O Estado de S. Paulo
Cartas do imperador sobre atuação do Senado mostram que seus conselhos deveriam ser seguidos
“Um número muito pequeno de leis será
suficiente em um Estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados
honestos, e se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será
suficiente.”
No Brasil, as coisas são tão diferentes do
“Estado bem ordenado” concebido em 1516 pelo teólogo e filósofo holandês Erasmo
de Roterdã que, em 1876, d. Pedro II escreveu à filha Isabel, sua substituta
como regente durante viagens ao exterior: “Os ministérios gostam de apresentar
às Câmaras orçamentos em que não haja déficit; para o qual calculem as despesas
muito abaixo, que depois vão suprindo por meio de créditos, que, mesmo por
causa desse cálculo errado, poucas vezes são abertos sem infração da lei que
estabelece as condições dos diversos créditos”.
Infringir leis para estourar o orçamento conforme a conveniência política é uma tradição brasileira em razão da má qualidade das autoridades públicas, como novamente se viu na aprovação pelo Senado da “PEC Kamikaze”, assim batizada por Paulo Guedes, mas articulada pelo governo Bolsonaro com votos cúmplices da falsa oposição.
“A perda de credibilidade fiscal vai
estimular inflação, juros mais elevados e reduzir os investimentos necessários
para a geração de emprego e renda”, alertou José Serra, único senador a votar
contra. Petistas e Simone Tebet, entre outros, sabiam que o “estado de
emergência” instituído até o fim do ano para legalizar a compra turbinada de
votos é eleitoral, mas condescenderam com o presidente por pavor de se tornarem
alvos das mesmas acusações de prejudicar os pobres que o PT lançava contra quem
criticasse seu clientelismo, ou “o diabo na hora da eleição”, admitido por
Dilma Rousseff.
No Império, senadores já representavam
províncias, que virariam Estados; mas, a partir de lista tríplice enviada por
elas em caso de vacância, eram escolhidos pelo imperador para mandato
vitalício, o que durou até a proclamação da República em 1889. D. Pedro II
orientou Isabel a “escolher o honesto, o moderado, o que tenha mais capacidade
intelectual e serviços ao Estado; porque o Senado não é por sua natureza um
corpo onde devam fazer-se sentir as influências partidárias, como na Câmara dos
Deputados. Tem de moderar a esta, e de sentenciar em casos da maior
importância”.
As cartas do imperador à filha, assim como
“A educação de um príncipe cristão”, de Erasmo, estão no livro Conselhos aos
governantes, publicado pelo próprio Senado em 1998. Em 2022, porém, quem
deveria seguir tais conselhos é o eleitor brasileiro.
Um comentário:
O Brasil nunca foi levado a sério.
Postar um comentário