Folha de S. Paulo
Universidade pública é espaço de
experiência fundamental para a democracia
Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em junho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Daniel Tourinho Peres, professor da UFBA, e Mayra Goulart, professora da UFRJ.
Diante dos cortes criminosos que o governo
federal dirige contra o orçamento do conhecimento, muitos temos insistido na
centralidade da ciência para o desenvolvimento do país. Mas não é apenas o
nosso desenvolvimento econômico que está ameaçado. Está sob forte ameaça também
o futuro da sociedade brasileira como sociedade democrática, que combata nossa
absurda desigualdade e promova inclusão.
Por muito tempo, a ciência foi vista como atividade de um indivíduo especial: o cientista, alguém dotado de extrema curiosidade, inteligência e imaginação, capaz não apenas de olhar para os pequenos detalhes, mas também ter uma visão geral do mundo. Só mais tarde tornou-se compartilhada a percepção de que a ciência é um trabalho coletivo, resultado de uma sociabilidade muito particular, disposta a rever, ainda que nem sempre de bom grado, as bases sobre as quais estão assentadas suas certezas.
A elite brasileira se interessou
tardiamente pela criação de instituições voltadas para a produção do
conhecimento que viria auxiliar no desenvolvimento do país e em nossa
integração a um sistema produtivo internacional marcado pelo rápido avanço
científico. Essas instituições são, claro, as universidades públicas, onde se
realiza mais de 90% de nossa ciência.
Algumas universidades são mais antigas,
outras mais novas. Só muito recentemente, porém, em que pese o enorme trabalho
que realizaram em tempo incrivelmente curto para inserir o Brasil como ator
relevante na produção de ciência, elas passaram a explorar todo o potencial
presente em seus diversos campi para a formação de uma sociabilidade com enorme
potencial democrático.
Nos últimos anos, com a política de cotas,
a universidade pública passa a ser também o espaço de uma experiência
fundamental para a nossa democracia. É nela que começa a se realizar a nossa
experiência comum, aquela em que brasileiras e brasileiros, de diferentes
gerações e origens, com experiências de vida muito distintas e desiguais,
encontram-se e cooperam com a finalidade de transmitir e produzir conhecimento,
de buscar a solução de problemas conhecidos e enfrentar novas questões.
A universidade pública muda vidas. Mas ela
não muda apenas a vida daqueles que entram nela. Ela muda também a forma como
vivemos em sociedade, sociedade que se torna capaz de trabalhar seus conflitos
e tensões, encontrando uma medida comum, ainda que precária e provisória, isto
é, democrática.
Não é acidente, portanto, que governos com
projetos autoritários tentem destruir universidades e a comunidade científica,
seja com cortes brutais de recursos, seja com ataque sistemático, baseados em
mentiras, à imagem das instituições e de seus quadros.
Em outubro, temos a chance de votar pela ciência, liberdade e igualdade, ou de continuarmos, como disse Millôr Fernandes, com um "enorme passado pela frente".
''Eu vejo o futuro repetir o passado'',com Bolsonaro será sempre assim.
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