segunda-feira, 4 de julho de 2022

Felipe Moura Brasil: D. Pedro II contra Bolsonaro e a ‘oposição’

O Estado de S. Paulo

Cartas do imperador sobre atuação do Senado mostram que seus conselhos deveriam ser seguidos

“Um número muito pequeno de leis será suficiente em um Estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente.”

No Brasil, as coisas são tão diferentes do “Estado bem ordenado” concebido em 1516 pelo teólogo e filósofo holandês Erasmo de Roterdã que, em 1876, d. Pedro II escreveu à filha Isabel, sua substituta como regente durante viagens ao exterior: “Os ministérios gostam de apresentar às Câmaras orçamentos em que não haja déficit; para o qual calculem as despesas muito abaixo, que depois vão suprindo por meio de créditos, que, mesmo por causa desse cálculo errado, poucas vezes são abertos sem infração da lei que estabelece as condições dos diversos créditos”.

Infringir leis para estourar o orçamento conforme a conveniência política é uma tradição brasileira em razão da má qualidade das autoridades públicas, como novamente se viu na aprovação pelo Senado da “PEC Kamikaze”, assim batizada por Paulo Guedes, mas articulada pelo governo Bolsonaro com votos cúmplices da falsa oposição.

“A perda de credibilidade fiscal vai estimular inflação, juros mais elevados e reduzir os investimentos necessários para a geração de emprego e renda”, alertou José Serra, único senador a votar contra. Petistas e Simone Tebet, entre outros, sabiam que o “estado de emergência” instituído até o fim do ano para legalizar a compra turbinada de votos é eleitoral, mas condescenderam com o presidente por pavor de se tornarem alvos das mesmas acusações de prejudicar os pobres que o PT lançava contra quem criticasse seu clientelismo, ou “o diabo na hora da eleição”, admitido por Dilma Rousseff.

No Império, senadores já representavam províncias, que virariam Estados; mas, a partir de lista tríplice enviada por elas em caso de vacância, eram escolhidos pelo imperador para mandato vitalício, o que durou até a proclamação da República em 1889. D. Pedro II orientou Isabel a “escolher o honesto, o moderado, o que tenha mais capacidade intelectual e serviços ao Estado; porque o Senado não é por sua natureza um corpo onde devam fazer-se sentir as influências partidárias, como na Câmara dos Deputados. Tem de moderar a esta, e de sentenciar em casos da maior importância”.

As cartas do imperador à filha, assim como “A educação de um príncipe cristão”, de Erasmo, estão no livro Conselhos aos governantes, publicado pelo próprio Senado em 1998. Em 2022, porém, quem deveria seguir tais conselhos é o eleitor brasileiro.

 

Um comentário: