segunda-feira, 6 de junho de 2022

Ana Cristina Rosa: O pior da elite nacional

Folha de S. Paulo

O que ouvi na cafeteria não foi, infelizmente, um discurso isolado

Meu desjejum de 29 de maio numa cafeteria da Asa Sul, área nobre de Brasília, revelou o pior da elite brasileira: má educação, preconceito, indiferença e alienação quanto à realidade nacional. Tudo o que eu queria era tomar um café e conversar com uma amiga de longa data, a jornalista Claudia Dianni. Mas o dono do comércio local tinha outros planos. E, depois de interromper nosso papo, desatou a falar feito doido.

Em meio à suposta tentativa de vender um queijo dito especial, desfiou uma ladainha de preconceitos tão arraigados que foi incapaz de reconhecê-los como problema. Começou perguntando minha origem para, em seguida, desfazer da cor dos meus olhos.

"Metade da minha família, a parte nobre (e citou um sobrenome italiano), tem olhos verdes. Mas verdes mesmo, não esverdeados como os seus", frisou. "A outra parte é comum, tem os olhos escuros." E arrematou dizendo ter um avô "mais escuro" do que eu e um "parente distante" que se casou com uma negra: "Aquilo desgraçou a vida dele."

Meio aturdidas, tentamos encerrar o assunto. Mas, além de educação, o homem demonstrou que também lhe faltavam limites. E seguiu falando. Dessa vez do quanto a vida lhe ensinou em seis décadas de existência... e partilhou algumas de suas crenças.

Sustentou que no Brasil as pessoas não trabalham porque têm preguiça. Afirmou que pessoas negras não frequentam restaurantes e cafés porque não querem. E disse que os pais não garantem educação de qualidade aos filhos por não se darem ao trabalho de pesquisar boas escolas públicas.

Para completar, criticou a "patrulha do politicamente correto" ao referir o recente episódio em que uma jornalista foi corrigida ao vivo por usar o termo "denegrir" num comentário na TV. "Não se pode falar mais nada. É uma questão de etimologia. Não tem nada de errado."

Pior que pagar para ouvir um monte de disparates só a certeza de que, infelizmente, não se trata de um discurso isolado.

 

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