sábado, 2 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Covardia coletiva no Senado

O Estado de S. Paulo

Senadores preocupados exclusivamente com a eleição, e não com o País, aprovam uma PEC que atropela leis e moralidade para autorizar Bolsonaro a comprar votos

Na noite de quinta-feira, o Senado aprovou uma aberração fiscal, moral, social e institucional. Não apenas condescendeu com uma manobra bolsonarista eleitoreira e antidemocrática, como aceitou inscrevê-la na própria Constituição. O Senado, que em diversos momentos foi resistência à barbárie e ao retrocesso de Jair Bolsonaro, aprovou em dois turnos, com um único voto contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que institui o estado de emergência até o fim do ano com o único e exclusivo intuito de burlar a legislação eleitoral e criar benefícios sociais às vésperas da eleição.

A votação é o marco histórico de um retrocesso sem precedentes. Em tramitação relâmpago, os senadores autorizaram que a Constituição seja alterada – sem estudo, sem planejamento, sem debate, ignorando as consequências fiscais, sociais e institucionais – para mudar casuística e arbitrariamente as regras do jogo democrático, de forma a permitir o mais deslavado clientelismo. Depois disso, restará algum limite para conter o descalabro e a desfaçatez?

Com frequência, o presidente Bolsonaro reclama que seu cargo tem um poder muito limitado, mas a aprovação da PEC mostrou o exato oposto, explicitando a influência que um presidente da República, por mais fraco e incompetente que seja, tem sobre o Congresso. A irresponsabilidade do Executivo – seu descaramento de desprezar todos os limites morais e legais para fins eleitorais – contagiou o Legislativo.

A covardia coletiva dos senadores é, também, prova de que o problema moral, cívico e político do País não se restringe ao bolsonarismo. Não há oposição digna do nome. Não há coerência mínima entre os que afirmam ser a resistência contra o retrocesso bolsonarista. Não adianta o PT chamar Bolsonaro de genocida e depois aprovar a aberração da PEC 1/2022, que inventa estado de emergência para burlar regra eleitoral e fiscal. Não adianta os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) tentarem resgatar a esperança de uma opção responsável para 2023, se depois avalizam uma mudança constitucional que cria benefícios eleitoreiros por fora do teto de gastos, da regra de ouro e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ademais, a votação da PEC 1/2022 confirma um princípio fundamental da vida democrática: a decisão sobre o voto é sempre pessoal e intransferível. Corajoso e coerente, o voto do senador José Serra (PSDB-SP) contrário à PEC 1/2022 entra para a história, pois mostra que nem todos os senadores aceitaram a irresponsabilidade fiscal e institucional. Nem todos aceitaram chamar de “benefício social” o que é escandalosa compra de voto. Houve um que, honrando o mandato parlamentar conferido pelo eleitor paulista, foi fiel ao interesse público e à Constituição. 

Contra tudo e contra todos, no mais genuíno espírito de Quixote, José Serra não se curvou a Jair Bolsonaro nem se apavorou ante a perspectiva de ser acusado pela malta bolsonarista de prejudicar os pobres. Aliás, diga-se, o único a se preocupar genuinamente com os pobres naquele acoelhado Senado foi Serra, pois a miséria se perpetua quando a elite dirigente, como fez a quase totalidade dos senadores, despreza a Constituição, ignora as leis e administra irresponsavelmente o dinheiro público. 

É esse vigor cívico encontrado no voto de Serra que se pede aos deputados quando forem avaliar a PEC. Não é porque o Senado se submeteu ao cabresto de Bolsonaro que os integrantes da Câmara devem fazer o mesmo, ratificando a destruição não apenas da prudência fiscal e da integridade das regras eleitorais, como do próprio sentido da Constituição – que, de instrumento de proteção da democracia, foi transformada por malandros em meio para burlar impunemente as regras do jogo.

São muitas e urgentes as necessidades sociais do País, mas isso não pode ser pretexto para dar R$ 41,2 bilhões a Bolsonaro para comprar votos. O Senado sucumbiu. Cabe agora à Câmara decidir com qual atitude deseja entrar na história: a coragem ou a covardia.

Tragédia educacional na América Latina

O Estado de S. Paulo

Banco Mundial e Unicef estimam que, em razão da pandemia, 4 em cada 5 alunos latino-americanos nãoconseguem ler e interpretar textos no 6.º ano do fundamental

O atraso da educação na América Latina e no Caribe, problema anterior à pandemia de covid-19, ganhou contornos ainda mais dramáticos após o prolongado fechamento de escolas nos últimos dois anos. Uma nova estimativa do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em colaboração com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), aponta que, na região, quatro em cada cinco alunos do 6.º ano do ensino fundamental não conseguem entender e interpretar textos de maneira adequada.

O alerta sobre o problema, de consequências avassaladoras, consta de relatório lançado no último dia 23 de junho. De acordo com o documento, pode ter havido um retrocesso de mais de dez anos nos resultados de aprendizagem, afetando principalmente crianças em fase de alfabetização − com impacto ainda maior entre alunos de perfil socioeconômico mais baixo. O que já seria grave em qualquer cenário fica ainda pior quando se recorda que os indicadores educacionais da América Latina e do Caribe, na média, deixavam muito a desejar antes da pandemia.

O relatório leva o nome de Dois anos depois: salvando uma geração. É exatamente disso que se trata: salvar uma geração de estudantes cuja vida escolar foi atropelada não somente pela pandemia, mas pela interrupção exageradamente longa das aulas presenciais e por deficiências na oferta da educação remota. Ainda que professores e redes de ensino tenham se esforçado, esbarraram na falta de acesso à internet e em deficiências de infraestrutura, além da própria inexperiência docente em educação a distância.

O documento informa que, na média, as escolas da América Latina e do Caribe ficaram total ou parcialmente fechadas durante 58 semanas de aula entre março de 2020 e março de 2022 − o que faz da região a terceira com maior período de suspensão do ensino presencial no planeta. Apenas o sul da Ásia e a América do Norte registraram número maior, com 66 e 63 semanas respectivamente. Vale ressaltar, porém, que, na América do Norte, somente 7 das 63 semanas tiveram fechamento total de escolas, ante 29 na América Latina e Caribe (e 35 no sul asiático).

Os cerca de 170 milhões de estudantes latino-americanos e caribenhos ficaram sem ensino inteiramente presencial, na média, em um a cada dois dias de aula, segundo o documento. Não surpreende, portanto, o tamanho do prejuízo: é notório que o ensino remoto, mesmo em condições adequadas, não se equipara à experiência presencial em sala de aula. Isso é especialmente verdadeiro para alunos cujos pais ou responsáveis têm pouca escolaridade e baixa renda. 

O relatório faz um prognóstico sombrio: o déficit de aprendizagem registrado durante a pandemia poderá reduzir em 12% a renda que os atuais alunos terão ao longo da vida. Isso por causa das perdas educacionais, sem falar nos demais prejuízos. A publicação menciona que o subcontinente foi a região do mundo com mais mortes per capita por covid-19: embora concentre 8% da população global, respondia por 28% das mortes relacionadas ao coronavírus. Além disso, a América Latina e o Caribe sofreram os piores impactos na atividade econômica e apresentavam as mais baixas perspectivas de recuperação. 

Na educação, vários desdobramentos ainda não são inteiramente conhecidos: um deles diz respeito ao risco de que mais estudantes abandonem os estudos, no atual ano letivo, em decorrência do atraso escolar. Isso, por óbvio, vai depender da resposta de cada país. No Brasil, em termos de poder público, as esperanças recaem sobre governos estaduais e municipais, considerando que o Ministério da Educação (MEC), sob o governo Bolsonaro, carrega a marca da omissão, tendo abdicado de seu papel de coordenação nacional.

O relatório recomenda foco na retomada do ensino presencial, com a reabertura de todas as escolas, e em estratégias de recomposição da aprendizagem, com atividades de recuperação planejadas a partir de evidências, isto é, de avaliações. O caminho está dado − e saber o que fazer é essencial. Resta agora agir, com urgência.

O mercado entre o roto e o rasgado

O Estado de S. Paulo

Investidores sabem que a vitória de Bolsonaro seria desastrosa, mas temem a irresponsabilidade lulopetista

Com base nas pesquisas de intenção de voto, analistas de mercado projetam naturalmente uma disputa dura entre o presidente Jair Bolsonaro e o petista Lula da Silva na eleição presidencial, com vantagem para o último. “O quadro é desolador”, disse Daniel Leichsenring em evento da Verde Asset Management, da qual é economista-chefe. “Nem eu, nem o mercado, nem os gringos consideram uma eleição binária”, disse o CEO da Verde, Luis Stuhlberger. “O mercado considera os dois candidatos ruins, cada um a seu jeito.”

A desolação se refere precisamente àquilo que há de não binário na disputa. Independentemente das propostas de Lula e de Bolsonaro, o mercado antecipa a ruína da já combalida ancoragem fiscal em caso de vitória de qualquer um dos dois. O debate parece dominado por “quem vai gastar mais”, disse Leichsenring. Segundo Stuhlberger, “o teto de gastos virou o inimigo público número um de Bolsonaro e Lula”.

Aos representantes do mercado, a propaganda de Lula vende o retorno a um passado dourado, aludindo às políticas econômicas ortodoxas e até liberais de seu primeiro mandato. Mas mesmo que fosse o caso – o que as evasivas de Lula de discutir economia antes das eleições não permitem antecipar – a situação hoje é diferente.

Com o loteamento do Orçamento aos parlamentares do Centrão promovido por Bolsonaro, a discricionariedade do Congresso aumentou. Mais importante, o atual ciclo das commodities não deverá ser, como foi há 20 anos, suficiente para tirar o País do baixo crescimento, desemprego elevado e juros e inflação altos. “Não posso dizer o que vai acontecer com os ativos se o candidato A ou B ganhar. A única coisa que consigo concluir é que, se o PT ganhar, vamos ter mais inflação”, disse Stuhlberger.

Tanto pior se o PT optar por reeditar a malfadada Nova Matriz Econômica. Com o inchaço do funcionalismo público, o crédito indiscriminado aos “campeões nacionais” ou o desvirtuamento das estatais, os resultados finais da gestão petista foram “os mesmos problemas de miséria, educação, saúde e desigualdade”, afirmou Leichsenring.

Vença o intervencionismo populista e atrasado de Lula, vença a administração irresponsável de Bolsonaro em quase todas as áreas relevantes, o resultado eleitoral será devastador sobre o ambiente de negócios. “Usando uma linguagem não minha, mas das ruas”, arrematou Stuhlberger, “é tipo um psicopata contra um incompetente bem-intencionado”.

Analistas de mercado têm o dever de subsidiar seus investidores com cenários prováveis e suas consequências, e é natural que estejam se concentrando na disputa entre Lula e Bolsonaro, líderes das pesquisas. Mas enclausurar-se em um fatalismo quanto à escolha entre esses dois seria condescender a uma profecia autorrealizável. Há alternativas. Sem renunciar ao realismo que lhes cabe enquanto profissionais de mercado, financistas são também cidadãos, e também a eles cabe se mobilizar por opções que libertem o País da obrigação de escolher entre o roto e o rasgado.

Mais uma CPI à vista

Folha de S. Paulo

Balcão de negócios no MEC oferece matéria farta, mas há risco de virar picadeiro

A cada dia parece mais provável a realização de uma CPI sobre o Ministério da Educação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), comprometeu-se a ler o requerimento apresentado pela oposição, com 31 assinaturas.

Fato determinado há: um balcão de negócios operado no MEC na gestão do ministro e pastor presbiteriano Milton Ribeiro. Com seu beneplácito atuavam dentro da pasta os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura como intermediadores da liberação de verbas, cobrando supostas propinas de prefeitos.

Os indícios e testemunhos eram tão convincentes que a Polícia Federal pediu e a Justiça aprovou a prisão de Ribeiro, Santos e Moura. Nova decisão judicial libertou-os, a atestar mais uma vez a facilidade com que se recorre a essa medida extrema no Brasil, não menor que a rapidez para revogá-la.

Uma investigação em período eleitoral, como seria o caso desta CPI uma vez instalada, reúne mais condições que o usual para se tornar um circo. Muitos discursos inflamados e poucas revelações úteis para responsabilização de pessoas, empresas ou instituições; mesmo naquelas CPIs produtivas, como a da pandemia, não há garantia de consequências judiciais.

O picadeiro ficará mais animado caso Pacheco concretize a ideia por ele aventada de unir dois requerimentos, o da oposição e outro da situação bolsonarista para investigar obras paradas de governos petistas no setor de educação. O menor caminho para não apurar nada é multiplicar o número e a abrangência de fatos a apurar.

Caso termine de fato instalada, superada a fase de pressão do Planalto para que senadores retirem suas assinaturas, a CPI não começaria antes de agosto, após o recesso congressual. Os 90 dias iniciais de prazo coincidiriam com a campanha eleitoral, que já se afigura para lá de conturbada.

Uma tática para produzir barulho, no curto prazo balizado pelo pleito, seriam pedidos em massa de quebras de sigilo. A proverbial expedição de caça, capaz de gerar mais estrondo e calor do que luz.

Um rastilho que pode conduzir a munição explosiva está no fio que liga Milton Ribeiro ao Planalto. Jair Bolsonaro (PL), após hesitação inicial, continua a defender o ex-auxiliar. E há registro do próprio ministro indicando que os pastores agiriam a pedido do presidente.

Potencialmente comprometedor é o telefonema, revelado pela GloboNews, em que Ribeiro relata um "pressentimento" do presidente sobre uma possível operação da Polícia Federal, o que pode sugerir interferência na investigação. Fato gravíssimo, se vier a confirmar-se a pior hipótese, mas não surpreendente diante do padrão de conduta no Palácio do Planalto.

Debaixo do teto

Folha de S. Paulo

Em contraste com gastança eleitoreira, pastas essenciais têm verbas comprimidas

Enquanto o governo Jair Bolsonaro (PL) corre para gastar dezenas de bilhões de reais com medidas eleitoreiras, justificáveis ou não, áreas essenciais da administração pública perdem recursos.

No torniquete mais recente, o Ministério da Economia determinou um bloqueio de quase R$ 7 bilhões, que se soma a outro, de R$ 1,7 bilhão, feito em março, comprometendo os investimentos e a previsibilidade em diversas pastas a fim de acomodar os planos presidenciais no teto de gastos.

A principal vítima da vez foi o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que perdeu, ao menos provisoriamente, R$ 2,5 bilhões. Frustram-se, assim, esperanças criadas na comunidade científica após a expansão inscrita na lei orçamentária deste ano, que fez as verbas livres da pasta saltarem de R$ 3,3 bilhões para R$ 6,9 bilhões.

O dinheiro bloqueado é oriundo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que aufere recursos por meio do recolhimento de encargos e tributos e tem como objetivo fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Dos 17 fundos setoriais que compõem o FNDCT, 6 tiveram o seu orçamento completamente congelado pela medida —entre eles os que financiam iniciativas voltadas para a Amazônia e projetos aquaviários, de biotecnologia, informática e automação.

Na sequência aparece o Ministério da Educação, o segundo mais afetado pelo contingenciamento de verbas discricionárias. Dos cerca de R$ 22 bilhões inicialmente disponíveis, R$ 1,6 bilhão terminou bloqueado, numa compressão orçamentária que se espraia por toda a pasta, de programas de educação básica aos recursos de universidades e institutos federais.

O corte mostra-se duro para as instituições de ensino superior, e reitores admitem até a possibilidade de suspensão das atividades diante das dificuldades de arcar com os gastos com luz e água.

Por fim, aparece o Ministério da Saúde, que, com perda de R$ 1,25 bilhão, completa a lista das pastas mais afetadas pelo bloqueio.

Dentro da lógica do teto de gastos inscrito na Constituição em 2016, a compressão ocorre porque outras despesas subiram —e aqui se destacam, como exemplo infeliz, as emendas parlamentares de prioridade mais que duvidosa. O Orçamento, finito, força governo e Congresso a fazerem escolhas e por elas responderem.

Contribuinte não deveria tapar rombo de fundos de estatais

O Globo

Os fundos de pensão de empresas estatais estão assentados sobre ativos de R$ 1,12 trilhão, o equivalente a 13% do PIB. Por isso exercem especial atração sobre os governos de turno. Todo grande projeto de investimentos engendrado em Brasília os inclui como participantes, mas eles nem sempre obtêm lucro em negócios regidos mais por interesse político que pela lógica econômica. Não são raros os escândalos, caso do petrolão, em que restou desmascarada a gestão temerária a que estão sujeitos.

Pela regra estatutária, as operações que dão prejuízo aos fundos deveriam ser compensadas pelo aumento da contribuição do funcionário da estatal, da própria empresa ou de ambos. Ao todo, são afetados cerca de 200 mil empregados de estatais. Por demagogia, a cem dias das eleições, o presidente Jair Bolsonaro quer impedir que segurados contribuam mais para reduzir o déficit de R$ 36,2 bilhões registrado em 2021, segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). O primeiro trimestre deste ano já fechou com rombo de R$ 24,2 bilhões, indício de que a situação se agravará. Como costuma acontecer, o Tesouro, em nome dos contribuintes, deverá ser chamado a reequilibrar as finanças dos fundos.

Quando a estatal mantenedora é levada a socorrer o fundo, o dinheiro do contribuinte é usado. Seja porque o balanço da empresa — patrimônio do Estado — é deteriorado, seja porque ela receberá recursos do Tesouro no futuro. Todos os que pagam impostos participam da ajuda sem saber.

No cálculo da Abrapp, R$ 20,5 bilhões do buraco financeiro deveriam começar a ser recolhidos neste ano, principalmente de funcionários dos Correios (Postalis), da Caixa (Funcef) e da Petrobras (Petros). Mas o Ministério Público Federal acionou a Justiça para que a Caixa injete R$ 5 bilhões no Funcef para compensar perdas causadas por investimentos malfeitos, investigados na Operação Greenfield, que apurou a compra de participações acionárias por valores acima do mercado. A operação envolveu também Petros, Postalis e Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. Não tardará, e todos também exigirão compensação.

Já ocorreu antes. Talvez o melhor exemplo — e o pior negócio para os segurados de Petros, Previ e Funcef e também para o contribuinte — seja o caso da Sete Brasil, o projeto megalomaníaco engendrado dentro da Petrobras para construir 28 sondas de perfuração e arrendá-las à estatal. O delírio resultava da euforia que sucedeu à descoberta do pré-sal. Seguia à risca o estapafúrdio manual nacional-desenvolvimentista que vê setores estratégicos por toda parte, havendo sempre a estranha coincidência entre o “estratégico” e o que favorece negociatas.

Pretendia-se lançar um programa de substituição de importações no setor petrolífero, no centro do qual estariam a Petrobras e suas compras bilionárias. À época, o GLOBO obteve um documento da Sete que fixava o custo do arrendamento das 28 sondas à estatal em US$ 87 bilhões. A exigência de “conteúdo nacional” esbarrava no problema óbvio: o Brasil não tinha nem tecnologia nem competência para competir no preço com fornecedores estrangeiros. Tudo terminou em prejuízo, e não só para os segurados dos fundos que entraram na aventura. Associada a eles e a bancos privados, a Petrobras desfez-se da Sete em 2020, dez anos depois de criada, pelo valor simbólico de € 7.

Passou da hora de banir homofobia, racismo e intolerância dos esportes

O Globo

Mesmo quem nunca pôs os pés num estádio sabe que ele é ambiente propício para que, em meio ao anonimato, proliferem atitudes preconceituosas, discriminatórias e até criminosas. A exemplo do que ocorre no gramado, a disputa nas arquibancadas também deveria seguir regras claras. Não é o que acontece. Cantos homofóbicos, ofensas racistas e atos de intolerância têm exposto um lado nada saudável do esporte.

Foi um alento a decisão de torcedores do Vasco de dar um basta a comportamentos homofóbicos. Na semana passada, torcidas organizadas assinaram um Código de Conduta em que se comprometem a combater a violência, o assédio e a discriminação. O acordo prevê punições — da advertência à suspensão — a quem desrespeitar as regras. Simbolizando a virada, na partida entre Vasco e Operário-PR, em São Januário, foram desfraldadas bandeiras com o arco-íris e exibidas faixas pedindo respeito à população LGBTQIA+.

Não deixa de ser louvável a guinada da nau cruz-maltina. Há três anos, o Vasco ficou em evidência pelos cantos homofóbicos entoados por sua torcida num jogo contra o São Paulo em São Januário. O árbitro Anderson Daronco interrompeu a partida até que parassem as ofensas. Infelizmente, trata-se de (mau) comportamento generalizado. Flamengo, Fluminense, Atlético-MG, Corinthians, entre outros, já foram criticados pelo mesmo motivo.

Outro tento contra a discriminação no esporte foi a coragem do ex-jogador Richarlyson, que se assumiu bissexual em entrevista ao podcast Nos Armários dos Vestiários, do portal ge. Vítima de ofensas e comentários homofóbicos ao longo da carreira, ele se mostra cético quanto à mudança de mentalidade no esporte: “Vai pintar uma manchete que o Richarlyson falou em um podcast que é bissexual. Legal. Aí vão chover reportagens, e o mais importante, que é a pauta, não vai mudar, que é a questão da homofobia”. Diferentemente de outros esportes, o futebol ainda é um ambiente em que machismo e homofobia são endêmicos.

Para justificar comportamentos inaceitáveis, não vale dizer que sempre foi assim. Atitudes outrora reprováveis já foram devidamente enquadradas. Torcedor que joga objetos no gramado pode levar seu time a ser multado e até perder o mando de campo. Os tempos estão mudando, como demonstra o pacto entre as torcidas vascaínas.

É verdade que, apesar das inúmeras campanhas, atitudes deploráveis ainda persistem. Nos últimos dias, repercutiu uma declaração em que o ex-piloto Nelson Piquet chama de “neguinho” o heptacampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton — após a grande repercussão do caso, Piquet se desculpou pela expressão racista. Nos jogos entre São Paulo e Boca Juniors e entre Palmeiras e Cerro Porteño, torcedores foram flagrados dirigindo ofensas racistas a jogadores.

Punir é fundamental, mas não basta. É preciso que federações, clubes e torcedores se empenhem para banir essas aberrações do esporte — de todos os esportes. Isso só acontecerá quando houver uma mudança de mentalidade. A estrada é longa.

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