O Globo
Todos os anos são imprevisíveis à sua maneira, mas este ano é imprevisível de todas as maneiras. A pandemia ainda não terminou, a nova onda de contaminação pela ômicron suspendeu a temporada de cruzeiros pelo litoral brasileiro e está ameaçando a realização do carnaval. Se o carnaval para os foliões é festa, para a economia é aumento do nível de atividade. Tudo isso aumenta a incerteza sobre a retomada do setor de serviços. Ano eleitoral sempre é o momento em que os governos aumentam os gastos, mas, neste caso, os gestores públicos estão vivendo um surto extemporâneo de ilusão monetária, a inflação elevou a arrecadação e eles acham que está sobrando dinheiro e começam a gastar por conta.
Virou clichê dizer que essa eleição será
polarizada. Na verdade, polarizadas são todas as eleições, principalmente o
segundo turno. O que realmente preocupa é que, pela primeira vez, desde a
redemocratização, o país está entrando em um ano eleitoral com um presidente
antidemocrático no poder. Bolsonaro está claramente em desvantagem nas
pesquisas de intenção de votos, mas tem a máquina pública nas mãos, tem
ministros subservientes que aceitam fazer qualquer papel que ele exija, e teve
apoio de chefes das Forças Armadas nos seus arremedos autoritários, como aquele
patético desfile de tropas na Esplanada antes da votação do voto impresso. A
dúvida que permanece sobre nossas cabeças é a respeito de quais artimanhas o
presidente pretende usar para minar o processo democrático.
Esta é uma eleição diferente de outras,
porque o vencedor parece estar consolidado muito tempo antes das eleições. O
ex-presidente Lula está num patamar tão alto e tão firme que seu favoritismo dá
a impressão de que essa não é uma eleição incerta. E incerteza é da natureza de
qualquer processo político democrático. Será um erro o país achar que está tudo
decidido porque a maior imprevisibilidade é institucional. O país não pode
esquecer as reiteradas ameaças que o presidente Bolsonaro fez às instituições
democráticas, ao processo eleitoral, ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso,
aos governadores. Bolsonaro é um presidente que governa de costas para a
Constituição e contra a população à qual deveria servir. Será respeitoso aos
ritos eleitorais? Sairá pela porta do Planalto, depois de civilizadamente
entregar a faixa presidencial ao vencedor? A incerteza não é dada pela
polarização política, mas pela dúvida sobre quantas agressões o chefe do
executivo fará contra o processo de escolha dos eleitores.
As projeções econômicas do PIB continuam
cada vez menores. Ontem, o Boletim Focus divulgou uma nova redução na mediana
das previsões dos bancos e consultorias. O crescimento caiu de 0,42%, para
0,36%. A imprevisibilidade aqui é que a cada semana esse número cai um pouco.
No fim de agosto, a mediana era de 2%. Em quatro meses, o mercado saiu dessa
previsão e foi para a aposta de estagnação da economia.
A inflação é a única previsão relativamente
otimista da economia em 2022. Os economistas projetam queda do índice à metade.
Ela que está hoje em 10% iria para 5%. Sinceramente é uma aposta difícil de
sustentar. Há pressões inflacionárias por correções de preços nesse começo de
ano. Setores tentarão repassar a inflação do ano passado, como as escolas, ou
os mais impactados pelo aumento do salário mínimo. A energia tem reajustes
contratados pela má administração da crise hídrica do ano passado. O dólar
continuará volátil ,contaminando preços como os combustíveis. O Banco Central
atuará para a queda da inflação, mas até que ponto poderá elevar taxa de juros
numa economia tão fria?
Será um ano difícil, isso é certo. Com um
quadro geral de incertezas na política, na economia, na área social e na
relação entre as instituições. Esse final de ano foi um exemplo das nossas
aflições. O Nordeste afetado por uma tragédia climática, e o presidente
exibindo ostensivamente sua farra nas praias do Sul, o ministro da Saúde
atacando a saúde das crianças com manobras protelatórias da vacina e o ministro
da Educação querendo suprimir o passaporte de vacinas nas universidades. O ano
começa com o presidente novamente internado para tratar de uma obstrução
intestinal e sua administração, como sempre, à deriva. Parte da incerteza é da
natureza dos eventos, parte será provocada pelo próprio governo.
Miriam Leitão acertou na mosca. Bolsonaro já está armando (ui!)"artimanhas para minar o processo democrático. A meu ver o pior que pode acontecer será a repetição aqui no Brasil de uma "Operação Capitólio 2". A diferença é que os homens de Trump estavam desarmados e os de Bolonaro armados sem o Exército saber quem possui arma de fogo em casa. O fato de Lula aparecer como franco favorito tem dois significados: arrependimento da "escolha errada" (Gabeira)que fez e voltar para Lula pensando que "era ruim com ele, mas ficou pior sem ele". Ou a inflação lulista pode ser obra da equipe bolsonarista (da qual faz parte até o Steve Bannon) acreditando que o povo terá que escolher de novo entre "Luladrão" e Bolsonaro (o capitão que bota pra quebrar). Ou entre Luladrão e Moro (um substituto mais educado que o capitão phodão). Lulopetismo na verdade é um lixinho da guerra fria. E Bolsonaro lixo de 64. Essa "dialética" oferecida ao povo brasileiro é obra de Golbery. Do ponto de vista da democracia vista como um valor universal, essa dialética já tomou do povo brasileiro perto de meio século, no qual o país está nas mãos da elite dominante que a única coisa que sabe fazer é dividir o país entre bilionários e moradores de rua. Uma elite dominante fuleira e fedorenta (Cazuza) que é na verdade neocolonial. São os descendentes dos capitães (ui!) hereditários. Voltando à vaca fria. A escolher entre Lula versus Bolsonaro ou Moro. Lula é menos pior. Agora para que Lula faça sentido e entre para a história, ele tem que se compor com aqueles que têm a democracia como um valor universal que naturalmente conduzirá o país na direção do socialismo com democracia. Ou irá para a lata de lixo da história juntamente com Bolsonaro ou Moro.
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