O Globo
Num mundo de raposas, a vez do
porco-espinho
A senadora Simone Tebet construiu sua
candidatura com a precisão de um ourives e hoje é mais uma alternativa para a
desejada “terceira via”. Articulou bases sólidas no MDB e no PSDB, mas, sendo
necessário, isso não é suficiente. Com Ciro Gomes, ela patina na pobreza de um
só dígito nas pesquisas.
Faltam menos de cem dias para uma eleição
que parece polarizada. Bolsonaro quer um novo mandato, mas seu nome tem mais de
50% de rejeição. No caso de Lula, o repúdio oscila entre 33% e 43%. Especular
sobre eleição antes do início da campanha é algo semelhante aos palpites sobre
o desempenho das seleções antes do início dos jogos da Copa do Mundo.
Mesmo assim, 2022 produziu duas surpresas reveladoras: descarrilaram as candidaturas de João Doria e Sergio Moro. Um governava São Paulo com bom desempenho. O outro havia sido uma das personalidades de maior densidade política do país. Ajudou a eleger Bolsonaro, sentou-se a sua mão direita e desceu aos infernos.
Doria e Moro reluziam na pista como
verdadeiros aviões e não decolaram. Ambos descarrilaram pelos mais diversos
motivos, mas, na essência, deixaram de responder à seguinte pergunta:
— O que o senhor colocará na minha mesa, em matéria de emprego, saúde e educação, noves fora platitudes ou bondosas generalizações?
(O Brasil voltou ao mapa da fome, e o
salário mínimo já não compra uma cesta básica.)
Faz tempo, quando o país vivia a
hiperinflação, Fernando Henrique Cardoso percebeu que venceria a eleição de
1994 ao ver uma pessoa empunhando uma nota de um real num comício.
Até agora, Simone Tebet e Ciro Gomes já se
comprometeram a tentar acabar com o mecanismo da reeleição, principal fator de
envenenamento e corrupção da política nacional. Mesmo assim, é pouco, pois não
responde à pergunta de 1 milhão de votos.
A terceira via só ficará de pé, se ficar,
quando seus postulantes deixarem de lado as marquetagens e responderem à
pergunta fatal. Lula e Bolsonaro, cada um à sua maneira, têm o acervo dos
próprios governos.
Simone Tebet atravessou com brilho a
preliminar da articulação, e a possibilidade de ter Tasso Jereissati como
companheiro de chapa aumenta suas chances. Mesmo assim, a pergunta continua lá.
De certa maneira, a resposta tem de sair da
alma do candidato. Itamar Franco pareceu doido ao botar Fernando Henrique
Cardoso no Ministério da Fazenda. Ele, com seus modos civilizados e alma
tolerante, devolveu ao país a noção de moeda. Ficou oito anos no poder, e as
crises sempre saíam do palácio menores do que pareciam ao entrar. Nos últimos
quatro anos, viveu-se o contrário. O presidente sai do palácio e vai a uma
padaria criar problemas que não existem (as urnas eletrônicas), oferecendo
soluções fantásticas (nióbio, grafeno e cloroquina).
A política brasileira está cheia de
raposas. Há as que decifram pesquisas, há as que concebem planos econômicos, e
há as que confiam nas suas agendas de telefones e endereços eletrônicos. Todas
elas respondem a quaisquer perguntas, menos à do prato.
Como lembrou o filósofo Isaiah Berlin, recuperando uma lição dos gregos: “A raposa sabe muitas coisas, mas o porco-espinho sabe uma só — e muito importante”.
Elio Gaspari e sua lucidez.
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