sábado, 16 de abril de 2022

Eduardo Affonso: Indecisos podem decidir

O Globo

Por inapetência, incompetência e conveniência dos partidos do tal “centro democrático”, vamos nos encaminhando para as eleições de outubro com a perspectiva (funesta) de um encontro marcado, no segundo turno, com um ex e um futuro presidiário.

A pesquisa Genial/Quaest (2 mil entrevistas feitas entre 1º e 3 de abril) mostra, na intenção de votos (espontânea) para presidente, que 28% preferem Lula, 22% vão de Bolsonaro e 46% estão “indecisos”.

Talvez haja aí uma sutil questão de nomenclatura —e esses “indecisos”, longe de não saberem em quem votar, estejam duplamente decididos. Seriam os “eles-não”, aqueles a quem ainda não foi oferecida uma alternativa razoável. E que acabarão por votar em branco ou nulo (e seja o que o capiroto quiser) —ou respirar fundo e escolher pelo avesso, conformando-se com o menos pior.

Como é que, depois dos desastres dos governos do PT e de Bolsonaro, retornamos a 2018 para nos colocar diante da mesma encruzilhada, cair de novo na mesma armadilha?

Essa é a pergunta de R$ 4,9 bilhões (valor do fundo eleitoral), de cerca de R$ 1 bilhão (valor do fundo partidário) ou de montante inestimável (valor da reeleição). Por esse butim, os partidos fazem o diabo. Garantir palanques para aumentar a bancada (leia-se, a arrecadação) importa mais que quaisquer princípios.

O Centro Espírita Elio Gaspari poderia providenciar uma mesa (branca) redonda com José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Prudente de Moraes, Campos Salles, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves para debater onde foi que erramos. Em que momento os partidos políticos, fundamentais numa democracia representativa, deixaram de nos representar. Por que cargas d’água a palavra “liberal” foi parar numa agremiação comandada por Valdemar Costa Neto, que tem Jair Bolsonaro em seus quadros. A troco do que um partido conservador teve a ideia de se chamar “Avante”, um sucedâneo da finada Arena se travestiu de “Progressistas”, e “Liberdade” foi fazer presença VIP no PSOL. Como um partido ligado à Igreja Universal, que deu sustentação a Lula, Temer e Bolsonaro — com interesses nada republicanos — batizou-se de... “Republicanos”. Se não é ironia o principal desagregador da terceira via se intitular “União Brasil”. Sem falar naquele que mais desviou o dinheiro dos nossos impostos se arvorar em ser o partido dos trabalhadores.

O que esperar desse balaio de gatos (sem nenhuma ofensa aos felinos), senão a política nada franciscana do “é dando que se recebe”?

Até outubro, tudo pode acontecer. Nomes saírem da sombra, outros dizerem a que vieram. E, todos juntos, entenderem que projetos pessoais não deveriam se sobrepor à construção de uma alternativa à dicotomia que só interessa a petistas, bolsonaristas e gigolôs partidários.

É pensamento mágico? Pode ser. Só que mais vale acreditar numa utopia e teimar para que mudanças aconteçam (elegendo parlamentares mais dignos, evitando partidos de aluguel, investindo nas convergências) que se acomodar a uma distopia, tomando-a como fato consumado.

Os “indecisos” ainda podem decidir este jogo.

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