 40% das intenções de voto, Jair Bolsonaro tem o apoio de 25% dos eleitores, e 5% a 10% devem ir às urnas para votar em branco ou nulo. Nesse início de corrida, há poucos pontos de ultrapassagem à vista para outros candidatos.

Até aqui, Lula e Bolsonaro têm posições sólidas (ambos são citados espontaneamente como favoritos por uma larga fatia dos eleitores). Isso significa que Sergio Moro, João Doria e Ciro Gomes disputam espaços relativamente estreitos para tomar o segundo lugar do presidente.

Janio de Freitas – O poder das milícias

Folha de S. Paulo

Não há quem investigue a presença miliciana em orgia de ilegalidades

O novo desmonte no sistema institucional difere dos anteriores. Enfraquece, por abandono ou deformação, quantidade muito maior das obrigações de Estado e de governo. Atingida é a Polícia Federal, que vive uma crise silenciosa, com os afastamentos sucessivos de chefes e delegados de alto conceito, medidas injustificáveis e a direção exercida mais pelo ministro da Justiça do que pelo diretor Paulo Maiurino.

Inexpressivo como delegado, Anderson Torres, como ministro, é visto pelos indignados da PF como um agente de Bolsonaro e filhos. Maiurino, como alguém que oscila entre a sujeição e a omissão. Uma situação em que os objetivos da PF se esvaem e as atividades da função emperram. A autonomia fundamental da PF e sua condição de órgão do Estado, não do governo, estão oprimidas por interesses políticos e outros. Para um país diante de difícil processo eleitoral e com prolífica criminalidade, a deterioração de uma polícia federal já insuficiente é, no mínimo, mais uma ameaça antidemocrática.

Vinicius Torres Freire – Notícias da guerra da ômicron

Folha de S. Paulo

Falta vacinar quatro milhões e a variante vem aí

Em dezembro, São Paulo tem vacinado mais pessoas com injeções de reforço do que com segundas doses. São 183 mil doses de reforço por dia, ante 81 mil pessoas que completam sua vacinação.

Em parte, é uma boa notícia, além de compreensível. No início deste mês, havia mais pessoas aptas a tomar o reforço (11,7 milhões) do que gente precisando tomar a dose 2 (4 milhões). Mas é preciso ressaltar que ainda é necessário vacinar esses 4 milhões de pessoas, quase todas elas jovens com menos de 20 anos. No ritmo atual, a população do estado teria sido totalmente vacinada (com segunda dose ou única) apenas em meados de janeiro. É tarde.

Celso Ming - 2022, a economia e as eleições

O Estado de S. Paulo.

Este 2022 vai se desenhando como ano eleitoral carregado de expectativas ruins para a economia, que muito dificilmente poderão ser revertidas.

O ano que vai acabando já não deixa bom legado. Apesar das reiteradas e pouco persuasivas declarações em contrário do ministro Paulo Guedes, não há razões para se apostar na recuperação em “V” da atividade econômica nos próximos 12 meses.

Os juros básicos (Selic) deverão se manter em dois dígitos ao longo do período, fator que conterá o crédito e o consumo. O próprio Banco Central não esconde que sua política monetária freará o crescimento. A produção industrial se manterá estagnada. A inflação pode fechar o ano pela metade de como começou, mas ao longo de todo o ano seguirá corroendo o poder aquisitivo do trabalhador – principalmente o de baixa renda –, que terá menos recursos para se proteger. O desemprego, hoje nos 12,6% da força de trabalho, se manterá acima dos 10%.

José Roberto Mendonça de Barros* - 2021 termina melancólico

O Estado de S. Paulo.

Veremos contração de renda nas classes C,D e E, com o custo de alimentação, luz, gás e combustível

Nestes últimos dias, tivemos uma concentração de informações econômicas relevantes. O conjunto mostra uma franca desaceleração na atividade, uma inflação que ultrapassou os 10% e grandes incertezas decorrentes dos desarranjos nas regras fiscais – que só tendem a se elevar, dado que o Palácio do Planalto e o Centrão farão de tudo para ganhar as eleições.

Eliane Cantanhêde - A velha, boa e ameaçada democracia

O Estado de S. Paulo.

A cúpula de Biden foi um fiasco, mas o mundo precisa, sim, discutir os ataques à democracia

A Cúpula da Democracia foi um fiasco de público e crítica, acabou como “cúpula da hipocrisia” e expôs a falta de liderança do presidente Joe Biden, mas isso não elimina o principal: o mundo precisa discutir seriamente a questão da democracia. E, afinal, o que é democracia?

Quando o então presidente George W. Bush veio ao Brasil, em 2007, o governo Lula defendia que a Venezuela era uma democracia, pois Hugo Chávez fora eleito por voto direto e se atribuíra poderes a perder de vista via Congresso. Para os EUA, porém, Chávez dominou Congresso, Suprema Corte, PDVSA e Forças Armadas e asfixiou a mídia e a oposição. O poder emanava dele, para ele. Logo, a democracia era formal, não real.

Rolf Kuntz - Entre a estagflação e outros palavrões

O Estado de S. Paulo.

Enquanto o presidente ignora suas funções e junta seus interesses aos do Centrão, a economia desmorona e a pobreza aumenta

Palavrões são quase inevitáveis quando se fala de economia brasileira. Estagflação e desancoragem são exemplos notáveis, embora muitos outros, mais enfáticos e menos publicáveis, também descrevam a obra do presidente Bolsonaro. Estagflação foi o termo usado pelos economistas Claudio Considera e Isabella Kelly, da Fundação Getúlio Vargas, para resumir o pesadelo econômico nacional – inflação de dois dígitos, crescimento miserável e um dos maiores desempregos do mundo. O palavrão desancoragem surgiu recentemente, quando a expectativa de maior inflação se estendeu a 2023 e 2024. Reapareceu na quarta-feira, quando foi anunciada a alta dos juros básicos de 7,75% para 9,25% ao ano. Ancorar de novo as expectativas, informou o Banco Central (BC), será um dos objetivos do aperto monetário mais severo. O objetivo básico, obviamente, é conduzir a inflação à meta.

Pedro S. Malan - Eventual reeleição provoca angústia

O Estado de S. Paulo.

O histórico torna angustiante considerar o que seria um eventual segundo mandato e suas consequências

Após explicar por que julga que o Poder Executivo perdeu o controle da política fiscal, Marcos Mendes (Política fiscal à deriva, Folha de S.Paulo, 4/12) lança advertência para o próximo presidente da República. “Ou Vossa Excelência constrói e controla uma coalizão majoritária no Congresso ou alguém vai construí-la e inviabilizará o seu governo”. À qual acrescenta: “Vossa Excelência já terá um ponto de partida ruim, tendo de desfazer os erros que ora se acumulam”.

A composição partidária do Congresso Nacional estará decidida em 2 de outubro de 2022 e nesta data lideranças partidárias inaugurarão período de intensa barganha por posições e coalizões. Valeria, nesse contexto, advertência adicional: “Vossa Excelência não disporá de muito tempo”. Porque será necessário ter pensado e definido, para além de promessas genéricas de campanha, as linhas mestras de políticas públicas consistentes para a economia, a proteção social, a educação, a saúde, a segurança, o meio ambiente, a ciência e a tecnologia, a cultura... Algo que não tivemos nos três anos que ora se encerram e muito menos na polarizada campanha de 2018. Histórico que torna angustiante considerar o que seria um eventual segundo mandato e suas consequências.

Cristovam Buarque* - Vitórias da cultura

Blog do Noblat / Metrópoles

O Presidente será dos últimos a se vacinar, mas os brasileiros deram um exemplo ao mundo. Foi uma vitória da cultura sobre a política

Por mais de um ano, o Presidente da República e seus ministros, inclusive da Saúde, fizeram campanha sistemática para desacreditar a importância da vacinação contra o Covid-19. Por preconceito político tentaram boicotar a vacina fabricada graças à obstinação política do Governador Dória e à competência técnica do Instituto Butantan. Por displicência e negacionismo deixaram de comprar vacinas de outras procedências. Plantaram falsas informações de que a vacinas provocariam doenças: homens falariam fino, mulheres falariam grosso, pessoas morreriam por causa da vacina. Até hoje, o Presidente da República se nega a ser vacinado, ao ponto de não ser recebido em restaurantes em Nova York e estar impedido de ingressar em países europeus por não dispor de passaporte vacinal.

Mas apesar do governo, o Brasil é hoje um dos países com maior índice de população vacinada. Depois de meses como campeão de mortos, hoje é um exemplo de sucesso. Apesar da demora em iniciar a vacinação, superamos outros países que voltam a ter surtos e lutam para impor a obrigatoriedade de tomar vacina.

Revista Veja - A Vice da terceira via

Dentro da terceira via, poucos acreditam que a senadora disputará a Presidência, mas quase todos querem ela para compor a chapa em 2022

Por Letícia Casado / Revista Veja

A chamada terceira via ainda não chegou a um acordo que permita o lançamento de uma candidatura única do grupo à Presidência da República. Em discursos públicos, políticos dizem que há um esforço suprapartidário nesse sentido, mas o fato é que, nas últimas semanas, novos nomes entraram na corrida ao Palácio do Planalto, acirrando ainda mais a disputa. O mais recente deles foi o da senadora Simone Tebet (MDB-MS), a primeira e única mulher a se lançar no páreo até agora. Em solenidade na quarta-feira 8, Simone repetiu duas estratégias caras aos presidenciáveis ditos de centro. Primeiro, criticou a polarização e os governantes que “dividem o país ao meio e promovem o nós contra eles”, numa referência a Jair Bolsonaro (PL) e a Lula (PT). Depois, concentrou sua artilharia no ex-capitão, de quem os expoentes da terceira via acham mais fácil tomar a vaga num eventual segundo turno da próxima eleição presidencial. “Essa missão tem o clamor da urgência, urgência porque o nosso povo, o povo brasileiro, está morrendo de fome, depois de centenas de milhares de brasileiros terem morrido por uma saúde pública omissa, insensível e negacionista”, declarou a nova pré-candidata.

Revista Veja - O alerta Vermelho

Com sete dos nove governadores impedidos de tentar a reeleição em 2022, oposição vê sinal de alerta em reduto marcado pela resistência ao presidente

Leonardo Lellis / Revista Veja

Logo no início de sua gestão, o comportamento de Jair Bolsonaro produziu um efeito incidental: a união dos governadores do Nordeste como forma de reagir de maneira coordenada ao que viam como má vontade do Palácio do Planalto com a região, onde o capitão foi derrotado em todos os nove estados no primeiro e no segundo turno da eleição de 2018. O Consórcio Nordeste, criado em março de 2019, deu assim forma institucional ao principal reduto de oposição ao governo federal. O passo, no entanto, foi um desdobramento quase natural do processo pelo qual a região vinha passando desde a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003: a tomada dos governos estaduais por políticos de esquerda e centro-esquerda. Eles transformaram a área em uma espécie de “fortaleza vermelha” na geopolítica nacional e, portanto, um foco óbvio de resistência ao presidente. A cidadela, porém, corre risco para 2022.

Há vários obstáculos no horizonte para que as forças políticas que produziram esse domínio consigam repetir o sucesso. O principal deles é que, dos nove governadores, sete não poderão disputar a reeleição pois já estão no segundo mandato. Entre eles estão alguns dos mais bem avaliados do país, como Rui Costa (PT), na Bahia; Flávio Dino (PSB), no Maranhão; Camilo Santana (PT), no Ceará; e Renan Filho (MDB), em Alagoas. Tentarão renovar o mandato apenas Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, e João Azevêdo (eleito pelo PSB e hoje no Cidadania), na Paraíba.

O que pensa a mídia - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Dinheiro esfarelado

Folha de S. Paulo

Apesar de reação a emenda, perda de qualidade no Orçamento é de difícil reversão

Houve algum avanço nas últimas semanas, ainda que longe do necessário, na regulação das despesas incluídas pelo Congresso no Orçamento federal —as famigeradas emendas parlamentares, utilizadas como moeda nas negociações entre o Palácio do Planalto e sua base de sustentação partidária.

Abusos escandalosos despertaram a atenção da opinião pública e levaram a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, a suspender no início de novembro a liberação de dinheiro para as chamadas emendas de relator.

Trata-se de mecanismo introduzido em 2020 para permitir ao Legislativo direcionar somas elevadas (são R$ 16,9 bilhões neste ano) a projetos de interesse de deputados e senadores, sem que sejam identificados os beneficiários.

A medida de Weber, referendada pelo plenário do STF, forçou o Congresso a se mexer. Prometeu-se a revelação de entidades e municípios destinatários das verbas e, doravante, também dos parlamentares que as solicitarem —com desculpas esfarrapadas, porém, alegou-se ser difícil apontar os que já o fizeram nos últimos dois anos.

Foi o bastante, de todo modo, para que a magistrada permitisse a volta da execução das emendas, possivelmente para não prolongar uma crise entre Poderes.

Poesia | Vinicius de Moraes - A rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Morre o símbolo maior da Portela e do samba

Líder da Velha Guarda da Portela e personagem único da escola teve oito décadas de dedicação à música

João Máximo / O Globo

Monarco nasceu, cresceu e passou toda a vida no meio do samba. De menino a desfilar no bloco Primavera a “puxador de corda”, figurante, compositor, cantor, diretor de harmonia, agregador e personagem único na história da Portela, a mais vitoriosa das escolas cariocas, foram oito décadas de íntima, constante e apaixonada dedicação ao samba.

Nascido no subúrbio de Cavalcanti, em 17 de agosto de 1933, ganhou em criança o apelido que o acompanharia por toda a vida. Passou parte da infância em Nova Iguaçu e mudou-se para Oswaldo Cruz, onde, atraído pelo samba, descobriu a Portela. Tinha então 16 anos. Embora seu primeiro samba tenha sido feito aos 12, só então sua carreira de compositor começou. Segundo dizia, guiado pela arte da ala dos compositores, à frente da qual brilhava Paulo da Portela.

Paulo foi o primeiro ídolo de Monarco. Mas o convívio entre os dois durou pouco, pois Paulo trocou a Portela pela Lira do Amor, de Bento Ribeiro, inconformado com a atitude do portelense Manuel Bambambã ao proibir que dois ilustres mangueirenses, Cartola e Heitor dos Prazeres, visitassem a Portela.

Com isso, o samba que Monarco queria ter feito com Paulo da Portela não aconteceu. Ou melhor, aconteceu pela metade. E postumamente. Para uma primeira parte em que Paulo falava de uma macarronada na casa de um certo Chocolate, Monarco fez a segunda: “... o pessoal da Portela vai cantar partido-alto/vai ter pagode até o dia amanhecer/e os versos de improviso/serão em homenagem a você”. Você, no caso, Chocolate.

O samba só seria gravado, pelo próprio Monarco, em 1976, quando o futuro líder da Velha Guarda dava início, com um atraso reclamado por críticos e historiadores da música popular, sua vida profissional. O samba passava então por um dos muitos renascimentos que se seguiram a cada uma das mortes proclamadas em nome da moda do momento.