domingo, 24 de julho de 2022

Bernardo Mello Franco - Utilidades do negacionismo

O Globo

Insistência no negacionismo ajudará presidente a manter tropa unida em caso de derrota

A Terra é plana. A Amazônia não pega fogo. A Covid é só uma gripezinha. A urna eletrônica foi programada para roubar votos dos patriotas. Na era da comunicação instantânea, negar a realidade deixou de ser atestado de ignorância. Virou tática para fidelizar seguidores e se perpetuar no poder.

No comício do Alvorada, Jair Bolsonaro bombardeou os embaixadores com mentiras e teorias conspiratórias. Praticou “negacionismo eleitoral”, na definição do ministro Edson Fachin. O presidente do TSE pediu um “basta” à desinformação e ao populismo autoritário. Se depender das convicções democráticas do capitão, é melhor esperar sentado.

Bolsonaro tem um plano. Quer permanecer no cargo a qualquer custo, seja no voto ou na marra. O segundo cenário não depende mais de um golpe clássico, nos moldes de 1964. O capitão parece apostar numa versão tupiniquim da invasão do Capitólio, estimulada no ano passado por seu ídolo Donald Trump.

Um vídeo divulgado na quinta-feira trouxe revelações sobre a baderna nos EUA. No dia seguinte ao tumulto, Trump gravou um pronunciamento na Casa Branca. Ao ler o discurso, pulou a frase em que admitiria a derrota para Joe Biden. “Não quero dizer que a eleição acabou”, explicou a assessores. A recusa a reconhecer o resultado ainda mantém parte de seus eleitores em negação.

Na sexta, uma repórter perguntou a Bolsonaro se ele entregará a faixa presidencial caso seja derrotado em outubro. “Você tá louca que eu fale ‘não’, né?”, respondeu o capitão. Em seguida, ele voltou a defender uma apuração paralela comandada por militares. Tudo em nome da “estabilidade” e da “transparência”, como disse aos diplomatas estrangeiros.

O negacionismo também pode ser útil para manter a tropa unida fora do poder. Cerca de 70% dos eleitores republicanos ainda acreditam que a vitória de Biden foi roubada, apesar da absoluta inexistência de provas. Ao insistir na mentira da fraude, Trump se mantém no páreo como alternativa para 2024. Se o projeto do golpe naufragar, Bolsonaro precisará de um discurso para não desmobilizar seus seguidores. É perda de tempo esperar que ele atenda ao apelo de Fachin.

Dilma e Marina

Dilma Rousseff e Marina Silva nunca se bicaram. Nem como ministras de Lula, nem como adversárias em eleições presidenciais. Nos últimos dias, as duas se insurgiram contra o excesso de pragmatismo na campanha petista. O ex-presidente deveria ouvir o que elas têm a dizer.

Marina protestou contra o apoio de Lula a Neri Geller, pré-candidato do PP ao Senado em Mato Grosso. O ruralista foi relator do projeto que arrasa as regras de licenciamento ambiental no país. “Ficará difícil cumprir as promessas feitas aos indígenas, aos ambientalistas, ao setor do agronegócio que quer se firmar na pauta da sustentabilidade”, alertou a ex-ministra do Meio Ambiente.

Dilma reagiu ao flerte do PT com Michel Temer, que articulou sua derrubada em 2016 e agora afirma que ela é “honestíssima”. Lula corteja o MDB para tentar implodir a frágil candidatura de Simone Tebet. “A História não perdoa a prática da traição. O senhor Michel Temer não engana mais ninguém. O que se conhece dele é mais que suficiente para evitá-lo”, disparou a ex-presidente.

 

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