domingo, 10 de julho de 2022

Hélio Schwartsman: Os saltos da natureza

Folha de S. Paulo

Novas pesquisas sugerem que moscas podem ter consciência

"Natura non facit saltus" (a natureza não dá pulos). A frase é de Leibniz, mas quem a popularizou foi Charles Darwin, que a repete seis vezes em "A Origem das Espécies". Não é para menos. A lição fundamental do darwinismo é que a evolução ocorre através de pequenas modificações que se acumulam na profundidade do tempo geológico. Não obstante, quando se discute o lugar do homem no mundo biológico, esquecemos esse princípio e embarcamos em narrativas que nos colocam no ápex da criação.

Esse suposto excepcionalismo humano fica escancarado na questão da consciência. Por muito tempo a descrevemos como atributo exclusivamente humano. Melhores e mais recentes pesquisas, entretanto, vão revelando que não é bem assim. Ainda que bichos não pareçam capazes de se perguntar pelo sentido da vida, há indícios de que boa parte do reino animal apresenta algum grau de consciência.

"Super Fly" (supermosca), de Jonathan Balcombe, estende esse esforço aos Diptera, ordem que inclui moscas, mosquitos, mutucas e borrachudos. O autor descreve vários experimentos sugestivos de que até as modestas moscas de fruta são capazes de comportamentos flexíveis e com intencionalidade —marcas da consciência. Parentes delas, três tipos de formiga, passariam até no teste de reconhecer-se no espelho, categoria em que está a elite intelectual da bicharada, representada por humanos, chimpanzés, golfinhos e mais poucas espécies.

As repercussões desses achados para a ética não são desprezíveis. Fica mais difícil encontrar limites naturais para definir quais animais devem ser objeto de nossa consideração moral e quais não precisam. Qualquer decisão aí soará caprichosamente arbitrária.

Os Diptera saem em desvantagem. Eles não despertam muita solidariedade humana. Não sem motivos. Metade de todos os diagnósticos clínicos de doenças feitos no mundo tem insetos como agente causador, a maior parte mosquitos.

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