Valor Econômico
Ideal é proteger investidor sem criar
amarras à inovação
Era tarde da noite de 8 de dezembro, algo
comparável aos 42 minutos do primeiro tempo deste biênio em que a Câmara será
presidida por Arthur Lira (PP-AL), quando os deputados aprovaram o projeto de
lei que regulamenta a atividade de prestação de serviços de negociação de
criptoativos.
Lance inesperado, que ainda não se sabe qual andamento terá no Senado, a despeito dos sinais de que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) não perderá tempo. Será difícil ignorar o assunto depois da notícia divulgada recentemente pelo Banco Central (BC) de que as importações de criptoativos somaram US$ 6 bilhões em 2021 - volume recorde e quase o dobro do registrado no ano anterior.
Pode-se dizer que a pressão da torcida fez
diferença. Novamente foi necessário acontecer algum fato escabroso para que os
parlamentares acelerassem a tramitação de uma matéria que há tempos clamava por
mais atenção e não era colocada na lista de prioridades. Fato comum,
infelizmente, sobretudo quando se trata da área penal. Com frequência,
deputados e senadores atuam de forma reativa ao noticiário quando acham que
precisam dar uma resposta rápida à opinião pública.
Neste caso, o responsável pela mobilização
teve nome, sobrenome e apelido: foi a prisão de Glaidson Acácio dos Santos, o
“Faraó dos Bitcoins”, que movimentou o Congresso. Sua jogada, drible mais
conhecido como pirâmide financeira com criptomoedas, foi lembrada diversas
vezes durante a sessão em que foi aprovado, por votação simbólica e com amplo
apoio, o projeto de lei apresentado em 2015 pelo deputado Aureo Ribeiro
(SD-RJ).
Só os deputados do Novo decidiram formar
barreira. “É o Estado colocando a mão em algo que funciona”, bradou Gilson
Marques (Novo-SC). “Mas aí o político não está contente com algo que está dando
certo e vai lá regulamentar. É um absurdo. Quem quer criptomoeda não quer
regulamentação do Estado. Quem quiser regulamentação do Estado que compre real,
uma moeda que a todo tempo perde valor, justamente por causa de políticas
econômicas inflacionárias que deturpam o poder de compra dos mais pobres.”
Seu discurso fazia referência às origens de
um mercado concebido para existir fora do alcance dos tentáculos do Estado.
Todos os Estados. Porém, não comovia as demais legendas.
Alertando que já era quase 23h, seu colega,
Paulo Ganime (Novo-RJ), tentou uma variação tática e pediu a retirada do
projeto da pauta. Também sem sucesso.
“É claro que temos, sim, motivos para
preocupação com relação a fraudes, a uso indevido, como em qualquer coisa”,
ponderou o deputado fluminense, para quem, dependendo da regulamentação feita,
investidores podem preferir operar no exterior. Também apontou-se risco à
concorrência local. “Vamos ter o Brasil retrocedendo em uma evolução
tecnológica. Nós falamos de desemprego, de evolução do trabalho, de inovação, e
estamos criando barreiras para a inovação.”
Por fim, o PSDB também acabou orientando
contra e juntou-se ao lado derrotado. “O Brasil vai se meter a correr para
regulamentar isso? O mundo está conhecendo o assunto. Eu não estou entendendo a
necessidade de nós corrermos para regulamentá-lo”, disse Eduardo Cury
(PSDB-SP).
Não é bem assim. Sim, trata-se de algo novo
que todos ainda estão aprendendo a lidar. Mas, também é um assunto discutido há
anos por organizações internacionais e governos.
O Canadá, por exemplo, foi o primeiro país
do mundo a implementar uma lei nacional sobre moedas digitais. Isso ocorreu em
2014, apenas um ano antes da proposta protocolada em Brasília. E no decorrer do
tempo as regras foram sendo atualizadas.
Pelos quatro cantos do globo existem
experiências, umas mais flexíveis outras mais rígidas. E entre elas,
autoridades brasileiras destacam o modelo europeu, de acordo com o qual as
empresas que transferem bitcoins ou outros criptoativos devem reunir
informações sobre as partes que estão operando para ajudar as autoridades no
combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades criminosas.
Também por isso o governo nunca deixou de
participar das discussões no Congresso. Agora, contudo, todos os interessados
renovarão suas atenções para o Senado.
Há convergências entre o que foi produzido
na Câmara com o que pensam agentes do mercado de criptoativos e instituições
financeiras de maior porte. Eles, inclusive, consideram que o projeto contribui
para a formalização do setor e, do jeito que está, não chega a travar a
inovação.
Além disso, acrescentam, o projeto ainda
tende a fortalecer os mecanismos de proteção ao investidor. É difícil acreditar
que o Código de Defesa do Consumidor seja suficiente para cumprir esta missão,
embora algumas regras criadas para a área já existam e não deveriam ser
ignoradas - como em alguns casos têm sido.
Com o retorno do Congresso, algumas
questões se colocam.
A primeira é se avançará a proposta dos
deputados ou se algum texto produzido no Senado ganhará preferência. Se isso
ocorrer, há risco de a conclusão da tramitação demorar mais ou até mesmo algum
veto ocorrer quando a ela chegar ao Planalto.
Outra questão é como distribuir as
atribuições para disciplinar, fiscalizar e, eventualmente, punir quem andar à
margem da lei. Tudo isso sem deixar um mercado incipiente obrigado a buscar
autorizações muito burocráticas e sob um regramento rígido demais.
Um primeiro passo foi dado quando ficou
definido que o Executivo editará um ato para escalar as instituições que
entrarão em campo. Inicialmente, o projeto dava funções apenas ao Banco
Central. A substituição foi feita diante do receio de que, agora independente,
o BC jogasse muito na retranca.
Falta o Senado fazer a sua parte, o
presidente da República editar um decreto distribuindo a bola, ou seja, as
competências, e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicar uma regulamentação
geral. Esta, por sua vez, seria complementada por atos do BC e da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), por exemplo. O jogo está no intervalo.
*Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília
O mundo econômico e suas complexidades.
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