O Globo
Nos últimos dias, começaram a despontar os
primeiros elementos da estratégia de Bolsonaro de alegar fraude caso perca as
eleições. De um lado, ele busca fomentar a desconfiança dos eleitores nas urnas
por meio de uma campanha intensa de desinformação; de outro, pretende arrastar
os militares para o centro da crise institucional que se anuncia.
Sem grandes surpresas, Bolsonaro resolveu descartar o compromisso de não atacar mais a confiabilidade do sistema eleitoral. O compromisso havia sido assumido após as duras reações das instituições aos protestos antidemocráticos de 7 de setembro de 2021 e depois que a proposta do voto impresso fora derrotada no Congresso.
Estudo da Fundação Getulio Vargas do Rio mostrou que,
entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, pelo menos 394 mil postagens no
Facebook criticaram as urnas eletrônicas, gerando 111 milhões de interações
(curtidas, comentários ou compartilhamentos). O número não considera as
postagens de perfis pessoais. Entre as páginas que mais disseminaram conteúdo
crítico às urnas estão as de políticos bolsonaristas como Carla Zambelli, Bia
Kicis e Eduardo Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, o Facebook adota uma
política de integridade eleitoral que adiciona um alerta rotulando “conteúdo
que tenta deslegitimar o resultado das eleições ou discutir a legitimidade dos
métodos de votação”. No Brasil, o Facebook não adotou essa política nas
eleições de 2020 e não sabemos se adotará na campanha deste ano, que começa em
agosto.
O YouTube já segue uma política que impede
publicações que afetem a integridade das eleições, como informações falsas
sobre a data do pleito ou conteúdo induzindo os eleitores ao erro na hora de
votar. Mas ainda não há nada a respeito da difusão de informações falsas sobre
a confiabilidade das urnas—o coração da campanha bolsonarista de descrédito ao
sistema eleitoral.
Talvez a pressão empurre YouTube e Facebook
a melhorar suas políticas, mas, ainda que isso aconteça, poderá ser tarde
demais. Como os eloquentes números do estudo da FGV mostram, a campanha já
começou e, para parte do eleitorado, a semente da dúvida já está plantada.
Além das já muitas vezes respondidas
alegações de fraude no passado, os bolsonaristas estão produzindo novas dúvidas
para tumultuar as eleições. Eduardo Bolsonaro fez uma consulta ao TSE perguntando se a Justiça
Eleitoral exigirá comprovante de vacinação para dar acesso às salas de votação.
O objetivo é insinuar que o tribunal prepara medida para restringir o acesso ao
voto dos bolsonaristas que não quiseram se imunizar.
Outra estratégia de Bolsonaro é envolver os
militares na disputa em torno da confiabilidade das urnas. Em setembro do ano
passado, o TSE anunciou uma comissão de transparência das eleições que, entre
assentos para a sociedade civil e a academia, previa um para as Forças Armadas.
O general Heber Portela foi indicado pelo ministro da Defesa, Braga Netto, para
compor a comissão e elaborou uma minuciosa lista com mais de 70 dúvidas
técnicas sobre a segurança das urnas.
O que era para ser um esclarecimento
técnico foi transformado em questionamento sobre a confiabilidade do sistema.
Em entrevista ao ex-governador Anthony Garotinho numa rádio, Bolsonaro disse
que as Forças Armadas levantaram “dezenas de dúvidas sobre o sistema”
eleitoral. Com o vazamento das questões, o TSE optou por publicar todas as
respostas aos questionamentos.
Não foi apenas Bolsonaro que tentou
envolver os militares na querela. A Justiça Eleitoral também tentou usar os
militares como fiadores da disputa ao indicar o general Fernando Azevedo e
Silva como diretor-geral do TSE. A ideia era que, se a organização logística
das eleições fosse feita por um militar com o respeito da tropa, a suspeita de
fraude seria difícil de emplacar.
O general Azevedo, porém, anunciou na quarta-feira que não poderia mais
assumir o cargo por motivos familiares e de saúde. Reportagem do jornal O
Estado de S.Paulo apurou que o verdadeiro motivo da desistência de Azevedo foi
o descontentamento com a postura de Bolsonaro, que estava mais uma vez
fomentando nas Forças Armadas a desconfiança no sistema eleitoral.
Se olharmos para o conjunto desses
desdobramentos, é fácil observar como vai se preparando a estratégia de
Bolsonaro de alegar fraude nas eleições. Se ganhar, dirá que o fez a despeito
dos votos subtraídos. Se perder, dirá que foi roubado e insuflará uma revolta.
É a mesma estratégia de Donald Trump, só que com o apoio de parte das Forças
Armadas.
É,mesmo ganhando em 2018 ele alega que houve fraude.
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