Folha de S. Paulo
Novas pesquisas sugerem que moscas podem
ter consciência
"Natura non facit saltus" (a
natureza não dá pulos). A frase é de Leibniz, mas quem a popularizou foi Charles
Darwin, que a repete seis vezes em "A
Origem das Espécies". Não é para menos. A lição fundamental do
darwinismo é que a evolução ocorre através de pequenas modificações que se
acumulam na profundidade do tempo geológico. Não obstante, quando se discute o
lugar do homem no mundo biológico, esquecemos esse princípio e embarcamos em
narrativas que nos colocam no ápex da criação.
Esse suposto excepcionalismo humano fica
escancarado na questão da consciência. Por muito tempo a descrevemos como
atributo exclusivamente humano. Melhores e mais recentes pesquisas, entretanto,
vão revelando que não é bem assim. Ainda que bichos não pareçam capazes de se
perguntar pelo sentido da vida, há indícios de que boa parte do reino animal
apresenta algum grau de consciência.
"Super Fly" (supermosca), de Jonathan Balcombe, estende esse esforço
aos Diptera, ordem que inclui moscas, mosquitos, mutucas e borrachudos. O autor
descreve vários experimentos sugestivos de que até as modestas moscas de fruta
são capazes de comportamentos flexíveis e com intencionalidade —marcas da
consciência. Parentes delas, três tipos de formiga, passariam até no teste de
reconhecer-se no espelho, categoria em que está a elite intelectual da
bicharada, representada por humanos, chimpanzés, golfinhos e mais poucas
espécies.
As repercussões desses achados para a ética não são desprezíveis. Fica mais
difícil encontrar limites naturais para definir quais animais devem ser objeto
de nossa consideração moral e quais não precisam. Qualquer decisão aí soará
caprichosamente arbitrária.
Os Diptera saem em desvantagem. Eles não despertam muita solidariedade humana.
Não sem motivos. Metade de todos os diagnósticos clínicos de doenças feitos no
mundo tem insetos como agente causador, a maior parte mosquitos.
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