O Globo
Das muitas demonstrações de falta de
empatia de Jair Bolsonaro com o assassinato sórdido de Dom Phillips e Bruno
Pereira, enfim confirmado depois de nove dias de desaparecimento e buscas, é
espantoso que o presidente não tenha nunca, em momento algum, os chamado pelo
nome.
“Esse inglês”, “os dois”, “ambos”. Para o
homem que governa o Brasil, duas pessoas que morreram fazendo seu trabalho e
lutando pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas não
tinham rosto, não tinham identidade, não tinham propósito.
Todas as vezes em que tocou no assunto do
desaparecimento de Dom e Bruno, depois quando tardiamente prestou condolências
frias, secas e inominadas às famílias do jornalista e do servidor da Funai,
Bolsonaro demonstrou que o fazia por obrigação, a contragosto, de mau humor.
Um presidente que adora bater no peito e dizer que seu governo promove a soberania nacional e zela pelas fronteiras, com as Forças Armadas à frente, chegou a atribuir às vítimas a responsabilidade pela própria morte, incapaz de reconhecer o desmonte do aparato estatal na região.
Primeiro, ao chamar de “aventura” o que era
missão de vida, ofício, jornalismo, compromisso com os direitos humanos.
Depois, se ombreando com o crime organizado, ao dizer que Dom Phillips era
“malvisto” na região pelas reportagens de denúncia que fazia a respeito da
anomia que grassa no Vale do Javari. Bolsonaro chegou a citar os garimpeiros,
que atuam de forma ilegal na região, como os sujeitos da antipatia contra o
“inglês”, evidenciando qual lado considera o correto nessa pinimba.
Noticiar e analisar a presidência de alguém
como Jair Bolsonaro significa para nós, jornalistas, ter de mergulhar em traços
de uma personalidade sombria.
— Competente, sim, foi a cavalaria
norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse
problema — discursou o então deputado federal Jair Bolsonaro em 1998, na
tribuna da Câmara.<SW>
— Não demarcarei um centímetro quadrado a
mais de terra indígena — disse um Bolsonaro já eleito presidente, 20 anos
depois, em dezembro de 2018.
— Dentro do Supremo Tribunal Federal tem
uma ação que está sendo levada avante pelo ministro Fachin querendo um novo
marco temporal. Se ele conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar
as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir — repete a toda hora, com
variações, o presidente do Brasil, diante do julgamento a respeito de até
quando remonta o direito, consignado na Constituição, dos povos originários a
seus territórios .
Tão reiteradas manifestações de desprezo
aos direitos essenciais dos povos indígenas são o porquê do desmonte de uma
estrutura de fiscalização da Amazônia que inclui Forças Armadas, Polícia
Federal, Funai, Ibama e demais órgãos de controle.
É esse afrouxamento deliberado, decidido,
insistente e voraz que levou regiões como aquela em que Dom e Bruno foram
assassinados a se tornar uma confluência de tráfico de drogas e armas, pesca e
caça ilegais, garimpos clandestinos, madeireiros, grileiros e sabe-se lá mais
quantos grupos criminosos.
Contra essa “bandidagem” — o termo que
adora aplicar quando quer justificativa para armar indiscriminadamente a
população ou autorizar a polícia a promoverem justiçamentos —, Bolsonaro nada
falou.
Ele e seu filho Flávio se deram ao
desplante de, depois da confirmação das mortes do jornalista e do ativista,
ironizar a condição de dependente químico do comentarista esportivo Walter
Casagrande Jr.
Mas nem um pio para prometer resgatar a
Amazônia do faroeste a que está entregue. Nem para chamar Dom e Bruno pelo nome
e se condoer, ao menos por alguns minutos, por eles terem sido mortos em razão
da ausência de Estado onde deveria haver.
Ele apoia a bandidagem na Amazônia porque tem gente grande no comando,quando é pobre,preto e de favela...
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