Correio Braziliense
A cooperação militar do
Brasil com a Rússia é historicamente limitada, por causa da aliança com os EUA
e a Inglaterra. Um avanço nessa área, em meio à crise ucraniana, seria um
naufrágio
O comandante da Marinha, almirante Almir
Garnier Santos, não viajou, ontem, com o presidente Jair Bolsonaro para Moscou,
que vai à Rússia a convite do presidente Vladimir Putin. Era o único comandante
das Forças Armadas que estava confirmado na comitiva, que inclui os generais do
Palácio do Planalto: o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França,
e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, além do secretário de Assuntos
estratégicos, almirante Flávio Rocha. Garnier testou positivo para covid-19. O
protocolo russo para a visita exige testes ao longo da viagem de toda a
comitiva. Bolsonaro se reunirá com Putin amanhã.
Entre os principais assuntos a serem tratados na viagem, a compra de fertilizantes russos por parte do Brasil é o mais importante. O presidente encontra Putin num momento de grande tensão internacional, na qual o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro britânico, Boris Jonhson, afirmam que existe uma ameaça de invasão iminente da Ucrânia por tropas russas e prometem duras retaliações, se isso ocorrer.
Embora do ponto de vista geopolítico os
interesses e alianças estratégicas da Rússia e do Brasil sejam distintos,
principalmente na América do Sul, por causa da cooperação entre Putin e Nicolas
Maduro, da Venezuela, há muitas afinidades entre os dois países por causa dos
BRICs, que também reúne China, África do Sul e Índia, e do Conselho de
Segurança da ONU, do qual o Brasil agora faz parte como membro temporário. Na
quinta-feira, Bolsonaro embarcará para Budapeste, capital da Hungria, onde se
encontrará com o primeiro-ministro Viktor Orbán, este sim um aliado ideológico
de primeira hora de Bolsonaro.
A viagem foi marcada desde novembro pelo
chanceler França, que opera uma estratégia para tirar Bolsonaro do isolamento
internacional. De certa maneira, o encontro com Putin, emoldurado pela
dramatização da crise ucraniana pela mídia internacional, ao mesmo tempo em que
põe o presidente brasileiro no centro das atenções mundiais, pode ter
consequências diplomáticas negativas.
O trauma das Malvinas
O assunto cabeludo da pauta de Bolsonaro
com Putin é a Defesa. A cooperação militar do Brasil com a Rússia é muito
limitada historicamente, por causa da aliança com os Estados Unidos. O sistema
antiaéreo Pantsir-S1, oferecido pelos russos, já foi rejeitado pelo comandante
da Força Aérea, brigadeiro Carlos Almeida Baptista, por incompatibilidade
conceitual. O programa de compra de 12 helicópteros de ataque Mi-35M, iniciado
em 2012, foi para a geladeira. Entretanto, o Brasil tem outros interesses que
poderiam levar à cooperação militar com a Rússia, como o programa do submarino
nuclear (Prosub). É aí que desistência do comandante da Marinha, por razões de
saúde, pode ter sido providencial.
A Guerra das Malvinas é um trauma
geopolítico no Atlântico Sul, controlado pelo Reino Unido. Uma simples carta
náutica mostra a hegemonia britânica, controlando o acesso à Antártica e ao
Oceano Índico. As ilhas de Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha, Gouch,
Sandwich do Sul, Geórgia do Sul, Orcadas do Sul e Malvinas são britânicas. A
ilha de Martim Vaz foi descoberta em 1501 pelo navegador galego João da Nova.
No ano seguinte, o navegador português Estêvão da Gama visitou a ilha vizinha,
Trindade. Na independência do Brasil, passaram a ser brasileiras. Em 1890, o
Reino Unido ocupou Trindade, mas os ingleses abandonaram-na em 1896, depois de
um acordo entre os dois países, que contou com mediação portuguesa.
A devolução de Trindade ao Brasil por meios
diplomáticos resolveu um grave problema. O mesmo não ocorreu com as Malvinas. O
arquipélago foi disputado por espanhóis, franceses e argentinos. O Reino Unido
ocupou o arquipélago em 1833. Em abril de 1982, forças argentinas ocuparam o
território. Em dois meses, os britânicos recuperaram a ilha. Com a Guerra das
Malvinas, reafirmaram sua hegemonia no Atlântico Sul, com apoio dos Estados
Unidos. A guerra pôs de cabeça para baixo a Doutrina Monroe e a antiga Doutrina
de Segurança Nacional do regime militar. Nasce daí o conceito de Amazônia Azul,
da Marinha do Brasil.
Mas como defender a nossa plataforma
continental e suas riquezas? Ora, aumentando o poder de dissuasão por meio de
um submarino nuclear, concluíram os nossos estrategistas militares. A
construção desse submarino preocupa os Estados Unidos e a Inglaterra. Somente é
possível porque o Brasil desenvolveu o reator nuclear e a França ajudou na
construção do casco, transferindo tecnologia. Mas há um gargalo tecnológico no
sistema elétrico. Se quiser, Putin pode ajudar, mas esse tipo de acordo
reposicionaria o Brasil em relação à Otan. Os comandantes militares, que não
são bestas, caíram fora da comitiva.
Bolsonaro foi dar vexame em solo russo.
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