terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Olhe para cima, para baixo e para frente*

Valor Econômico

Risco de usar métodos das ciências naturais na economia é chegar a resultados determinados por suposições a priori

 “A matéria nunca fica em repouso, está constantemente se movendo e se desenvolvendo e, neste desenvolvimento, muda de uma forma de movimento para outra e mais outra, cada uma mais complexa e harmoniosa que a última. A vida aparece, assim, como uma forma particularmente muito complicada do movimento da matéria, surgindo como uma nova propriedade em um estágio mais avançado no desenvolvimento geral da matéria”.

No livro “Reason in Revolt: Dialectical Philosophy and Modern Science”, os filósofos Ted Grant e Adam Woods estudam, nos vários campos da ciência, as possibilidades enriquecedoras da dialética em contraposição aos empobrecimentos das concepções positivistas. O trecho citado cuida das várias hipóteses sobre a origem da vida no planeta Terra.

Os autores explicam que, desde sempre, homens e mulheres estavam cientes de fenômenos como terremotos e erupções vulcânicas que revelaram tremendas forças reprimidas sob a superfície da Terra. Até recentemente, tais fenômenos foram atribuídos à intervenção dos deuses. Poseidon-Netuno era o “agitador de terra”, enquanto Vulcano Hefáistos, o ferreiro dos deuses, vivia nas entranhas da terra, e fez com que vulcões entrassem em erupção com 12 golpes de martelo. Os primeiros geólogos dos séculos XVIII e XIX foram aristocratas e clérigos, que acreditavam, como o Bispo Usher, que o mundo havia sido criado por Deus em 23 de outubro de 4004 A.C.

Para explicar as irregularidades da superfície da Terra, como cânions e altas montanhas, eles desenvolveram uma teoria - o catastrofismo - que tentou encaixar os fatos observados nas histórias bíblicas de cataclismos, como o Dilúvio. Cada catástrofe exterminou espécies inteiras, explicando, convenientemente, a existência dos fósseis que encontraram enterrados no fundo das rochas em minas de carvão”.

Ted Grant e Adam Woods narram um episódio crucial para as mudanças nas hipóteses da Geologia. Eles contam que, em meados da década de 1960, Peter Vail, um cientista do principal laboratório de Houston da Exxon, começou a estudar as irregularidades nos padrões lineares no fundo do oceano. Vail simpatizava com a visão francesa da evolução interrompida, e acreditava que essas quebras no processo representavam grandes pontos de virada nas camadas geológicas. Suas observações revelaram padrões de mudança sedimentar que pareciam ser os mesmos em todo o mundo.

Esta foi uma evidência poderosa em favor de uma interpretação dialética do processo geológico. Hipótese que foi recebida com ceticismo por colegas. Jan van Hinte, outro dos cientistas da Exxon, lembrou: “Nós paleontólogos não acreditamos em uma palavra que Vail estava dizendo. Fomos todos criados na tradição anglo-saxã de mudança gradual, e isso cheirava a catastrofismo”. No entanto, Jan van Hinte fez observações próprias com materiais fósseis e sísmicos no Mediterrâneo, que revelaram exatamente o mesmo que Vail. As idades das rochas correspondiam às previsões de Vail. A imagem que agora emerge é claramente dialética:

“É uma característica comum na natureza: a gota que faz o balde transbordar. Um sistema internamente estabilizado é gradualmente minado por alguma influência até entrar em colapso. Um pequeno impulso leva então a mudanças dramáticas, e uma situação totalmente nova é criada. Quando o nível do mar está subindo, os sedimentos se acumulam gradualmente na plataforma continental. Quando o mar desce, a sequência se desestabiliza. Ele aguenta por algum tempo, e então - Wham! Parte dele desliza para o mar profundo. Eventualmente, o nível do mar começa a subir e pouco a pouco, o sedimento se acumula”.

No livro “Manda Quem Pode, Obedece Quem tem Prejuízo” entregamos, na companhia de Gabriel Galípolo, a palavra ao astrofísico Francesco Sylos Labini. Ele sustenta que nem mesmo a quantidade de dados disponível atualmente é, por si só, capaz de ampliar a capacidade de previsões de fenômenos naturais ou sociais, por problemas intrínsecos a sistemas complexos: “Mesmo conhecendo as leis que regem a dinâmica dos planetas, hoje é sabido que o sistema solar apresenta um comportamento caótico, apenas em uma escala de tempo muito mais longo do que a útil para as projeções do homem”.

A teoria do caos, sumarizada pelo matemático Henri Poincaré, sustenta que mesmo se as leis da natureza não guardassem mais segredos, o conhecimento acerca das condições iniciais ainda seria aproximado. Essas pequenas diferenças nas condições iniciais podem resultar em divergências enormes no resultado final, tornando as previsões impossíveis e engendrando fenômenos fortuitos.

Para Labini, estas limitações variam conforme o sistema. Enquanto previsões de eclipses podem ser realizadas para milhares de anos, as meteorológicas podem ser feitas para poucas horas ou dias. No caso de terremotos, os limites para conhecer o status do sistema praticamente impossibilitam previsões.

A situação é ainda mais complexa se as leis que regem a dinâmica do sistema mudam ao longo do tempo, como na economia e outras ciências sociais. Nesses casos, afirma Labini, deve-se ter muita cautela no emprego de métodos desenvolvidos para o estudo das ciências naturais, apoiados na matemática e estatística: “O risco é obter resultados aparentemente científicos, similares aos obtidos nas ciências naturais, mas na realidade determinados por suposições “a priori” (ou por um cenário ideológico) utilizados na análise de maneira mais ou menos explícita”.

As primeiras hipóteses a respeito dos terremotos e outros incidentes geológicos estavam amparadas nas concepções de anormalidade e excepcionalidade. Aqui cabe uma analogia entre a concepção dos economistas das expectativas racionais e as hipóteses a respeito dos incidentes geológicos.

Em visita à London School of Economics a rainha Elisabeth II perguntou por que os economistas não haviam previsto a crise. Lucas respondeu em um artigo na revista The Economist em 2009: “A crise não foi prevista porque a teoria econômica prevê que esses eventos não podem ser previstos”. À margem das imprevisões de Robert Lucas, o movimento da economia abriu a cratera da crise - Wham!!! - e engoliu os imprevidentes.

*O artigo utiliza trechos do livro Dinheiro, escrito em parceria com Gabriel Galípolo.

*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, 

 

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