Valor Econômico
Favoritismo de Lula provoca ativismo dos
pivôs da política nacional em busca da manutenção dos seus nacos de poder
A mais de sete meses das eleições, há um
surto de proatividade no ar de Brasília como se a transição já tivesse começado.
É um movimento que parece obedecer mais aos interesses de seus protagonistas do
que aos daquele que ainda tem urnas a computar para confirmar seu favoritismo.
A movimentação parte do pressuposto de que
não se viabilizará uma alternativa à polarização. O diagnóstico é baseado numa
cristalização de voto, inédita em campanhas eleitorais, dos dois principais
polos. “Entre Deus e o diabo nunca houve terceira via”, resumiu o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente identificando-se ao primeiro dos
personagens.
Além da legião de infiéis que pode ficar no meio do caminho até 2 de outubro, a síntese de Lula tem levado a uma corrida desarvorada pela concretização de propostas que podem abrir portas para o país, adornar o currículo dos proponentes ou nenhuma das alternativas anteriores.
Tome-se, por exemplo, o envolvimento do PT
na solução legislativa para o preço dos combustíveis. O partido vestiu a camisa
que diz não ao quanto-pior-melhor. Move-se pela percepção de que o aumento
desenfreado no diesel pressiona os juros e agrava a dívida pública, cenário
ruim para quem quer que se eleja e pior, ainda para o eleitor.
Ao protagonismo de dois senadores petistas,
o autor de uma das propostas, Rogério Carvalho (SE), e o relator, Jean Paul
Prates (RN), uniu-se a presteza do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Os dois
primeiros enfrentam as mudanças na política de alianças do PT rumo à concessão
de vagas majoritárias a aliados nos Estados.
Já o terceiro recusou-se a engrossar a fila
de nanicos da terceira via e hoje está empenhado em manter para o PSD o
principal posto de poder do partido, a Presidência do Senado, cuja negociação
passa pelo presidente a ser eleito. Pacheco desobstruiu todos os caminhos para
o PT. Ainda assim, a proposta acabou adiada.
Como as demais patrocinadas pelo Centrão, a
proposta petista estava virando uma torre de babel. De uma desoneração restrita
ao diesel acabou se estendendo à gasolina, duplicou o alcance do auxílio gás e,
na criação de uma conta para a estabilização das tarifas, avançou sobre fundos
constitucionais e reservas cambiais.
Prates apresentou a proposta na Fundação
Perseu Abramo, com a presença dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e ouviu
que o partido não avalizaria o uso de recursos fiscais, das reservas ou dos
fundos. A um deles, que assistia a reunião por vídeo, reagiu: “Sua posição é
igual a de Paulo Guedes”.
O senador diz que é possível abrir mão de
todos esses recursos vetados pelo PT e ainda dispor de um rol de alternativas -
de royalties às participações especiais - que ganham com a alta de preço e
financiariam esse colchão de amortecimento das tarifas.
Mas se já é difícil assumir um compromisso
de resultado numa tramitação qualquer, dirá quando se trata de uma proposta com
tamanho impacto no meio de uma campanha.
Não deu outra. A votação acabou adiada, com
desgastes que agora não se acumularão apenas sobre o presidente Jair Bolsonaro
e os governistas mas também sobre o PT e seu candidato a presidente. Se o
partido aquilata o risco e resolve enfrentá-lo, é jogo jogado. “Pior seria nos
omitirmos”, diz Prates. Pode ter razão, mas não há dúvida que a conjuntura está
prenhe de personagens que entraram nessa de governar no lugar de Bolsonaro
porque não têm nada a perder.
Um dos motivos do adiamento foi o pedido do
presidente da Câmara para acertar os ponteiros da proposta de maneira a que,
aprovada no Senado, viesse a tramitar mais facilmente na Câmara.
Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PL-AL) hoje disputam quem presta mais serviços àquele cuja volta à
Presidência da República dão como certa. Depois que a proposta da PEC dos
combustíveis de seu partido na Câmara teve que recuar, Lira abriu espaço para o
jogo de Pacheco com o PT prosperar e agora se aproximou.
O presidente da Câmara já havia dito
ao Valor que
sua prateleira é sortida. Tem reforma tributária, administrativa e até o fim do
teto dos gastos, mercadoria que já se acreditava esgotada. Preço sob consulta e
entrega imediata ou entre a eleição e a posse.
Foi a vez de Pacheco anunciar que a votação
da reforma tributária na CCJ do Senado. Isso depois de as duas Casas passarem
os últimos dois anos se debatendo entre a proposta de uma e da outra.
Se a campanha de Lula se servir de todas as
bandejas que os garçons do Congresso lhe apresentam vai chegar a outubro
empaturrada e com dificuldade de encontrar a porta de saída.
Também se viram bandejas circulando no
Tribunal de Contas da União na decisão que deu curso ao processo de
privatização da Eletrobras. A decisão contemplou os interesses assumidos no
governo e, principalmente, no Congresso, desde a tramitação da MP da
Eletrobras, votação que ficará para os anais da barganha nacional. O ministro
Vital do Rêgo foi vencido, mas no voto dele e de outros ministros, foi dada a
senha para contestações futuras em tribunais superiores.
Não havia garçons na entrevista do
presidente do Banco Central à Miriam Leitão, na GloboNews, mas o tom estava
francamente contaminado pela capitulação das finanças à ideia de que Lula já
levou. Não se tratou de uma análise política, mas de preços do mercado, que
fique claro.
A interlocutores das autoridades monetárias
nacionais surpreende a admiração que passaram a nutrir pelo gesto do presidente
eleito do Chile, Gabriel Boric, que convidou o presidente do Banco Central
chileno do governo Sebastian Piñera, Mario Marcel, para a Fazenda.
No Chile, o gesto foi visto como a saída
encontrada por Boric para evitar que os conservadores partissem para bombardear
o plebiscito que confirmará a nova Constituição, na qual está pendurado o
futuro governo. No Brasil, a capitulação do mercado precede a eleição, o que
não significa que as baterias não possam ser recarregadas depois da posse.
Roberto Campos Neto tem admiradores no PT.
Como cabe tudo nessas bandejas de Brasília, a colocação de seu nome, à sua revelia,
vem com um combo: a possibilidade de Lula escolher o presidente do BC.
Precipitado? É claro. Num país cujo presidente fantasiou-se de estadista do
outro lado do planeta e quer mobilizar as Forças Armadas para uma guerra dentro
de seu próprio país, tudo ainda pode acontecer.
Lendo e aprendendo.
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