O Globo
Ex-presidente José Sarney defende a
democracia em discurso na ABL
O ex-presidente José Sarney, como seu
decano, orador oficial da sessão solene dos 125 anos da Academia Brasileira de
Letras, fez um discurso unanimemente reconhecido como de importância histórica
e política. Sua manifestação pela defesa das eleições e da democracia foi
fundamental nesses momentos turbulentos que vivemos. Dito do púlpito da ABL,
deu relevo à posição institucional de defesa da cultura e da liberdade de
expressão.
Foi a partir da palavra, “a expressão de
nossa Casa” que Sarney abordou a defesa da cultura, seu primeiro ponto de
análise dos tempos recentes: “sua luz ilumina a sociedade, marcada pela
infinitude como a matéria que forma o universo — a luz da palavra forma o nosso
universo, e é com ela que nos erguemos para defender a cultura, para exprimir a
cultura, para iluminar o caminho e abrir alas para a cultura”.
Assumindo a posição de “Presidente que conduziu a transição para a democracia”, Sarney lamentou que não seja só a cultura brasileira que precisa, neste momento, ser defendida.“ Tenho a responsabilidade de defendê-la. Ela se consolidou pela prática continuada de eleições livres, sob a vigilância segura e firme do Tribunal Superior Eleitoral. Garantir que o Judiciário exerça em plenitude suas responsabilidades é absolutamente necessário para que a democracia prevaleça. O Brasil precisa se unir em torno deste objetivo”.
As palmas que eclodiram pelo Salão Nobre do
Pétit Trianon neste momento demonstraram a ânsia da sociedade civil ali
representada pela normalidade democrática. Sarney foi adiante, reforçando seu
espírito humanista: “Coisa grande é a eternização dos sentimentos da alma de
que nos fala Bergson. O patrimônio cultural da nação. Nenhum país pode ser
grande potência se não for grande potência cultural. Não basta ter poder
militar, político, econômico, se não for potência cultural.”
Nosso primeiro Presidente, Machado de
Assis, disse Sarney, coloca como referência a Academia Francesa, com a
capacidade de sobreviver “aos acontecimentos de toda casta, às escolas
literárias e às transformações civis”. Recomenda, portanto, um equilíbrio entre
o passado e o futuro, num universo em que “a tradição é o primeiro voto”,
representado na escolha do batismo das cadeiras com “nomes preclaros e
saudosos”.
Já Nabuco “nos advertia de que seríamos
quarenta, mas não “os Quarenta”. Colocava, com aquela extraordinária habilidade
com as palavras, a questão da necessária “proporção de ausentes”, uns não
lembrados, outros que não quiseram participar. Levantou, como Machado, a
questão “dos antigos e modernos”, do equilíbrio entre os que têm passado e os
que ainda olham para o futuro. Para os substitutos, a “escolha poderá parecer
um plebiscito literário”. Parecer, ressalta ele; e acrescento eu que, mais que
um julgamento, é uma escolha, e esta se faz pelo mérito, decerto, mas somos
aqui uma Casa de convívios, não a “dos Incompatíveis”.
“Sentiremos o prazer de concordarmos em
discordar”, pois a “melhor garantia da liberdade e independência cultural é
estarem unidos no mesmo espírito de tolerância os que veem as coisas d’arte e
poesia de pontos de vista opostos”. Nos tempos da nossa fundação, lembrou
Sarney, Joaquim Nabuco escrevia Um estadista do Império e logo depois
escreveria Minha formação; e Machado escrevia Dom Casmurro. “Se as almas dos
povos podem ser expressas, esses três livros seriam, como são, gigantescos
monumentos de nossa grandeza”.
Um momento histórico importante foi quando
Sarney lembrou a polêmica causada por Graça Aranha, “fundador da cadeira que
ocupo e meu conterrâneo”, que entrara para a Academia ainda muito jovem e sem
livro publicado, mas com dois apoios fortes, o de Machado e o de Nabuco. Falo
da amizade e dos postulados de Nabuco sobre o “concordar em discordar”, e pode
parecer que Graça Aranha seria, justamente, a pessoa a não invocar: afinal foi
ele o protagonista do choque com Olavo Bilac ao fim de sua conferência sobre o
espírito moderno.
A Casa está plena. A plateia, ávida. O
velho Graça Aranha sobe a esta tribuna e grita:
— Morra a Academia!
Os jovens aplaudem. O auditório ferve.
Entre os que o carregam em triunfo está Alceu Amoroso Lima. Coelho Neto
sucede-lhe. Vem replicar. Faz o elogio da Grécia. No público, o grito de
contestação:
— Morra a Grécia!
E Coelho Neto responde:
— Mas eu serei o último heleno.
Tive a oportunidade de dizer, quando tomei
posse, que os gestos de Graça são sempre políticos e o episódio da Academia
fora um gesto de política literária. Finalizando, Sarney deu um “Viva a
Academia” e clamou por Machado de Assis e Joaquim Nabuco: “Se por eles somos
imortais, os tornemos por um instante mortais:
— Entre, Machado de Assis!, entre, Capitu!,
entre, Bentinho!, tragam o mistério eterno contado no Dom Casmurro!
— Entre, Joaquim Nabuco!, venha com as páginas extraordinárias de Um Estadista do Império!
Viva a Academia!
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